Jornal do Vestibulando - 1505

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Jornal do Vestibulando

ENSINO, INFORMAÇÃO E CULTURA

JORNAL ETAPA – 2015 • DE 26/11 A 09/12

ESPECIAL

Dicas para sua 1a fase da Fuvest O maior vestibular de São Paulo terá início no último domingo de novembro – dia 29 – com a prova da 1a fase, composta de 90 questões em forma de teste. Para você começar bem as provas da Fuvest, os professores do Etapa prepararam algumas dicas que mostram o que pode ajudar na primeira e decisiva fase desse vestibular. Andresr/Shutterstock

Eis a grande prova! a

A 1 fase da Fuvest é a grande prova, decisiva, que filtra candidatos para a 2a fase. É um filtro severo, porque retém cerca de 80% dos inscritos. No vestibular do ano anterior foram chamados para a 2a fase 27 471 candidatos efetivos, além de 2 227 treineiros (total: 29 698 convocados). Os candidatos disputaram 11 057 vagas na USP e 120 na Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo. Lembremos que a Fuvest convoca para a 2a fase no máximo 3 candidatos por vaga; a relação média de candidatos-vaga no ano passado ficou em 2,5. Para o vestibular 2016 a Fuvest ficou responsável pelo preenchimento de 9 568 vagas na USP e 120 no curso de Medicina da Santa Casa de São Paulo. Mas temos uma novidade este ano. A USP reservou 1 489 vagas para serem preenchidas pelo Sisu, com as notas do Enem. Esse esquema está sendo adotado em caráter experimental, com validade para o vestibular de 2016. Várias unidades da USP não aceitaram deixar vagas para o Sisu e continuam com sua seleção exclusiva pela Fuvest, entre elas a Escola Politécnica, a Medicina Pinheiros, a FEA e a FAU. Candidatos na Fuvest

2015

2016

Total de inscritos

141 888

142 721

Candidatos efetivos

126 978

128 581

Treineiros

14 910

14 140

As características Em quase 40 anos de existência da Fuvest, a 1a fase vem mantendo suas características: é uma prova que avalia Conhecimentos Gerais, aplicada igualmente para todos os can-

didatos; a prova tem nível básico e conceitual, sem pegadinhas. Desde 2012 as médias finais para preenchimento das vagas incluem tanto as notas da 2a fase como as da primeira. Assim, o importantíssimo exame da 1a fase tem papel duplo: eliminar e classificar.

Começamos a prova pelas mais fáceis? Para testar a melhor forma de abordar as questões da 1a fase, o Etapa fez uma experiência em que um grupo de alunos resolvia as questões em sequência e outro grupo buscava fazer primeiramente as questões mais simples. Após avaliarmos os resultados e um questionário aplicado aos estudantes, constatamos que o grupo que resolveu as questões na ordem em que aparecem no exame teve alguma vantagem

ARTIGO

ESPECIAL a

Dicas para sua 1 fase da Fuvest CONTO

O peru de Natal – Mário de Andrade

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ARTIGO

Ora pois, uma língua bem brasileira

Parlamentarismo e presidencialismo

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ENTRE PARÊNTESIS

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Promoção de sorvetes

Você tem medo de “dar um branco”? Tem gente que acha que só irá ter bom resultado se fizer o exame com muita calma. Mas não é nada disso. Aflição, nervosismo e alto desempenho sempre combinam na hora da prova. Normalíssimo, pois 99,99% dos vestibulandos

VOCÊ SABIA QUE...

Dom Quixote SOBRE AS PALAVRAS

POIS É, POESIA

Seleta modernista

sobre o grupo que tentou achar as “mais fáceis” para responder. Na prática gasta-se menos tempo avançando conforme a ordem proposta pelos examinadores – claro, pulando aqui e ali as mais difíceis, para retomar depois. Procurar por questões “mais fáceis” é mais difícil do que parece. Mas, cuidado sempre! Cabe a você conferir se esse resultado estatístico vale para seu caso. Não podemos esquecer que pessoas são diferentes e podem responder diferentemente diante das mesmas situações.

7

Presente de grego SERVIÇO DE VESTIBULAR

Inscrições

8 8 8


ESPECIAL

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acabam passando por algum “branco”. O problema atinge sem distinção todo mundo. E, eis a boa notícia, o tal branco pode ser contornado com algumas técnicas. Por exemplo: se a resposta parece estar na “ponta da língua”, mas escapou, dê um tempo, passe para outra questão, varie um pouco de assunto. Fazer isso abre caminho para um “acesso lateral” à memória, que pode acabar trazendo à tona a resposta desejada. Mas como nada é infalível, o tal acesso lateral pode não se abrir. O que fazer, então, com um “branco na memória” resistente? Desesperar? Veja a seguir a resposta.

Só os eliminados erram? Claro que não. Zero é o número de candidatos da Fuvest que gabaritam a 1a fase (em praticamente todos os exames feitos até hoje). Você sabe que não é necessário acertar tudo para passar. Até nas carreiras mais concorridas há aprovados que erram 25% (1 de cada 4 questões!) da 1a fase. Em 33 carreiras da Fuvest 2015 a nota de corte ficou abaixo de 45 acertos. Nessas, os candidatos foram para a 2a fase errando mais do que acertando na prova. Errar é comum, mesmo entre quem está muito bem preparado. Há uma boa margem para falhas e erros e, assim, não será um desastre esquecer algumas coisas na hora da prova. O mundo não acaba se em algumas questões ocorrer um bloqueio, der aquele “branco”. Dito tudo isso, vale um alerta importante: não é porque podemos errar que devemos lutar apenas para atingir a nota de corte. Não esqueça de que as chances de ganhar a vaga no final dos exames são maiores para quem conseguir nota com folga acima do corte.

