Jornal do Vestibulando Nº1477

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Jornal do Vestibulando

ENSINO, INFORMAÇÃO E CULTURA

JORNAL ETAPA – 2014 • DE 28/07 A 06/08

ENTREVISTA

“Tem de ralar para chegar onde você quer. É assim em qualquer coisa da vida.” Rodrigo de Almeida Gama, ao terminar o Ensino Médio técnico, tinha conseguido 47 pontos na 1a fase da Fuvest. Este ano conseguiu 79 pontos e o 9o lugar na USP-São Francisco. Aqui ele conta por que mudou seu foco de Engenharia para Direito, como se preparou para os vestibulares e como superou sua defasagem em Humanas.

Rodrigo de Almeida Gama EM 2013: Etapa EM 2014: Direito – USP

JV – Você se formou na Federal em 2012, técnico em Mecânica, mas prestou a Fuvest 2014 para Direito. Como foi essa transição? Rodrigo – Em 2012 eu estagiei como técnico e em 2013 fui efetivado na Promon Engenharia, onde trabalhei seis meses. Antes eu tinha meio claro para mim que queria Engenharia, mas quando estava finalizando seis meses de trabalho parei para pensar. Meu pai foi uma das pessoas que me ajudaram nessa decisão, ele é advogado. Escolhi Direito por influência dele e também porque sempre gostei muito de Humanas, sempre gostei dessa coisa de Direito ser uma possibilidade de mudança social. Mas eu estava mergulhado no universo da Engenharia e mudar foi difícil.

A escolha de Direito foi no ano passado? Foi no ano passado, dois meses antes de começar a fazer o cursinho.

Este ano você prestou quais vestibulares? Fuvest, Unesp, Unicamp e Enem. Na Unicamp prestei para Engenharia Química. Na verdade era só para treinar. Fiz mais como um simulado.

Como você conheceu o Etapa e veio estudar aqui? Foi automático, natural. O pessoal da Federal vem fazer o Etapa. Faz no 4o ano mesmo. Praticamente todos os meus amigos fizeram Etapa.

Você estava animado no começo do curso? Eu estava animado, mas tinha defasagem na área de Humanas. Desde o começo meu foco principal foi Humanas.

Quais eram as matérias em que você tinha essa defasagem? História e Geografia.

ENTREVISTA

Rodrigo de Almeida Gama

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Quando você fazia os simulados?

Foi difícil estruturar uma rotina de estudo. Principalmente no 4o ano, quando estagiei, eu me desacostumei a estudar. Tive de me programar para estudar determinado número de horas.

No sábado você fazia o RPD [Reforço Para Direito] de manhã e simulado à tarde?

No cursinho, como era seu método de estudo?

Como você ia nos simulados?

Desde o começo, sempre foquei mais nos exercícios. Se eu prestasse bem atenção na aula, que era o que eu fazia, conseguia absorver bastante o que o professor falava. Claro que às vezes faltava uma coisa ou outra. Se tinha alguma coisa que eu não sabia ia buscar na teoria.

Você achava que estava de bom tamanho?

Você conseguiu criar uma rotina de estudos? Tinha uma rotina mais ou menos flexível. Chegava em casa, estudava, digamos, três, quatro horas. Parava para dar uma descansada e depois estudava mais duas, três horas.

Você dava prioridade às matérias em que tinha menos preparo? Procurava estudar as matérias do dia, mas focando naquelas em que eu tinha dificuldade, História, Geografia, Português e umas coisas de Gramática. Estudava bastante Química, Matemática. Sempre gostei muito de Química, era uma coisa que eu gostava de estudar.

No fim de semana você estudava também? No sábado eu vinha para o Reforço, eles passavam exercícios mais complicados que os da semana. Alguns professores davam um tempo para a gente fazer os exercícios e já colocavam a resolução na lousa. Eu achei interessante exatamente por isso.

ARTIGO

A bomba atômica A bomba explode em Hiroshima

CONTO

Gennaro – Álvares de Azevedo

Quais foram as principais dificuldades que você teve de enfrentar no ano passado?

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Sábado. Cheguei a fazer domingo também.

Sim. Em geral ficava no C mais. Tirei B em um. Por aí. Eu queria mais. Estava satisfeito, mas ao mesmo tempo sempre tentava alcançar um resultado melhor.

Como você usava os simulados nos seus estudos? Eu corrigia em casa, mas não chegava a refazer as provas. Pegava as questões que eu achava mais estratégicas, as mais difíceis, aquelas em que eu tinha encontrado dificuldade na resolução.

Você teve crescimento em quais matérias? Em todas. Mais em História e Geografia.

Quando surgia uma dúvida, o que você fazia? Plantão Virtual. Só umas duas vezes eu vim aqui, porque eram dúvidas mais específicas.

Tinha alguma matéria de que você não gostava e aqui passou a gostar? Nunca gostei de Biologia, porque tem muito detalhe, muito nome para saber. Mas aqui tive umas aulas bem legais, o professor tem uma abordagem diferente da que eu estava acostumado. Aprendi bastante aqui.

Como você treinou Redação? Redação era uma das minhas maiores preocupações. Sempre gostei bastante de escre-

COLUNA M

Como calcular o dia da semana ENTRE PARÊNTESIS

N dias

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ENTREVISTA

ver. No Ensino Fundamental eu tive bastante exercício para escrever, mas no Ensino Médio isso foi deixado de lado totalmente, até por ser curso técnico. Aqui eu tive de recuperar o costume de escrever. Fiz redações que os professores propunham e nos simulados me preocupava em fazer antes as redações, dar mais atenção para elas. Ficava sempre atento ao tempo também. Destinava uma hora para Redação, uma hora e meia estourando.

Como você ia nos simulados da Redação? No começo minhas notas estavam baixas. Fiquei bem preocupado, mas depois fui melhorando. Se você segue a estrutura fundamental de fazer redação e se acostuma com ela, você acaba indo bem.

Como você se preparou para as leituras obrigatórias da Fuvest? Li todos os resumos e vi todas as palestras, ao vivo ou em vídeo, no site. Vi algumas mais de uma vez. Coisas que não se percebe na leitura você acaba percebendo nas análises dos professores, que focam no que o vestibular exige. Elas às vezes são até mais importantes que a leitura em si.

Como você fez na Revisão? Na Revisão eu me preparava fazendo os exercícios. Fiz todos.

Deixou de fazer alguma atividade para se preparar melhor para os vestibulares? Eu fazia academia e gostava de correr também. No começo ainda corri uma ou outra vez. Mais para o final abri mão quase totalmente. Da academia eu abri mão. Retomei este ano.

