Jornal do Vestibulando Nº1475

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Jornal do Vestibulando

ENSINO, INFORMAÇÃO E CULTURA

JORNAL ETAPA – 2014 • DE 20/06 A 02/07

ENTREVISTA

Entrou na Poli em 2011. Saiu no 3o ano. Em 2014, entrou de novo. Matheus Giunti havia entrado na Poli em Engenharia Elétrica. Lá, descobriu que não era o que mais se ajustava aos seus interesses. Por isso, largou o curso e voltou a fazer o cursinho. Prestou Fuvest, mais uma vez para Engenharia, agora para entrar em Produção – modalidade que une a tecnologia e a gestão. Com a nova aprovação, afirma estar mais animado e muito mais satisfeito. JV – Você estava no 3o ano de Engenharia Elétrica na Poli, deixou o curso no ano passado e entrou nas Turmas de Maio do Etapa com a intenção de prestar vestibular de novo. O que motivou essa decisão? Matheus – O curso de Engenharia Elétrica é muito interessante, desde pequeno eu sempre quis fazer. Fiquei superfeliz ao entrar em Engenharia Elétrica na Poli, em 2011, mas quando comecei a ver as matérias não me identifiquei tanto com o curso. Tenho um primo formado em Elétrica na Poli, vejo a carreira dele, está muito boa, está fazendo MBA nos Estados Unidos. É um curso legal, mas acho que não é para mim.

Você ficou no curso até o início do 5o semestre. Quando, de fato, decidiu mudar? No 3o semestre, em 2012, eu já não estava gostando, pensava em dar uma trancada por um tempo e ver o que eu queria fazer. Minha mãe até achou que eu queria parar de estudar. Mas continuei levando. Fiz menos matérias e terminei o 4o semestre tranquilo. No 5o semestre decidi largar. Não sabia o que ia fazer da vida, estava pensando em várias coisas, Engenharia de Produção, Administração, Economia, até Música, porque eu gosto de tocar violão.

O que levou você para a Engenharia de Produção na Poli? Eu já tinha voltado para o cursinho e não sabia o que ia prestar. No começo era meio desesperador, você está estudando e não sabe para quê. Estava meio perdido. Um pessoal me indicou alguns programas de orientação profissional, um deles na USP mesmo, no Departamento de Psicologia. Fui lá, vi como funcionava e fiz.

Quando você escolheu realmente Engenharia de Produção? Estava conversando com a orientadora e percebi que o meu problema era com o tipo de curso que eu fa-

ENTREVISTA

Matheus Giunti

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ARTIGO Produtos naturais auxiliam no tratamento de doenças inflamatórias intestinais

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Quando foi isso? Foi no começo do segundo semestre do ano passado.

No final do ano passado, além da Fuvest, você prestou outro vestibular? Prestei Unicamp. Produção também. E fiz o Enem. Na época, minha prioridade era a Unicamp. Depois acabei mudando.

Você se formou no Ensino Médio em 2008. Fez cursinho aqui dois anos, em 2009 e 2010, e entrou na Elétrica. Na hora que você parou, vir para cá foi algo natural? A dúvida era se fazia as Turmas de Maio ou o Semi. Lembrava de muita coisa do Ensino Médio, mas não lembrava com tanta facilidade das matérias de Humanas e de Biologia.

Como foi o retorno ao cursinho, em maio? Como você estava em relação ao vestibular? Entrei no cursinho bem animado, até porque no início é mais tranquilo. Mas quando começou a chegar perto da data de inscrição foi meio preocupante, eu ainda não sabia o que fazer. Quando decidi, foi um peso que tirei das costas.

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Você pegava a matéria do dia, uma matéria específica? Nas de Exatas, como tinha mais facilidade, eu tentava fazer os exercícios nos intervalos das aulas, naquelas trocas de cinco minutinhos dos professores, no intervalo maior e quando chegava antes do início das aulas.

E você conseguia dar conta nos intervalos? Em geral conseguia. Fazia tudo antes para chegar em casa e estudar as matérias em que eu tinha menos facilidade, as de Humanas e Biologia.

O estudo que fez durante mais de dois anos na Poli também ajudou no vestibular? Não, porque muitas das coisas que a gente vê lá não têm a ver com o Ensino Médio. Mas me ajudou na tranquilidade, na experiência de fazer um exercício, enxergar de outra maneira um exercício.

Que matérias exigiam mais de você? De longe, História e Geografia. Principalmente Geografia. Tenho muita dificuldade em Geopolítica. Nunca tive o hábito de ler jornal, revista.

Você ia ao Plantão de Dúvidas? Eu esperava acumular uns cinco exercícios para resolver as dúvidas de uma vez. Mas em geral tentava perguntar para o professor.

Em quais matérias você ia mais ao Plantão?

Quando ficava no Etapa, estudava das 2 horas até umas 6 da tarde. Quando ia para casa, a mesma coisa.

Ia mais para Português, Redação, Gramática e Literatura. Sempre tive muita dificuldade em Português. Não conseguia enxergar o que as pessoas que são da área de Humanas enxergam. Ia também para tirar dúvidas em Biologia.

Em geral, você ficava aqui ou em casa?

Você usava o Plantão Virtual?

Comecei a ficar mais no Etapa no fim do ano, para a Revisão Final.

Usava. Quando dava aquela dúvida no exercício, se a conta não batia.

Como era seu método de estudo?

ARTIGO Guimarães Rosa: poeta dos sertões, criador de língua

SERVIÇO DE VESTIBULAR

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VOCÊ SABIA QUE...

CONTO

O viúvo – Artur Azevedo

zia e não com a Engenharia em si. Porque eu sempre gostei da ideia de ser empreendedor, de criar coisas, de resolver problemas, que é o que o engenheiro faz. E eu gostava da área de gestão. Por isso estava na dúvida entre FEA e continuar na Poli. Acabei decidindo pela Engenharia de Produção que se une também à gestão.

Leonardo da Vinci

Inscrições

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POIS É, POESIA

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Florbela Espanca (1894-1930)

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ENTRE PARÊNTESIS

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A mais velha toca piano

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ENTREVISTA

Como você treinava Redação? Tentava fazer uma por mês. No final do ano tentei fazer mais. Não chegava a entregar as do Fique Esperto, mas levava para os plantonistas darem uma corrigida.

Você fazia os simulados? Tentava fazer os de fim de semana, no domingo de manhã.

e vi que a UFSCar de São Carlos é mais para engenheiro que vai para fábrica. Tem mais matéria para otimizar o processo de produção. E o de Sorocaba é mais voltado para o lado de gestão, que era o que eu procurava.