Se ficar encantado, o tempo acaba! Controle com cuidado o tempo gasto com as questões durante o exame. Faça as contas: a 1a fase tem duração de 5 horas. Como são 90 questões, você fica com 300 minutos/90 questões = 3 minutos e 20 segundos, em média, para cada um dos testes. Há várias questões do tipo “leu-entendeu-respondeu”, para serem resolvidas em menos de 2 minutos – deixando mais tempo para as questões mais difíceis. Usando bem essas 5 horas dá até para fazer uma revisão. O segredo para usar da melhor maneira o tempo da prova é nunca emperrar em uma única questão. Nada de achar, no meio da prova, “uma linda questão”, do tipo que “desafia você a responder”, mas não cede tão fácil a solução. Dica direta: a coisa está complicando além da conta? Passe para outra questão – nunca fique “encantado” num mesmo ponto. Tome cuidado com o tempo que falta, lembrando que você também vai precisar passar tudo direitinho para a folha de respostas. Tem gente que erra nessa hora, na folha de respostas! Passar errado respostas pode parecer inacreditável, mas acontece.

Você tem medo de pegadinhas? Não tenha – elas são mais lenda do que fato. Exames sérios, como o da Fuvest evitam produzir questões que pareçam com pegadinhas. Por isso, quando você olha uma questão e ela parece fácil, é porque deve ser fácil mesmo. Não fique caçando armadilhas imaginárias. Não fique procurando pelo em casca de ovo.

E outra dica: se algo parece ser uma pegadinha, releia o enunciado, provavelmente não há qualquer pegadinha, o problema é que você pode ter entendido mal a pergunta. Boa parte de erros no vestibular começa com a falta de atenção naquilo que se pede. O problema, portanto, não é tentar descobrir o que está por trás do enunciado, mas sim entender exatamente o que está lá – claramente escrito – na sua frente. Nunca trate as questões com pressa e desatenção, especialmente naqueles assuntos em que você se sente campeão. É assim que surgem os “erros de bobeira”, que podem ser evitados com um simples procedimento: cuidado ao ler e reler os enunciados.

Devo cuidar das matérias da minha carreira em primeiro lugar? Na 1a fase não tem questão que vale mais. Questão certa é ponto ganho. A classificação final é feita a partir da soma simples dos acertos. A 1a fase avalia seus Conhecimentos Gerais. Uma questão certa de Biologia aumenta um ponto tanto para quem escolheu Medicina quanto para quem optou por Direito ou por Engenharia. Ter preconceito contra essa ou aquela matéria só atrapalha. É equivocado achar que questões de Exatas não contam para quem é de Humanas. O mesmo vale com relação a cada matéria e cada área. Deixe sua especialização para depois da matrícula na faculdade. Nas provas de Conhecimentos Gerais da 1a fase, pular matéria não vai ajudar. Agora, todas as matérias serão muito importantes. Quem mantiver o melhor equilíbrio já chegou lá!

Dicas Agora vamos apresentar cinco “dicas de mãe” – simples, mas valem muito. As mães sempre dizem aquelas coisas óbvias: “– Não esqueça o agasalho, vai esfriar”; “– Vê se olha com cuidado quando atravessa a rua”; “– Vê se não come só porcariada”... Nós também temos nossas próprias “dicas de mãe”, que todos já estão cansados de ouvir. Mas, como fazem as mães, achamos que sempre é bom repeti-las:

Dica 1 – Local do exame “– Eu tinha certeza de que a prova era aqui...” Que é isso, perder um ano por ter errado o local do exame? Conheça com antecedência onde será a prova. Procure ver antes como se chega ao local da prova e verifique caminhos alternativos (congestionamentos acontecem). E não conte nunca com caronas duvidosas.

Dica 2 – Comidas “– Ai, que dor de barriga!” Você abusou? No dia da prova (e na véspera) vai bem aquela refeição saudável, leve, com líquidos e frutas. Não deixe de se alimentar adequadamente, mesmo com o nervosismo apertando o seu estômago.

Dica 3 – Imprevistos “– Xiii, furou o pneu logo agora!” Não adianta mostrar, para o porteiro da escola em que você deveria fazer prova, o prego que furou seu pneu. Saia mais cedo para ir fazer a prova. Conte com imprevistos. Lembre-se da Lei de Murphy – se algo pode dar errado, vai dar.

Dica 4 – Material “– Manhêêê, onde deixei meu documento?” Deixe material, documento, inscrição, tudo pronto com antecedência e em um lugar fácil de achar na hora de sair para a prova. Embora haja esquemas para quem perde o documento (ou não leva), a coisa fica mais complicada e certamente deixa você muito mais inseguro.

Dica 5 – Atenção em sala Na prova, você deve ficar atento a tudo o que for explicado pelos fiscais. Há vezes em que alguma correção na prova é feita na hora. Leia com calma as instruções, ouça atentamente todas as recomendações dos fiscais. Se o orientador da prova está explicando algo, pare e ouça. Se algo não estiver claro, não hesite em perguntar.

Conclusão – Agora é com você, vai lá e bola na rede!


CONTO

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O peru de Natal Mário de Andrade