Em qual dos vestibulares que prestou você achava que tinha mais chance de aprovação? Fuvest. Era para o que eu me sentia mais preparado. Inclusive no momento da prova eu tinha claro para mim que estava muito mais preparado para a Fuvest do que para os outros vestibulares. Até achei a prova mais tranquila que a da Unesp.

Você já tinha prestado Fuvest, ao terminar o curso na Federal? Prestei para Engenharia. Fiz 47 pontos na 1a fase. Nem cheguei a passar para a 2a fase.

Qual foi seu desempenho na Fuvest 2014? Na 1a fase eu fiz 70 pontos e, com o bônus, subiu para 79. O corte deste ano foi 57.

O que achou de seu desempenho? Eu esperava tirar mais do que 60, era uma meta. Mas 70 foi acima da expectativa.

Como foi na 2a fase, na prova inicial de Português e Redação? Tirei 71,9 na prova. Fui bem na Redação, tirei 83,75. Foi uma das minhas principais surpresas.

No segundo dia, com todas as matérias, qual foi sua nota? 64,1.

E no final, com a prova das matérias prioritárias da carreira? Tirei 62,5.

Tudo que acontece dá margem a discussão. Às vezes o pessoal exagera, mas é legal poder discutir o que acontece.

Qual foi sua pontuação final e classificação?

Como você avalia hoje a carreira que escolheu?

773,4. Fiquei em 9o lugar, dentre os 1 551 convocados para a 2a fase.

Como ficou sabendo de sua aprovação na São Francisco? Eu vim aqui no dia da lista. Foi bem legal. Liguei para um amigo da Federal e viemos ver. Nós dois passamos. Muito bom.

O que veio na sua cabeça quando viu seu nome na lista? Que o esforço valeu a pena. Foi um alívio.

Você já conhecia a São Francisco? Não. Conheci no dia da matrícula.

Foi sozinho? Fui com minha irmã, que fez o cursinho comigo. Ela já fez uma faculdade e estava se preparando para outra. Ela também entrou no curso que queria – Produção Cultural, da Universidade Federal Fluminense.

Como foi o dia da matrícula? As pessoas foram muito receptivas. Na São Francisco eles têm um cuidado especial com as pessoas que entram. Lá tem uns cursos mais politizados e eles se preocupam muito com os calouros, para que vejam que não é um ambiente assustador. Fui pintado, meu cabelo já tinha sido raspado aqui no cursinho. Aí o pessoal veio entregando panfletos sobre os grupos de estudo da faculdade. Depois a gente foi fazer pedágio na Liberdade.

O que você tem de matéria agora na São Francisco? Direito Civil, Direito Constitucional, Introdução ao Direito Penal, Teoria Geral do Estado, Economia Política, Direito Romano, Introdução ao Estudo do Direito e uma optativa que se chama Formação das Instituições Políticas Brasileiras.

De qual matéria você está gostando mais? Direito Penal. É unânime, todo mundo gosta. Também estou gostando bastante de Direito Constitucional e Direito Civil.

Do que você mais gostou na São Francisco até agora, seja na parte humana, seja na infraestrutura? Começa pelo prédio, tem 187 anos de história. Nas arcadas você vê os nomes das pessoas que passaram por lá, pessoas importantes de que você ouve falar no Ensino Médio e que estudaram ali também. Tem o porão da São Francisco, que era onde, na ditadura, por exemplo, eles faziam reuniões e discutiam questões que eram contra o regime. Nesse porão hoje funciona um bar e fica o Centro Acadêmico. O ambiente lá é de discussão.

Jornal do Vestibulando

Estou gostando bastante do curso. Claro, é muito cedo para saber o que vou seguir dentro da área do Direito.

Você já começou a fazer outras atividades na faculdade? Eu comecei a ir aos treinos de rúgbi, mas os treinos são bem tarde, então fica difícil de ir. Também fui a algumas reuniões do Canto Geral, um partido que concorre às eleições do Centro Acadêmico. Fui também a uma reunião do Serviço de Assessoria Jurídica Universitária. Não cheguei a participar dos trabalhos que eles desenvolvem. Quero muito participar do Departamento Jurídico, que presta assessoria para a comunidade. Tem um processo seletivo.

Como fica marcado para você o ano passado? Um ano difícil, a começar que precisei parar de trabalhar. Eu gostava de trabalhar. No cursinho também foi muito difícil. Foi um ano de dedicação ao estudo, mais que em qualquer momento.

Do que você mais gostou no Etapa? Os professores são muito bons, de alguns em especial você se lembra em vários momentos na faculdade. Tem coisas que vão te acompanhar para sempre. São coisas que marcam realmente.

Você acha que está diferente hoje de quando começou a fazer cursinho? Acho que você fica mais organizado no estudo. O cursinho exige que você se organize e estruture uma rotina de estudo. Você tem um foco claro, que está marcado no tempo, no espaço, que vai mudar seu futuro.

O que você tira de lição dessa experiência? Nada é de graça. Tem de ralar para chegar onde você quer. É assim em qualquer coisa na vida. Você tem de ler, fazer exercícios, testes, escrever resposta de questão e nada vai chegar até você sem que você se esforce.

Você tem alguma dica para quem quer entrar na São Francisco? Segredo não tem. Eu acho que você tem de perceber como está em relação aos outros, se estão muito mais preparados do que você. E tem de focar naquilo em que tem mais dificuldade e nas matérias do terceiro dia da Fuvest. Precisa estudar tudo.

O que mais você quer dizer para nossos alunos? Boa sorte, gente. Sorte é oportunidade mais preparo. Preparem-se que a sorte vem.

Jornal ETAPA, editado por Etapa Ensino e Cultura REDAÇÃO: Rua Vergueiro, 1 987 – CEP 04101-000 – Paraíso – São Paulo – SP JORNALISTA RESPONSÁVEL: Egle M. Gallian – M.T. 15343


CONTO

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Gennaro Álvares de Azevedo Meurs ou tue...*

(Corneille)

