1479
Jornal do Vestibulando
ENSINO, INFORMAÇÃO E CULTURA
JORNAL ETAPA – 2014 • DE 21/08 A 03/09
ENTREVISTA
“Na Fuvest passam os mais esforçados. Essa foi uma das minhas qualidades no ano passado.” Arthur Bomfim Hansen fez o Extensivo no ano passado e hoje cursa Relações Internacionais na USP. Na PUC foi o 1o colocado na mesma carreira. Aqui ele conta como se preparou para os vestibulares e fala sobre as possibilidades de atuação profissional na atividade que escolheu.
Arthur Bomfim Hansen Em 2013: Etapa Em 2014: Relações Internacionais – USP
JV – O que motivou você a escolher o curso de Relações Internacionais? Arthur – Relações Internacionais é um curso que abrange muitas áreas, combina comigo. Decidi no 2o ano do Ensino Médio, depois de assistir à palestra sobre profissões na USP. Você terminou o Ensino Médio em 2012 e no ano passado fez cursinho aqui. Como foi seu primeiro contato com o Etapa? Meu irmão já tinha feito cursinho aqui e entrou na Poli. Depois de um ano e meio, voltou para o cursinho e passou na FEA. Além da Fuvest, você prestou outros vestibulares para RI? Prestei PUC. Quando veio para o cursinho, você estava confiante? Eu estava muito confiante no 3o ano, quando prestei Fuvest direto, mas não passei nem para a 2a fase. Quando vim para o Etapa estava decidido a estudar firme mesmo, esperando melhorar. Mas você achava que dava para ser aprovado na Fuvest? No meu primeiro simulado fiz 73 ou 74 pontos. Isso me deu ânimo. Mas, independentemente dos resultados, para mim o mais importante era que eu estava me esforçando. Teve algum momento em que você ficou preocupado que não fosse conseguir? Apesar de minhas notas nos simulados terem diminuído até o meio do ano, daí para frente
ENTREVISTA
Arthur Bomfim Hansen CONTO
O ladrão – Mário de Andrade ENTRE PARÊNTESIS
Distribuição de letras
1
foram aumentando. Então senti que poderia conseguir mantendo a calma e a concentração.
Nas férias de julho, o que você fez? Descansei, não estudei nada. Eu realmente precisei daquelas duas semanas de descanso.
Como era seu método de estudo?
Você fazia muitas redações? Eu fazia uma redação por semana até o meio do ano. Aí começou a ficar difícil, fazia uma a cada duas semanas.
Eu estudava no cursinho. No primeiro dia de aula já fiquei aqui. O Etapa é um lugar muito bom para estudar, é tranquilo.
Você pegava a matéria do dia? Eu sempre estudei a matéria do dia. Quando tinha simulado na sexta-feira e eu não conseguia estudar nesse dia, recuperava um pouco no sábado à tarde.
Você ficava no cursinho até que horas? No começo do ano eu ficava até 5 horas da tarde. No segundo semestre, mais para o fim, ficava até às 7 horas. Tinha dia em que estendia até umas 8 horas.
Você estudava no fim de semana também? No sábado tinha o JADE [Reforço para Jornalismo, Administração, Direito e Economia]. Depois do JADE eu fazia um pouco de exercícios, até umas 4 horas da tarde. Não estudava no domingo. Descansava, procurava ficar tranquilo, relaxado.
Teve alguma época mais pesada para você ao longo do ano? Eu comecei a ficar muito cansado em junho. Em dezembro, depois que adotei uma rotina de acordar às 5 horas da manhã e voltar para casa às 8, também fiquei muito cansado.
ARTIGO
Esse estranho H2O MAS, MÁS, MAIS
3
5
[E OUTRAS QUESTÕES GRAMATICAIS]
Assistir
ARTIGO
Embrapa amplia banco genético
6 7
8
Como foi o reforço do JADE? Foi mais pautado em exercícios. Neles você vê o que teve durante a semana, só que de forma mais prática. Eram aulas mais tranquilas para mim, mais descontraídas. O melhor era que eu conseguia fixar as matérias. Como você ia nos simulados do JADE? No primeiro simulado eu tirei B, mas a maioria era C mais. E nos simulados normais? No primeiro tirei 73, um C mais. Depois minha nota foi caindo, 69, 66, 63. No meio do ano, quando chegou a 61, C menos, liguei um sinal de alerta: “Não estou tão seguro assim”. Você ia ao Plantão de Dúvidas? Eu usava o Plantão pela Internet. Tirava as dúvidas quando chegava em casa. Em Matemática, basicamente. Em História e Geografia nunca tive dúvidas, os exercícios estavam bem explicados. Você leu as obras literárias indicadas como obrigatórias pela Fuvest? Só não li Viagens na minha terra, de Almeida Garret. Mas vi todas as palestras. Vi aqui, vi na Internet. E sempre fazia anotações.