O

nosso primeiro Natal de família, depois da morte de meu pai acontecida cinco meses antes, foi de consequências decisivas para a felicidade familiar. Nós sempre fôramos familiarmente felizes, nesse sentido muito abstrato da felicidade: gente honesta, sem crimes, lar sem brigas internas nem graves dificuldades econômicas. Mas, devido principalmente à natureza cinzenta de meu pai, ser desprovido de qualquer lirismo, duma exemplaridade incapaz, acolchoado no medíocre, sempre nos faltara aquele aproveitamento da vida, aquele gosto pelas felicidades materiais, um vinho bom, uma estação de águas, aquisição de geladeira, coisas assim. Meu pai fora de um bom errado, quase dramático, o puro sangue dos desmancha-prazeres. Morreu meu pai, sentimos muito, etc. Quando chegamos nas proximidades do Natal, eu já estava que não podia mais pra afastar aquela memória obstruente do morto, que parecia ter sistematizado pra sempre a obrigação de uma lembrança dolorosa em cada almoço, em cada gesto mínimo da família. Uma vez que eu sugerira a mamãe a ideia dela ir ver uma fita no cinema, o que resultou foram lágrimas. Onde se viu ir ao cinema, de luto pesado! A dor já estava sendo cultivada pelas aparências, e eu, que sempre gostara apenas regularmente de meu pai, mais por instinto de filho que por espontaneidade de amor, me via a ponto de aborrecer o bom do morto. Foi decerto por isto que me nasceu, esta sim, esponta­neamente, a ideia de fazer uma das minhas chamadas “lou­curas”. Essa fora, aliás, e desde muito cedo, a minha esplên­dida conquista contra o ambiente familiar. Desde cedinho, desde os tempos de ginásio, em que arranjava regularmente uma reprovação todos os anos; desde o beijo às escondidas, numa prima, aos dez anos, descoberto por Tia Velha, uma detestável de tia; e principalmente desde as lições que dei ou recebi, não sei, duma criada de parentes: eu consegui, no reformatório do lar e na vasta parentagem, a fama conciliatória de “louco”. “É doido, coitado!” falavam. Meus pais falavam com certa tristeza condescendente, o resto da parentagem buscando exemplo para os filhos e provavelmente com aquele prazer dos que se convencem de alguma superioridade. Não tinham doidos entre os filhos. Pois foi o que me salvou, essa fama. Fiz tudo o que a vida me apresentou e o meu ser exigia para se realizar com integridade. E me deixaram fazer tudo, porque eu era doido, coitado. Resultou disso uma existência sem complexos, de que não posso me queixar um nada. Era costume sempre, na família, a ceia de Natal. Ceia reles, já se imagina: ceia tipo meu pai, castanhas, figos, passas, depois da Missa do Galo. Empanturrados de amêndoas e nozes (quanto discutimos os três manos por causa dos quebra-nozes...), empanturrados de castanhas e monotonias, a gente se abraçava e ia pra cama. Foi lembrando isso que arrebentei com uma das minhas “loucuras”.

– Bom, no Natal, quero comer peru. Houve um desses espantos que ninguém não imagina. Logo minha tia solteirona e santa, que morava conosco, advertiu que não podíamos convidar ninguém por causa do luto. – Mas quem falou de convidar ninguém! essa mania... Quando é que a gente já comeu peru em nossa vida! Peru aqui em casa é prato de festa, vem toda essa parentada do diabo... – Meu filho, não fale assim... – Pois falo, pronto! E descarreguei minha gelada indiferença pela nossa parentagem infinita, diz-que vinda de bandeirantes, que bem me importa! Era mesmo o momento pra desenvolver minha teoria de doido, coitado, não perdi a ocasião. Me deu de sopetão uma ternura imensa por mamãe e titia, minhas duas mães, três com minha irmã, as três mães que sempre me divinizaram a vida. Era sempre aquilo: vinha aniversário de alguém e só então faziam peru naquela casa. Peru era prato de festa: uma imundície de parentes já preparados pela tradição, invadiam a casa por causa do peru, das empadinhas e dos doces. Minhas três mães, três dias antes já não sabiam da vida senão trabalhar, trabalhar no preparo de doces e frios finíssimos de bem feitos, a parentagem devorava tudo e inda levava embrulhinhos pros que não tinham podido vir. As minhas três mães mal podiam de exaustas. Do peru, só no enterro dos ossos, no dia seguinte, é que mamãe com titia inda provavam num naco de perna, vago, escuro, perdido no arroz alvo. E isso mesmo era mamãe quem servia, catava tudo pro velho e pros filhos. Na verdade ninguém sabia de fato o que era peru em nossa casa, peru resto de festa. Não, não se convidava ninguém, era um peru pra nós, cinco pessoas. E havia de ser com duas farofas, a gorda com os miúdos, e a seca, douradinha, com bastante manteiga. Queria o papo recheado só com a farofa gorda, em que havíamos de ajuntar ameixa preta, nozes e um cálice de xerez, como aprendera na casa da Rose, muito minha companheira. Está claro que omiti onde aprendera a receita, mas todos desconfiaram. E ficaram logo naquele ar de incenso assoprado, si não seria tentação do Dianho aproveitar receita tão gostosa. E cerveja bem gelada, eu garantia quase gritando. É certo que com meus “gostos”, já bastante afinados fora do lar, pensei primeiro num vinho bom, completamente francês. Mas a ternura por mamãe venceu o doido, mamãe adorava cerveja. Quando acabei meus projetos, notei bem, todos estavam felicíssimos, num desejo danado de fazer aquela loucura em que eu estourara. Bem que sabiam, era loucura sim, mas todos se faziam imaginar que eu sozinho é que estava desejando muito aquilo e havia jeito fácil de empurrarem pra cima de mim a... culpa de seus desejos enormes. Sorriam se entreolhando, tímidos como pombas desgarradas, até que minha irmã resolveu o consentimento geral: – É louco mesmo!...

