Jornal do vestibulando - 1499

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Jornal do Vestibulando

ENSINO, INFORMAÇÃO E CULTURA

JORNAL ETAPA – 2015 • DE 03/09 A 16/09

ENTREVISTA

“Eu ia bastante ao plantão para Redação... Deu para melhorar bastante.” Arthur Terra Voi ao terminar o Ensino Médio conseguiu 50 pontos na 1a fase da Fuvest. Sabia que não estava preparado. Pegou firme no cursinho e ficou 20 pontos acima da nota de corte de Direito USP. Na classificação geral foi o 30o colocado. Aqui ele conta como se decidiu pela área de Humanas e como se preparou para os vestibulares, superando defasagens e aprendendo a estudar.

Arthur Terra Voi Em 2014: Etapa Em 2015: Direito – USP

JV – O que levou você a escolher a carreira de Direito? Arthur – Sempre quis fazer alguma coisa em que pudesse ajudar as pessoas. Tenho esse lado muito forte. Pensei em Medicina no começo, mas Biologia não era a minha. Exatas também não, apesar de ter cursado eletrônica na Federal. Vi que minha área era Humanas e comecei a pesquisar sobre as carreiras. Acabei optando por Direito. Além da Fuvest, você prestou quais vestibulares? Prestei Unesp para Relações Internacionais e Unicamp para Administração em Limeira. Pelo Enem eu me inscrevi no Sisu para uma vaga no curso de Direito da UFMG. Passei em todas. Três cursos diferentes. Você estava em dúvida sobre a carreira? Não, queria mesmo era Direito na São Francisco. As outras eram para o caso de falhar. Como você veio para o Etapa? Na Federal o Etapa é bem famoso. Meu primo também fez o cursinho aqui e entrou na Pinheiros. Então optei pelo Etapa. Antes do cursinho, você prestou Fuvest para a São Francisco? Prestei direto. Estava despreparado. Fiz só 50 pontos na 1a fase. Como foi seu início aqui? Estava animado porque sabia que aqui eu ia superar muita defasagem que eu tinha. Sabia que tinha tudo para aprender e que só dependia de

ENTREVISTA

Arthur Terra Voi

Esse ânimo se manteve ao longo do ano? O tempo todo. Sempre consegui manter minhas notas nos simulados da Fuvest acima de 70, com exceção de um simulado, em agosto, em que tirei 64. Foi um baque. Mas aí ralei mais, foquei mais e consegui me recuperar. Subi para 70 de novo. Como era seu método de estudo? No primeiro semestre, terminada a aula, eu ficava na Sala de Estudos até as 4 horas, 4 e pouco. Fazia todos os exercícios que os professores tinham passado. Às vezes dava uma lida para adiantar alguma coisa para a próxima aula. No fim de semana em que não tinha simulado, como eu já tinha feito os exercícios durante a semana, também dava uma adiantada para a semana seguinte. E no segundo semestre? Aí a matéria passa a ser mais complexa, aumenta o número de exercícios e começam a se aproximar as provas. Então eu ficava na Sala de Estudos até 8 horas da noite. Além de continuar estudando no fim de semana, procurava ler bastante jornal durante a semana. É importante. Você fez o JADE (Reforço para Jornalismo, Administração, Direito e Economia)? Fiz o JADE, sábado de manhã. Nos simulados do JADE, em que faixas você ficava? C mais, B.

POIS É, POESIA

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CONTO

Adão e Eva – Machado de Assis

mim me dedicar, estudar e correr atrás das coisas para realizar meu sonho.

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Fernando Pessoa (Alberto Caeiro) ARTIGO Projeto pretende avançar o conhecimento sobre explosões solares

Os Lusíadas

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Em quais matérias você tinha mais dificuldades? Apesar de gostar bastante de História e Geografia, meu Ensino Médio foi defasado nessas matérias. Aqui você passou a ver alguma matéria de forma diferente? Matemática. Eu tinha meio que preconceito, não gostava. Apesar de ter sido muito pesada no Ensino Médio, eu não conseguia entender. Aqui, como você pega desde o comecinho e vê o raciocínio inteiro da Matemática, você tem uma linha, passei a ver com outros olhos, a gostar de fazer os exercícios e de ajudar outros com o conhecimento que eu tinha. Em que matérias você recorria mais ao Plantão de Dúvidas? Eu ia bastante ao plantão para Redação. Ia muito, atormentava o plantonista. Você chegou a utilizar o Plantão Virtual? Usava muito mesmo. Quando tinha alguma dúvida eu ia lá para entender. Quando não conseguia entender a resolução, procurava os plantonistas. Como você treinava Redação? No primeiro semestre eu fazia uma por mês. No segundo semestre fazia uma a cada duas semanas, fora as dos simulados e as obrigatórias. No final do ano fazia uma por semana. Qual foi seu desenvolvimento em Redação? Deu para melhorar bastante. Comecei tirando 6, 6,5. C menos, C mais. No final eu às vezes alcançava um B. Tirei 7,5 e 8.