Qual foi sua pontuação na 1a fase da Fuvest com o bônus? Com o bônus a minha pontuação subiu para 70.

Em que faixa de classificação você ficava? Em geral ficava bem. No meu primeiro simulado fiquei no A. Em geral ficava no A, B, C mais. Mais no B.

O que você achava de um B para um candidato ao curso de Engenharia de Produção na Poli? Eu ficava tranquilo. No B estava bem para a Fuvest. O que me preocupava era a Unicamp, um vestibular que eu não conhecia. Cobra muito Redação, muito atualidades, respostas longas.

Qual é a importância dos simulados? Eu acho que é você conhecer os vestibulares. Quanto mais simulados você faz, mais conhece as provas.

Você leu os livros indicados pela Fuvest e Unicamp como obrigatórios? Já tinha lido alguns que ainda eram da época do meu antigo vestibular. Li outros. Faltaram Viagens na minha Terra, de Almeida Garrett, e Til, de José de Alencar.

Você assistiu às palestras sobre as obras? Assisti às palestras pelo EAD, na Internet. Eu prefiro porque você assiste no seu tempo – “agora vai dar para assistir, vou me concentrar aqui”.

E se surgissem dúvidas? Tirava com o professor em aula.

Qual a diferença entre apenas ler a obra e, além de ler, também assistir à palestra?

Quais eram seus resultados nos simulados? A minha pior nota nos simulados foi 73.

Por que na Fuvest você ficou abaixo do desempenho nos simulados? Eu estava bem ruim no dia da prova, gripado, com dor de cabeça. Ao chegar na questão 30, não conseguia mais ler. Não entendia.

Na 2a fase, quais foram suas notas? No primeiro dia eu saí da prova de Português tranquilo. Minha nota foi 63,1. Na Redação eu tirei 58,75.

No segundo dia, da prova geral, você tirou quanto? 59,38. Geografia e História eu achei que estavam difíceis. Não sabia algumas coisas, mas tinha ideia do que talvez fosse. As partes de Exatas eu achei tranquilas. Biologia também.

No terceiro dia, das matérias prioritárias na carreira, como foi? No terceiro dia eu fui muito bem, tirei 87,5. Saí da prova muito confiante.

Na escala de zero a 1 000, qual foi sua pontuação na Fuvest? 817,6.

Classificação na carreira?

Assistir às palestras ajuda a ver aquilo que você não veria normalmente se só lesse o livro. Acho a palestra muito importante nesse quesito.

Minha classificação foi boa, 26o lugar. Nem acreditei. Esperava passar, mas não esperava passar tão bem.

Nas férias, o que você fez?

Como soube de sua aprovação na Fuvest?

Da outra vez que fiz cursinho, acabei atrasando algumas matérias e no meio do ano quis pôr em dia. Estudei todos os dias. Mas, ao voltar para as aulas, percebi que deveria ter descansado. Desta vez descansei as duas semanas.

Vi em casa e depois vim para cá com minha mãe e minha namorada. Fui superbem recepcionado pela galera aqui na porta. Foi aquela alegria. Ainda pensava em Unicamp e foi nesse dia que eu voltei a querer a Poli. Comecei a pensar se seria legal eu ir para a Unicamp. O curso de Engenharia de Produção não é em Campinas, é em Limeira, mais longe, é um curso novo.

Mesmo que tivesse matéria atrasada? Eu sabia que descansar seria bom para mim. Quando eu voltasse ia conseguir recuperar com mais facilidade. Para mim foi mais tranquilo. Descansei, mas voltei de consciência limpa.

Você tinha alguma atividade para dar uma relaxada? Sempre gostei muito de jogar futebol e tocar violão. Futebol não rolava porque era preciso combinar com o pessoal. Acabei não jogando durante o ano. Mas na música a gente sempre marcava um ensaio. Era uma coisa que eu procurava fazer com frequência. Ou sair com a namorada. Nos momentos que dava, eu tentava descansar a cabeça, fazer coisas que me davam prazer.

Na Unicamp, qual foi o resultado? Na Unicamp eu passei em 1o lugar. Fiquei muito feliz. Já tinha saído que tinha passado, estava indo para Limeira para conhecer o campus e ver se decidia qual faculdade ia cursar. Entrei na Internet e vi que tinha saído o desempenho, vi a classificação no curso, não acreditei. Pirei, queria gritar. Liguei para minha mãe: “Passei em 1o”. Foi a maior alegria.

E na UFSCar? Também fui aprovado. Para Sorocaba, que era a minha 1a opção.

Você prestou o Enem. Com ele, você disputou vaga em Engenharia de Produção em quais faculdades?

Na Poli, no curso de Engenharia de Produção, que matérias você tem neste primeiro semestre?

Coloquei UFSCar de Sorocaba na 1a opção e UFSCar de São Carlos na 2a opção. Olhei a grade

Tenho Cálculo I, Física I e Economia. Física I eu tinha fechado, mas mudou o programa e decidi fazer

de novo. Fazer para tentar subir a média por causa dos intercâmbios. Almejo o duplo diploma, quero tentar a Politécnica de Milão. Consegui equivalência em Álgebra Linear I e II, Física II e IV, Ciência dos Materiais, Cálculo Numérico, Representação Gráfica para Engenharia e Introdução à Engenharia. Meu horário na Poli está bem mais tranquilo. Vou lá todo dia, só que em horários diferentes. Na segunda-feira tenho aula à tarde e nos outros dias é tudo de manhã.

Você entrou duas vezes na Poli. O que acha da faculdade? A Poli é pioneira em muitas coisas na Engenharia e abre muitas portas. Ela tem vínculo com várias faculdades fora do país, grandes empresas no Brasil e fora do Brasil. Você entra na Poli já com muitas oportunidades de várias coisas extracurriculares. A Poli acrescenta muito na sua vida.

Você participa de alguma atividade? Eu tenho muito interesse em participar da Poli Júnior. Não pude comparecer no dia da palestra que eles dão, então não pude participar do processo seletivo. Vou tentar no semestre que vem.

Pratica esportes? Sou do time de futsal.

O que você pretende fazer como Engenheiro de Produção? Quando estava fazendo orientação profissional, disse que o meu objetivo sempre foi entrar na Engenharia e ir para o lado empreendedor. Sempre quis ter uma empresa. Na Engenharia de Produção eu continuo querendo ser empreendedor, abrir minha empresa. Até talvez aliar alguma coisa com a música. Aliar as coisas de que eu gosto com o que estou estudando.