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ennaro, dormes, ou embebes-te no sabor do último trago do vinho, da última fumaça do teu cachimbo? – Não: quando contavas tua história, lembrava-me uma folha da vida, folha seca e avermelhada como as do outono, e que o vento varreu. – Uma história? – Sim: é uma das minhas histórias. Sabes, Bertram, eu sou pintor... É uma lembrança triste essa que vou revelar, porque é a história de um velho e de duas mulheres, belas como duas visões de luz. Godofredo Walsh era um desses velhos sublimes, em cujas cabeças as cãs1 semelham o diadema prateado do gênio. Velho já, casara em segundas núpcias com uma beleza de vinte anos. Godofredo era pintor: diziam uns que este casamento fora um amor artístico por aquela beleza romana2, como que feita ao molde das belezas antigas; outros criam-no compaixão pela pobre moça que vivia de servir de modelo. O fato é que ele a queria como filha – como Laura, a filha única de seu primeiro casamento – Laura, corada como uma rosa e loira como um anjo. Eu era nesse tempo moço: era aprendiz de pintura em casa de Godofredo. Eu era lindo então; que trinta anos lá vão, que ainda os cabelos e as faces me não haviam desbotado como nesses longos quarenta e dois anos de vida! Eu era aquele tipo de mancebo ainda puro do ressumbrar3 infantil, pensativo e melancólico como Rafael se retratou, no quadro da galeria Barberini. Eu tinha quase a idade da mulher do mestre. Nauza tinha vinte e eu tinha dezoito anos. Amei-a; mas meu amor era puro como meus sonhos de dezoito anos. Nauza também me amava: era um sentir tão puro! era uma emoção solitária e perfumosa como as primaveras cheias de flores e de brisas que nos embalavam aos céus da Itália. Como eu o disse, o mestre tinha uma filha chamada Laura. Era uma moça pálida, de cabelos castanhos e olhos azulados; sua tez era branca, só às vezes, quando o pejo4 a incendia, duas rosas lhe avermelhavam a face e se lhe destacavam no fundo de mármore. Laura parecia querer-me como a um irmão. Seus risos, seus beijos de criança de quinze anos eram só para mim. À noite, quando eu ia deitar-me, ao passar pelo corredor escuro com minha lâmpada, uma sombra me apagava a luz e um beijo me pousava nas faces, nas trevas. Muitas noites foi assim. (*)  Tradução: “Morre ou mata...”

Uma manhã – eu dormia ainda – o mestre saíra e Nauza fora à igreja, quando Laura entrou no meu quarto e fechou a porta: deitou-se ao meu lado. Acordei nos braços dela. O fogo de meus dezoito anos, a primavera virginal de uma beleza ainda inocente, o seio seminu de uma donzela a bater sobre o meu, isso tudo ao despertar dos sonhos alvos da madrugada, me enlouqueceu... Todas as manhãs Laura vinha a meu quarto... Três meses passaram assim. Um dia entrou ela no meu quarto e disse-me: – Gennaro, estou desonrada para sempre,... A princípio eu quis-me iludir, já não o posso, estou de esperanças...5 Um raio que me caísse aos pés não me assustaria tanto. – É preciso que cases comigo, que me peças ao meu pai, ouves, Gennaro? Eu calei-me. – Não me amas então? Calei-me ainda. – Oh! Gennaro! Gennaro! E caiu no meu ombro desfeita em soluços. Carreguei-a assim fria e fora de si para seu quarto. Nunca mais tornou a falar-me em casamento. Que havia de eu fazer? contar tudo ao pai e pedi-la em casamento? fora uma loucura... Ele me mataria e a ela: ou pelo menos me expulsaria de sua casa... E Nauza? cada vez eu a amava mais. Era uma luta terrível essa que se travava entre o dever e o amor, e entre o dever e o remorso. Laura não me falara mais. Seu sorriso era frio: cada dia tornava-se mais pálida, mas a gravidez não crescia, antes mais nenhum sinal se lhe notava... O velho levava as noites passeando no escuro. Já não pintava. Vendo a filha que morria aos sons secretos de uma harmonia de morte, que empalidecia cada vez mais, o misérrimo arrancava as cãs. Eu contudo não esquecera Nauza, nem ela se esquecia de mim. Meu amor era sempre o mesmo: eram sempre noites de esperança e de sede que me banhavam de lágrimas o travesseiro. Só às vezes sombra de um remorso me passava, mas a imagem dela dissipava todas essas névoas... Uma noite... foi horrível... vieram chamar-me: Laura morria. Na febre murmurava meu nome e palavras que ninguém podia reter, tão apressadas e confusas lhe soavam. Entrei no quarto dela: a doente conheceu-me. Ergueu-se branca, com a face úmida de um suor copioso, chamou-me. Sentei-me junto do leito dela. Apertou minha mão nas suas mãos frias e murmurou em meus ouvidos: – Gennaro, eu te perdoo, eu te perdoo tudo... Eras um infame... Morrerei... Fui uma

louca... Morrerei... por tua causa... teu filho... o meu... vou vê-lo ainda... mas no céu... meu filho que matei... antes de nascer... Deu um grito, estendeu convulsivamente os braços como para repelir uma ideia, passou a mão pelos lábios como para enxugar as últimas gotas de uma bebida, estorceu-se no leito, lívida, fria, banhada de suor gelado e arquejou... Era o último suspiro. Um ano todo se passou assim para mim. O velho parecia endoidecido. Todas as noites fechava-se no quarto onde morrera Laura: levava aí a noite toda em solidão. Dormia? ah que não! Longas horas eu o escutei no silêncio arfar com ânsia, outras vezes afogar-se em soluços. Depois tudo emudecia: o silêncio durava horas; o quarto era escuro; e depois as passadas pesadas do mestre se ouviam pelo quarto, mas vacilantes como de um bêbado que cambaleia. Uma noite eu disse a Nauza que a amava: ajoelhei-me junto dela, beijei-lhe as mãos, reguei seu colo de lágrimas. Ela voltou a face: eu cri que era desdém, ergui-me. – Então, Nauza, tu me não amas, disse eu. Ela permanecia com o rosto voltado. – Adeus, pois; perdoai-me se vos ofendi; meu amor é uma loucura, minha vida é uma desesperança – o que me resta? Adeus, irei longe, longe daqui... talvez então eu possa chorar sem remorso... Tomei-lhe a mão e beijei-a. Ela deixou sua mão nos meus lábios. Quando ergui a cabeça, eu a vi: ela estava debulhada em lágrimas. – Nauza! Nauza! uma palavra, tu me amas? Tudo o mais foi um sonho: a lua passava entre os vidros da janela aberta, batia nela: nunca eu a vira tão pura e divina! E as noites que o mestre passava soluçando no leito vazio de sua filha, eu as passava no leito dele, nos braços de Nauza. Uma noite houve um fato pasmoso. O mestre veio ao leito de Nauza. Gemia e chorava aquela voz cavernosa e rouca: tomou-me pelo braço com força, acordou-me e levou-me de rasto ao quarto de Laura... Atirou-me ao chão: fechou a porta. Uma lâmpada estava acesa no quarto defronte de um painel. Ergueu o lençol que o cobria. – Era Laura moribunda! E eu, macilento como ela, tremia como um condenado. A moça com seus lábios pálidos murmurava no meu ouvido... Eu tremi de ver meu semblante tão lívido na tela e lembrei-me que naquele dia ao sair do quarto da morta, no espelho dela que estava ainda pendurado à janela, eu me horrorizara de ver-me cadavérico...