ENTRE PARÊNTESIS

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Milhões

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SERVIÇO DE VESTIBULAR

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Inscrições

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ENTREVISTA

Como você usava os simulados para seus estudos? Eu saía dos simulados e relaxava, missão cumprida. Chegava segunda-feira, pegava a resolução, corrigia o simulado direitinho, pegava os erros, procurava entender por que tinha errado. Eu tinha aquela folhinha de acompanhamento psicológico, colocava o motivo do erro e aquilo me ajudava bastante. Por exemplo, se anotava sete erros de falta de atenção, prestava mais atenção no simulado seguinte. A prática nos simulados ajudou no vestibular? Sim. É muito importante fazer provas. É muito diferente conhecer a matéria e fazer um vestibular. Vestibular é quase uma coisa à parte, você tem que treinar. E nada melhor para treinar do que os simulados do Etapa. Você tem que se acostumar a fazer prova porque no dia você não pode dizer que sabia, mas não deu tempo. Vai ficar igual a quem não sabia. No começo o tempo nunca era suficiente, terminava o simulado correndo. No final terminava até um pouco antes, corrigia, via o gabarito. Você conseguiu terminar o primeiro semestre em dia com a matéria? Razoavelmente, sim. Acho que faltou uma lista de exercícios que eu consegui fazer nas férias, mas bem tranquilo. Nas férias eu estudava quando dava vontade, quando não tinha outra coisa paZra fazer. Li alguma coisa das obras obrigatórias e vi vários vídeos que eu achava interessantes, com assuntos que podiam cair. Só lia uma hora por dia, duas horas. De resto, descansava. Qual a diferença entre só ler as obras indicadas pela Fuvest e também assistir às palestras sobre elas? Totalmente diferente. O professor passa uma visão do livro que muitas vezes você não tinha enxergado, deixando passar um monte de detalhes. Só quando o professor explica nas palestras você tem nova dimensão do que é a obra de verdade. Acho que é muito interessante reler o livro depois da palestra. Você percebe que a leitura vai ser muito mais proveitosa. Então você leu os livros também depois das palestras? Reli principalmente os tópicos mais importantes que o professor mencionou, dava uma olhada naquelas passagens. E perto do vestibular usei os resumos para dar uma lembrada. Você praticava alguma atividade física? Eu fazia jiu-jitsu terça e quinta. Eu saía daqui e ia praticar. Lutava, dava uma relaxada. Parecia que esvaziava a mente. Isso no primeiro semestre. No segundo semestre não deu mais. Ia menos, uma vez por mês. a

Na 1 fase da Fuvest, qual foi sua pontuação? Com o bônus ficou em 77 e o corte foi 57. Você ficou 20 pontos acima do corte. O que achou dessa nota? Nos simulados eu fazia 70, 72 pontos. Mas sabia que na prova para valer talvez caísse a nota

e me preparava para tirar 65. No dia da prova veio a pressão de verdade, eu senti, todo mundo sente. Eu saí da prova achando que ia ficar no corte. Na hora em que vi a nota fiquei muito feliz. Sabia que tinha chance de passar.

Vamos a seu desempenho na 2a fase. Qual foi sua nota no primeiro dia, prova de Português, com Redação e 10 questões dissertativas? Em Português fiquei com 6,5 na média. Tirei 6 na Redação e 7 nas questões. O problema foi de tempo, não consegui terminar a Redação. Acho que até foi boa a nota 6, perto do que eu esperava. No segundo dia, na prova geral com 16 questões, quanto você tirou? 6,8. E no terceiro dia, das matérias prioritárias da carreira, Matemática, História e Geografia? Tirei 6. Na escala de zero a 1 000, qual foi sua pontuação na Fuvest? 720 pontos, com bônus. Direito na São Francisco tem 368 vagas. Qual foi sua classificação na carreira? 30o lugar. Como ficou sabendo de sua aprovação? Eu achava que não ia ter coragem de vir ao Etapa esperar a lista. Mas vim com um amigo. Na hora em que vi chegando a lista o coração parecia que ia sair pela boca. O que você pensou naquele momento? Você pensa: “Será que deu certo?” Você vê tudo que fez no último ano, todo mundo que te ajudou, que participou de alguma forma de seu percurso. E na hora em que vê seu nome na lista você desaba, tira um peso enorme das costas. Uma sensação deliciosa. Acho que nunca mais vou passar de novo por sensação igual. Como foi no dia da matrícula? Fui sozinho. Encontrei um amigo que também passou. Foi legal. A gente fez a matrícula, depois foi só festa. Pintar, brincar, pedir dinheiro no semáforo. Teve festa das 9 da manhã até meia-noite. O que você teve de matéria no primeiro semestre? Tive sete matérias: Teoria Geral do Estado, Introdução ao Estudo do Direito, Economia Política, Direito Constitucional, Direito Civil, Direito Penal e Direito Romano. De qual matéria você está gostando mais? Direito Penal e Direito Civil. Por enquanto, é delas que mais gosto. Qual matéria está sendo a mais difícil? Economia Política é uma matéria complicada porque é muito texto difícil de ler. É difícil sair de leituras do Ensino Médio para esse tipo de leitura. Depois você acaba pegando o jeito.

