Jornal do Vestibulando

Page 1

1496

Jornal do Vestibulando

ENSINO, INFORMAÇÃO E CULTURA

JORNAL ETAPA – 2015 • DE 02/07 A 15/07

ENTREVISTA

Apesar do nervosismo, ficou em 6o lugar em Jornalismo na USP. Vinicius Bernardes Mondin Guidio entrou em Jornalismo na ECA. Pretende se especializar em jornalismo político. Nesta entrevista ele conta como se preparou no cursinho e como organizou os estudos fora da sala de aula, criando uma grade de horários que cobria o dia todo. Como diz, “se você não lutar por seu sonho, ninguém vai lutar por você”.

Vinicius Bernardes Mondin Guidio Em 2014: Etapa Em 2015: Jornalismo – USP

JV – Quando e por que você escolheu Jornalismo como carreira? Vinicius – Decidi na 6a série. Na verdade, não era Jornalismo que eu queria, eu queria ser escritor. Um escritor esteve no colégio em que estudei e eu achei fantástico – queria ser escritor também. Mas não tem faculdade para ser escritor. A profissão que mais casava era Jornalismo.

Você terminou o Ensino Médio quando? Em 2013.

Você prestou vestibular ao sair do 3o ano? Prestei direto, mas por dois, três testes não passei na 1a fase da Fuvest.

Ao começar no cursinho, como estava seu ânimo? Comecei o cursinho animado e deu para manter o ritmo. O Etapa é como uma família, os professores, os plantonistas realmente estão preocupados se você vai fazer bem o curso. Mesmo naqueles dias em que você está se sentindo mal, alguém tem sempre uma mensagem de incentivo.

Qual era sua rotina de estudos? O meu ritmo de estudo era pesado. Eu chegava aqui próximo das 7 horas da manhã e ficava na Sala de Estudos até mais ou menos 1 hora da tarde. Almoçava correndo e ia para sala de aula. Saía das aulas e ficava no plantão até umas 9 horas da noite, quando não um pouco mais. Todo dia. Estudava muito.

ENTREVISTA

Vinicius Bernardes Mondin Guidio CONTO

A segunda vida – Machado de Assis

1 3

POIS É, POESIA

Casimiro de Abreu

5

Você manteve essa rotina o ano todo? No segundo semestre, por causa de uns problemas de saúde que tive, mudei essa rotina. Fiz uma grade de horários e segui essa grade. Alguns dias eu vinha para o Etapa de manhã e à noite estudava em casa. Outros dias eu ficava em casa de manhã e frequentava o plantão à noite, tirava as dúvidas.

Em quais matérias você recorria mais ao plantão? Em todas as matérias. Eu tinha muita dificuldade em Inglês, era a matéria que mais me levava ao plantão. O plantonista ajudava bastante. Física eu dava uma levada, era uma dúvida ou outra, quando o professor não tirava na sala. Em Química também dava uma levada. Biologia eu ia bastante por curiosidade, porque o plantonista dava uma explanada legal na dúvida.

Como era seu método de estudos? Eu pegava a matéria do dia. Foi o que os professores falaram, para não deixar acumular matéria, fazer no dia. E um dos segredos para passar é completar a apostila, ela engloba todo o conteúdo possível. Não digo tudo porque tudo é difícil, mas se você fechar os exercícios escritos e os testes, treinando as respostas como se já fosse a prova, dá certo.

Como você usava o simulado em seus estudos? Fazia a correção de cada teste que eu errava. Algumas vezes, quando eu via que tinha errado por não lembrar da matéria, eu voltava à matéria para fazer a correção. O que eu fazia principalmente

ARTIGO Pesquisadores brasileiros desen­volvem microchip para o LHC

Pesquisa avança no conhecimento sobre a organização das fibras de colágeno na pele

6 7

ENTRE PARÊNTESIS

Quem é o maquinista?

8

era usar os simulados para recuperar as matérias. O simulado proporcionava isso. Era bem legal para recuperar tudo que tinha esquecido.

Você leu as obras literárias indicadas pela Fuvest como obrigatórias? Li todas. E assisti às palestras sobre elas. As palestras dão outra visão. O professor analisa e mostra alguns pontos que passam despercebidos por você. Ele cria relações dentro da palestra, fala do que pode ser cobrado no vestibular. Meu conselho não é só assistir às palestras e nem só ler os livros. Assistir também às palestras on-line. E fazer resumo em cima da on-line também.

Você estudava nos fins de semana? Estudava.

Em ritmo igual ou menor do que nos outros dias? Não diminuía o ritmo. Só diminuí no fim do ano.

O que motivava você a manter esse ritmo? O que me motivava mais era o que falei dos plantonistas, dos professores. Sempre que cansava, eles estavam lá para dar uma palavra amiga.

Com que frequência você fazia redação? Uma vez a cada 15 dias, uma vez por semana. A partir do segundo semestre comecei a levar as redações com mais frequência ao plantão. O que sei de Redação é da Prof a Simone, aquele método que ela coloca, que você tem de enxergar que a Redação não é só Redação. A Redação é História, Geografia, Física, Química, tudo aqui-

VOCÊ SABIA QUE...

Leonardo da Vinci SERVIÇO DE VESTIBULAR

Inscrição

8 8


2

ENTREVISTA

lo que pode compor o argumento que você vai usar em seu texto.

O que você fez nas férias? Eu diminuí o ritmo. Acho que o ideal é não parar, mas diminuir o ritmo, descansar e dar uma olhada se ficou faltando alguma coisa das apostilas, colocar em ordem e fazer uma revisão daquilo, de uma maneira leve.

Na 1a fase da Fuvest, quantos pontos você fez? Fiz 64 pontos. A nota de corte foi 58.

O que achou de seu resultado? Estava de acordo com o que você fazia nos simulados? Eu esperava ter ido melhor. Por causa do nervosismo eu passei erradamente cinco testes para o gabarito. O nervosismo conta demais. Poderia ter me tirado do jogo. Era para ter tirado 69. Incluindo as cinco questões, a nota bateria com o que eu tirava nos simulados, por volta de 70.

Na 2a fase, qual foi sua nota no primeiro dia? Em Português eu tirei 68,75.

No 2o dia, a prova geral com 16 questões de Biologia, Física, Geografia, História, Inglês, Matemática e Química estava difícil? Eu achei tranquila. Tirei 75.

E no terceiro dia, na prova das matérias prioritárias da carreira, História e Geografia, como foi? Tirei 60,42.