Como fica marcado para você o ano passado? O ano passado foi diferente, porque da outra vez que passei na Fuvest foi na terceira chamada. Não tive o prazer do trote, de vir ao Etapa e ser pintado pela galera. Até brinco que esse era um negócio que eu precisava para mim, para meu ego. Passar no vestibular é uma coisa que todo mundo deveria conseguir um dia. Faz bem. É uma das primeiras coisas que você tem na vida que você conquistou por seu mérito. É uma sensação muito boa.

Hoje, você se sente diferente de quando recomeçou no cursinho? A diferença é minha empolgação com o curso na Poli. Agora sim, já comecei a ver pelo menos uma matéria da Produção que eu acho superinteressante, que é Economia. O meu ânimo está diferente, estou bem mais alegre.

O que você tira de lição de toda essa experiência? Eu penso que depois do ano passado sou capaz de conseguir o que almejo. Se me planejar, me esforçar, lutar, eu sei que vou conseguir. Muita gente me taxou de louco quando larguei a Poli: “Você tem problema, tem um monte de gente querendo estar lá dentro e você desiste do seu curso”. Mas você tem de buscar os caminhos que te fazem feliz. Por mais que a caminhada seja árdua, difícil, você tem de tentar.

Jornal ETAPA, editado por Etapa Ensino e Cultura REDAÇÃO: Rua Vergueiro, 1 987 – CEP 04101-000 – Paraíso – São Paulo – SP JORNALISTA RESPONSÁVEL: Egle M. Gallian – M.T. 15343

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CONTO

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O viúvo Artur Azevedo a véspera de partir para a Europa, o doutor Claudino, sem prever o fúnebre espetáculo de que ia ser testemunha, foi despedir-se do seu velho camarada Tertuliano. Ao aproximar-se da casa, ouviu berreiro de crianças e mulheres, e a voz de Tertuliano, que dominava de vez em quando o alarido geral, soltando, num tom estrídulo e angustioso, esta palavra: “Xandoca.” O doutor Claudino apressou o passo, e entrou muito aflito em casa do amigo. Havia, efetivamente, motivo para toda aquela manifestação de desespero. Tertuliano acabava de enviuvar. Havia meia hora que dona Xandoca, vítima de uma febre puerperal, fechara os olhos para nunca mais abri-los. O corpo, vestido de seda preta, as mãos cruzadas sobre o peito, estava colocado num canapé, na sala de visitas. À cabeceira, sobre uma pequena mesa coberta por uma toalha de rendas, duas velas de cera substituíam, aos dois lados de um crucifixo, o bom e o mau ladrão. Tertuliano, abraçado ao cadáver, soluçava convulsivamente, e todo o seu corpo tremia como tocado por uma pilha elétrica. Os filhos, quatro crianças, a mais velha das quais teria oito anos, rodeavam-no aos gritos. Na sala havia um contínuo fluxo e refluxo de gente que entrava e saía, pessoas da vizinhança, chorando muito, e indivíduos que, passando na rua, ouviam gritar e entravam por mera curiosidade. O doutor Claudino estava impressionadíssimo. Caíra de sopetão no meio daquele espetáculo comovedor, e contemplava atônito o cadáver da pobre senhora que, havia quatro dias, encontrara na rua da Carioca, muito alegre, levando um filho pela mão e outro no ventre, arrastando vaidosa a sua maternidade feliz. Tertuliano, mal que o viu, atirou-se-lhe nos braços, inundando-lhe de lágrimas a gola do casaco; o doutor Claudino estava atordoado, cego, com os vidros do pince-nez embaciados pelo pranto, que tardou, mas veio discreta, reservadamente, como um pranto que não era da família. — Isto foi uma surpresa... uma dolorosa surpresa para mim, conseguiu dizer com a voz embargada pela comoção. Parto amanhã para a Europa, no Niger... vinha despedir-me de ti... e dela... de dona Xandoca e... vejo que... que... que... E o doutor Claudino fez uma careta medonha para não soluçar.

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— Dispõe de mim, meu velho; estou às tuas ordens, bem sabes. — Obrigado, disse Tertuliano numa dessas intermitências que se notam nos maiores desabafos; o Rodrigo, aquele meu primo empregado no foro, já foi tratar do enterro, que é amanhã às dez horas. Fazendo grandes esforços para reprimir a explosão das lágrimas, o viúvo contou ao doutor Claudino todos os incidentes da rápida moléstia e da morte de dona Xandoca. — Uma coisa inexplicável! Nunca a pobre criatura teve um parto tão feliz... A parteira não esperou cinco minutos... Uma criança gorda, bonita... Está lá em cima, no sótão... hás de vê-la. De repente, uma pontinha de febre que foi aumentando, aumentando... até vir o delírio... Mandei chamar o médico... Quando o médico chegou já ela agoniza... a... va!... E Tertuliano, prorrompendo em soluços, abraçou-se de novo ao doutor Claudino. No dia seguinte, a cena foi dolorosíssima. Antes de se fechar o caixão, Tertuliano quis que os filhos beijassem o cadáver, medonhamente intumescido e decomposto. Ninguém reconheceria dona Xandoca, tão simpática, tão graciosa, naquele montão informe de carne pútrida. Fecharam o caixão, mas Tertuliano agarrou-se a ele e não o queria deixar sair, gritando: — Não consinto! não quero que a levem daqui! — Foi preciso arrancá-lo à força e empurrá-lo para longe. Ele caiu e começou a escabujar no chão, soltando grandes gritos nervosos. Três senhoras caíram também com espetaculosos ataques. As crianças berravam. Choravam todos. De volta do enterro, o doutor Claudino, conquanto muito atarefado com a viagem, não quis deixar de fazer uma última visita a Tertuliano. Encontrou-o num estado lastimoso, sentado numa cadeira da sala de jantar, sem dar acordo de si, rodeado pelos filhos, o olhar fixo no mísero recém-nascido, que a um canto da casa mamava sofregamente numa preta gorda. — Tertuliano, adeus. Daqui a meia hora devo estar embarcado. Crê que, se pudesse, adiava a viagem para fazer-te companhia... Adeus! O viúvo lançou-lhe um olhar vago, um olhar que nada exprimia; sacudiu molemente a mão, e murmurou: — Adeus!