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Você está fazendo alguma atividade fora da sala de aula? Estou participando da Empresa Júnior da São Francisco. É muito legal, Direito Empresarial, a gente faz umas consultorias para pessoas carentes. Também jogava futebol no time da faculdade, mas machuquei o joelho. Pretendo voltar no outro semestre, se tudo der certo. Você já tem ideia da área que vai seguir? Pretendo seguir a área Civil, trabalhando em grandes escritórios. Mas pretendo também estagiar na área pública para ver como é. O legal do estágio é você conhecer as oportunidades e as chances que vai ter na carreira. Que dicas você pode dar a quem está se preparando este ano para os vestibulares? Acho que estudar e fazer os exercícios só vai melhorar tudo porque você vai ter mais confiança, essa confiança vai levar a ir melhor nos simulados e nas provas. Também é importante testar o seu limite ao estudar. Acho que isso foi essencial para mim. Se eu estudava até 6 horas da tarde e via que não estava rendendo, eu parava, ia para casa e descansava. Eu sabia que no dia seguinte ia ficar até as 8 da noite e ia conseguir fazer. Era o que acontecia mesmo. Estudava até as 8 e saía totalmente feliz com o que eu tinha aprendido. É fundamental saber dosar estudo e descanso, para voltar melhor no próximo dia. Como fica marcado para você o ano passado? Eu nunca vou esquecer os professores do Etapa. São inesquecíveis para todo mundo que faz cursinho e vai para a faculdade. Eles querem realmente que você aprenda, querem que você passe. Eles estão ali para te ajudar, fazendo o melhor que podem. Você acha que está diferente de quando começou no cursinho? Sim, estou muito diferente. Aprendi a estudar de maneira que eu não achava que ia conseguir. No cursinho você aprende a estudar de verdade e amadurece com as dificuldades que consegue ultrapassar. Na própria faculdade muda bastante. Você começa a conhecer as pessoas, conhece outros dilemas, outras ideologias políticas que não conhecia, tinha preconceito. Você acaba abrindo as portas para muitas informações. Valeu a pena estudar bastante? Aqui no Etapa você tem todas as chances de conseguir passar. Estude, rale, batalhe porque vale muito a pena entrar onde você quer estudar, onde está seu sonho. Mais alguma coisa para dizer aos futuros calouros? Curtam muito os professores. Aproveitem as aulas o máximo que puderem, aproveitem o plantão. Este é um tempo que nunca mais volta e marca sua vida para sempre. É um ano que vai abrir portas para muitas coisas no futuro.

Jornal ETAPA, editado por Etapa Ensino e Cultura REDAÇÃO: Rua Vergueiro, 1 987 – CEP 04101-000 – Paraíso – São Paulo – SP JORNALISTA RESPONSÁVEL: Egle M. Gallian – M.T. 15343

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CONTO

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Adão e Eva Machado de Assis ma senhora de engenho, na Bahia, pelos anos de mil setecentos e tantos, tendo algumas pessoas íntimas à mesa, anunciou a um dos convivas, grande lambareiro, um certo doce particular. Ele quis logo saber o que era; a dona da casa chamou-lhe curioso. Não foi preciso mais; daí a pouco estavam todos discutindo a curiosidade, se era masculina ou feminina, e se a responsabilidade da perda do paraíso devia caber a Eva ou a Adão. As senhoras diziam que a Adão, os homens que a Eva, menos o juiz de fora, que não dizia nada, e Frei Bento, carmelita, que interrogado pela dona da casa, D. Leonor: – Eu, senhora minha, toco viola, respondeu sorrindo; e não mentia, porque era insigne na viola e na harpa, não menos que na teologia. Consultado, o juiz de fora respondeu que não havia matéria para opinião; porque as coisas no paraíso terrestre passaram-se de modo diferente do que está contado no primeiro livro do Pentateuco, que é apócrifo. Espanto geral, riso do carmelita, que conhecia o juiz de fora como um dos mais piedosos sujeitos da cidade, e sabia que era também jovial e inventivo, e até amigo da pulha, uma vez que fosse curial e delicada; nas coisas graves, era gravíssimo. – Frei Bento, disse-lhe D. Leonor, faça calar o Sr. Veloso. – Não o faço calar, acudiu o frade, porque sei que de sua boca há de sair tudo com boa significação. – Mas a Escritura... ia dizendo o mestre de campo João Barbosa. – Deixemos em paz a Escritura, interrompeu o carmelita. Naturalmente, o Sr. Veloso conhece outros livros... – Conheço o autêntico, insistiu o juiz de fora, recebendo o prato de doce que D. Leonor lhe oferecia, e estou pronto a dizer o que sei, se não mandam o contrário. – Vá lá, diga. – Aqui está como as coisas se passaram. Em primeiro lugar, não foi Deus que criou o mundo, foi o Diabo... – Cruz! exclamaram as senhoras. – Não diga esse nome, pediu D. Leonor. – Sim, parece que... ia intervindo Frei Bento. – Seja o Tinhoso. Foi o Tinhoso que criou o mundo; mas Deus, que lhe leu no pensamento, deixou-lhe as mãos livres, cuidando somente de corrigir ou atenuar a obra, a fim de que ao próprio mal não ficasse a desesperança da salvação ou do benefício. E a ação divina mostrou-se logo porque, tendo o Tinhoso criado as trevas, Deus criou a luz, e assim se fez o primeiro dia. No segundo dia, em que foram criadas as águas, nasceram as tempestades e os furacões; mas as brisas da tarde baixaram do pensamento divino. No terceiro dia foi feita a terra, e brotaram dela os vegetais, mas só os vegetais sem fruto nem flor, os espinhosos, as ervas que matam como a cicuta; Deus, porém, criou as árvores frutíferas e os vegetais que nutrem ou encantam. E tendo o Tinhoso cavado abismos e cavernas na terra, Deus fez o sol, a lua e as