As notas que tirou na 2a fase foram as que você esperava? Na 2a fase eu me surpreendi, as provas do Etapa eram mais difíceis.

Qual foi sua pontuação na Fuvest, na escala de zero a 1 000? 688,2.

Como você se classificou na carreira? Fiquei em 6o lugar [melhor do que 90% dos que foram aprovados na USP, em sua carreira].

Como ficou sabendo de sua aprovação na Fuvest? No dia da lista eu estava ansioso e ia ficar esperando sozinho em casa. Eu estava com um certo medo de vir para cá. Chegando na hora do almoço falei: “Já deve ter saído a lista. E se minha mãe não me ligou até agora é porque não passei”. Mas aí tocou o telefone, meu tio atendeu, deu um sorriso e disse que eu tinha passado.

Aí, o que você fez? Eu e minha mãe viemos para cá. Chegamos no finalzinho, vimos a lista e pegamos a camiseta [que os bichos ganham no dia da lista].

Existe algum segredo para entrar em Jornalismo na USP tão bem colocado? O segredo se chama Etapa. Não é jogar confete não, o segredo é o Etapa. É uma soma, o pro-

fessor faz uma parte e você faz a sua, trabalho conjunto. Se não tiver este trabalho conjunto vai ficar difícil. Os professores não desistem dos alunos aqui. O ideal é você acreditar no método, porque o método está certo, leva você a passar.

Você já conhecia a ECA? Eu tinha ido lá uma vez, assisti a uma palestra e me encantei com a ECA.

Como foi o dia da matrícula? Os veteranos já conheciam a gente, eles tinham feito um evento, uma pizza para a gente se conhecer e não ficar perdido na matrícula. Na matrícula foi bem legal. Tem uma recepção muito calorosa na USP.

Neste primeiro semestre, que matérias vo­cê teve? Laboratório de Iniciação ao Jornalismo, Doutrinas Políticas, Ciências da Linguagem I, Teoria da Comunicação I, Fundamentos Teóricos da História, História das Doutrinas Políticas, Técnicas Gráficas em Jornalismo.

De quais delas você está gostando mais? As que eu mais gosto são Teoria da Comunicação e Ciências da Linguagem. Ciências da Linguagem aborda a parte narrativa. Em Teoria da Comunicação, as aulas são com o autor da disciplina. Muito legal. Nenhuma matéria é difícil. Mas o curso é pesado porque eles começam a pedir neste final de semestre um monte de trabalhos, um monte de relatórios.

Do que você mais gosta na ECA? Você está na melhor universidade, você sabe que eles vão lhe dar uma formação diferenciada. Consequentemente, você vai se tornar um profissional diferenciado.

Você ainda sonha em ser escritor? Não mais.

Hoje você tem alguma dúvida em relação a Jornalismo? Eu tenho algumas certezas. Gosto da área, mas trabalhar no plantão do Etapa me proporcionou uma experiência muito diferente em relação ao que eu pensava. O professor Marcelo, formado em Engenharia, falou para mim que é incrível a sensação de dar aula, você não é só professor, é um construtor de sonhos, você acredita no que seu aluno está fazendo. Essa ideia de você ajudar seu aluno a construir um sonho é algo muito gratificante.

Em Jornalismo, o que você pretende seguir? Eu quero fazer jornalismo político.

Além das aulas, o que você está fazendo na USP? Fui convidado a fazer Iniciação Científica com o professor de Direito. O projeto é fazer a iniciação e depois ir direto para a pós na São Francisco para conhecer a parte de legislação e saber fazer jornalismo político. Antes da iniciação eu estava na Empresa Júnior, que é legal, mas saí para trabalhar no Etapa. Agora, eu e colegas fomos convidados por um radialista para partici-

Jornal do Vestibulando

par com ele, como comentaristas, da narração de jogos que a São Remo faz aos domingos [São Remo é uma comunidade na vizinhança da USP].

Você está trabalhando como plantonista de Redação no Etapa desde quando? Desde maio. Estou realmente adorando trabalhar aqui, ter contato com o aluno, o aluno entender realmente aquilo que você está falando. Veio um aluno falar comigo, ele foi trazendo uma, depois duas, quatro redações. Você vê o resultado, tem um salto. Você vibra com o aluno, com o que ele está conseguindo fazer.

O que você pode dizer ao pessoal que está se preparando este ano? É manter a dedicação. Se você não lutar por seu sonho, ninguém vai lutar por você. Não vou enganar, se o primeiro semestre é realmente pauleira, o segundo é ainda mais pesado – mas passa mais rápido. As matérias que mais pegam estão no segundo semestre, a parte de eletroquímica, gravitação, choques, colisões. Lá para frente você vai ver que aquilo que está fazendo agora vai dar resultado.

Como fica marcado para você o ano passado? Foi um dos melhores anos da minha vida. De todos os anos que eu estive na escola, o melhor ano foi no cursinho. O Etapa tem um diferencial. Ele incentiva a não ver os outros candidatos como concorrentes. Ele cria um ambiente em que um ajuda o outro, um ambiente de família. Muito legal e bem melhor pelo conteúdo. O cursinho cria responsabilidade em você, cria uma certa autonomia, você vai aprender se quiser. Depende de você, de seu esforço. O Etapa proporciona esse diferencial, dá esse plus ao aluno para que ele consiga chegar onde quer, seja a USP ou qualquer outra. O Etapa dá o suporte necessário para o aluno.

Você acha que está diferente de quando começou no cursinho? Demais. Em todos os aspectos, todos, todos. Tanto de estudo, porque você adquire conhecimento, quanto de comunicação. Meu pai falava assim, você vai entrar no cursinho, vai fazer muitos amigos e então, vai se distanciar do seu objetivo – aí não vai passar. Não é assim. O Etapa me proporcionou até outros meios de socialização, mudou muita coisa. Falo assim, o Etapa é a segunda família. Sou muito grato ao Etapa em todos os aspectos.

O que você diria a quem não conseguiu passar e está aqui de novo? Quem não passou tem que continuar tentando e não desacreditar. Num mês que você faz Etapa você já sai diferenciado. Já sai outra pessoa em todos os aspectos, principalmente em conteúdo.

O que você tira de lição do ano passado? Aprendi aqui a nunca dizer nunca. Tem de persistir.