Às sete horas da noite o doutor Claudino, sentado na coberta do Niger, contemplando as ondas esplendidamente iluminadas pelo luar, pensava naquele olhar vago de Tertuliano, naquele adeus terrível, e pedia aos céus que o seu velho camarada não houvesse enlouquecido. Meses depois, a exposição de Paris atordoava-o; mas de vez em quando, lá mesmo, na Galeria das Máquinas, no Palácio das Artes, ou na Torre Eiffel, voltava-lhe ao espírito a lembrança daquela cena desoladora do viúvo rodeado pelos orfãozinhos, e repercutia-lhe dentro d’alma o som daquele adeus pungente e indefinível. Interessava-se muito por Tertuliano. Escreveu-lhe um dia, mas não obteve resposta. Pobre rapaz! viveria ainda? a sua razão teria resistido àquele embate violento? Depois de um ano e quatro meses de ausência, o doutor Claudino voltou da Europa, e sua primeira visita foi para Tertuliano, que morava ainda na mesma casa. Mandaram-no entrar para a sala de jantar. Tertuliano estava sentado numa cadeira, sem dar acordo de si, rodeado pelos filhos, o olhar fixo no mais pequenito, que estava muito esperto, brincando no colo da preta gorda. — Tertuliano? balbuciou o doutor Claudino. O viúvo lançou-lhe um olhar vago, um olhar que nada exprimia; sacudiu molemente a mão, e murmurou: — Adeus. Depois, dir-se-ia que se fizera subitamente a luz no seu espírito embrutecido. Ele ergueu-se de um salto, gritando: — Claudino — e atirou-se nos braços do velho camarada, exclamando entre lágrimas: — Ah! meu amigo! perdi minha mulher!... — Sim, já sei, mas já tinhas tempo de estar mais consolado... Que diabo! Sê homem! Já lá se vão quatorze meses!... — Como quatorze meses? seis dias... — Ora essa! pois não te lembras que acompanhei o enterro de dona Xandoca? — Ah! tu falas da Xandoca... mas há três meses casei-me com outra... a filha do Major Seabra, há seis dias estou viú... ú... vo! E Tertuliano, prorrompendo em soluços, abraçou de novo ao doutor Claudino. Extraído de: www.dominiopublico.gov.br

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ARTIGO

Produtos naturais auxiliam no tratamento de doenças inflamatórias intestinais Diego Freire

ma pesquisa realizada no Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu (SP), constatou a eficiência de produtos naturais derivados da flora brasileira no tratamento das doenças inflamatórias intestinais (DII), como a retocolite ulcerativa e a doença de Crohn. O estudo apresenta ainda novos marcadores moleculares que podem ampliar a compreensão que se tem dessas doenças, cuja etiologia ainda é desconhecida. “Trata-se de um projeto que consideramos audacioso por estudar tanto a doença em si, priorizando alvos moleculares da ação de fármacos clássicos, como alvos farmacológicos para novos produtos, como as cumarinas naturais e algumas plantas medicinais”, disse Luiz Claudio Di Stasi, responsável pela pesquisa “Doença inflamatória intestinal (DII): novos marcadores moleculares e atividade anti-inflamatória intestinal de fármacos e produtos de origem vegetal”, realizada com apoio da FAPESP. Entre os principais resultados está a descoberta de que uma dieta com farinha de banana nanica verde pode impedir a inflamação intestinal em roedores. “Consideramos a importância da microbiota intestinal na proteção contra o processo inflamatório para propor o estudo de alguns produtos naturais adicionados à dieta, que reunissem a capacidade de modular a microbiota intestinal previamente e agissem na prevenção das recidivas dos sintomas da retocolite ulcerativa e da doença de Crohn”, disse Di Stasi. O grupo coordenado pelo pesquisador estudou vários agentes prebióticos – fibras que servem de “alimento” para as bactérias intestinais benéficas, ajudando a organizar a flora intestinal –, como a polidextrose e as fibras da banana nanica (Musa spp AAA) verde, do jatobá-do-cerrado (Hymenaea stigonocarpa) e da taboa (Typha angustifolia). O extrato da casca do caule do jatobá-do-cerrado e a farinha da polpa da fruta apresentaram ação anti-inflamatória em ratos com inflamação intestinal induzida por ácido trinitrobenzeno sulfônico (TNBS). De acordo com os resultados publicados no Journal of Ethnopharmacology, “os efeitos farmacológicos estão relacionados à presença de compostos antioxidantes no extrato, como flavonoides, taninos condensados e terpenos na casca e na polpa de frutos de jatobá-do-cerrado”. O projeto também estudou várias concentrações da farinha produzida com o caule da taboa, planta aquática muito comum no Bra-

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sil, típica de brejos, manguezais e várzeas. Verificou-se que, quando a farinha compõe 10% da dieta, há uma redução na lesão provocada por DII, com efeitos nas aderências de órgãos adjacentes e na diarreia. Esses efeitos estão relacionados à inibição de marcadores bioquímicos de inflamação colônica, como a atividade das enzimas mieloperoxidase, liberada em resposta a invasões microbianas, e fosfatase alcalina, que inibe o crescimento de bactérias intestinais que estimulam a inflamação e impedem a translocação de microrganismos para a corrente sanguínea, além de uma atenuação das atividades da glutationa, um antioxidante hidrossolúvel.

Em experimentos com ratos, pesquisadores da Unesp de Botucatu verificam efeito benéfico do jatobá-do-cerrado e da taboa. (foto: Wikimedia)

“A farinha do caule da taboa demonstrou ser tão eficaz quanto a prednisolona, fármaco do grupo dos anti-inflamatórios esteroidais utilizado atualmente no tratamento de DII, com a vantagem de não apresentar efeitos adversos e colaterais”, destacou Di Stasi. Os estudos com a planta foram descritos em artigo publicado na BMC Complementary and Alternative Medicine. Em outro grupo de experimentos, o projeto estudou diferentes cumarinas naturais isoladas e, entre os resultados, destacam-se os obtidos com a 4-metil-esculetina, princípio ativo presente nas folhas e raízes de diversas espécies de plantas, entre as quais as do gênero Mikania, que incluem diferentes plantas conhecidas no Brasil como guaco. A pesquisa, publicada nos periódicos científicos Chemico-Biological Interactions e European Journal of Inflammation, demonstrou que a 4-metil-esculetina produz efeitos semelhantes aos da prednisolona, e seus efeitos protetores estão relacionados à capacidade de reduzir o estresse oxidativo do cólon e inibir a produção de citocinas pró-inflamatórias. A administração de metil-esculetina nos

modelos da pesquisa exerceu tanto efeitos preventivos quanto curativos, de acordo com o pesquisador.