SOBRE AS PALAVRAS
Ficar a ver navios SERVIÇO DE VESTIBULAR
Inscrições
8 8
2
ENTREVISTA
Qual a diferença de assistir a uma palestra sobre uma obra que você leu e sobre uma que não leu? É muito diferente. Quando se chega na palestra tendo lido a obra você não precisa se ater a coisas básicas como nome dos personagens, história. Você se concentra mais nas reflexões sobre as obras.
ça no lugar. Tenho a chance, vou estudar. Na prova de Português e Redação considerei o resultado muito bom. Na prova geral do segundo dia da 2a fase achei que fiquei um pouco abaixo do que imaginava. No terceiro dia foi o esperado.
No vestibular você conseguiu resolver as questões de Literatura? Consegui fazer a maioria.
649,8.
Você teve de abrir mão de alguma atividade para se preparar para os vestibulares? Parei com o futebol. Além da parte de convívio com os amigos – se tinha algum aniversário e eu não podia ir, pedia desculpas. Estava decidido a fazer o que tivesse de ser feito para não repetir no próximo ano.
Passei em 1o lugar na PUC. O curso da PUC também é muito conceituado e é mais antigo que o da USP. Depois que vi o resultado lá, fiquei bem animado. Meu pai sempre falou: se você tiver de ir para a PUC, a gente paga. Isso me deu tranquilidade. Mas USP é USP.
Nos estudos ao longo do ano você deu mais prioridade para a 1a fase da Fuvest ou para a 2a fase? Sempre supervalorizei a 1a fase. Foi um erro que hoje consigo ver. Quantos pontos você fez na 1a fase da Fuvest? Fiz 61, bem abaixo do que eu esperava. Fiquei preocupado, achei que não ia dar, mas depois procurei ficar tranquilo. Tive uns problemas na prova, fui de relógio digital e o fiscal não deixou usar. Não tinha noção do tempo. A nota de corte foi 58. O que você achou? Fiquei 3 pontos acima da nota de corte e achei que não tinha chance. Tinha uma ideia fixa – se ficasse com menos de 4 pontos acima da nota de corte estaria fora. Não ia conseguir, na minha opinião. Mas, conversando com amigos, vi que muita gente fez mais ou menos essa nota. Aí descobri que quem está na 2a fase tem chance. Como você foi no primeiro dia da 2a fase, na prova de Português e Redação? Eu estava tranquilo, tinha lido as obras, tinha assistido a todas as palestras. O que mais me preocupava eram questões de Gramática e de Interpretação de Textos. Errei umas sete questões, mas consegui um desempenho razoável, tirei 61 na prova. Na Redação fiz 65. No segundo dia, com questões de História, Geografia, Matemática, Física, Química, Biologia e Inglês, quanto você tirou? Tirei 64. E no terceiro dia, com questões das matérias prioritárias da carreira, História e Geografia? Qual foi sua nota? Acho que me preparei tanto que chegou na hora fiquei decepcionado. Putz, é só isso? Queria algo mais desafiador. Tirei 66, 67. Alguma surpresa no seu desempenho? Eu tive uma surpresa negativa na 1a fase, meu problema foi o relógio, o tempo. Fiquei mais nervoso na 1a fase do que na 2a. Quando vi a nota fiquei preocupado, mas coloquei a cabe-
Na escala de zero a 1 000, qual foi sua pontuação? Você prestou também a PUC. Qual foi seu resultado?
Como foi quando soube da aprovação na USP? No início não acreditei. Tinha confiança no meu desempenho, mas foi uma sensação de alívio. O resultado saiu na sexta-feira e as aulas da PUC iam começar na segunda-feira. Eu já tinha me matriculado lá. Mas eu queria a USP.