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estrelas; tal foi a obra do quarto dia. No quinto foram criados os animais da terra, da água e do ar. Chegamos ao sexto dia, e aqui peço que redobrem de atenção. Não era preciso pedi-lo; toda a mesa olhava para ele, curiosa. Veloso continuou dizendo que no sexto dia foi criado o homem, e logo depois a mulher; ambos belos, mas sem alma, que o Tinhoso não podia dar, e só com ruins instintos. Deus infundiu-lhes a alma, com um sopro, e com outro os sentimentos nobres, puros e grandes. Nem parou nisso a misericórdia divina; fez brotar um jardim de delícias, e para ali os conduziu, investindo-os na posse de tudo. Um e outro caíram aos pés do Senhor, derramando lágrimas de gratidão. “Vivereis aqui, disse-lhes o Senhor, e comereis de todos os frutos, menos o desta árvore, que é a da ciência do Bem e do Mal.” Adão e Eva ouviram submissos; e ficando sós, olharam um para o outro, admirados; não pareciam os mesmos. Eva, antes que Deus lhe infundisse os bons sentimentos, cogitava de armar um laço a Adão, e Adão tinha ímpetos de espancá-la. Agora, porém, embebiam-se na contemplação um do outro, ou na vista da natureza, que era esplêndida. Nunca até então viram ares tão puros, nem águas tão frescas, nem flores tão lindas e cheirosas, nem o sol tinha para nenhuma outra parte as mesmas torrentes de claridade. E dando as mãos percorreram tudo, a rir muito, nos primeiros dias, porque até então não sabiam rir. Não tinham a sensação do tempo. Não sentiam o peso da ociosidade; viviam da contemplação. De tarde iam ver morrer o sol e nascer a lua, e contar as estrelas, e raramente chegavam a mil, dava-lhes o sono e dormiam como dois anjos. Naturalmente, o Tinhoso ficou danado quando soube do caso. Não podia ir ao paraíso, onde tudo lhe era avesso, nem chegaria a lutar com o Senhor; mas ouvindo um rumor no chão entre folhas secas, olhou e viu que era a serpente. Chamou-a alvoroçado. – Vem cá, serpe, fel rasteiro, peçonha das peçonhas, queres tu ser a embaixatriz de teu pai, para reaver as obras de teu pai? A serpente fez com a cauda um gesto vago, que parecia afirmativo; mas o Tinhoso deu-lhe a fala, e ela respondeu que sim, que iria onde ele a mandasse, – às estrelas, se lhe desse as asas da águia – ao mar, se lhe confiasse o segredo de respirar na água – ao fundo da terra, se lhe ensinasse o talento da formiga. E falava a maligna, falava à toa, sem parar, contente e pródiga da língua; mas o diabo interrompeu-a: – Nada disso, nem ao ar, nem ao mar, nem à terra, mas tão somente ao jardim de delícias; onde estão vivendo Adão e Eva. – Adão e Eva? – Sim, Adão e Eva. – Duas belas criaturas que vimos andar há tempos, altas e direitas como palmeiras? – Justamente. – Oh! detesto-os. Adão e Eva? Não, não, manda-me a outro lugar. Detesto-os! Só a vista

deles faz-me padecer muito. Não hás de querer que lhes faça mal... – É justamente para isso. – Deveras? Então vou; farei tudo o que quiseres, meu senhor e pai. Anda, dize depressa o que queres que faça. Que morda o calcanhar de Eva? Morderei... – Não, interrompeu o Tinhoso. Quero justamente o contrário. Há no jardim uma árvore, que é a da ciência do Bem e do Mal; eles não devem tocar nela, nem comer-lhe os frutos. Vai, entra, enrosca-te na árvore, e quando um deles ali passar, chama-o de mansinho, tira uma fruta e oferece-lhe, dizendo que é a mais saborosa fruta do mundo; se te responder que não, tu insistirás, dizendo que é bastante comê-la para conhecer o próprio segredo da vida. Vai, vai... – Vou; mas não falarei a Adão, falarei a Eva. Vou, vou. Que é o próprio segredo da vida, não? – Sim, o próprio segredo da vida. Vai, serpe das minhas entranhas, flor do mal, e se te saíres bem, juro que terás a melhor parte na criação, que é a parte humana, porque terás muito calcanhar de Eva que morder, muito sangue de Adão em que deitar o vírus do mal... Vai, vai, não te esqueças... Esquecer? Já levava tudo de cor. Foi, penetrou no paraíso, rastejou até a árvore do Bem e do Mal, enroscou-se e esperou. Eva apareceu daí a pouco, caminhando sozinha, esbelta, com a segurança de uma rainha que sabe que ninguém lhe arrancará a coroa. A serpente, mordida de inveja, ia chamar a peçonha à língua, mas advertiu que estava ali às ordens do Tinhoso, e, com a voz de mel, chamou-a. Eva estremeceu. – Quem me chama? – Sou eu, estou comendo desta fruta... – Desgraçada, é a árvore do Bem e do Mal! – Justamente. Conheço agora tudo, a origem das coisas e o enigma da vida. Anda, come e terás um grande poder na terra. – Não, pérfida! – Néscia! Para que recusas o resplendor dos tempos? Escuta-me, faze o que te digo, e serás legião, fundarás cidades, e chamar-te-ás Cleópatra, Dido, Semíramis; darás heróis do teu ventre, e serás Cornélia; ouvirás a voz do céu, e serás Débora; cantarás e serás Safo. E um dia, se Deus quiser descer à terra, escolherá as tuas entranhas, e chamar-te-ás Maria de Nazaré. Que mais queres tu? Realeza, poesia, divindade, tudo trocas por uma estulta obediência. Nem será só isso. Toda a natureza te fará bela e mais bela. Cores das folhas verdes, cores do céu azul, vivas ou pálidas, cores da noite, hão de refletir nos teus olhos. A mesma noite, de porfia com o sol, virá brincar nos teus cabelos. Os filhos do teu seio tecerão para ti as melhores vestiduras, comporão os mais finos aromas, e as aves te darão as suas plumas, e a terra as suas flores, tudo, tudo, tudo... Eva escutava impassível; Adão chegou, ouviu-os e confirmou a resposta de Eva; nada valia a perda do paraíso, nem a ciência, nem o poder, nenhuma outra ilusão da terra. Dizendo isto, deram as mãos um ao outro, e deixaram