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CONTO

Um tremor, um calafrio se apoderou de mim. Ajoelhei-me e chorei lágrimas ardentes. Confessei tudo: parecia-me que era ela quem o mandava, que era Laura que se erguia dentre os lençóis do seu leito e me acendia o remorso, e no remorso me rasgava o peito. Por Deus! que foi uma agonia! No outro dia o mestre conversou comigo friamente. Lamentou a falta de sua filha – mas sem uma lágrima: sobre o passado da noite, nem palavra. Todas as noites era a mesma tortura, todos os dias a mesma frieza. O mestre era sonâmbulo... E pois eu não me cri perdido... Contudo, lembrei-me que uma noite, quando eu saía do quarto de Laura com o mestre, no escuro vira uma roupa branca passar-me por perto, roçaram-me uns cabelos soltos e nas lájeas6 do corredor estalavam umas passadas tímidas de pés nus... Era Nauza que tudo vira e tudo ouvira, que acordara e sentira minha falta no leito, que ouvira esses soluços e gemidos e correra para ver... Uma noite, depois da ceia, o mestre Walsh tomou sua capa e uma lanterna, e chamou-me para acompanhá-lo. Tinha de sair fora da cidade e não queria ir só. Saímos juntos: a noite era escura e fria. O outono desfolhara as árvores e os primeiros sopros do inverno rugiam nas folhas secas do chão. Caminhamos juntos muito tempo: cada vez mais nos entranhávamos pelas montanhas, cada vez o caminho era mais solitário. O velho parou. Era na fralda de uma montanha. À direita o rochedo se abriu num trilho: à esquerda as pedras soltas por nossos pés a cada passada se despegavam e rolavam pelo despenhadeiro e, instantes depois, se ouvia um som como de água onde cai um peso... A noite era escuríssima. Apenas a lanterna alumiava o caminho tortuoso que seguíamos. O velho lançou os olhos à escuridão do abismo e riu-se. – Espera-me aí, disse ele, já venho. Godofredo tomou a lanterna e seguiu para o cume da montanha: eu sentei-me no caminho à sua espera: vi aquela luz ora perder-se, ora reaparecer entre os arvoredos nos ziguezagues do caminho. Por fim vi-a parar. O velho bateu à porta de uma cabana: a porta abriu-se. Entrou. O que aí se passou nem o sei: quando a porta abriu-se de novo uma mulher lívida e desgrenhada7 apareceu com um facho na mão. A porta fechou-se. Alguns minutos depois o mestre estava comigo. O velho assentou a lanterna num rochedo, despiu a capa e disse-me: – Gennaro, quero contar-te uma história. É um crime, quero que sejas juiz dele. Um velho era casado com uma moça bela. De outras núpcias tinha uma filha bela também. Um aprendiz – um miserável que ele erguera da poeira, como o vento às vezes ergue uma folha, mas que ele podia reduzir a ela quando quisesse...

Eu estremeci, os olhares do velho pareciam ferir-me. – Nunca ouviste essa história, meu bom Gennaro? – Nunca, disse eu a custo e tremendo. – Pois bem, esse infame desonrou o pobre velho, traiu-o como Judas ao Cristo. – Mestre, perdão! – Perdão! – e perdoou o malvado ao pobre coração do velho? – Piedade! – E teve ele dó da virgem, da desonrada, da infanticida? – Ah! gritei. – Que tens? conheces o criminoso? A voz de escárnio dele me abafava. – Vês, pois, Gennaro, disse ele mudando de tom, se houvesse um castigo pior que a morte, eu to daria. Olha esse despenhadeiro! É medonho! se o visses de dia, teus olhos se escureceriam e aí rolarias talvez de vertigem! É um túmulo seguro; e guardará o segredo, como um peito o punhal. Só os corvos irão lá ver-te, só os corvos e os vermes. E pois, se tens ainda no coração maldito um remorso, reza tua última oração, mas que seja breve. O algoz8 espera a vítima, a hiena tem fome de cadáver... Eu estava ali pendente junto à morte. Tinha só a escolher o suicídio ou ser assassinado. Matar o velho era impossível. Uma luta entre mim e ele fora insana9. Ele era robusto, a sua estatura alta, seus braços musculosos me quebrariam como o vendaval rebenta um ramo seco. Demais, ele estava armado. Eu... eu era uma criança débil: ao meu primeiro passo ele me arrojaria da pedra em cujas bordas eu estava... só me restaria morrer com ele, arrastá-lo na minha queda. Mas para quê? E curvei-me no abismo: tudo era negro, o vento lá gemia embaixo nos ramos desnuados, nas urzes, nos espinhais ressequidos, e a torrente lá chocalhava no fundo escumando nas pedras. Eu tive medo. Orações, ameaças, tudo seria debalde. – Estou pronto, disse. O velho riu-se: infernal era aquele rir dos seus lábios estalados de febre. Só vi aquele riso... Depois foi uma vertigem... o ar que sufocava, um peso que me arrastava, como naqueles pesadelos em que se cai de uma torre e se fica preso ainda pela mão, mas a mão cansa, fraqueia, sua, esfria... Era horrível: ramo a ramo, folha por folha os arbustos me estalavam nas mãos, as raízes secas que saíam pelo despenhadeiro estalavam sob meu peso e meu peito sangrava nos espinhais. A queda era muito rápida... De repente não senti mais nada... Quando acordei estava junto a uma cabana de camponeses que me tinham apanhado junto da torrente, preso nos ramos de uma azinheira gigantesca que assombrava o rio. Era depois de um dia e uma noite de delírios que eu acordara. Logo que sarei, uma ideia me veio: ir ter com o mestre. Ao ver-me salvo assim daquela morte horrível, pode ser que se apiedasse de mim, que me