Jornal ETAPA, editado por Etapa Ensino e Cultura REDAÇÃO: Rua Vergueiro, 1 987 – CEP 04101-000 – Paraíso – São Paulo – SP JORNALISTA RESPONSÁVEL: Egle M. Gallian – M.T. 15343


CONTO

3

A segunda vida Machado de Assis

M

onsenhor Caldas interrompeu a narração do desconhecido: – Dá licença? É só um instante. Levantou-se, foi ao interior da casa, chamou o preto velho que o servia, e disse-lhe em voz baixa: – João, vai ali à estação de urbanos, fala da minha parte ao comandante, e pede-lhe que venha cá com um ou dois homens, para livrar-me de um sujeito doido. Anda, vai depressa. E, voltando à sala: – Pronto, disse ele; podemos continuar. – Como ia dizendo a Vossa Reverendíssima, morri no dia vinte de março de 1860, às cinco horas e quarenta e três minutos da manhã. Tinha então sessenta e oito anos de idade. Minha alma voou pelo espaço, até perder a terra de vista, deixando muito abaixo a lua, as estrelas e o sol; penetrou finalmente num espaço em que não havia mais nada, e era clareado tão-somente por uma luz difusa. Continuei a subir, e comecei a ver um pontinho mais luminoso ao longe, muito longe. O ponto cresceu, fez-se sol. Fui por ali dentro, sem arder, porque as almas são incombustíveis. A sua pegou fogo alguma vez? – Não, senhor. – São incombustíveis. Fui subindo, subindo; na distância de quarenta mil léguas, ouvi uma deliciosa música, e logo que cheguei a cinco mil léguas desceu um enxame de almas, que me levaram num palanquim feito de éter e plumas. Entrei daí a pouco no novo sol, que é o planeta dos virtuosos da terra. Não sou poeta, monsenhor; não ouso descrever-lhe as magnificências daquela estância divina. Poeta que fosse, não poderia, usando a linguagem humana, transmitir-lhe a emoção da grandeza, do deslumbramento, da felicidade, os êxtases, as melodias, os arrojos de luz e cores, uma cousa indefinível e incompreensível. Só vendo. Lá dentro é que soube que completava mais um milheiro de almas; tal era o motivo das festas extraordinárias que me fizeram, e que duraram dois séculos, ou, pelas nossas contas, quarenta e oito horas. Afinal, concluídas as festas, convidaram-me a tornar à Terra para cumprir uma vida nova; era o privilégio de cada alma que completava um milheiro. Respondi agradecendo e recusando, mas não havia recusar. Era uma lei eterna. A única liberdade que me deram foi a escolha do veículo; podia nascer príncipe ou condutor de ônibus. Que fazer? Que faria Vossa Reverendíssima no meu lugar?

– Não posso saber; depende... – Tem razão; depende das circunstâncias. Mas imagine que as minhas eram tais que não me davam gosto a tornar cá. Fui vítima da inexperiência, monsenhor, tive uma velhice ruim, por essa razão. Então lembrou-me que sempre ouvira dizer a meu pai e outras pessoas mais velhas, quando viam algum rapaz: – “Quem me dera aquela idade, sabendo o que sei hoje!” Lembrou-me isto, e declarei que me era indiferente nascer mendigo ou potentado, com a condição de nascer experiente. Não imagina o riso universal com que me ouviram. Job, que ali preside a província dos pacientes, disse-me que um tal desejo era disparate; mas eu teimei e venci. Daí a pouco escorreguei no espaço: gastei nove meses a atravessá-lo até cair nos braços de uma ama-de-leite, e chamei-me José Maria. Vossa Reverendíssima é Romualdo, não? – Sim, senhor; Romualdo de Souza Caldas. – Será parente do padre Souza Caldas? – Não, senhor. – Bom poeta o padre Caldas. Poesia é um dom; eu nunca pude compor uma décima. Mas, vamos ao que importa. Conto-lhe primeiro o que me sucedeu; depois lhe direi o que desejo de Vossa Reverendíssima. Entretanto, se me permitisse ir fumando... Monsenhor Caldas fez um gesto de assentimento, sem perder de vista a bengala que José Maria conservava atravessada sobre as pernas. Este preparou vagarosamente um cigarro. Era um homem de trinta e poucos anos, pálido, com um olhar ora mole e apagado, ora inquieto e centelhante. Apareceu ali, tinha o padre acabado de almoçar, e pediu-lhe uma entrevista para negócio grave e urgente. Monsenhor fê-lo entrar e sentar-se; no fim de dez minutos, viu que estava com um lunático. Perdoava-lhe a incoerência das ideias ou o assombroso das invenções; podia ser até que lhe servissem de estudo. Mas o desconhecido teve um assomo de raiva, que meteu medo ao pacato clérigo. Que podiam fazer ele e o preto, ambos velhos, contra qualquer agressão de um homem forte e louco? Enquanto esperava o auxílio policial, monsenhor Caldas desfazia-se em sorrisos e assentimentos de cabeça, espantava-se com ele, alegrava-se com ele, política útil com os loucos, as mulheres e os potentados. José

Maria acendeu finalmente o cigarro, e continuou: – Renasci em cinco de janeiro de 1861. Não lhe digo nada da nova meninice, porque aí a experiência teve só uma forma instintiva. Mamava pouco; chorava o menos que podia para não apanhar pancada. Comecei a andar tarde, por medo de cair, e daí me ficou uma tal ou qual fraqueza nas pernas. Correr e rolar, trepar nas árvores, saltar paredões, trocar murros, cousas tão úteis, nada disso fiz, por medo de contusão e sangue. Para falar com franqueza, tive uma infância aborrecida, e a escola não o foi menos. Chamavam-me tolo e moleirão. Realmente, eu vivia fugindo de tudo. Creia que durante esse tempo não escorreguei, mas também não corria nunca. Palavra, foi um tempo de aborrecimento; e, comparando as cabeças quebradas de outro tempo com o tédio de hoje, antes as cabeças quebradas. Cresci; fiz-me rapaz, entrei no período dos amores... Não se assuste; serei casto, como a primeira ceia. Vossa Reverendíssima sabe o que é uma ceia de rapazes e mulheres? – Como quer que saiba?... – Tinha dezenove anos, continuou José Maria, e não imagina o espanto dos meus amigos, quando me declarei pronto a ir a uma tal ceia... Ninguém esperava tal cousa de um rapaz tão cauteloso, que fugia de tudo, dos sonos atrasados, dos sonos excessivos, de andar sozinho a horas mortas, que vivia, por assim dizer, às apalpadelas. Fui à ceia; era no Jardim Botânico, obra esplêndida. Comidas, vinhos, luzes, flores, alegria dos rapazes, os olhos das damas, e, por cima de tudo, um apetite de vinte anos. Há de crer que não comi nada? A lembrança de três indigestões apanhadas quarenta anos antes, na primeira vida, fez-me recuar. Menti, dizendo que estava indisposto. Uma das damas veio sentar-se à minha direita, para curar-me; outra levantou-se também e veio para a minha esquerda, com o mesmo fim. “Você cura de um lado, eu curo do outro”, disseram elas. Eram lépidas, frescas, astuciosas, e tinham fama de devorar o coração e a vida dos rapazes. Confesso-lhe que fiquei com medo e retraí-me. Elas fizeram tudo, tudo; mas em vão. Vim de lá de manhã, apaixonado por ambas, sem nenhuma delas, e caindo de fome. Que lhe parece? concluiu José Maria pondo as mãos nos joelhos, e arqueando os braços para fora. – Com efeito...