Comprou-se o peru, fez-se o peru, etc. E depois de uma Missa do Galo bem mal rezada, se deu o nosso mais maravilhoso Natal. Fora engraçado: assim que me lembrara de que finalmente ia fazer mamãe comer peru, não fizera outra coisa aqueles dias que pensar nela, sentir ternura por ela, amar minha velhinha adorada. E meus manos também, estavam no mesmo ritmo violento de amor, todos dominados pela felicidade nova que o peru vinha imprimindo na família. De modo que, ainda disfarçando as coisas, deixei muito sossegado que mamãe cortasse todo o peito do peru. Um momento aliás, ela parou, feito fatias um dos lados do peito da ave, não resistindo àquelas leis de economia que sempre a tinham entorpecido numa quase pobreza sem razão. – Não senhora, corte inteiro! só eu como tudo isso! Era mentira. O amor familiar estava por tal forma incandescente em mim, que até era capaz de comer pouco, só pra que os outros quatro comessem demais. E o diapasão dos outros era o mesmo. Aquele peru comido a sós, redescobria em cada um o que a quotidianidade abafara por completo, amor, paixão de mãe, paixão de filhos. Deus me perdoe mas estou pensando em Jesus... Naquela casa de burgueses bem modestos, estava se realizando um milagre digno do Natal de um Deus. O peito do peru ficou inteiramente reduzido a fatias amplas. – Eu que sirvo! “É louco, mesmo!” pois por que havia de servir, se sempre mamãe servira naquela casa! Entre risos, os grandes pratos cheios foram passados pra mim e principiei uma distribuição heroica, enquanto mandava meu mano servir a cerveja. Tomei conta logo dum pedaço admirável da “casca”, cheio de gordura e pus no prato. E depois vastas fatias brancas. A voz severizada de mamãe cortou o espaço angustiado com que todos aspiravam pela sua parte no peru: – Se lembre de seus manos, Juca! Quando que ela havia de imaginar, a pobre! que aquele era o prato dela, da Mãe, da minha amiga maltratada, que sabia da Rose, que sabia meus crimes, a que eu só lembrava de comunicar o que fazia sofrer! O prato ficou sublime. – Mamãe, este é o da senhora! Não! não passe não! Foi quando ela não pôde mais com tanta comoção e principiou chorando. Minha tia também, logo percebendo que o novo prato sublime seria o dela, entrou no refrão das lágrimas. E minha irmã, que jamais viu lágrima sem abrir a torneirinha também, se esparramou no choro. Então principiei dizendo muitos desaforos pra não chorar também, tinha dezenove anos... Diabo de família besta que via peru e chorava! coisas assim. Todos se esforçavam por sorrir, mas agora é que a alegria se tornara impossível. É que o pranto evocara por associação a imagem indesejável de meu


CONTO

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pai morto. Meu pai, com sua figura cinzenta, vinha pra sempre estragar nosso Natal, fiquei danado. Bom, principiou-se a comer em silêncio, lutuosos, e o peru estava perfeito. A carne mansa, de um tecido muito tênue boiava fagueira entre os sabores das farofas e do presunto, de vez em quando ferida, inquietada e redesejada, pela intervenção mais violenta da ameixa preta e o estorvo petulante dos pedacinhos de noz. Mas papai sentado ali, gigantesco, incompleto, uma censura, uma chaga, uma incapacidade. E o peru, estava tão gostoso, mamãe por fim sabendo que peru era manjar mesmo digno do Jesusinho nascido. Principiou uma luta baixa entre o peru e o vulto de papai. Imaginei que gabar o peru era fortalecê-lo na luta, e, está claro, eu tomara decididamente o partido do peru. Mas os defuntos têm meios visguentos, muito hipócritas de vencer: nem bem gabei o peru que a imagem de papai cresceu vitoriosa, insuportavelmente obstruidora. – Só falta seu pai... Eu nem comia, nem podia mais gostar daquele peru perfeito, tanto que me interessava aquela luta entre os dois mortos. Cheguei a odiar papai. E nem sei que inspiração genial, de repente me tornou hipócrita e político. Naquele instante que hoje me parece decisivo da

nossa família, tomei aparentemente o partido de meu pai. Fingi, triste: – É mesmo... Mas papai, que queria tanto bem a gente, que morreu de tanto trabalhar pra nós, papai lá no céu há de estar contente... (hesitei, mas resolvi não mencionar mais o peru) contente de ver nós todos reunidos em família. E todos principiaram muito calmos, falando de papai. A imagem dele foi diminuindo, diminuindo e virou uma estrelinha brilhante no céu. Agora todos comiam o peru com sensualidade, porque papai fora muito bom, sempre se sacrificara tanto por nós, fora um santo que “vocês, meus filhos, nunca poderão pagar o que devem a seu pai”, um santo. Papai virara santo, uma contemplação agradável, uma inestorvável estrelinha do céu. Não prejudicava mais ninguém, puro objeto de contemplação suave. O único morto ali era o peru, dominador, completamente vitorioso. Minha mãe, minha tia, nós, todos alagados de felicidade. Ia escrever “felicidade gustativa”, mas não era só isso não. Era uma felicidade maiúscula, um amor de todos, um esquecimento de outros parentescos distraidores do grande amor familiar. E foi, sei que foi aquele primeiro peru comido no recesso da família, o início de um amor novo, reacomodado, mais completo, mais rico e inventivo, mais complacente e cuidadoso de si. Nasceu de então

uma felicidade familiar pra nós que, não sou exclusivista, alguns a terão assim grande, porém mais intensa que a nossa me é impossível conceber. Mamãe comeu tanto peru que um momento, imaginei, aquilo podia lhe fazer mal. Mas logo pensei: ah, que faça! mesmo que ela morra, mas pelo menos que uma vez na vida coma peru de verdade! A tamanha falta de egoísmo me transportara o nosso infinito amor... Depois vieram umas uvas leves e uns doces, que lá na minha terra levam o nome de “bem-casados”. Mas nem mesmo este nome perigoso se associou à lembrança de meu pai, que o peru já convertera em dignidade, em coisa certa, em culto puro de contemplação. Levantamos. Eram quase duas horas, todos alegres, bambeados por duas garrafas de cerveja. Todos iam deitar, dormir ou mexer na cama, pouco importa, porque é bom uma insônia feliz. O diabo é que a Rose, católica antes de ser Rose, prometera me esperar com uma champanha. Pra poder sair, menti, falei que ia a uma festa de amigo, beijei mamãe e pisquei pra ela, modo de contar onde é que ia e fazê-la sofrer seu bocado. As outras duas mulheres beijei sem piscar. E agora, Rose!... Extraído de: Contos novos.

Biografia Mário Raul de Morais Andrade (1893-1945) nasceu e morreu em São Paulo. Desde muito jovem, ligado à poesia, foi admirador de Vicente de Carvalho e publicou um livro parnasiano, Há uma gota de sangue em cada poema, em 1917. Diplomou-se pelo Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, onde passou a lecionar História da Música. Em 1922, participando da Semana de Arte Moderna, lançou o livro de poemas, Pauliceia desvairada. Daí em diante a sua atividade literária foi intensa. Foi diretor, em 1934, do Departamento Municipal de Cultura de São Paulo e um dos colaboradores em sua instauração. Organizou uma Discoteca Pública. Em 1938, no Rio de Janeiro, foi professor de Estética na Universidade do Distrito Federal. Voltou a São Paulo em 1940, na qualidade de funcionário do Serviço do Patrimônio Histórico. Morreu no dia 25 de fevereiro, em plena maturidade criadora, deixando por publicar uma série de obras do mais alto valor.