Novos marcadores Como as causas das DII ainda não são claras, uma maior compreensão dos mecanismos que regulam a integridade da barreira intestinal e de sua função pode ajudar a entender o modo de ação dos medicamentos atuais usados para tratamento. Diante disso, o trabalho também estudou como a expressão da enzima heparanase, do complexo proteico NF - kB, do gene hipoxantina fosforibosiltransferase (HPRT) e da proteína HSP70 afeta a inflamação intestinal induzida por TNBS em ratos e os efeitos anti-inflamatórios dos medicamentos alopáticos sulfassalazina, prednisolona e azatioprina, possibilitando o entendimento de novos modos de ação desses fármacos. “Nossos resultados indicam que a heparanase, o NF-kB, a HSP70 e o gene HPRT são alvos farmacológicos que devem ser considerados nos estudos de novos medicamentos para tratar a inflamação intestinal, sendo alvos moleculares importantes que explicam alguns dos aspectos da etiopatogenia das DII”, avaliou Di Stasi. Os pesquisadores pretendem, agora, estudar algumas espécies de plantas alimentícias da Amazônia como potenciais produtos prebióticos, que podem ser usados como substrato de fermentação da flora benéfica do intestino com consequente aumento dessas bactérias e de seus metabólitos, que possuem atividade imunomoduladora e anti-inflamatória. A ideia, de acordo com Di Stasi, é possibilitar a produção de alimentos funcionais, “agregando valor a esses produtos, que já possuem apelo científico e comercial, e ampliando as possibilidades de prevenção por meio de sua incorporação a uma dieta preventiva de recidivas dessas doenças”. O grupo também pretende aprofundar as pesquisas com as espécies já estudadas e com as da Amazônia para avaliar se a microflora intestinal foi modulada, assim como seus metabólitos, além de realizar estudos de sinergismos com fármacos envolvendo as espécies mais promissoras, apontando novos alvos moleculares, obtendo dados que podem continuar auxiliando na elucidação da etiologia das DII e indicando novas estratégias de tratamento e prevenção. Extraído de: Agência FAPESP – Divulgando a cultura científica, abr./2014.

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ARTIGO

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Guimarães Rosa: poeta dos sertões, criador de língua Para muitos entendidos, o maior livro que se escreveu no Brasil foi Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa. Um monumento, embora de gênero diverso, do nível de Os sertões, de Euclides da Cunha. As outras obras desse escritor-diplomata também o projetam entre os maiores de todos os tempos. Guimarães Rosa foi amigo e confidente de Paulo Dantas, o autor deste artigo. Aqui temos um retrato fascinante não apenas do autor, mas do homem de extraordinárias qualidades. Paulo Dantas

á anos, num dia nevoento de novembro, 19, por sinal com a folhinha histórica e patrioticamente a assinalar o Dia da Bandeira, num apartamento perto do Forte de Copacabana, nos “gerais da Guanabara”, João Guimarães Rosa morreu. Estava com 59 anos de idade, e havia, na noite de 16 de novembro de 1967, numa festa de glória, tomado posse, na Academia Brasileira de Letras, da cadeira antes ocupada pelo gaúcho João Neves da Fontoura, do qual havia sido chefe de gabinete no Itamaraty. Já mundialmente famoso, graças a traduções dos seus livros em doze países, a notícia da morte de Guimarães Rosa espalhou-se num luto geral. Um jornal paulista abriu, em página inteira, esta manchete: “Morreu o maior escritor”. Tomara posse na ABL numa quinta-feira e no domingo seguinte, perto do meio-dia, ainda abalado pelas emoções sentidas, foi fulminado por um enfarte. “Tempo bom de verdade só começou com a conquista de algum isolamento.” Assim perderam as letras nacionais contemporâneas o seu maior escritor, o nosso primeiro grande romancista metafísico, autor de Grande sertão: veredas, além de Sagarana, Corpo de baile, Primeiras estórias, Tutameia, etc. Filho de Floduardo Pinto Rosa e Francisca Pinto Rosa; nascido aos 28 de junho de 1908, João Guimarães Rosa era mineiro. Menino introspectivo, criado no ar livre dos sertões, teve infância melancólica, apesar de cercada do carinho familiar. Era míope e gostava de brincar sozinho, estudando os bichos e as plantas, os rios e as matas. Daí, desde cedo a sua predileção pela geografia e pela introspecção. Não gostava de falar da sua infância, e numa das poucas vezes que a ela se referiu, declarou-nos: “Mas, tempo bom de verdade, só começou com a conquista de algum isolamento, com a segurança de poder fechar-me num quarto e trancar a porta. Deitar no chão e imaginar estórias, poemas, romances, botando todo mundo conhecido como personagens, misturando as melhores coisas vistas e ouvidas”. “O menino é o pai do homem”. Guimarães Rosa, numa confirmação desse ditado, relembra o seu chão de infância e as suas distrações meninas, entre as quais figurava ainda: “armar alçapões para apanhar sanhaços – e depois tornar a soltá-los. Que maravilha! Puxar sabugos de espigas de milho, feito boizinhos de

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carro, brinquedo saudoso: atrelar um sabugo branco com outro vermelho, e mais uma junta de bois pretos – sabugos enegrecidos ao fogo”.

Tinha vocação de linguista, o que concorreu, decisivamente, para a criação de uma língua nova na literatura brasileira, com uma alquimia verbal, que ia além do laboratório, tornando-se uma espécie de metalinguagem poderosa. Pedindo a João Guimarães Rosa, com quem me correspondi íntima e longamente, uma pequena síntese biográfica sua, recebi o seguinte roteiro: “Imagine que o Guimarães Rosa nasceu em Cordisburgo, zona de engorda de gado, no Vale do Rio das Velhas; completou estudos e tirou o curso de Medicina em Belo Horizonte; clinicou dois anos na roça, em Itaguara, na zona oeste de Minas; andou em duas revoluções; fez concurso para o Itamaraty; foi da Divisão do Cerimonial (naquele tempo se chamava do Protocolo); seguiu para Hamburgo, primeiro posto; lá teve um ano e pouco de paz e dois anos e tanto de guerra, bombardeios aéreos, o diabo; veio, na troca dos diplomatas... E etc., etc.”.

Edições brasileiras da obra de Guimarães Rosa. Romancista e contista, ele criou, além de um mundo seu, uma língua nova e riquíssima.

E havia o boi de verdade pastando no curral ao lado, boi de cupim curvo, parecendo uma serra talhada, ao crepúsculo. E havia ainda o voo matinal das maitacas de Nhô Augusto. E tantas coisas mais, que o escritor gravou para sempre nas páginas das suas estórias dos campos gerais de Minas, principalmente em Miguilim, uma novela escrita em lágrimas, durante quinze dias e noites, verdadeiro impacto que abre o genial desfile de Corpo de baile, publicado em 1956, em dois grossos volumes.