4

CONTO

– Não lhe digo mais nada; Vossa Reverendíssima adivinhará o resto. A minha segunda vida é assim uma mocidade expansiva e impetuosa, enfreada por uma experiência virtual e tradicional. Vivo como Eurico, atado ao próprio cadáver... Não, a comparação não é boa. Como lhe parece que vivo? – Sou pouco imaginoso. Suponho que vive assim como um pássaro, batendo as asas e amarrado pelos pés... – Justamente. Pouco imaginoso? Achou a fórmula; é isso mesmo. Um pássaro, um grande pássaro, batendo as asas, assim... José Maria ergueu-se, agitando os braços, à maneira de asas. Ao erguer-se, caiu-lhe a bengala no chão; mas ele não deu por ela. Continuou a agitar os braços, em pé, defronte do padre, e a dizer que era isso mesmo, um pássaro, um grande pássaro... De cada vez que batia os braços nas coxas, levantava os calcanhares, dando ao corpo uma cadência de movimentos, e conservava os pés unidos, para mostrar que os tinha amarrados. Monsenhor aprovava de cabeça; ao mesmo tempo afiava as orelhas para ver se ouvia passos na escada. Tudo silêncio. Só lhe chegavam os rumores de fora: – carros e carroças que desciam, quitandeiras apregoando legumes e um piano da vizinhança. José Maria sentou-se finalmente, depois de apanhar a bengala, e continuou nestes termos: – Um pássaro, um grande pássaro. Para ver quanto é feliz a comparação, basta a aventura que me traz aqui, um caso de consciência, uma paixão, uma mulher, uma viúva, D. Clemência. Tem vinte e seis anos, uns olhos que não acabam mais, não digo no tamanho, mas na expressão, e duas pinceladas de buço, que lhe completam a fisionomia. É filha de um professor jubilado. Os vestidos pretos ficam-lhe tão bem que eu às vezes digo-lhe, rindo, que ela não enviuvou senão para andar de luto. Caçoadas! Conhecemo-nos há um ano, em casa de um fazendeiro de Cantagalo. Saímos namorados um do outro. Já sei o que me vai perguntar: por que é que não nos casamos, sendo ambos livres... – Sim, senhor. – Mas, homem de Deus! É essa justamente a matéria da minha aventura. Somos livres, gostamos um do outro, e não nos casamos: tal é a situação tenebrosa que venho expor a Vossa Reverendíssíma, e que a sua teologia, ou o que quer que seja, explicará, se puder. Voltamos para a Corte, namorados. Clemência morava com o velho pai, e um irmão empregado no comércio; relacionei-me com ambos, e comecei a frequentar a casa, em Matacavalos. Olhos, apertos de mão, palavras soltas, outras ligadas, uma frase, duas frases, e estávamos amados e confessados. Uma

noite, no patamar da escada, trocamos o primeiro beijo... Perdoe estas cousas, monsenhor; faça de conta que me está ouvindo de confissão. Nem eu lhe digo isto senão para acrescentar que saí dali tonto, desvairado, com a imagem de Clemência na cabeça e o sabor do beijo na boca. Errei cerca de duas horas, planeando uma vida única; determinei pedir-lhe a mão no fim da semana, e casar daí a um mês. Cheguei às derradeiras minúcias, cheguei a redigir e ornar de cabeça as cartas de participação. Entrei em casa depois de meia-noite, e toda essa fantasmagoria voou, como as mutações à vista nas antigas peças de teatro. Veja se adivinha como. – Não alcanço... – Considerei, no momento de despir o colete, que o amor podia acabar depressa; tem-se visto algumas vezes. Ao descalçar as botas, lembrou-me cousa pior: – podia ficar o fastio. Concluí a toilette de dormir, acendi um cigarro, e, reclinado no canapé, pensei que o costume, a convivência podia salvar tudo; mas, logo depois, adverti que as duas índoles podiam ser incompatíveis; e que fazer com duas índoles incompatíveis e inseparáveis? Mas, enfim, dei de barato tudo isso, porque a paixão era grande, violenta; considerei-me casado, com uma linda criancinha... Uma? duas, seis, oito; podiam vir oito, podiam vir dez, algumas aleijadas. Também podia vir uma crise, duas crises, falta de dinheiro, penúria, doenças; podia vir alguma dessas afeições espúrias que perturbam a paz doméstica... Considerei tudo e concluí que o melhor era não casar. O que não lhe posso contar é o meu desespero; faltam-me expressões para lhe pintar o que padeci nessa noite... Deixa-me fumar outro cigarro? Não esperou resposta, fez o cigarro, e acendeu-o. Monsenhor não podia deixar de admirar-lhe a bela cabeça, no meio do desalinho próprio do estado; ao mesmo tempo notou que ele falava em termos polidos, e que, apesar dos rompantes mórbidos, tinha maneiras. Quem diabo podia ser esse homem? José Maria continuou a história, dizendo que deixou de ir à casa de Clemência, durante seis dias, mas não resistiu às cartas e às lágrimas. No fim de uma semana correu para lá, e confessou-lhe tudo, tudo. Ela ouviu-o com muito interesse, e quis saber o que era preciso para acabar com tantas cismas, que prova de amor queria que ela lhe desse. A resposta de José Maria foi uma pergunta. – Está disposta a fazer-me um grande sacrifício? disse-lhe eu. Clemência jurou que sim. “Pois bem, rompa com tudo, família e sociedade; venha morar comigo; casamo-nos depois desse noviciado.” Compreendo que Vossa Reverendíssima