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a serpente, que saiu pressurosa para dar conta ao Tinhoso... Deus, que ouvira tudo, disse a Gabriel: – Vai, arcanjo meu, desce ao paraíso terrestre, onde vivem Adão e Eva, e traze-os para a eterna bem-aventurança, que mereceram pela repulsa às instigações do Tinhoso. E logo o arcanjo, pondo na cabeça o elmo de diamante, que rutila como um milhar de sóis, rasgou instantaneamente os ares, chegou a Adão e Eva, e disse-lhes: – Salve, Adão e Eva. Vinde comigo para o paraíso, que merecestes pela repulsa às instigações do Tinhoso. Um e outro, atônitos e confusos, curvaram o colo em sinal de obediência; então Gabriel deu as mãos a ambos, e os três subiram até à

estância eterna, onde miríades de anjos os esperavam, cantando: – Entrai, entrai. A terra que deixastes, fica entregue às obras do Tinhoso, aos animais ferozes e maléficos, às plantas daninhas e peçonhentas, ao ar impuro, à vida dos pântanos. Reinará nela a serpente que rasteja, babuja e morde, nenhuma criatura igual a vós porá entre tanta abominação a nota da esperança e da piedade. E foi assim que Adão e Eva entraram no céu, ao som de todas as cítaras, que uniam as suas notas em um hino aos dois egressos da criação... ... Tendo acabado de falar, o juiz de fora estendeu o prato a D. Leonor para que lhe desse mais doce, enquanto os outros convivas olhavam uns para os outros, embasbacados; em

vez de explicação, ouviam uma narração enigmática, ou, pelo menos, sem sentido aparente. D. Leonor foi a primeira que falou: – Bem dizia eu que o Sr. Veloso estava logrando a gente. Não foi isso que lhe pedimos, nem nada disso aconteceu, não é, Fr. Bento? – Lá o saberá o Sr. juiz, respondeu o carmelita sorrindo. E o juiz de fora, levando à boca uma colher de doce: – Pensando bem, creio que nada disso aconteceu; mas também, D. Leonor, se tivesse acontecido, não estaríamos aqui saboreando este doce, que está, na verdade, uma coisa primorosa. É ainda aquela sua antiga doceira de Itapagipe? Extraído de: Várias histórias.

POIS É, POESIA

Fernando Pessoa (Alberto Caeiro) XXVIII Li hoje quase duas páginas Do livro dum poeta místico, E ri como quem tem chorado muito. Os poetas místicos são filósofos doentes, E os filósofos são homens doidos. Porque os poetas místicos dizem que as [flores sentem E dizem que as pedras têm alma E que os rios têm êxtases ao luar. Mas flores, se sentissem, não eram flores, Eram gente; E se as pedras tivessem alma, eram [cousas vivas, não eram pedras; E se os rios tivessem êxtases ao luar, Os rios seriam homens doentes. É preciso não saber o que são flores e [pedras e rios Para falar dos sentimentos deles. Falar da alma das pedras, das flores, dos rios, É falar de si próprio e dos seus falsos [pensamentos. Graças a Deus que as pedras são só pedras, E que os rios não são senão rios, E que as flores são apenas flores. Por mim, escrevo a prosa dos meus versos E fico contente, Porque sei que compreendo a Natureza [por fora; E não a compreendo por dentro Porque a Natureza não tem dentro; Senão não era a Natureza.

XLI No entardecer dos dias de Verão, às vezes, Ainda que não haja brisa nenhuma, parece

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Que passa, um momento, uma leve brisa... Mas as árvores permanecem imóveis Em todas as folhas das suas folhas E os nossos sentidos tiveram uma ilusão, Tiveram a ilusão do que lhes agradaria... Ah, os sentidos, os doentes que veem e ouvem! Fôssemos nós como devíamos ser E não haveria em nós necessidade de ilusão... Bastar-nos-ia sentir com clareza e vida E nem repararmos para que há sentidos... Mas graças a Deus que há imperfeição [no Mundo Porque a imperfeição é uma cousa, E haver gente que erra é original, E haver gente doente torna o Mundo [engraçado. Se não houvesse imperfeição, havia uma [cousa a menos, E deve haver muita cousa Para termos muito que ver e ouvir...

XLVII Num dia excessivamente nítido, Dia em que dava a vontade de ter [trabalhado muito Para nele não trabalhar nada, Entrevi, como uma estrada por entre as [árvores, O que talvez seja o Grande Segredo, Aquele Grande Mistério de que os poetas [falsos falam. Vi que não há Natureza, Que Natureza não existe, Que há montes, vales, planícies, Que há árvores, flores, ervas, Que há rios e pedras, Mas que não há um todo a que isso pertença, Que um conjunto real e verdadeiro É uma doença das nossas ideias.

A Natureza é partes sem um todo. Isto é talvez o tal mistério de que falam. Foi isto o que sem pensar nem parar, Acertei que devia ser a verdade Que todos andam a achar e que não acham, E que só eu, porque a não fui achar, achei.