ARTIGO

Ora pois, uma língua bem brasileira Carlos Fioravanti

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possibilidade de ser simples, dispensar elementos gramaticais teoricamente essenciais e responder “sim, comprei”, quando alguém pergunta “você comprou o carro?”, é uma das características que conferem flexibilidade e identidade ao português brasileiro. A análise de documentos antigos e de entrevistas de campo ao longo dos últimos 30 anos está mostrando que o português brasileiro já pode ser considerado único, diferente do português europeu, do mesmo modo que o inglês americano é distinto do inglês britânico. O português brasileiro ainda não é, porém, uma língua autônoma: talvez seja – na previ-

são de especialistas, em cerca de 200 anos – quando acumular peculiaridades que nos impeçam de entender inteiramente o que um nativo de Portugal diz. A expansão do português no Brasil, as variações regionais com suas possíveis explicações, que fazem o urubu de São Paulo ser chamado de corvo no Sul do país, e as raí­zes das inovações da linguagem estão emergindo por meio do trabalho de cerca de 200 linguistas. De acordo com estudos da Universidade de São Paulo (USP), uma inovação do português brasileiro, por enquanto sem equivalente em Portugal, é o r caipira, às vezes tão intenso que

parece valer por dois ou três, como em porrrta ou carrrne. Associar o r caipira apenas ao interior paulista, porém, é uma imprecisão geográfica e histórica, embora o r desavergonhado tenha sido uma das marcas do estilo matuto do ator Amácio Mazzaropi em seus 32 filmes, produzidos de 1952 a 1980. Seguindo as rotas dos bandeirantes paulistas em busca de ouro, os linguistas encontraram o r supostamente típico de São Paulo em cidades de Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná e oeste de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, formando um modo de falar similar ao português do século XVIII. Quem tiver paciência


Reprodução

ARTIGO

Almeida Júnior, O violeiro, 1899. Pinacoteca do Estado de São Paulo.

e ouvido apurado poderá encontrar também na região central do Brasil – e em cidades do litoral – o s chiado, uma característica hoje típica do falar carioca que veio com os portugueses em 1808 e era um sinal de prestígio por representar o falar da Corte. Mesmo os portugueses não eram originais: os especialistas argumentam que o s chiado, que faz da esquina uma shquina, veio dos nobres franceses, que os portugueses admiravam. A história da língua portuguesa no Brasil está trazendo à tona as características preservadas do português, como a troca do l pelo r, resultando em pranta em vez de planta. Camões

registrou essa troca em Os Lusíadas – lá está um frautas no lugar de flautas – e o cantor e compositor paulista Adoniran Barbosa a deixou registrada em diversas composições, em frases como “frechada do teu olhar”, do samba “Tiro ao Álvaro”. Em levantamentos de campo, pesquisadores da USP observaram que moradores do interior tanto do Brasil quanto de Portugal, principalmente os menos escolarizados, ainda falam desse modo. Outro sinal de preservação da língua identificado por especialistas do Rio de Janeiro e de São Paulo, dessa vez em documentos antigos, foi a gente ou as gentes

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como sinônimo de nós e hoje uma das marcas próprias do português brasileiro. Célia Lopes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), encontrou registros de a gente em documentos do século XVI e, com mais frequência, a partir do século XIX. Era uma forma de indicar a primeira pessoa do plural, no sentido de todo mundo com a inclusão necessária do eu. Segundo ela, o emprego de a gente pode passar descompromisso e indefinição: quem diz a gente em geral não deixa claro se pretende se comprometer com o que está falando ou se se vê como parte do grupo, como em “a gente precisa fazer”. Já o pronome nós, como em “nós precisamos fazer”, expressa responsabilidade e compromisso. Nos últimos 30 anos, ela notou, a gente instalou-se nos espaços antes ocupados pelo nós e se tornou um recurso bastante usado por todas as idades e classes sociais no país inteiro, embora nos livros de gramática permaneça na marginalidade. Linguistas de vários estados do país estão desenterrando as raízes do português brasileiro ao examinar cartas pessoais e administrativas, testamentos, relatos de viagens, processos judiciais, cartas de leitores e anúncios de jornais desde o século XVI, coletados em instituições como a Biblioteca Nacional e o Arquivo Público do Estado de São Paulo. A equipe de Célia Lopes tem encontrado também na feira de antiguidades do sábado da Praça XV de Novembro, no centro do Rio, cartas antigas e outros tesouros linguísticos, nem sempre valorizados. “Um estudante me trouxe cartas maravilhosas encontradas no lixo”, ela contou.

Parlamentarismo e presidencialismo Rogério F. da Silva

Formas de organização político-administrativa de um Estado Existem basicamente duas formas pelas quais um Estado pode estar organizado administrativamente: uma forma unitária ou uma forma federada. Diz-se que um Estado é unitário quando as unidades que o compõem possuem pouca autonomia em relação ao governo central; normalmente, as unidades são denominadas províncias. Diz-se que um Estado é federado quando as unidades que o compõem gozam de relativa autonomia em relação ao governo central; normalmente, as unidades são denominadas estados.

Unitarismo, federalismo, presidencialismo e parlamentarismo no Brasil O Brasil no Período Monárquico (1822-1889) foi um Estado unitário organizado sob o regime parlamentarista. No Período

Republicano, de uma maneira geral, foi um Estado federativo sob regime presidencialista. As exceções ocorreram entre 1930-1934 e 1937-1945 quando o Brasil se tornou um Estado unitário, extinguindo-se a autonomia estadual, e entre setembro de 1961 e janeiro de 1963, período em que vigorou o regime parlamentarista.