arregale os olhos. Os dela encheram-se de lágrimas; mas apesar de humilhada, aceitou tudo. Vamos; confesse que sou um monstro. – Não, senhor... – Como não? Sou um monstro. Clemência veio para minha casa, e não imagina as festas com que a recebi. “Deixo tudo, disse-me ela; você é para mim o universo.” Eu beijei-lhe os pés, beijei-lhe os tacões dos sapatos. Não imagina o meu contentamento. No dia seguinte, recebi uma carta tarjada de preto; era a notícia da morte de um tio meu, em Santa Ana do Livramento, deixando-me vinte mil contos. Fiquei fulminado. “Entendo, disse a Clemência, você sacrificou tudo, porque tinha notícia da herança.” Desta vez, Clemência não chorou, pegou em si e saiu. Fui atrás dela, envergonhado, pedi-lhe perdão; ela resistiu. Um dia, dois dias, três dias, foi tudo vão; Clemência não cedia nada, não falava sequer. Então declarei-lhe que me mataria; comprei um revólver, fui ter com ela, e apresentei-lho: é este. Monsenhor Caldas empalideceu. José Maria mostrou-lhe o revólver, durante alguns segundos, tornou a metê-lo na algibeira, e continuou: – Cheguei a dar um tiro. Ela, assustada, desarmou-me e perdoou-me. Ajustamos precipitar o casamento, e, pela minha parte, impus uma condição: doar os vinte mil contos à Biblioteca Nacional. Clemência atirou-se-me aos braços, e aprovou-me com um beijo. Dei os vinte mil contos. Há de ter lido nos jornais... Três semanas depois casamo-nos. Vossa Reverendíssima respira como quem chegou ao fim. Qual! Agora é que chegamos ao trágico. O que posso fazer é abreviar umas particularidades e suprimir outras; restrinjo-me a Clemência. Não lhe falo de outras emoções truncadas, que são todas as minhas, abortos de prazer, planos que se esgarçam no ar, nem das ilusões de saia rota, nem do tal pássaro... plas... plas... plas... E, de um salto, José Maria ficou outra vez de pé, agitando os braços, e dando ao corpo uma cadência. Monsenhor Caldas começou a suar frio. No fim de alguns segundos, José Maria parou, sentou-se, e reatou a narração, agora mais difusa, mais derramada, evidentemente mais delirante. Contava os sustos em que vivia, desgostos e desconfianças. Não podia comer um figo às dentadas, como outrora: o receio do bicho diminuía-lhe o sabor. Não cria nas caras alegres da gente que ia pela rua: preocupações, desejos, ódios, tristezas, outras cousas, iam dissimuladas por umas três quartas partes delas. Vivia a temer um filho cego ou surdo-mudo, ou tuberculoso, ou assassino etc. Não conseguia dar um jantar que


CONTO não ficasse triste logo depois da sopa, pela ideia de que uma palavra sua, um gesto da mulher, qualquer falta de serviço podia sugerir o epigrama digestivo, na rua, debaixo de um lampião. A experiência dera-lhe o terror de ser empulhado. Confessava ao padre que, realmente, não tinha até agora lucrado nada; ao contrário, perdera até, porque fora levado ao sangue... Ia contar-lhe o caso do sangue. Na véspera, deitara-se cedo, e sonhou... Com quem pensava o padre que ele sonhou? – Não atino... – Sonhei que o Diabo lia-me o Evangelho. Chegando ao ponto em que Jesus fala dos lírios do campo, o Diabo colheu alguns e deu-mos. “Toma, disse-me ele;

são os lírios da Escritura; segundo ouviste, nem Salomão, em toda a pompa, pode ombrear com eles. Salomão é a sapiência. E sabes o que são estes lírios, José? São os teus vinte anos.” Fitei-os, encantado; eram lindos como não imagina. O Diabo pegou deles, cheirou-os e disse-me que os cheirasse também. Não lhe digo nada: no momento de os chegar ao nariz, vi sair de dentro um réptil fedorento e torpe, dei um grito, e arrojei para longe as flores. Então, o Diabo, escancarando uma formidável gargalhada: “José Maria, são os teus vinte anos”. Era uma gargalhada assim: – cá, cá, cá, cá, cá... José Maria ria à solta, ria de um modo estridente e diabólico. De repen-

5

te, parou; levantou-se e contou que, tão depressa abriu os olhos, como viu a mulher diante dele aflita e desgrenhada. Os olhos de Clemência eram doces, mas ele disse-lhe que os olhos doces também fazem mal. Ela arrojou-se-lhe aos pés... Neste ponto a fisionomia de José Maria estava tão transtornada que o padre, também de pé, começou a recuar, trêmulo e pálido. “Não, miserável! não! tu não me fugirás!” bradava José Maria, investindo para ele. Tinha os olhos esbugalhados, as têmporas latejantes; o padre ia recuando... recuando... Pela escada acima ouvia-se um rumor de espadas e de pés. Extraído de: Machado de Assis, Histórias divertidas, São Paulo, Editora Ática, 2008.

POIS É, POESIA

Casimiro de Abreu (1839-1860) Minh’alma é triste

M inh’alma é triste como a rola aflita

Que o bosque acorda desde o alvor da aurora, E em doce arrulo que o soluço imita O morto esposo gemedora chora. E, como a rola que perdeu o esposo, Minh’alma chora as ilusões perdidas, E no seu livro de fanado gozo Relê as folhas que já foram lidas. E como notas de chorosa endeixa Seu pobre canto com a dor desmaia, E seus gemidos são iguais à queixa Que a vaga solta quando beija a praia. Como a criança que banhada em prantos Procura o brinco que levou-lhe o rio, Minh’alma quer ressuscitar nos cantos Um só dos lírios que murchou o estio. Dizem que há, gozos nas mundanas galas, Mas eu não sei em que o prazer consiste. – Ou só no campo, ou no rumor das salas, Não sei porque – mas a minh’alma é triste! II

Às vezes, louca, num cismar perdida, Minh’alma triste vai vagando à toa, Bem como a folha que do sul batida Boia nas águas de gentil lagoa! E como a rola que em sentida queixa O bosque acorda desde o albor da aurora, Minh’alma em notas de chorosa endeixa Lamenta os sonhos que já tive outrora. Dizem que há gozos no correr dos anos!... Só eu não sei em que o prazer consiste. – Pobre ludíbrio de cruéis enganos, Perdi os risos – a minh’alma é triste! III

M inh’alma é triste como a flor que morre Pendida à beira do riacho ingrato; Nem beijos dá-lhe a viração que corre, Nem doce canto o sabiá do mato!