II O meu olhar é nítido como um girassol. Tenho o costume de andar pelas estradas Olhando para a direita e para a esquerda, E de vez em quando olhando para trás... E o que vejo a cada momento É aquilo que nunca antes eu tinha visto, E eu sei dar por isso muito bem... Sei ter o pasmo essencial Que tem uma criança se, ao nascer, Reparasse que nascera deveras... Sinto-me nascido a cada momento Para a eterna novidade do Mundo... Creio no mundo como num malmequer, Porque o vejo. Mas não penso nele Porque pensar é não compreender... O Mundo não se fez para pensarmos nele (Pensar é estar doente dos olhos) Mas para olharmos para ele e estarmos [de acordo... Eu não tenho filosofia: tenho sentidos... Se falo na Natureza não é porque saiba [o que ela é, Mas porque a amo, e amo-a por isso, Porque quem ama nunca sabe o que ama Nem sabe por que ama, nem o que é amar... Amar é a eterna inocência, E a única inocência não pensar... Extraído de: Poemas completos de Alberto Caeiro, Obra poética, Aguilar, 1965.

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Projeto pretende avançar o conhecimento sobre explosões solares Elton Alisson

m consórcio integrado por sete universidades e instituições de pesquisa europeias vem se dedicando, nos últimos dois anos, a estudar a Física das explosões solares – considerada como os eventos mais intensos de liberação de energia no Sistema Solar. Denominado F-Chroma – sigla, em inglês, de Flare Chromospheres: observations, models and archives –, o projeto é financiado pelo Sétimo Programa-Quadro da Comissão Europeia (FP7) e tem a participação do pesquisador Paulo Simões, pós-doutorando na Escola de Física e Astronomia, da University of Glasgow, da Escócia. Único representante brasileiro no projeto, Simões realizou, com Bolsas da FAPESP, iniciação científica e pós-doutorado na Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), além de mestrado e doutorado no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O pesquisador esteve no início de agosto na UPM, onde participou de um colóquio sobre explosões solares na cromosfera solar a convite do Centro de Rádio Astronomia e Astrofísica Mackenzie (Craam). “O objetivo principal do projeto F-Chroma é aumentar o conhecimento sobre a Física das explosões solares, confrontando as teorias e modelos atuais com observações de altíssima resolução”, disse Simões à Agência FAPESP. As explosões solares são erupções repentinas na superfície do Sol caracterizadas pela liberação de grandes quantidades de radiação e que podem ser causadas por mudanças locais no campo eletromagnético solar. Esses eventos influenciam o clima espacial e interferem, por exemplo, na transmissão de dados por satélites. Explosões solares de médio porte podem liberar energia equivalente a 100 milhões de megatons de TNT em apenas alguns minutos – 10 mil vezes mais forte

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do que todas as armas nucleares estocadas no planeta –, que em sua maioria é transformada, em última análise, em radiação eletromagnética. Essa radiação eletromagnética é emitida, principalmente, em uma camada fina da atmosfera do Sol, chamada cromosfera. Região de transição entre a fotosfera – a camada externa visível do Sol – e a coroa solar – a atmosfera superior da estrela –, a cromosfera é apontada como a principal região de dissipação e radiação eletromagnética.

“Hoje, a teoria corrente sugere que elétrons são acelerados em alguma região na coroa solar e que essas partículas viajam ao longo do campo magnético solar e chegam à cromosfera”, disse Simões. “Ao chegar, os elétrons colidem com outras partículas que já estavam na cromosfera, como prótons e outros elétrons, e depositam energia, alterando as condições da cromosfera”, detalhou. A meta dos pesquisadores é tentar entender como a cromosfera responde à entrada dessa energia durante as explosões solares, em termos de mudanças de temperatura, de densidade e da ionização (eletrificação) de elementos

presentes nela, como, principalmente, hidrogênio e hélio. “Queremos entender melhor quais são as condições iniciais de uma explosão solar, além de como o evento evolui e o que ocorre com a cromosfera durante a entrada de energia e a saída da radiação eletromagnética gerada por uma explosão solar”, disse Simões. “Isso pode contribuir para aumentar o conhecimento sobre como a energia de uma explosão solar é armazenada, liberada e convertida em outras formas.” De acordo com o pesquisador, o material da atmosfera solar, assim como de 99% do universo visível, é composto por um gás eletrificado – ou plasma – que leva à formação de um campo magnético. Ao estudar a liberação de energia e radiação em explosões solares também é possível conhecer melhor o funcionamento de plasmas astrofísicos e processos de alta energia associados a diversos objetos astrofísicos, como quasares, apontou. “O Sol é um laboratório de plasma. Ao estudá-lo, é possível entender melhor como o plasma e um campo magnético se comportam ou como é transferida energia de uma região para outra, entre diversas outras questões”, disse Simões. O conhecimento sobre a atividade do Sol também pode ser aplicado para estudar outros objetos astronômicos, como as estrelas, e auxiliar na busca de exoplanetas habitáveis (planetas que orbitam uma estrela, que não o Sol). Também são observadas explosões em outras estrelas, com maior intensidade do que as que acontecem no Sol, mas ainda não se sabe por que isso ocorre, disse Simões. “A maior parte dos aspectos relacionados à Física das explosões solares pode ser usada para estudar outros objetos astronômicos”, disse o pesquisador.