perdoasse, e então eu seria seu escravo, seu cão, tudo o que houvesse mais abjeto10 num homem que se humilha – tudo! – contanto que ele me perdoasse. Viver com aquele remorso me parecia impossível. Parti pois: no caminho topei um punhal. Ergui-o: era o do mestre. Veio-me então uma ideia de vingança e de soberba. Ele quisera matar-me, ele tinha rido à minha agonia, e eu havia ir chorar-lhe ainda aos pés para ele repelir-me ainda, cuspir-me nas faces e amanhã procurar outra vingança mais segura?... Eu humilhar-me quando ele me tinha abatido! Os cabelos me arrepiaram na cabeça, e suor frio me rolava pelo rosto. Quando cheguei à casa do mestre, achei-a fechada. Bati... não abriram. O jardim da casa dava para a rua: saltei o muro: tudo estava deserto e as portas que davam para ele estavam também fechadas. Uma delas era fraca: com pouco esforço arrombei-a. Ao estrondo da porta que caiu, só o eco respondeu nas salas. Todas as janelas estavam fechadas e contudo era dia claro fora. Tudo estava escuro; nem uma lamparina acesa. Caminhei tateando até a sala do pintor. Cheguei lá, abri as janelas e a luz do dia derramou-se na sala deserta. Cheguei então ao quarto de Nauza, abri a porta e um bafo pestilento corria daí. O raio da luz bateu em uma mesa. Junto estava uma forma de mulher com a face na mesa e os cabelos caídos: atirado numa poltrona um vulto coberto com um capote. Entre eles um copo onde se depositara um resíduo polvilhento11. Ao pé estava um frasco vazio. Depois eu o soube – a velha da cabana era uma mulher que vendia veneno e fora ela decerto que o vendera, porque o pó branco do copo parecia sê-lo... Ergui os cabelos da mulher, levantei-lhe a cabeça... Era Nauza, mas Nauza cadáver, já desbotada pela podridão. Não era aquela estátua alvíssima de outrora, as faces macias e o colo de neve... Era um corpo amarelo... Levantei uma ponta da capa do outro: o corpo caído de bruços com a cabeça para baixo; ressoou no pavimento o estalo do crânio... Era o velho!... morto também, roxo e apodrecido!... Eu o vi: da boca lhe corria uma escuma esverdeada. Extraído de: Noite na taverna, Ed. Núcleo, 1993.

VOCABULÁRIO (1) cabelos brancos. (2) alusão à escultura romana, herdeira da grega, em que o homem é representado com proporções equilibradas e linhas harmoniosas, corpo de formas perfeitas. (3) o mesmo que ressumar, revelar, mostrar. (4) pudor, timidez, vergonha. (5) diz-se da mulher quando grávida. (6) o mesmo que lajes. (7) despenteada, com os cabelos revoltos, emaranhados. (8) carrasco. (9) (fig.) excessiva, árdua. (10) desprezível, vil, imundo. (11) poeirento.


ARTIGO

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A bomba atômica A partir de 1945, com o frio extermínio de 210 000 civis inocentes em Hiroshima, a humanidade passou a viver sob a ameaça da bomba atômica. Os bombardeios de Hiroshima e Nagasaki constituíram a mais incrível e desnecessária atrocidade cometida contra a espécie humana. Eis a história dessa funesta “conquista tecnológica”. C. J. H. Watson

Sobre a cidade japonesa de Nagasaki brota o cogumelo fatídico, assinalando o lançamento da segunda bomba atômica em 9 de agosto de 1945.

A

história da invenção da bomba atômica tem algo a oferecer para todos nós. Para o físico nuclear, representa uma odisseia de pesquisas científicas até então sem precedentes, concluída “com êxito”, apesar dos enormes obstáculos impostos pelo sigilo e pela carência de técnicas e de materiais. Para o engenheiro, constitui-se numa verdadeira epopeia tecnológica, durante a qual 1 bilhão e 400 milhões de dólares foram aplicados em quatro novos processos industriais, cada um deles ameaçado de perto pelo fracasso total. Para o historiador, é uma saga de maquinações, nas altas esferas de poder, envolta numa atmosfera de suspeitas e hostilidade internacional. Para o filósofo, oferece excelente campo de estudo sobre os conflitos de lealdade – as exigências antagônicas feitas ao político ou ao cientista por seus próprios instintos e ambições, por seus amigos, pela pátria e, do lado oposto, pela humanidade. Para certos leitores, é apenas mais uma história de guerra – um drama pungente e emocionante, a cargo de um numeroso elenco, cujos personagens vão desde o mais ardoroso “patriota” até o agente secreto mais pérfido. E, finalmente, para aqueles que têm um mínimo de sentimento humano, é a história da perversão de todos os ideais apregoados pelos meios científicos, induzidos a colaborar na preparação de um dos mais frios e cruéis crimes de guerra conhecidos: o extermínio de Hiroshima e Nagasaki que – obviamente – não foi julgado em Nuremberg. E que até hoje continua impune. Como funcionam as armas nucleares? Os princípios básicos da física nuclear já haviam sido estabelecidos em 1940. Em resumo, os núcleos dos átomos são formados por uma mistura de prótons e de nêutrons. O número de prótons, variável de 1 a 111, determina o elemento químico do átomo. Assim, os núcleos do hidrogênio têm 1 próton, os do ferro, 26, os do urânio, 92, e os do plutônio têm 94. O número de nêutrons varia e os núcleos que diferem apenas quanto ao número de nêutrons recebem o nome de isótopos. Dessa forma, sabe-se da existência de três isótopos do hidrogênio, com nenhum, um e dois nêutrons, conhecidos respectivamente como hidrogê-

Cogumelo atômico: bomba lançada sobre Hiroshima. nio, deutério e trítio, e de catorze isótopos do urânio, os mais abundantes dos quais são o U-235 e o U-238, que têm, respectivamente, 143 e 146 nêutrons. A existência desses isótopos e a inexistência de outros com diferente número de nêutrons é uma consequência das leis muito peculiares que regem as forças de coesão dos núcleos. Usando uma linguagem mais acessível: prótons e nêutrons atraem-se fortemente quando estão muito próximos, ou então ignoram-se, ou, no caso dos prótons, repelem-se uns aos outros. A natureza “tem tido alguma dificuldade” para construir unidades estáveis com esse material tão instável. As únicas combinações viáveis são aquelas em que o núcleo tem mais nêutrons do que prótons, porém não muito mais. O núcleo mais estável é o do ferro (que tem 26 prótons e 32 nêutrons). Via de regra, qualquer reação nuclear (ou seja, o reagrupamento de prótons e de nêutrons para formar um novo ou novos núcleos) que leve a um núcleo cujo número de prótons esteja mais próximo de 26 resulta numa liberação de energia nuclear. Por conseguinte, pode-se obter energia nuclear de duas maneiras: pela fusão de dois núcleos mais leves que o do ferro (do deutério e do trítio, por exemplo, que possuem um próton), ou pela fissão (divisão em duas metades iguais) de núcleos mais pesados que o do ferro (do urânio-235, por exemplo, que tem