Formas de governo No mundo contemporâneo, têm-se basicamente dois tipos de governo: repúblicas ou monarquias. República é normalmente definida como o sistema de governo em que um ou vários indivíduos eleitos exercem o poder por tempo determinado. Já a monarquia é o sistema de governo no qual o poder é exercido por um monarca, que é um soberano vitalício, comumente hereditário. Modernamente, a maioria das monarquias são constitucionais, isto é, são regidas por uma Constituição que define e delimita as atribuições dos respectivos monarcas, que têm, normal-

mente, seu poder bastante restringido e exercem quase sempre uma função simbólica. É o caso, por exemplo, do monarca britânico e do imperador do Japão. Atualmente, repúblicas e monarquias são dominantemente parlamentaristas. Entretanto, uma república pode ser também presidencialista.

Parlamentarismo Sob o regime parlamentar (seja monarquia, seja república), há uma distinção no Poder Executivo – a chefia de Estado e a chefia de governo. O chefe de Estado (rei ou imperador, caso seja monarquia parlamentar; presidente da república, caso seja república parlamentar) representa o Estado nas ocasiões em que este deva estar representado, e por vezes assina atos de praxe referendando decisões do governo ou do Legislativo. A chefia de governo é geralmente exercida por um ministério ou seu porta-voz, denominado “primeiro-ministro” ou “premier” ou “presidente do Conselho de Ministros”. Sob o regime parla-


ARTIGO

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mentar, o ministério deve governar de acordo com a maioria parlamentar. Isso significa que a existência do regime parlamentarista deve supor, no mínimo, uma estrutura de partidos políticos organizados que disputem eleições para o Legislativo e, evidentemente, eleições periódicas para o mesmo. Vejamos um exemplo: vamos supor que num certo país, organizado sob regime parlamentarista, haja dois partidos que disputem as eleições: A e B. Suponhamos que tenha sido vitorioso o partido A. Dessa maneira, os representantes do partido A ocuparão a maioria das cadeiras do Legislativo. Caberá ao chefe de Estado chamar o líder do partido A no Legislativo para formar o governo, isto é, compor um ministério. Portanto, a maioria no Legislativo é A, e o governo é de cor política A. Até quando o ministério A ficará no governo? Enquanto mantiver a maioria no Legislativo. Suponha que nas eleições seguintes vença o partido B. Nesse caso, o ministério A deve renunciar, e o chefe de Estado chama o líder do partido vencedor no Legislativo para compor novo governo. Sob o regime parlamentarista, portanto, o governo (o ministério) depende da maioria parlamentar para poder exercer o poder. Esquema de funcionamento do regime parlamentar

Chefe de Estado

Monarca (se monarquia parlamentar)

Poder Executivo

Chefe de governo

Poder Legislativo

Presidente da República (se república parlamentar)

Ministério (primeiro-ministro) (expressa a maioria parlamentar)

Minoria parlamentar

Maioria parlamentar

Sob circunstâncias especiais, pode ocorrer uma outra situação. No lugar da renúncia do ministério pode ocorrer a dissolução do Legislativo e a convocação de novas eleições parlamentares e, nesse caso, o resultado das eleições deverá confirmar o ministério no poder ou não.

Presidencialismo Sob o regime presidencialista, o chefe de Estado e o chefe de governo são uma única pessoa: o presidente da República. Além de não haver divisão entre chefia de Estado e chefia de governo sob o presidencialismo, uma outra característica importante desse regime é que a composição do ministério é de competência exclusiva do presidente da República, que o nomeia e o destitui livremente. Os Estados Unidos da América do Norte e o Brasil constituem exemplos de países que possuem regime presidencialista.

Parlamentarismo no Brasil Monárquico (1822-1889)