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6 Primeiros resultados

A fim de estudar as explosões solares, os pesquisadores participantes do projeto F-Chroma estão combinando dados de observações por satélite e terrestres com modelagem teórica e computacional avançada. Algumas das observações solares terrestres estão sendo feitas por meio de telescópios ópticos, como o Dunn Solar Telescope (DST), instalado no Novo México, nos Estados Unidos, e o Swedish Solar Telescope (SST), nas Ilhas Canárias, na Espanha. Já as observações no espaço estão sendo feitas por meio de sondas não tripuladas como a Solar Dynamics Observatory (SDO), lançada no início

de 2010, e a Interface Region Imaging Spectrograph (IRIS), lançada em junho de 2013 – ambas pertencentes à agência espacial norte-americana, a Nasa. Por meio de dados coletados de um instrumento embarcado na SDO, o Atmospheric Imaging Assembly (AIA) – que fornece observações contínuas da coroa solar e da cromosfera na região do ultravioleta –, e do satélite Reuven Ramaty High Energy Solar Spectroscopic Imager (Rhessi), também da Nasa, o pesquisador e outros colaboradores do projeto observaram que, no início das explosões solares, o plasma de uma região entre a baixa coroa solar e o topo da cromosfera registra uma altíssima temperatura, que varia de 6 a 12 milhões de graus.

“Essa hipótese já havia sido sugerida por outros pesquisadores no início da década de 1990, mas não havia dados suficientes de observações para comprová-la. E agora mostramos que, de fato, o plasma dessa região fica muito quente no início das explosões solares”, disse Simões. Os resultados do F -Chroma deverão ser usados em grandes projetos futuros de observações solares, como o telescópio solar Daniel K. Inouye, previsto para entrar em operação em 2019, no Havaí, e da sonda solar Orbiter, da agência espacial europeia – a ESA –, prevista para ser lançada no espaço em 2018 e que deverá ser uma das primeiras a chegar mais próximo do Sol. Extraído de: Agência FAPESP – Divulgando a cultura científica, ago./2015.

Os Lusíadas Mito do amor universal m todo acontecimento histórico os fatos e seus significados se sobrepõem. Os descobrimentos marítimos ocidentais dos séculos XV e XVI, em que os portugueses desempenharam um papel decisivo, aparecem como um fato entre outros da longa odisseia humana. Mas quanto a seu significado, eles marcam o apogeu da Odisseia antiga,

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Capa de uma das duas edições de Os Lusíadas publicadas em 1580 em língua espanhola (disponível em Alcalá de Henares só oito anos depois do surgimento do poema de Lisboa) e, no sentido horário, as primeiras edições em inglês (1655), italiano (1658), francês (1735) e holandês (1777).

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a expansão da aventura fenícia e grega por todos os mares do globo. Em 1520, Fernão de Magalhães, um português que navegava por conta do rei da Espanha, encerrou de maneira simbólica o ciclo dos descobrimentos modernos. Desde então, começou a era da exploração metódica e científica desse “mar sem fim”, ao qual se referirá no século XX Fernando Pessoa – o novo mare nostrum dos romanos, ampliado às dimensões planetárias. Essa imagem, apesar de exceder os limites do espaço marítimo real percorrido desde a alvorada do século XV até a viagem de Magalhães por marinheiros portugueses, italianos, espanhóis e de outras nações europeias, sintetiza simbolicamente o que separa a navegação antiga da moderna. Nas primeiras décadas do século XVI, os ocidentais verificaram efetivamente que a Terra era redonda, e graças a “um saber de experiência feito”, para citar um verso de Os Lusíadas, chegaram à conclusão de que um “outro” mar se estendia da Europa ao Japão e da Groenlândia à Terra do Fogo. Esse saber foi adquirido arduamente, após mais de um século de exploração intermitente mas metódica, cujos primeiros resultados, embora modestos, permitiram o conhecimento do Atlântico Sul e o levantamento sistemático

Eduardo Lourenço

Retrato imaginário do poeta Luís de Camões tirado de uma edição de Os Lusíadas publicada no século XIX, com ilustrações de artistas europeus (edição de Morgado de Mateus, Paris, 1817).

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ARTIGO de toda a costa ocidental da África. No cerne dessa exploração já se delineava um sonho mais ambicioso: contornar o continente africano, ainda desconhecido pelos europeus, para chegar às Índias. O mais surpreendente é ter essa aventura sido empreendida durante tanto tempo por um único país, Portugal, que muitas vezes utilizava o serviço de estrangeiros (genoveses, catalães e até castelhanos) sem que outras nações, mais poderosas e igualmente possuidoras de ampla tradição marítima, tentassem imitá-lo. Isso ocorreu em grande parte porque – ao contrário das viagens organizadas por grandes armadores genoveses, catalães, venezianos e mais tarde franceses e ingleses, que dependiam da iniciativa privada – a navegação portuguesa era, no início, uma espécie de “empresa estatal”, ainda que as expedições partissem da iniciativa de um príncipe, e não do rei. O que também impressiona na aventura marítima portuguesa – uma aventura moderna, tanto por seus meios como por seus resultados – é, paradoxalmente, seu caráter “medieval”, isto é, seu caráter ao mesmo tempo técnico, mercantil e religioso. Quando Camões escreveu seu poema épico, um século e meio após o início da exploração marítima, em um contexto inteiramente moderno, esse aspecto ainda predominava em sua visão do mundo. A meta perseguida pelos navegadores portugueses no decorrer de suas viagens assemelha-se, na realidade, à de uma cruzada. A cruz cristã que eles ostentavam no alto de suas caravelas não era um mero símbolo. Nessa época, numa concepção autenticamente “moderna”, isto é, burguesa, como a de Gênova ou Veneza, tal emblema poderia ser visto como obstáculo à comunicação com povos de outras culturas e religiões. A origem das explorações marítimas portuguesas do século XV não era uma associação mercantil privada, mas uma Ordem, uma instituição ao mesmo tempo religiosa e militar, diríamos mesmo militante. Mais tarde, a empresa do descobrimento iria depender da Coroa, e se tornaria por isso mesmo mais “secular” – quer este termo tivesse ou não qualquer significado no Portugal de então. Contudo, a dimensão religiosa dos descobrimentos não desapareceria jamais. Nisto reside o fato de ser esse um momento extremamente complexo da história da cultura ocidental. Ninguém compreendeu melhor essa complexidade do que Camões, ao cele-

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brar esse momento como uma aventura extraordinária do espírito humano, um progresso formidável do conhecimento do universo e seus mistérios, enfim, um desafio aos deuses, e uma cruzada do homem cristão, portador de uma fé que começava a ser abalada em outras partes da Europa.