92 prótons). A bomba de hidrogênio baseia-se na primeira opção, a bomba atômica, na segunda. Felizmente para a estabilidade de nosso mundo material, tanto a fusão como a fissão só ocorrem em circunstâncias excepcionais. A fusão acontece apenas quando os núcleos se chocam com extrema violência. Até recentemente a temperatura exigida para essa fusão (cerca de 100 milhões de graus centígrados) só poderia ser conseguida, em nosso planeta, por intermédio de uma bomba atômica. A fissão, por outro lado, também é um fenômeno excepcional. O universo tem milhares de milhões de anos e, durante sua evolução, quase todos os núcleos capazes de cindir-se espontaneamente já o fizeram. Nos poucos núcleos que restam (como o do rádio, por exemplo), a fissão se processa tão lentamente que não chega a ter utilidade como fonte de energia. Não obstante, como certos núcleos pesados são pouco estáveis, o acréscimo de mais um nêutron é suficiente para que eles se cindam. O urânio-235 e o plutônio constituem um exemplo típico disso. Como cada fissão liberta dois ou mais nêutrons, é possível produzir uma reação em cadeia: um primeiro nêutron é aprisionado por um núcleo pesado, que se rompe, libertando dois nêutrons que, por sua vez, são capturados por mais dois núcleos, e assim sucessivamente. Essa reação em cadeia, verdadeira explosão populacional dos nêutrons, gera a liberação tremendamente rápida de energia nuclear que ocorre em toda explosão atômica. Como toda explosão populacional, no entanto, ela depende diretamente da manutenção de uma “taxa de reprodução” de mais de um nêutron para cada nêutron capturado. Dois fatores adversos, no entanto, podem impedir isso. Em primeiro lugar, se a massa do material que contém os núcleos físseis for muito pequena, muitos nêutrons podem escapar para fora da superfície, em lugar de serem capturados por outros núcleos de seu interior, para gerar a fissão. Em segundo lugar, se o núcleo que captura um nêutron não for do tipo certo, ele pode deixar de fundir-se, ou então não se cindir com a devida rapidez. O primeiro fator não chega a ser decisivo – demonstra simplesmente que a massa do material deve exceder um certo nível crítico. Na prática, as bombas atômicas são disparadas mediante o contato entre duas porções de urânio, cada uma delas um pouco abaixo do tamanho crítico. O segundo fator, en-


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tretanto, é absolutamente fundamental, pois o urânio-238 não é físsil. Dessa maneira, até mesmo uma reduzida concentração de U-238 numa porção de U-235 é suficiente para impedir uma reação de explosão em cadeia. Na realidade, o urânio natural consiste de 99,3% de U-238 e apenas 0,7% de U-235. Então, a fim de que o U-235 possa ser utilizado como explosivo nuclear, é necessário separá-lo da quantidade muito maior de U-238. O outro material físsil, o plutônio, não existe na natureza. No entanto, se o U-238 for bombardeado com nêutrons lentos (obtidos pela rápida passagem de nêutrons rápidos através de um “moderador”, feito de água pesada ou de grafita, num reator nuclear), ele se transforma lentamente em plutônio, que pode, então, ser separado e utilizado como explosivo. A primeira opção (o U-235) foi usada na fabricação da bomba que explodiu em Hiroshima, e a segunda, daquela que explodiu em Nagasaki. Em setembro de 1939, praticamente todos esses conceitos já eram de pleno conhecimento dos físicos nucleares de todas as nações. E, por desgraça, todas as nações cientificamente adiantadas tentaram explorar o potencial militar da energia atômica. Os progressos nesse campo, porém, não foram idênticos nos vários países. Na França, quase todo o trabalho foi interrompido com a ocupação alemã. Muitos dos físicos nucleares franceses fugiram para a Inglaterra (transferindo-se mais tarde para o Canadá), inclusive Halban e Kowarski, que mais tarde se tornariam famosos. Na União Soviética, a Academia de Ciências constituiu uma “Comissão Especial para o Problema do Urânio”. Seus planos, porém, foram frustrados pela invasão alemã, que forçou a evacuação do grosso da indústria soviética e de seus centros de pesquisa para a região dos Urais. Isso retardou o programa nuclear russo até o fim de 1942, época em que, através do agente Klaus Fuchs, os soviéticos já vinham recebendo informações regulares sobre as pesquisas britânicas e americanas nesse campo. Ao que parece, todavia, foi só em 1945 que a União Soviética passou a dar prioridade à construção de sua própria bomba atômica. Na Alemanha, o trabalho foi prejudicado pela perda de muitos dos mais talentosos físicos nucleares, durante os expurgos antissemitas, pouco antes da guerra, e pelas disputas partidárias entre os que sobraram. Não obstante, em meados de 1940, sob o disfarce de um “Instituto do Vírus”, um grupo de físicos, entre os quais Bothe, Weizsäcker e Heisenberg, fundou um instituto de pesquisas atômicas. Até 1942, o nível de suas pesquisas correspondia mais ou menos ao nível das pesquisas dos físicos americanos. Em abril de 1942, porém, um grupo de sabotadores anglo-noruegueses destruiu a usina de água pesada em Rjukan (na Noruega), da qual dependia, de maneira vital, o programa de pesquisas dos alemães. Daí para a frente o prosseguimento deste programa não teve andamento. Mesmo assim, os anglo-americanos continua­ ram a corrida para a construção da arma

Resultado do 2º bombardeio atômico: Nagasaki, 09.08.1945. atômica, alegando que os alemães deviam estar na iminência de fabricá-la. No entanto, a descoberta de anotações e documentos de Weizsäcker, durante a tomada de Estrasburgo, em 1944, revelou como os alemães ainda estavam atrasados no campo das pesquisas nucleares. Na Inglaterra, a maior parte dos cientistas estava inicialmente engajada em outras atividades relacionadas com a guerra. Nos primeiros meses, o esforço nuclear dependeu quase que exclusivamente de cientistas refugiados, cuja nacionalidade os impedia de participar de projetos militares secretos. Não obstante, os ingleses foram os culpados pelas contribuições mais importantes para o desenvolvimento das armas nucleares em seus primeiros anos. A primeira notícia séria sobre a possibilidade de construção de uma bomba atômica foi dada em fevereiro de 1940 pelos professores Peierls e Frisch, que trabalhavam na Universidade de Birmingham. Em seu notável Memorandum, de apenas três páginas, eles abordaram os problemas principais para a construção de uma bomba atômica, bem como as possíveis soluções. Salientaram, pela primeira vez, que era indispensável separar o U-235 do U-238, indicando o método para conseguir isso – a difusão térmica. Calcularam a “massa crítica” do U-235, obtendo 600 gramas, quantidade posteriormente alterada para 9 quilos, em função das medidas nucleares mais exatas. A explosão resultante, segundo eles, seria equivalente a cerca de 1 000 toneladas de TNT. Comentaram, também – e isto é muito importante –, os efeitos letais da radiação que seria produzida.