E como a flor que solitária pende Sem ter carícias no voar da brisa, Minh’alma murcha, mas ninguém entende Que a pobrezinha só de amor precisa!

M inh’alma é triste como a voz do sino

Carpindo o morto sobre a laje fria; E doce e grave qual no templo um hino, Ou como a prece ao desmaiar do dia.

Amei outrora com amor bem santo Os negros olhos de gentil donzela, Mas dessa fronte de sublime encanto Outro tirou a virginal capela.

Se passa um bote com as velas soltas, Minh’alma o segue n’amplidão dos mares; E longas horas acompanha as voltas Das andorinhas recortando os ares.

Oh! quantas vezes a prendi nos braços! Que o diga e fale o laranjal florido! Se mão de ferro espedaçou dois laços Ambos choramos mas num só gemido!

Dizem que há gozos no viver d’amores, Só eu não sei em que o prazer consiste! – Eu vejo o mundo na estação das flores Tudo sorri – mas a minh’alma é triste! IV

M inh’alma é triste como o grito agudo Das arapongas no sertão deserto; E como o nauta sobre o mar sanhudo, Longe da praia que julgou tão perto!

A mocidade no sonhar florida Em mim foi beijo de lasciva virgem: – Pulava o sangue e me fervia a vida, Ardendo a fronte em bacanal vertigem. De tanto fogo tinha a mente cheia!... No afã da glória me atirei com ânsia... E, perto ou longe, quis beijar a s’reia Que em doce canto me atraiu na infância. Ai! loucos sonhos de mancebo ardente! Esp’ranças altas... Ei-las já tão rasas!... – Pombo selvagem, quis voar contente... Feriu-me a bala no bater das asas! Dizem que há gozos no correr da vida... Só eu não sei em que o prazer consiste! – No amor, na glória, na mundana lida, Foram-se as flores – a minh’alma é triste!

Extraído de: Eu e outras poesias, Livraria São José, Rio de Janeiro, 1965.


6

ARTIGO

Pesquisadores brasileiros desenvolvem microchip para o LHC Elton Alisson

Pesquisadores do Instituto de Física (IF) e da Escola Politécnica (Poli) da Universidade de São Paulo (USP), em colaboração com o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e o Instituto de Física Gleb Wataghin da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), estão desenvolvendo um microchip para ser usado em um dos experimentos do maior acelerador de partículas do mundo: o Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês), da Organização Europeia para Pesquisa Nuclear (CERN), na Suíça. A segunda versão do protótipo do chip, desenvolvido no âmbito do “Projeto de um Asic de aquisição e processamento digital de sinais para o Time Projection Chamber do Experimento ALICE”, apoiado pela FAPESP, deverá ser concluída no próximo mês de julho. “A ideia é que essa segunda versão do protótipo do chip seja testada em setembro e, se tudo der certo, a produção seja iniciada em 2016”, disse Marcelo Gameiro Munhoz, professor do IF -USP e participante do projeto, à Agência FAPESP. De acordo com o professor, o chip, batizado como Sampa, será usado no ALICE (sigla de A Large Ion Collider Experiment) – um dos quatro grandes experimentos do LHC, que envolve cerca de 1,3 mil cientistas de mais de 30 instituições de pesquisas ao redor do mundo, incluindo o IF -USP. O experimento deverá passar nos pró­ ximos anos por um processo de atualização com o objetivo de estudar fenômenos mais raros a partir de partículas produzidas em colisões de íons pesados a partir de 2020, quando será aumentada a taxa de produção de colisões no LHC de 500 hertz (Hz) para cerca de 50 quilohertz (kHz). “O LHC interrompeu as atividades em 2013 e está retomando-as agora para aumentar a energia no centro de massa do colisor [de 7 a 8 teraelétrons-volts (TeV) para 13 TeV]”, explicou Munhoz. “Entre 2018 e 2019 está prevista uma nova paralisação para aumentar a taxa de colisão do acelerador. Para isso, o ALICE também precisa passar por um processo de atualização porque o atual sistema de detecção do experimento não conseguirá funcionar com o aumento da taxa de colisões”, afirmou.

Segundo o professor, uma das mudanças que deverão ser feitas no ALICE nos pró­ ximos anos é nos dispositivos microeletrônicos – os chips – integrados a dois dos detectores usados pelo experimento: o TPC (sigla de Time Projection Chamber) – o principal sistema de reconstrução de trajetórias das partículas do experimento – e o Muon Chamber – um detector frontal de múons (partículas parecidas com elétrons, mas 200 vezes mais pesadas). A fim de conseguir detectar o alto número de colisões de íons pesados que serão geradas no LHC a partir de 2020, os chips conectados ao TPC e ao Muon Chamber precisarão funcionar continuamente, sem usar o chamado trigger ou gatilho, em português – sistema utilizado para identificar os eventos em um detector de partículas que devem ser gravados para análise posterior. “O trigger dispara um sinal de que houve uma colisão de partículas no detector e, normalmente, os chips conectados ao TPC e ao Muon Chamber só começam a processar e armazenar dados quando chega esse sinal”, explicou Munhoz. “Com o aumento da taxa de colisões, os chips precisarão passar a adquirir dados de forma contínua, sem precisar de um gatilho que indique quando devem começar a operar”, afirmou.

Múltiplas funções De acordo com Munhoz, o chip Sampa foi projetado para fazer a leitura de dados de detectores a gás, como o TPC e o Muon Chamber. Os dois detectores possuem uma câmera com gás que, ao ser atravessado por uma partícula, é ionizado – tem os elétrons arrancados pela partícula. Um sensor, situado na extremidade dos detectores, multiplica o número de elétrons arrancados do gás e gera um pulso de carga que é captado por um conjunto de chips conectados hoje ao TPC e ao Muon Chamber, que amplifica e dá forma a esse sinal. Em seguida, outro grupo de chips transforma esse sinal em um conjunto de bits e faz um pré-processamento digital desses dados, a fim de diminuir a quantidade de informação a ser armazenada e analisada posteriormente pelos pesqui-