Antes e depois de Guimarães Rosa Parte da crítica nacional divide a literatura nossa, de ficção, em dois períodos distintos: antes e depois de João Guimarães Rosa, tomado por base o ano de 1956, quando apareceram Grande sertão: veredas e Corpo de baile. Episódios vivos da infância do escritor ainda aparecem, transfigurados, em vários trechos e personagens do seu livro de estreia, Sagarana, contos e novelas, sua obra de feitio mais clássico ou acadêmico, publicada em 1946. O autor estava então no estrangeiro, seguindo a carreira diplomática, também brilhante e destacada, já que Guimarães Rosa falava e escrevia em diversos idiomas, tendo morrido como embaixador, chefiando no Itamaraty a Divisão de Fronteiras.

Edições estrangeiras dos livros de Guimarães Rosa. O seu prestígio de escritor, no mundo inteiro, era igual ao dos maiores.

Completando melhor as informações pessoais desse descontraído roteiro biográfico, em reportagem literária, informa-nos o escritor Renard Perez: “Por ocasião da Revolução Constitucionalista de 1932, atua como médico voluntário da Força Pública, indo servir no setor do túnel. Encontra-se de novo com o amigo doutor Juscelino, e na pequena localidade estreitaram as relações de amizade. Trinta e

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ARTIGO

cinco anos depois, ao tomar posse na Academia, quando recebia o abraço do ex-presidente da República – que fizera parte da mesa – Rosa assim lhe responde ao cumprimento: – ‘Com a mão na pala, meu coronel’”.

Oficial médico da Força Pública Posteriormente Guimarães Rosa entra no quadro da Força Pública, por concurso. Em 1934, vamos encontrá-lo em Barbacena, como oficial médico do 9O Batalhão de Infantaria. Aí, a vida calma dá-lhe oportunidade para se entregar melhor aos seus livros. Mesmo sem se descuidar da Medicina retorna ao estudo das línguas. Rosa declarou: “Estudava línguas para não me afogar completamente na vida do interior”. Em 1934 veio para o Rio de Janeiro. Enfrentando um concurso no Ministério do Exterior (tirou 2O lugar) ingressa na diplomacia. É desse tempo um livro de versos, Magna, até hoje inédito, que obteve, em 1936, o prêmio de poesia da Academia Brasileira de Letras, com parecer altamente elogioso do poeta paulista Guilherme de Almeida. Como diplomata, Rosa esteve duas vezes em Paris, representando o Brasil em conferências importantes. Andou noutros países da Europa e, em 1967, esteve no México, como delegado brasileiro ao Primeiro Congresso Latino-americano de Escritores, sendo eleito vice-presidente. Na sua folha de serviços diplomáticos, entre outros destaques, merece ser lembrada a sua atuação na chefia do Serviço de Demarcação de Fronteiras nos importantes casos do Pico da Neblina (1965) e das Sete Quedas, no mesmo ano. “Médico da roça”, sofria quando perdia um paciente. Desistiu. Casou-se duas vezes, tendo duas filhas do primeiro matrimônio. Diversas estórias suas têm sido levadas ao cinema, destacando-se, como a de mais fiel adaptação, A hora e vez de Augusto Matraga, sob a direção de Roberto Santos. Fisicamente, João Guimarães Rosa, como a sua literatura, era de grande estrutura. Não gostava nem fazia “vida literária”, preferindo antes viver a própria literatura, trabalhando em casa ou nas horas vagas de que dispunha no Itamaraty, nos seus livros bem-elaborados. No fundo, era um tímido que nunca apreciou a vida mundana ou social, a qual foi obrigado a viver por necessidade da sua carreira. Possuía mais amigos noutras rodas, que não de escritores, dando-se muito bem com a gente do povo, a gente simples. Suas viagens aos sertões mineiros para colher material humano para seus livros ficaram célebres e nelas, entre vaqueiros, boiadeiros, jagunços e matutos, fez muitas e inesquecíveis amizades. Principalmente na chamada região do alto Urucuia, um afluente do rio São Francisco, cenário principal do seu Grande sertão: veredas. Viajava acompanhando boiadas e levava, amarrada ao pescoço, uma caderneta de campo, na qual tudo anotava, com lápis afiado. Dormia ao relento e ao pé do fogo, ouvia as narrativas deliciosas dos sertanejos, deles fazendo depois personagens. Identificava-se

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com o material recolhido, sentindo profunda e intimamente a alma cabocla da nossa gente. Fez isto por diversas vezes, entre os quarenta e os cinquenta anos, o período áureo da sua vida. Aproveitava suas férias para a realização dessas viagens, que soube apreciar mais do que as feitas em terras estrangeiras. Homem do mundo e, sobretudo, do sertão, deste fez o maior painel ou mural literário de todos os tempos, fugindo não só do regional, do folclórico ou do simples documentário geográfico. Dizia que não “escrevia sambas, mas sim, sinfonias”, daí o sentido orquestral, universal, musical da sua obra.

revelava-me seus macetes, mostrando-me sua correspondência (enorme e técnica) com os tradutores. O universo e comando da sua superlinguagem, alada, de rica plumagem. Tudo explicava em verbetes mágicos. Que era vaidoso, “meninão”, como dizia o Cavalcanti Proença, eu não nego, não. Vivia demais dentro da literatura, que era a sua transvida, tresvariada. Muitas vezes era sádico, castigava-me obrigando a lê-lo em voz alta. – Nem a sua voz de aimoré sergipano estraga a beleza do que escrevo. “Depois tremeiam-se lembranças e contralembranças”. Um dia me pregou um susto danado. Fingiu-se de morto, deitado, vestido de preto, de braços cruzados, enorme no sofá do Itamaraty. “Deus é paciência. O diabo é o contrário.”

Do seu tempo como “médico da roça”, guardou fundas lembranças e sofria quando perdia um paciente. Daí ter abandonado a Medicina, fazendo concurso para o Itamaraty. Em 1952, conheceu o Pantanal do Mato Grosso, de lá trazendo a mais bela reportagem transfigurada já feita sobre essa região desconhecida. Trata-se de O vaqueiro Mariano, que João Guimarães Rosa tencionava ampliar num livro.