A construção da bomba Sob o estímulo do memorando de Peierls e Frisch, as pesquisas britânicas sobre a separação dos isótopos passaram a merecer um apoio cada vez maior durante o ano de 1940, especialmente sob a direção do Professor Simon, da Universidade de Oxford. Ao final desse ano, concluiu-se que havia outro processo de separação – a difusão gasosa – mais eficiente que a difusão térmica. Por outro lado, calculou-se que uma usina capaz de separar U-235 em quantidade su-

ficiente para uma bomba custaria mais de 5 milhões de libras, exigindo, para sua construção, materiais que só poderiam ser obtidos após grandes esforços e consideráveis pesquisas. Entrementes, os físicos franceses Halban e Kowarski, que trabalhavam então na Universidade de Cambridge, demonstraram que seria possível produzir o plutônio, mediante uma lenta reação em cadeia no urânio natural, desde que se utilizasse água pesada para moderar a velocidade dos nêutrons. Seus colegas, Bretscher e Feather, sugeriram a utilização do plutônio como explosivo nuclear. Finalmente, na Universidade de Birmingham, Oliphant vinha desenvolvendo uma terceira técnica de separação de isótopos – o método eletromagnético. Nem seu processo, porém, nem o do plutônio, pareciam então muito viáveis. Assim, quando o Comitê Maud (criado pelo Ministério da Aeronáutica para realizar uma investigação sobre as armas nucleares) elaborou seu relatório final, em meados de 1941, manifestou-se favorável ao método da difusão dos gases. Nessa altura, quase todos os cientistas britânicos percebiam que o trabalho em maior escala só poderia ser levado a cabo nos Estados Unidos, onde ainda havia todos os recursos de produção necessários. Até 1942, o esforço dos americanos no campo nuclear fora menos intenso e não apresentara resultados tão “bons” quanto o que se havia desenvolvido na Grã-Bretanha. Na realidade, repetidas vezes eles solicitaram uma cooperação maior para os cientistas britânicos. No verão de 1942, contudo, em decorrência do ataque japonês a Pearl Harbor e do relatório favorável do Comitê Maud sobre a viabilidade das armas atômicas, as pesquisas ganharam um novo ímpeto nos Estados Unidos. O programa americano, conhecido como “Projeto Manhattan” por razões de segurança, foi posto então sob controle do Exército, na pessoa do General Groves. Os recursos que lhe eram destinados passaram, de milhares, para milhões de dólares. Por coincidência, no preciso instante em que a Grã-Bretanha se dispôs a cooperar com o programa nuclear dos Estados Unidos, dois dos cientistas responsáveis pelo mesmo, Conant e Bush, concluíram que a colaboração britânica era perfeitamente dispensável.


ARTIGO Essa decisão deu origem, nas relações anglo-americanas, a um clima de ressentimento e de reserva que só paulatinamente se desfez, mesmo depois das conversações diretas entre Churchill e Roosevelt, que resultaram na assinatura do Acordo de Quebec, em agosto de 1943. Entrementes, prosseguiam nos Estados Unidos as pesquisas sobre todas as técnicas anteriormente citadas: na Universidade de Colúmbia, Urey e Dunning estudavam a separação de isótopos pela difusão dos gases; na Universidade da Califórnia, Lawrence dedicava-se à separação eletromagnética; em Anacostia, Abelson concentrava-se na separação térmica, e Fermi, em Chicago, pesquisava a produção de plutônio por meio de nêutrons lentos. Os sucessos e reveses dessas pesquisas constituíam a preocupação máxima do General Groves e de seus assessores científicos. O método de difusão dos gases exigiu a fabricação de uma enorme quantidade de “membranas” – delgadas lâminas metálicas com milhões de pequenos orifícios, pelos quais se difundia o hexafluoreto de urânio – e a construção de uma enorme usina, cujo consumo de energia elétrica seria suficiente para iluminar uma grande metrópole. Em julho de 1944, essa usina, localizada em Oak Ridge, no Tennessee, estava praticamente concluída (ao custo de 280 milhões de dólares). As dificuldades tecnológicas para a fabricação da “membrana”, no entanto, ainda eram enormes, pondo em risco todo aquele investimento. O método eletromagnético de­pendia da utilização, em escala industrial, de um delicado instrumental de laboratório. O eletroímã utilizado nas primeiras experiências de Lawrence media alguns poucos centímetros; na usina de separação eletromagnética (também em Oak Ridge), era gigantesco: tinha quase 40 metros de comprimento por 5 de altura e seu enrolamento elétrico fora feito com 86 000 toneladas de prata, especialmente cedidas pelo Tesouro dos Estados Unidos. Aí também houve problemas: a usina começou a operar em fevereiro de 1944 e já em julho percebeu-se que tão cedo não seria capaz de produzir U-235 em quantidade suficiente. O processo de difusão térmica mostrou-se inútil como meio de enriquecer o U-235 em grande escala, embora funcionasse bem para pequenas quantidades. Havia finalmente o método do plutônio, que parecia muito promissor após o êxito da primeira pilha atômica experimental, construída por Fermi em Chicago, em dezembro de 1942. Essa pilha, a precursora de

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Criança vítima da bomba atômica lançada pela Força Aérea Americana sobre Hiroshima, 06.08.1945. todos os rea­tores nucleares subsequentes, levou à construção de vários gigantescos reatores de produção de plutônio em Hanford, às margens do rio Colúmbia. O primeiro deles foi acionado pelo próprio Fermi, em setembro de 1944, mas parou de funcionar poucas horas depois, em consequência de um fenômeno totalmente inesperado – o chamado “envenenamento nuclear”. No fim, todos os quatro métodos foram utilizados. O método da difusão térmica foi empregado para elevar o teor de U-235 do urânio de 0,7% para 0,9%. Esse material levemente enriquecido era então levado para a usina de difusão gasosa, que aumentava o conteúdo de U-235 para 20%. Finalmente, utilizava-se a usina eletromagnética para produzir material com mais de 90% de U-235. Como resultado, em agosto de 1945, após gastarem cerca de 1 bilhão de dólares, os Estados Unidos dispunham de U-235 em quantidade suficiente para uma arma atômica. Quanto ao plutônio, foi difícil prever sua produção, visto que a quantidade necessária para a construção de uma bomba era desconhecida até o último instante, chegando-se até mesmo a duvidar que ela explodisse. Por essa razão resolveu-se testar uma bomba, tão logo houvesse bastante plutônio disponível. O teste foi realizado no deserto de Alamogordo, no Estado do Novo México, em 17 de julho de 1945, sob a supervisão científica de J. Robert Oppenheimer, físico responsável pelo laboratório atômico de Los Alamos.