sadores participantes do experimento, explicou Munhoz. “O grande desafio do Sampa será integrar em um único circuito eletrônico esse conjunto de funções que hoje são desempenhadas por vários chips”, afirmou. Serão produzidos 80 mil chips para instrumentalizar os detectores TPC e Muon Chamber, com custo estimado de US$ 1 milhão. Feito em silício e medindo 9 milímetros (mm) de comprimento por 9 mm de largura, o chip será fabricado por uma empresa em Taiwan, uma vez que não há uma indústria no Brasil com capacidade de produzir chips com as especificações do Sampa. “Como o desafio do Sampa é integrar várias funções em um único chip, é preciso tecnologia avançada para fazer com que caiba tudo em um único circuito eletrônico”, disse Munhoz. De acordo com o professor, o investimento de US$ 1 milhão que será feito para produzir o chip representará 0,5% do custo total do ALICE, orçado em US$ 200 milhões, e será a primeira contribuição em instrumentação para o experimento do grupo de pesquisadores brasileiros no experimento. “Nos integramos ao ALICE em 2006 e, desde então, temos acesso aos mesmos dados de qualquer outro colaborador do experimento e realizado pesquisas científicas em colaboração. Mas, até então, não tínhamos conseguido colaborar na construção dos detectores”, afirmou Munhoz. O experimento ALICE é voltado a es­ tudar o chamado plasma de quarks e glúons – um estado da matéria que estima-se ter existido durante os primeiros microssegundos após o nascimento do Universo, no Big Bang. Os quarks e glúons estão sempre confinados dentro de hádrons – como são chamadas partículas de grande massa, como prótons, nêutrons e o méson pi –, que nunca foram observados em estado livre, fora dessas partículas. Ao formar um plasma de quarks e glúons em laboratório seria possível criar uma “sopa” dessas partículas não confinadas nos hádrons e estudar esse fenômeno do confinamento, que ainda é um mistério para a Física, afirmou Munhoz.


ARTIGO “Como o ALICE está mais interessado em medir a trajetória das partículas produzidas em colisões de núcleos, que são centenas de vezes mais numerosas do que em colisões de prótons, o experimento gera um conjunto maior de dados por colisão do que outros experimentos do LHC, como o ATLAS e o CMS [que comprovaram, em 2012, a existência do bóson de Higgs – partícula que explica a origem da massa das partículas elementares], afirmou. “O chip Sampa terá que lidar com uma quantidade ainda maior de dados que

deverão ser gerados pelo experimento a partir de 2020”, avaliou. De acordo com ele, além do ALICE, há outros experimentos fora do LHC interessados no chip Sampa, como o Solenoidal Tracker At RHIC (STAR) do acelerador Relativistic Heavy Ion Collider (RHIC), localizado nos Estados Unidos. E, além do uso em detectores de partí­ culas, o chip está sendo estudado em outras aplicações, como para produzir ima-­ gens de raios X “coloridos” – que regis-

7

tram a frequência dos raios X emitidos – e para medição de nêutrons emitidos em reatores nucleares. “Como o chip Sampa é bastante compacto, o dispositivo é muito útil para instrumentalizar detectores grandes, como os do experimento ALICE, e também detectores de nêutrons voltados à realização de neutrongrafia [técnica de obtenção de imagem por nêutrons]”, afirmou Munhoz. Extraído de: Agência FAPESP – Divulgando a cultura científica, jun./2015.

Pesquisa avança no conhecimento sobre a organização das fibras de colágeno na pele Karina Toledo

Desvendar como se organizam as fibras de colágeno da pele e de outros tecidos do corpo humano pode trazer informações preciosas para os cirurgiões e abrir caminho para o desenvolvimento de novas terapias regenerativas. Há quase 50 anos, esse tem sido um dos principais objetivos de Benedicto de Campos Vidal, professor emérito do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ainda em 1965, em artigo pioneiro publicado na revista Protoplasma, o pesquisador anunciou a sistematização de uma propriedade óptica nas fibras de colágeno típica de materiais cristalinos e com alta organização molecular: a birrefringência de forma. “Ao atravessar um material birrefringente, a luz é dividida e obrigada a se propagar em duas direções diferentes – uma perpendicular à outra. Se esse objeto for iluminado por uma luz polarizada (cujas ondas se propagam em uma única direção, como o laser), ele brilha”, explicou Vidal. Tal trabalho foi usado como modelo de comparação em pesquisas que visam à geração de segundo harmônico – fenômeno óptico não linear que ocorre quando determinados materiais são iluminados por um laser e passam a emitir uma luz de cor diferente e com o dobro da frequência original. Uma das muitas aplicações é a produção de laser azul pela incidência de laser vermelho, tecnologia usada nos aparelhos do tipo blu-ray, por exemplo. O fenômeno também vem sendo estudado para o desenvolvimento de processadores quânticos fotônicos, muito mais rápidos que os atuais. Com base nessa capacidade das fibras de colágeno de interagir com a luz, o pesquisador desenvolveu uma metodologia para

detectar e medir a birrefringência de forma nesse material. Os resultados dos estudos mais recentes, feitos em pele de rato e com apoio da FAPESP, foram divulgados em artigo na revista PLoS One. Com auxílio de um microscópio de polarização, o grupo coordenado por Vidal analisou amostras de pele incluídas em parafina e cortadas em pedaços com espessura de 8 a 40 micrômetros – menos da metade da espessura de um fio de cabelo. “O microscópio de polarização possui uma fenda onde colocamos um cristal compensador. Ele tem esse nome porque combina a birrefringência dos feixes de colágeno com a sua própria birrefringência. Quando essas medidas são iguais, a birrefringência do colágeno é anulada e a imagem dos feixes fica escura. Quando a estrutura molecular da fibra está em oposição à estrutura do cristal, os feixes brilham”, explicou Vidal. O brilho emitido não é homogêneo, pois varia de acordo com a direção das fibras de colágeno que se agregam para formar os feixes. “Mesmo dentro de um feixe há variação de brilho, pois as fibras se retorcem formando hélices. Os feixes também se enrolam formando hélices de hélices, em uma estrutura chamada helicoidal”, disse. Uma câmera acoplada ao microscópio de polarização capta a imagem e a transfere para um computador. Por meio da análise estatística da variação do brilho reproduzido no monitor, foi possível estudar o padrão de distribuição de fibras de colágeno. “Também medimos a birrefringência em nanômetros por análise de imagem e por compensação da birrefringência”, disse Vidal.