Breve relato íntimo Durante um período de mais de dez anos, conheci e convivi com João Guimarães Rosa, na mais profunda intimidade. Amigos fomos; amigos nos carteamos. Chamei-o, sem conhecer, numa carta. Em 1957. Veio a São Paulo, autografou seus livros. Foi homenageado. De corpo presente. Vestido elegantemente como mandava o figurino do Itamaraty, onde era embaixador de carreira, chefe da Divisão de Fronteiras. Brincando inventou uma estória para o porteiro Brás, que sempre me recebia lá, que eu “era um cangaceiro, vindo dos gerais goianos com mais de quarenta mortes nos costados”. O velho Brás me olhava, admirado, com respeito profundo, como que procurando nas minhas roupas simples, vestígios heroicos de tantas mortes imaginárias. Era assim, imaginoso e brincalhão, quando não tinha terríveis depressões. Na intimidade da sua casa, nos gerais da Guanabara, no seu gabinete de trabalho, cercado por aveludados gatos de raça, mostrava-me seus troféus literários. Lia os seus contos,

– Morri, Dantas. Quero o meu “opus” de amor, igual ao que V. escreveu sobre Euclides. Sorríamos. Conversávamos sobre mulheres, molecagens, descontraimentos. Nesses momentos fui uma espécie do seu “psiquiatra popular”, um secretário de ferro, coberto com diademas de luz. Levantava seu moral. Voltava para São Paulo; as cartas se sucediam. Mais de vinte, todas maravilhosas, diferentes, rosianas, que reunidas em volume, com a reportagem da estória da nossa amizade, com o título de Sagarana emotiva (...). Euclidianamente falando defino a obra de João Guimarães Rosa como “um fabuloso fabular de agruras”, contendo no bojo profundas e tremendas ternuras e identificações com a vida sertaneja, que ele soube captar e transmitir ao leitor. Carlos Drummond de Andrade, num poema, classificou-o como um mágico, e Manuel Bandeira, noutro, confirmou a densidade desse mago, em “tudo por tudo” o nosso ficcionista mais profundo. Os ditos de Riobaldo, o grande jagunço que narra a epopeia de Grande sertão: veredas, tornaram-se provérbios populares, transformando-se em epígrafes nas paredes. Aqui mesmo, na redação de História, num quadro, figura este belo dito: “Deus é paciência. O diabo é o contrário”. Sabendo dar a tudo que escrevia aquele inevitável toque metafísico, João Guimarães Rosa era um grande preocupado com os mistérios da criação, com os problemas místicos ou religiosos. Há, em toda a sua obra, um denso sentido fáustico. Espécie de James Joyce, de Cervantes ou de Goethe caboclo, a esses gênios da humanidade foi pela crítica comparado. Mesmo em vida conheceu a glória e, dentro dela, em pleno clima de apoteose, morreu como que fulminado num clarão, com a imprensa e a crítica inteira do Brasil e do estrangeiro tecendo-lhe os maiores louvores, através de análises exaltadas ao fabuloso mundo que soube criar, como escritor realmente de gênio e substância, dos maiores que já tivemos em todos os tempos. Extraído de: revista História, nO 30.

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VOCÊ SABIA QUE...

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... Mona Lisa é a obra de arte mais fotografada no mundo? E que Leonardo da Vinci, seu criador, é considerado a síntese do homem renascentista? “Genial pintor, escultor, engenheiro, arquiteto e cientista, Leonardo investigou diversos domínios da ciência e da arte, legando-nos amplas experiências e descobertas que ajudaram a formar o mundo contemporâneo. Como o próprio nome sugere, Leonardo nasceu em Vinci, próximo a Florença, na Itália, em 15 de abril de 1452. Desde cedo se dedicou ao desenho e às pinturas, trabalhando com o grande mestre Andréa del Verrocchio por uma década, antes de trilhar seu próprio caminho. Leonardo soube conciliar suas atividades artísticas com serviços, digamos assim, mais pragmáticos. A serviço de Ludovico Sforza, governador de Milão, desenvolveu vários projetos de engenharia militar, realizou estudos hidráulicos sobre os canais da cidade e, como diretor das festas promovidas pela corte, organizou competições, representações e torneios, para muitos dos quais desenhou cenários e figurinos. Além disso, dedicou-se ao estudo da

Anatomia, Botânica, Física, Geologia e Matemática. Nesse período, pintou algumas de suas obras-primas, como a primeira versão da Virgem dos rochedos e A última ceia. Numa época de intensas disputas políticas, Leonardo permanecia como um artista dos mais qualificados: projetou um palácio para Charles d'Ambroise, governador francês; esteve sob proteção de Giuliano de Médici, irmão do papa Leão X, época na qual aprofundou suas pesquisas ópticas e matemáticas. Depois da morte de Giuliano, em 1516, Leonardo foi para Ambroise, a convite de Francisco I, que o nomeou primeiro-pintor, engenheiro e arquiteto do rei. Leonardo voltou sua curiosidade para todos os campos do saber e da arte, e em cada um deles afirmou seu gênio. Um dos exemplos que ajudam a demons-

trar a grandiosidade de Da Vinci é o fato de ele ter realizado pesquisas originais sobre os centros de gravidade – antecipando-se, desse modo, a Galileu. Detentor de uma perspicácia das mais afiadas, Leonardo, a partir do voo dos pássaros, determinou os princípios da construção de um aparelho mais pesado do que o ar, capaz de voar com a ajuda da força do vento. Em seus arquivos encontram-se esboços de um aparelho bastante parecido com o helicóptero moderno e o esquema de uma asa-delta. Como resultado de suas atividades militares, projetou canhões, metralhadoras, carros de combate, pontes móveis e barcos, bem como estudos sobre estratégias de combate, o esquema de um submarino e bombardas (uma espécie de catapulta). Entre outras tantas atividades, como se não fosse o suficiente, antecipou-se aos urbanistas com seus projetos de cidades.” Fonte: Nova enciclopédia Barsa.

(ENTRE PARÊNTESIS)

A mais velha toca piano RESPOSTA Observe que o visitante sabia o número da casa e disse que, sabendo disso e que o produto é 36, ainda não dava para descobrir as idades. Isto significava que o número da casa era 13, pois é a única soma de três inteiros positivos cujo produto é 36 para qual há mais de uma possibilidade (as possibilidades 5 e 6). Com a informação adicional de que a mais velha toca piano, ficou claro que há uma mais velha, o que exclui a possibilidade 6. Logo, as idades são 9, 2 e 2. 4, 3, 3

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6, 3, 2

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6, 6, 1

6

9, 2, 2

5

9, 4, 1

4

12, 3, 1

3

18, 2, 1

2

38

36, 1, 1

1

Soma

Possibilidades

11 13 13 14 16 21

As possibilidades para que o produto das idades seja 36, com a respectiva soma, são:

Dois amigos reencontram-se, depois de muitos anos, na casa de um deles. O visitante, após os cumprimentos usuais, inicia o seguinte diálogo: – Soube que você se casou, mas não sei se tem filhos. – Sim, tenho três filhas. Infelizmente não estão aqui para que eu possa apresentá-las. – Posso saber a idade delas? – Para lembrar nossos velhos tempos, vou apresentar-lhe um problema, pois sei que você gosta deles: o produto das idades das minhas três filhas é 36 e a soma das idades delas é o número de minha casa. – Sei o número da sua casa, mas mesmo assim ainda não dá para saber as idades. – Mais um dado: a mais velha toca piano. – Então fica fácil. As idades são... (Para o leitor, o problema consiste em dizer a idade das três filhas.)