A explosão, que superou tranquilamente todos os cálculos teóricos, causou um impacto que não seria avaliado apenas em termos de milhares de toneladas de TNT. Vários dos cientistas que presenciaram o teste, horrorizados com a experiência, convenceram-se de que aquela arma jamais deveria ser utilizada contra seres humanos. A maioria deles, porém, ou pelo menos os que dispunham de influências junto às esferas governamentais, não hesitou em aconselhar o emprego da bomba contra o Japão, como único meio de abreviar a guerra. Apesar dos insistentes protestos de Szilard e de outros renomados cientistas, a decisão final foi tomada pelo presidente Truman, de comum acordo com Churchill. As bombas foram lançadas sobre Hiroshima, a 6 de agosto, e sobre Nagasaki, três dias depois. No dia 10 de agosto, o imperador do Japão comunicou sua intenção de render-se. No entanto, o mais provável é que os japoneses teriam-se rendido de qualquer maneira, sem maior derramamento de sangue. Argumentou-se, por outro lado, que o emprego da bomba atômica deu credibilidade ao papel das armas nucleares como meio de evitar um conflito mundial. Como se fosse necessário, para isso, sacrificar dezenas de milhares de inocentes civis japoneses, em meio à mais pavorosa de todas as mortes. Extraído de: História do século 20, Abril Cultural.

A bomba explode em Hiroshima

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m 6 de agosto de 1945 um avião de bombardeio americano, Enola Gay, procedente de Tinian, nas ilhas Marianas, lançou a primeira bomba atômica. Ela desceu de paraquedas, sendo detonada a 500 metros acima do alvo – Hiroshima.

Eram exatamente 8h16min da manhã, a hora mais trágica deste século. Para os que lá estavam e sobreviveram, a lembrança do instante em que o homem, pela primeira vez, desencadeou contra si mesmo as forças naturais de seu universo

é de um relâmpago de pura luz, ofuscante e intensa, mas de uma terrível beleza e variedade (...). Se houve algum som, ninguém ouviu. O relâmpago inicial gerou uma sucessão de calamidades. Primeiro veio o calor. Durou


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apenas um instante mas foi de tal intensidade que derreteu os telhados, fundiu os cristais de quartzo nos blocos de granito, chamuscou os postes telefônicos numa área de 3 quilômetros e incinerou os seres humanos que se achavam nas proximidades. Tão completamente que nada restou deles, a não ser suas silhuetas, gravadas a fogo no asfalto das ruas ou nas paredes de pedra. Depois do calor veio o deslocamento de ar, varrendo tudo ao seu redor com a força de um furacão soprando a 800 quilômetros por hora. Num círculo gigantesco de mais de 3 quilômetros, tudo foi reduzido a escombros. Em poucos segundos, o calor e o vendaval atearam milhares de incêndios. Em

alguns pontos o fogo parecia brotar do próprio chão, tão numerosas eram as chamas tremulantes geradas pela irradiação do calor. Minutos depois da explosão começou a cair uma chuva estranha. Suas gotas eram grandes e negras. Esse fenômeno aterrador resultava da vaporização da umidade da bola de fogo e de sua condensação em forma de nuvem. À medida que a nuvem, formada de vapor de água e dos escombros pulverizados de Hiroshima, atingia o ar mais frio das camadas superiores, condensava-se, caindo sob a forma de “chuva negra” que não apagava os incêndios, mas aumentava o pânico e a confusão (...). Depois da chuva veio o vento – o grande vento de fogo –, soprando em direção ao

centro da catástrofe e aumentando de violência à medida que o ar de Hiroshima ficava cada vez mais quente. O vento soprava tão forte que arrancava árvores enormes nos parques onde se abrigavam os sobreviventes. Milhares de pessoas vagavam às cegas e sem outro objetivo a não ser fugir da cidade de qualquer maneira. Ao chegarem aos subúrbios, eram tomadas, a princípio, por negros e não japoneses, tão enegrecidas estavam. Os refugiados não conseguiram explicar como foram queimados. “Vimos um clarão”, contavam, “e ficamos assim”. Trechos do livro No high ground, de Fletcher Knebel e Charles Bailey.

COLUNA M

Como calcular o dia da semana Suponhamos que você queira saber o dia da semana de 24 de agosto de 1954, dia do suicídio do presidente Getúlio Vargas, ou queira saber que dia da semana foi 30.06.2002, dia em que o Brasil foi penta. Há várias maneiras para isso, que podem ser demonstradas matematicamente. Vamos apresentar uma maneira sem a demonstração. Primeiramente, consideremos o dia d/m/19xy, onde d é o dia do mês, m é o mês e x, y são algarismos de 0 a 9. Para cada mês m vamos associar um número f(m). Se o ano não for bissexto, esses números são dados pela sequência (1, 4, 4, 0, 2, 5, 0, 3, 6, 1, 4, 6), isto é, ao mês de janeiro associamos o número 1; a fevereiro, o número 4, etc. (se você quiser guardar: 122, 052, 062, 122 + 2). Se o ano for bissexto, a sequência muda apenas nos dois primeiros meses, ficando (0, 3, 4, ..., 6). Lembremos que um ano é bissexto se é múltiplo de 4, com

exceção dos múltiplos de 100, que não são múltiplos de 400. Assim, 1900 não é bissexto e 2000 é bissexto. Antes de apresentar a maneira de calcular o dia da semana, vamos associar a cada dia da semana um número. Ao sábado associamos o número 0; ao domingo, o número 1; à segunda-feira, o número 2, e assim por diante, até sexta-feira, associada ao número 6. O dia da semana é dado então pelo xy resto da Divisão Euclidiana de xy + < F 4 + d + f(m) por 7. O resto é um número de 0 a 6. Associamos esse número com o dia da semana como dado no parágrafo precedente. Antes que esqueçamos, a a notação 9 C significa que devemos 4 dividir a por 4 e tomar o número inteiro menor ou igual ao quociente da divisão de a por 4, ou, como é dito em ala guns contextos, 9 C significa que deve4

a mos truncar 9 C. Assim, se o ano é 1954, 4 54 xy = 54 e = , 5A 13 . = < F 713 4 O que descrevemos até agora vale para os dias dos anos de 1900 a 1999. Para anos 20xy, há uma pequena mudança: o dia da semana é dado pelo resxy to da Divisão Euclidiana de xy + < F + d 4 + f(m) – 1 por 7. Vamos calcular agora o dia da semana 54 de 24.08.1954. Já vimos que < F = 13. 4 Para m igual a agosto, f(m) = 3. Temos então que o resto da Divisão Euclidiana de 54 54 + < F + 24 + 3 = 54 + 13 + 24 + 3 4 = 94 por 7 é 3, que corresponde a uma terça-feira. Em que dia da semana o Brasil foi penta? Confira! E agora, responda: em que dia da semana você nasceu?

(ENTRE PARÊNTESIS)

N dias RESPOSTA Somando os períodos sem chuva com os períodos com chuva, teremos a soma total dos períodos (manhãs + tardes) observados; logo teremos 2N. Assim, 2N = 7 + 5 + 6, isto é, N = 9 dias.

Depois de N dias um estudante observa que: 1) choveu 7 vezes de manhã ou à tarde. 2) quando chove de manhã, não chove à tarde. 3) houve 5 tardes sem chuva. 4) houve 6 manhãs sem chuva. N é igual a quanto?


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