Cristal líquido Essa metodologia para detectar e medir a birrefringência já havia sido proposta por Vidal em trabalhos anteriores e foi usada por outros pesquisadores para descrever a distribuição das fibras de colágeno existentes nos tendões. “Também tem sido usada para a obtenção de membranas de sílica com propriedades ópticas interessantes para a transmissão de informações e uso em comunicação”, contou. No trabalho mais recente, o grupo da Unicamp mostrou que as fibras de colágeno da pele apresentam as mesmas propriedades ópticas não lineares que as dos tendões, abrindo caminho para novos tratamentos. “Quando a pele é apertada ou massageada, os fibroblastos – células que sintetizam as moléculas precursoras do colágeno – recebem sinais topográficos emitidos pelas fibras e rea­gem. Conhecendo a distribuição das fibras na pele é possível, por meio de luzes (efeitos fotônicos) e massagens especiais, aumentar a circulação sanguínea e estimular o metabolismo, favorecendo a recuperação das células da derme”, destacou Vidal. Segundo o pesquisador, o conhecimento pode gerar também novas aplicações na área de Física. “Minha teoria é que os feixes de colágeno, na pele como no tendão, não estão em estado sólido, nem líquido e, claro, nem gasoso. São, na verdade, cristal líquido e poderiam ser usados para conduzir a luz assim como a fibra óptica”, afirmou. Extraído de: Agência FAPESP – Divulgando a cultura científica, fev./2013.


8

(ENTRE PARÊNTESIS)

Quem é o maquinista? Em um trem, João, Roberto e Antônio são o foguista, o guarda-freios e o maquinista, mas não respectivamente. Do mesmo modo, são passageiros nesse trem três homens de negócios, que têm os mesmos nomes: um Sr. João, um Sr. Roberto e um Sr. Antônio. RESPOSTA 1) O Sr. Roberto mora em São Paulo. 2) O guarda-freios mora exatamente a meio caminho de Rio de Janeiro e São Paulo. 3) O Sr. Antônio ganha exatamente R$ 1.000,00 por mês. 4) O vizinho mais próximo do guarda-freios, um dos passageiros, ganha exatamente três vezes mais que o guarda-freios. 5) João vence o foguista no bilhar. 6) O passageiro cujo nome é o mesmo que o do guarda-freios mora no Rio de Janeiro. Agora responda: quem é o maquinista?

1) O Sr. Roberto mora em São Paulo. 2) O guarda-freios (e vizinhos, é claro) não mora no Rio nem em São Paulo. 3) O Sr. Antônio não pode ganhar o triplo exato de ninguém, pois 1 000 não é múltiplo de três. 4) O Sr. X, vizinho do guarda-freios, ganha o triplo exato de alguém. 5) João é guarda-freios ou maquinista. 6) O Sr. Y mora no Rio e Y é o nome do guarda-freios. Logo, o Sr. X não mora no Rio, nem em São Paulo, e assim não é o Sr. Roberto. O Sr. X também não pode ser o Sr. Antônio (3). Assim, Sr. X é o Sr. João. Logo, Sr. Y é o Sr. Antônio e Y, o guarda-freios, é Antônio (6). Daí: João é o maquinista.

VOCÊ SABIA QUE... ... Mona Lisa é a obra de arte mais fotografada no mundo? E que Leonardo da Vinci, seu criador, é considerado a síntese do homem renascentista? Genial pintor, escultor, en­genheiro, are, como diretor das festas promovidas quiteto e cien­tista, Leonardo investigou pela corte, organizou competições, rediversos domínios da ciên­cia e da arte, presentações e torneios, para muitos legando-nos amplas experiências e des­ dos quais desenhou cenários e figuricobertas que ajudaram a formar o mundo nos. Além disso, dedicou-se ao estudo contemporâneo. da Anatomia, Botânica, Física, Geologia e Matemática. Como o próprio no­ Nesse período, pinme sugere, Leonardo tou al­gumas de suas nasceu em Vinci, próobras-primas, como ximo a Florença, na a primeira versão de Itália, em 15 de abril A virgem dos rochede 1452. Desde cedo dos e A última ceia. se dedicou ao desenho e à pintura, trabaNuma época de lhando com o grande in­tensas disputas pomestre Andréa del ­líticas, Leonardo perVerrocchio por uma ­manecia como um ar­ década, antes de tritista dos mais qua­lilhar seu próprio camificados: projetou um nho. palácio para Charles d'Ambroise, gover­ Leonardo soube con­ nador francês; esteciliar suas atividades ve sob prote­ção de artísticas com serviços, Giuliano de Médici, digamos assim, mais pragmáticos. A serviHomem vitruviano, 1490, de Leonardo da irmão do papa Leão X, ço de Ludovico Sforza, Vinci. Acompanhado de notas, estabelece época na qual apro proporções humanas. fundou suas pesquigovernador de Milão, sas ópticas e matedesenvolveu vários pro-­ máticas. Depois da morte de Giuliano, jetos de engenharia militar, realizou estudos hidráulicos sobre os canais da cidade em 1516, Leonardo foi para Ambroise,

a convite de Francisco I, que o nomeou primeiro-pintor, engenheiro e arquiteto do rei. Leonardo voltou sua curiosidade para todos os campos do saber e da arte, e em cada um deles afirmou seu gênio. Um dos exemplos que ajudam a demonstrar a grandiosidade de Da Vinci é o fato de ele ter realizado pesquisas originais sobre os centros de gravidade – antecipando-se, desse modo, a Galileu. Detentor de uma perspicácia das mais afiadas, Leonardo, a partir do voo dos pássaros, determinou os princípios da construção de um aparelho mais pesado do que o ar, capaz de voar com a ajuda da força do vento. Em seus arquivos encontram-se esboços de um aparelho bastante parecido com o helicóptero moderno e o esquema de uma asa-delta. Como resultado de suas atividades militares, projetou canhões, metralhadoras, carros de combate, pontes móveis e barcos, bem como estudos sobre estratégias de combate, o esquema de um submarino e bombardas (uma espécie de catapulta). Entre outras tantas atividades, como se não fosse o suficiente, antecipou-se aos urbanistas com seus projetos de cidades. Fonte: Nova enciclopédia Barsa.

SERVIÇO DE VESTIBULAR Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS) Período de inscrição: até 15 de julho de 2015. Somente via internet. Endereço da faculdade: avenida Goiás, 3 400 – Barcelona – São Caetano do Sul – SP – CEP: 09521-310 – Telefone: (11) 4239-3200. Requisito: taxa de R$ 50,00. Cursos e vagas: consultar site www.uscs.edu.br Exame: dia 19 de julho de 2015.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.