Antes da criação da Presidência do Conselho de Ministros

Na história do Brasil, registram-se duas épocas em que ocorreu o Imperador Conselho de regime parlamentarista: no período Estado Monárquico e na República por um (1823 a 1834) curto período. Durante o Império, a Império e Constituição definia o Brasil como estrangeiros Ministro uma Monarquia Constitucional. No desdobrado Marinha em 1823 em período do Primeiro Reinado (1822-1831), a prática parlamentar foi basGuerra Império Estrangeiros tante reduzida devido à constante Fazenda interferência de D. Pedro I na condução dos destinos políticos do país. Justiça No Período Regencial (1831-1840), já será mais constante a prática parlamentar, entretanto é no período do Segundo Reinado (1840-1889) que Após a criação da Presidência do essa prática se consolida, embora Conselho de Ministros se afirme que no Brasil monárquico Conselho de Estado havia um “parlamentarismo às avesImperador (restabelecido em 1841) sas”. Quer se dizer com isto que o parlamentarismo não era fielmente Agricultura, comércio praticado tal como nos moldes briPresidente do e obras públicas tânicos. O monarca, muitas vezes, Conselho de Ministros interferia abertamente na formação (desde 1847) Marinha dos ministérios, sendo muitas vezes Guerra Império responsável quer por sua entrada ou por sua saída do governo. Sob um Fazenda Justiça regime parlamentarista percebe-se que, a rigor, essa interferência não Estrangeiros deve ocorrer; o chefe de Estado deve ser um elemento apartidário e sua função é simplesmente designar o ministéGoulart, pregando abertamente um golpe de rio que representa a maioria parlamentar. Na Estado. Outros setores defendem a obediênépoca do Segundo Reinado é dada importância à Constituição e mobilizam-se contra as cia, nesse con­texto, à Lei de 1847 que cria manobras golpistas, nomeadamente o então a presidência do Conselho de Ministros e governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brique, segundo se afirma, consolidou a prática zola. O país chega próximo a uma situação de parlamentar no país. Até então, o imperador guerra civil. No Congresso Nacional, adota-se tinha o trabalho de compor um a um os inteuma “solução de compromisso” para debelar grantes do ministério. Com a lei, o imperador a crise. Goulart seria empossado, mas não tepassa a designar o presidente do Conselho ria plenos poderes, e adotava-se mediante o de Ministros (premier) que, por sua vez, se Ato Adicional no 4 à Constituição de 1946 o encarregava de organizar o ministério. O preparlamentarismo no país. A heterogeneidade sidente do Conselho de Ministros deveria ser na composição do Legislativo refletiu na forresponsável por todo o ministério perante o mação dos ministérios sob a época do parlaimperador e a Assembleia Geral (Legislativo). mentarismo, tornando muito difícil governar o Esse regime parlamentarista existiu até a país. Sucederam-se como primeiros-ministros Proclamação da República no Brasil. de Goulart: Tancredo Neves, Auro de Moura Instaurada a república, a Constituição de Andrade (este por 48 horas), Francisco Bro1891 definia o Brasil como uma república prechado da Rocha e Hermes Lima. O Ato Adiciosidencialista. nal no 4 previa um plebiscito no país, ou seja, uma consulta ao eleitorado brasileiro se conParlamentarismo no Brasil cordava ou não com o parlamentarismo, mas Republicano (setembro 1961este devia ser realizado somente no final do mandato de Goulart. Como a crise política era -janeiro 1963) muito grave, foi aprovada a Emenda CompleTodas as Constituições republicanas bramentar Capanema-Valadares, antecipando o sileiras (1891, 1934, 1937, 1946 e 1967) plebiscito para janeiro de 1963, o qual, realizaconsagraram em seus textos o regime do, resultou em um não ao parlamentarismo, presi­ dencialista no Brasil. Houve um períorestaurando-se, portanto, o presidencialismo do, porém, em que foi adotado o parlamenno país. tarismo. Jânio Quadros fora eleito para o A atual Constituição, promulgada em quinquênio 1961-1966. Assumiu o poder a 05.10.1988, previa um plebiscito em setem31.01.1961 e a 25.08.1961 renunciou ao seu bro de 1993 para decidir-se sobre a forma mandato presidencial. Deveria assumir, de (monarquia ou república) e o sistema de goacordo com os dispositivos constitucionais, o verno (presidencialismo ou parlamentarismo) vice-presidente da República, que na ocasião a serem adotados pelo país. Antecipado para estava fora do país. Abre-se séria crise políabril de 1993, o resultado das urnas manteve tica, pois havia setores militares e civis que o Brasil como uma república presidencialista. se opunham à posse do vice-presidente João


POIS É, POESIA

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Seleta modernista Poemas da amiga a Jorge de Lima

A

I

tarde se deitava nos meus olhos E a fuga da hora me entregava abril, Um sabor familiar de até-logo criava Um ar, e, não sei por que, te percebi. Voltei-me em flor. Mas era apenas tua [lembrança. Estavas longe, doce amiga; e só vi no perfil [da cidade O arcanjo forte do arranha-céu cor-de-rosa Mexendo asas azuis dentro da tarde.

II Se acaso a gente se beijasse uma vez só... Ontem você estava tão linda Que o meu corpo chegou. Sei que era um riacho e duas horas de sede, Me debrucei, não bebi. Mas estou até agora desse jeito, Olhando quatro ou cinco borboletas amarelas, Dessas comuns, brincabrincando no ar. Sinto um rumor...

III Agora é abril, oh minha doce amiga, Te reclinaste sobre mim, como a verdade, Fui virar, fundeei o rosto no teu corpo. Nos dominamos pondo tudo no lugar. O céu voltou a ser por sobre a terra, As laranjeiras ergueram-se todas de-pé E nelas fizemos cantar um primeiro sabiá. Mas a paisagem logo foi-se embora Batendo a porta, escandalizadíssima.

1929/1930. Mário de Andrade.

... de árvores indevassáveis de alma escusa sem pássaros Sem fonte matutina Chão tramado de saudades À eterna espera da brisa, Sem carinhos... como me alegrarei?

Com os gregos e com os troianos Com o padre e com o sacristão Com o leproso de Pouso Alto Depois comigo Te esperarei com mafuás novenas cavalhadas [comerei terra e direi coisas de uma ternura [tão simples Que tu desfalecerás

Na solidão solitude, Na solidão entrei, Na solidão perdi-me... O agouro chegou. Estoura No coração devastado O riso da mãe-da-lua, Não tive um dia! uma ilusão não tive! Ternuras que não me viestes Beijos que não me esperastes Ombros de amigos fiéis Nem uma flor apanhei. Na solidão solitude, Na solidão entrei, Na solidão perdi-me, Nunca me alegrarei.

Rio de Janeiro, 22.12.1940. Mário de Andrade.

Procurem por toda parte Pura ou degradada até a última baixeza Eu quero a estrela da manhã

Manuel Bandeira.

Ocaso

No anfiteatro de montanhas

Os profetas do Aleijadinho Monumentalizam a paisagem As cúpulas brancas dos Passos E os cocares revirados das palmeiras São degraus da arte de meu país Onde ninguém mais subiu Bíblia de pedra-sabão Banhada no ouro das minas

Oswald de Andrade.

Estrela da manhã

Fotógrafo ambulante

E

u quero a estrela da manhã Onde está a estrela da manhã? Meus amigos meus inimigos Procurem a estrela da manhã

F

Ela desapareceu ia nua Desapareceu com quem? Procurem por toda parte Digam que sou um homem sem orgulho Um homem que aceita tudo Que me importa? Eu quero a estrela da manhã Três dias e três noites Fui assassino e suicida Ladrão, pulha, falsário

Canção

Na solidão solitude, Na solidão entrei.

Era uma esperança alada, Não foi hoje mas será amanhã, Há-de ter algum caminho Raio de sol promessa olhar As noites graves do amor O luar a aurora o amor... que sei!

Virgem mal-sexuada Atribuladora dos aflitos Girafa de duas cabeças Pecai por todos pecai com todos

ixador de corações Debaixo de blusas Álbum de dedicatórias Maquereau Tua objetiva pisca-pisca Namora Os sorrisos contidos És a glória Oferenda de poesia às dúzias Tripeça nos logradouros públicos Bicho debaixo da árvore Canhão silencioso do sol

Oswald de Andrade.