SERVIÇO DE VESTIBULAR Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep) Período de inscrição: até 3 de julho de 2014. Presencial ou via Internet. Endereço da faculdade: Rua Rangel Pestana, 762 – CEP 13400-385 – Piracicaba – SP – Fone: (19) 3124-1666. Requisito: taxa de R$ 70,00. Cursos e vagas: consultar site www.unimep.br/vestibular Exame: dia 6 de julho de 2014. Leituras obrigatórias: • O cortiço – Aluísio Azevedo. • Capitães da Areia – Jorge Amado. • Antologia poética – Vinicius de Moraes. • Dom Casmurro – Machado de Assis. • Vidas secas – Graciliano Ramos.

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Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG) Período de inscrição: até 7 de julho de 2014. Somente via Internet. Endereço da faculdade: Av. Prof. Mário Werneck, 2 590 – CEP 30575-180 – Buritis – Belo Horizonte – MG – Fone: (31) 2513-5132. Requisito: taxa de R$ 70,00. Cursos e vagas: consultar site www.ifmg.edu.br Exame: dia 20 de julho de 2014. Leitura obrigatória: Os miseráveis – Victor Hugo.

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POIS É, POESIA

Florbela Espanca (1894-1930) Sóror Saudade A Américo Durão

Irmã Sóror Saudade me chamaste... E na minh’alma o nome iluminou-se Como um vitral ao sol, como se fosse A luz do próprio sonho que sonhaste. Numa tarde de outono o murmuraste; Toda a mágoa do outono ele me trouxe; Jamais me hão de chamar outro mais [doce: Com ele bem mais triste me tornaste... E baixinho, na alma de minh’alma, Como bênção de sol que afaga e acalma, Nas horas más de febre e de ansiedade, Como se fossem pétalas caindo, Digo as palavras desse nome lindo Que tu me deste: Irmã Sóror Saudade...

Ambiciosa

Para aqueles fantasmas que passaram, Vagabundos a quem jurei amar, Nunca os meus braços lânguidos [traçaram O voo dum gesto para os alcançar... Se as minhas mãos em garra se cravaram Sobre um amor em sangue a palpitar... – Quantas panteras bárbaras mataram Só pelo raro gosto de matar! Minha alma é como a pedra funerária Erguida na montanha solitária Interrogando a vibração dos céus! O amor dum homem? – Terra tão pisada, Gota de chuva ao vento baloiçada... Um homem? – Quando eu sonho o amor [dum Deus!...

Esfinge

Sou filha da charneca erma e selvagem: Os giestais, por entre os rosmaninhos, Abrindo os olhos d’ouro, p’los caminhos, Desta minh’alma ardente são a imagem. E ansiosa desejo – ó vã miragem – Que tu e eu, em beijos e carinhos, Eu a Charneca, e tu o Sol, sozinhos, Fôssemos um pedaço da paisagem! E à noite, à hora doce da ansiedade, Ouviria da boca do luar O De Profundis triste da saudade...

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E, à tua espera, enquanto o mundo [dorme, Ficaria, olhos quietos, a cismar... Esfinge olhando, na planície enorme...

À morte

Fumo beijando o colmo dos casais... Serenidade idílica de fontes, E a voz dos rouxinóis nos salgueirais... Tranquilidade... calma... anoitecer... Num êxtase, eu escuto pelos montes O coração das pedras a bater...

Morte, minha Senhora Dona Morte, Tão bom que deve ser o teu abraço! Lânguido e doce como um doce laço E como uma raiz, sereno e forte. Não há mal que não sare ou não conforte Tua mão que nos guia passo a passo, Em ti, dentro de ti, no teu regaço Não há triste destino nem má sorte. Dona Morte dos dedos de veludo, Fecha-me os olhos que já viram tudo! Prende-me as asas que voaram tanto! Vim da Mourama, sou filha de rei, Má fada me encantou e aqui fiquei À tua espera... quebra-me o encanto!

Amar!

Eu quero amar, amar perdidamente! Amar só por amar: Aqui... além... Mais Este e Aquele, o Outro e toda a [gente... Amar! Amar! E não amar ninguém! Recordar? Esquecer? Indiferente!... Prender ou desprender? É mal? É bem? Quem disser que se pode amar alguém Durante a vida inteira é porque mente! Há uma primavera em cada vida: É preciso cantá-la assim florida, Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar! E se um dia hei de ser pó, cinza e nada Que seja a minha noite uma alvorada, Que me saiba perder... pra me encontrar...

Noitinha

A noite sobre nós se debruçou... Minha alma ajoelha, põe as mãos e ora! O luar, pelas colinas, nesta hora, É a água dum gomil que se entornou... Não sei quem tanta pérola espalhou! Murmura alguém pelas quebradas fora... Flores do campo, humildes, mesmo [agora, A noite, os olhos brandos, lhes fechou...

Eu

Eu sou a que no mundo anda perdida Eu sou a que na vida não tem norte, Sou a irmã do Sonho, e desta sorte Sou a crucificada... a dolorida... Sombra de névoa tênue e esvaecida, E que o destino amargo, triste e forte, Impele brutalmente para a morte! Alma de luto sempre incompreendida!... Sou aquela que passa e ninguém vê... Sou a que chamam triste sem o ser... Sou a que chora sem saber por quê... Sou talvez a visão que Alguém sonhou, Alguém que veio ao mundo pra me ver E que nunca na vida me encontrou!

Florbela de Alma da Conceição Espanca nasceu em Vila Viçosa (Alentejo), em 1894. Seus primeiros versos datam dos anos em que fez o curso secundário em Évora, e que somente viriam a ser reunidos em volume depois de sua morte, com o título de Juvenília (1931). Malogrado seu casamento, vai para Lisboa com o fito de seguir Direito, e nesse mesmo ano (1919) publica Livro de mágoas, que passa despercebido. Igual destino teve a obra seguinte, Livro de Sóror Saudade, dado a lume em 1923. Novamente infeliz no casamento, retira-se do convívio social, embora continue a escrever poesia e a publicá-la ao acaso. Recolhe-se a Matosinhos, já agora estimulada pelas renovadas esperanças de felicidade conjugal, mas seus nervos entram a dar sinal de exaustão. Morre, talvez de suicídio, em 1930. Escreveu poesia (Juvenília, 1931; Livro de mágoas, 1919; Livro de Sóror Saudade, 1923; Reliquiae, 1931; Charneca em flor, 2a ed., 1931) e contos (As máscaras do destino, 1931; Dominó negro, 1931).

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