Acima, uma ilustração de Os Lusíadas, de 1817, mostrando a chegada de Vasco da Gama à “Ilha dos amores”, tema de um dos últimos cantos do poema.

Poema único, não só no contexto da cultura portuguesa, como também no da europeia, Os Lusíadas sempre suscitaram perplexidade e admiração, de Cervantes a Ezra Pound, pois no poema unem-se duas épocas: seu tempo histórico é, por sua vez, o fim da Renascença, tempo crepuscular ainda pleno de energia vital e sensualidade, e o alvorecer do Barroco, com seus jogos ambíguos entre o dia e a noite. Camões combina a exaltação das proezas marítimas com sua audaciosa modernidade, com a fascinação pelos modelos culturais da Antiguidade, mesmo que tal atração nada tenha de passiva: trata-se de um desafio. Em sentido literal e figurado, Os Lusíadas se encontram em uma encruzilhada dos tempos, numa fase em que o Ocidente, em particular a península Ibérica, hesitava entre lançar-se em um novo espaço, cósmico e histórico, marcado pelos próprios descobrimentos, ou refugiar-se nas certezas éticas e religiosas que começavam a ser solapadas pelas profundas transformações materiais e conceituais da Renascença.

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Dos descobrimentos portugueses, Camões enfatiza primeiro um certo caráter cavaleiroso, porém com sentido mais realista que o da cavalaria onírica do poeta italiano Ariosto (1472-1533). Ele rechaça a desordem moral que a expansão conquistadora trouxera, sinônimo de ambição desenfreada, corrupção e abuso de poder, cujos efeitos devastadores ele próprio constatara no Oriente. Mas acima de tudo – e é nisso que o poema eleva o que seria uma simples gesta nacional à dignidade de mito universal – Camões, não contente apenas em transformar a aventura do descobrimento em uma peripécia heroica do conhecimento planetário, consegue ainda convertê-la numa espécie de canto erótico superior, uma versão ao mesmo tempo naturalista e neoplatônica do “Triunfo do amor universal”, do qual os portugueses seriam, de certo modo, os argonautas. O célebre tema de Petrarca, visão ainda abstrata, pela lavra de Camões torna-se um canto plenamente dionisíaco, elo e lugar de harmonia não só entre o Céu e a Terra, mas também entre os seres humanos, até então separados pelo espaço, pela raça e pelos preconceitos. A Natureza inteira toma parte na festa que coroa as façanhas dos marinheiros de Vasco da Gama. No célebre episódio da “Ilha dos amores”, o que havia começado como um hino de louvor nacional converte-se em uma epopeia do próprio amor, onde espírito e sensação se confundem. A aventura heroica, a luta do homem contra os elementos hostis, termina alegoricamente nessa ilha, paraíso sonhado, onde a força e a violência da guerra adquirem

Acima, cena do filme A ilha dos amores (1982), do cineasta português Paulo Rocha.

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as cores do amor e este, por sua vez, as de uma nova aliança entre os homens. De fato, a obra de Camões é marcada por certos preconceitos do homem ocidental. Pertence a uma época cuja militância religiosa torna-se particularmente intensa à medida que percebe sua fé veladamente ameaçada. Apesar do inevitável eurocentrismo, Os Lusíadas, por seu impulso universalista, força ética e visão do espaço humano em sua totalidade física e espiritual, estão longe de ser mero elogio

aos descobrimentos portugueses, percebidos como episódio, por notável que seja, da história de um povo. Mais que hino por excelência de um momento glo-

rioso do destino de Portugal, Os Lusíadas são o grande poema da descoberta europeia de novos horizontes, de um espaço e de um tempo aberto ao infinito.

Biografia Eduardo Lourenço, crítico literário e ensaísta português, tem lecionado em diversas universidades europeias e, de 1965 a 1988, foi professor de Literatura da Faculdade de Letras de Nice, França. Entre suas obras mais recentes cabe mencionar Fernando, rei da nossa Baviera (Lisboa, 1986) e Nós e a Europa ou as duas razões (Lisboa, 1988). Em 1988 recebeu o Prêmio Europeu de Ensaio da Fundação Charles Veillon, de Lausanne, Suíça. Traduzido por Andréa Correa Rodrigues. Extraído de: O Correio da Unesco.

(ENTRE PARÊNTESIS)

Resolva este probleminha: A × B = 1 000 000 A única condição imposta é que nem A nem B contenham um zero sequer. É evidente que pode ser utilizado qualquer algarismo. Haverá solução para este problema?

RESPOSTA 2 × 5 = 10 26 × 56 = 106 = 1 000 000 2 × 2 × 2 × 2 × 2 × 2 × 5 × 5 × 5 × 5 × 5 × 5 = 1 000 000 2 × 2 × 2 × 2 × 2 × 2 = 64 5 × 5 × 5 × 5 × 5 × 5 = 15 625 64 × 15 625 = 1 000 000

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