Noturno

L á fora o luar continua E o trem divide o Brasil Como num meridiano

Pecai com os malandros Pecai com os sargentos Pecai com os fuzileiros navais Pecai de todas as maneiras

Oswald de Andrade.

Extraído de: Mário da Silva Brito, Poesia do Modernismo.

(ENTRE PARÊNTESIS)

Promoção de sorvetes Em um determinado verão, uma fábrica de sorvetes trocava 10 palitos de sorvete por 1 sorvete de palito. Que fração do valor do sorvete (sem palito) é o valor do palito?

RESPOSTA

Sejam S o valor do sorvete sem o palito e P o valor do palito. Como 10 palitos nos dão um sorvete com palito, temos: P 1 = S 9 10P = 1(P + S ) + 9P = S +


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VOCÊ SABIA QUE...

... o romance Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, é um dos livros mais traduzidos do mundo? E que o protagonista da história até mesmo se tornou um adjetivo? Miguel de Cervantes (1547-1616) publicou El ingenioso hidalgo don Quijote de Ia Mancha em 1605. O livro fez tamanho sucesso que angariou até mesmo imitadores que escreveram continuações para as hilárias aventuras do cavaleiro andante. A mais famosa delas talvez seja a de Alonso Fernández Avellaneda – provavelmente um pseudônimo. Para desmascarar esta e outras imposturas, Cervantes publicou a sua própria continuação do romance em 1615. Dom Quixote é uma paródia das aventuras de cavalaria tão em voga no século XVI. O protagonista, de tanto ler essas histórias, acaba um dia saindo de casa decidido a se tornar, ele mesmo, um nobre cavaleiro. A época, porém, não parece favorável a cavaleiros: gestos nobres são raros, inimigos valorosos, idem. Mas o que há mesmo de insólito é a falta de senso crítico no herói. Na falta de inimigos, moinhos de ventos já servem. Na falta de uma linda amada, a “atípica” Dulcineia já basta. Por mais que ele se envolva em aventuras, elas são sempre desmentidas pela dura realidade. O adjetivo “quixote” (ou “quixotesco”) caracteriza o indivíduo sonhador, romântico, nobre, mas meio desligado da realidade. Você conhece alguém que possui inúmeros planos que não são concretizados? Então você conhece um quixote!

SOBRE AS PALAVRAS

Presente de grego A expressão, que significa dádiva ou oferta que traz prejuízo ou aborrecimento a quem a recebe, surgiu em decorrência da Guerra de Troia. A lendária história é narrada no livro Ilíada, do poeta Homero, que cobre o final de uma disputa de 10 anos (1250 a.C.-1240 a.C.) entre Grécia e Troia, cujo estopim foi o rapto de Helena, mulher do rei de Esparta, Menelau, por Páris, filho do rei troiano Príamo. Para resgatar sua esposa, o monarca pede ajuda a seu irmão Agamenon, rei de Micenas. Ele envia um enorme exército à Ásia Menor, onde montam um cerco ao redor das muralhas da cidade inimiga. O conflito só termina graças a um plano de Ulisses, rei da ilha de Ítaca. Ele ordena que as tropas finjam deixar o local da batalha e deixem à porta dos muros fortificados um imenso cavalo de madeira. Os troianos acreditam se tratar de um presente e, felizes, o colocam para dentro. À noite, os soldados gregos que estavam escondidos dentro do cavalo saem e abrem as portas da fortaleza para a invasão. Troia é arrasada; seus líderes, mortos; e Helena, levada de volta a seu país.

SERVIÇO DE VESTIBULAR Faculdade de Medicina do ABC Período de inscrição: até 04 de janeiro de 2016. Somente via internet. Endereço da faculdade: av. Príncipe de Gales, 821 – Príncipe de Gales – Santo André – SP – CEP: 09060-650 – Telefone: (11) 4993-5400. Requisito: taxa de R$ 150,00. Cursos e vagas: consultar site www.fmabc.br/vestibular Exame: dia 17 de janeiro de 2016. Leituras obrigatórias: • A cidade e as serras – Eça de Queirós. • Memórias de um sargento de milícias – Manuel Antônio de Almeida. • Memórias póstumas de Brás Cubas – Machado de Assis. • Sentimento do mundo – Carlos Drummond de Andrade. • Vidas secas – Graciliano Ramos.

Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) Período de inscrição: até 14 de fevereiro de 2016. Somente via internet. Endereço da fa­ cul­dade: rua Gen. Jardim, 522 – Vila Buarque – São Paulo – SP – CEP: 01223-010 – Telefone: (11) 3123-7800. Requisito: taxa de R$ 25,00. Cursos e vagas: consultar site www.fespsp.org.br Exames: 13 de dezembro de 2015 e 31 de janeiro de 2016.

Grupo Educacional Uninter (Uninter) Período de inscrição: até 10 de fevereiro de 2016. Somente via internet. Endereço da faculdade: rua Vespasiano, 41 – Vila Romana –

Jornal do Vestibulando

São Paulo – SP – CEP: 05044-050 – Telefone: (11) 4329-5335. Requisito: não há taxa de inscrição. Cursos e vagas: consultar site uninter.com/vestibular Exame: provas agendadas até 10 de feve­ reiro de 2016.

Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS) Período de inscrição: até 09 de dezembro de 2015. Somente via internet. Endereço da faculdade: av. Goiás, 3 400 – Barcelona – São Caetano do Sul – SP – CEP: 09550-051 – Telefone: (11) 4239-3200. Requisito: taxa de R$ 50,00. Cursos e vagas: consultar site www.uscs.edu.br Exame: dia 13 de dezembro de 2015.

Jornal ETAPA, editado por Etapa Ensino e Cultura REDAÇÃO: Rua Vergueiro, 1 987 – CEP 04101-000 – Paraíso – São Paulo – SP JORNALISTA RESPONSÁVEL: Egle M. Gallian – M.T. 15343


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