Hoje você se imagina em alguma outra carreira? Estou gostando muito de Microeconomia e me pergunto: será que eu não tenho um quê de Economia? Mas Relações Internacionais abre várias possibilidades. Uma é ser diplomata, que é a escolha mais difícil, muito concorrida. De todos os formandos de RI na USP, 14 foram para a área diplomática. Da última turma que se formou? Não, 14 de todos os anos. Geralmente é um por ano. Diplomacia é muito concorrida, a maioria dos diplomatas é da São Francisco. Além da diplomacia, tem o trabalho em ONGs, mais voltado para o social. Você vê muita gente nessa área. Admiro, mas não é muito para mim. Você também pode trabalhar no governo. Numa palestra no Etapa sobre carreiras, um ex-aluno de RI falou que estava trabalhando no governo e ia para outros países estudar uns projetos sociais e políticos para trazer para cá. É também interessante. Mas a parte com a qual eu mais me identifico é a empresarial, economia no mercado externo, comércio.
De qual matéria você gostou mais?
O que você pode dizer a quem se prepara para os vestibulares do fim do ano mas não se sente confiante? Às vezes a pessoa está meio desanimada, mas nunca é tarde para estudar. Você tem de se esforçar, não tem jeito. Na Fuvest passam os mais esforçados. Essa foi uma das minhas qualidades no ano passado. No 3o ano do Ensino Médio eu me sentia muito inteligente e não estudei por conta disso. Quando entrei no cursinho eu baixei a bola e falei: “Vou estudar como se não soubesse de nada”. Você tem de se esforçar e ter a certeza de que fez tudo que pode. Ter o pensamento de que está fazendo isso por um objetivo, por um ideal, por um sonho. Sempre falei para os meus pais: não tenho certeza de que vou passar, mas estou fazendo tudo que posso.
Gostei mais de Microeconomia, mas eu sou uma exceção, o pessoal gostou bastante de Direito. Direito foi a preferida do pessoal.
Como fica marcado para você o ano passado? Foi um ano de dedicação completa. Um ano de perseverança.
Qual matéria é mais difícil?
Você acha que hoje está diferente de quando começou no cursinho? Com certeza. Tenho muito mais responsabilidade agora, uma mentalidade muito diferente. Eu cresci como pessoa. Consigo diferenciar as coisas: agora é hora de estudar, vamos estudar; agora é hora de diversão, vamos nos divertir. Eu tive de passar aqui pelo Etapa para crescer, para criar responsabilidade, para amadurecer e, principalmente, para conseguir entrar na USP. Acho que esse foi o principal legado do cursinho.
Você conhecia a USP? Já tinha ido lá algumas vezes com meu irmão. Tinha ido à palestra na FEA. Mas para mim era tudo igual, ficava perdido na Cidade Universitária. Em maio comecei a me situar. O prédio do Instituto de Relações Internacionais é bem localizado, com uma estrutura muito boa.
Quais matérias você teve no primeiro semestre? Tive cinco matérias: Métodos Empíricos de Pesquisa – que é basicamente Estatística, Ciências Políticas, História das Relações Internacionais, Direito e Microeconomia.
Direito é muito difícil. Ciências Políticas é difícil, mas é legal. Métodos Empíricos de Pesquisa é um pouco do resumo de Estatística. Para mim era tranquilo. História das Relações Internacionais é uma introdução. Em Microeconomia eu senti uma proximidade maior com a matéria. No geral, as matérias são difíceis, mas o curso em si não é difícil. Dizem que o curso é difícil de entrar, mas quando você está lá dentro é tranquilo.
Do que você mais gostou na USP até agora? Gostei bastante do ambiente. O pessoal vê que você é novo lá e todo mundo te ajuda, não importa que curso seja.
Além das aulas no curso de Relações Internacionais, o que mais você faz? Estou fazendo curso de francês, mas não é na faculdade. Faço perto de casa.
Jornal do Vestibulando
Você quer dizer mais alguma coisa para o pessoal? Para quem quer Relações Internacionais, quero dizer: não desista. Precisa se esforçar, não tem jeito. É difícil, mas não é impossível. Como o curso é pequeno, todo mundo se conhece, isso é legal. E para quem está desanimado, ainda tem tempo de estudar. Quem está aqui tem o privilégio de aprender.
Jornal ETAPA, editado por Etapa Ensino e Cultura REDAÇÃO: Rua Vergueiro, 1 987 – CEP 04101-000 – Paraíso – São Paulo – SP JORNALISTA RESPONSÁVEL: Egle M. Gallian – M.T. 15343
CONTO
3
O ladrão Mário de Andrade
–P
ega! O berro, seria pouco mais de meia-noite, crispou o silêncio no bairro dormido, acordou os de sono mais leve, botando em tudo um arrepio de susto. O rapaz veio na carreira desabalada pela rua. – Pega! Nos corpos entrecortados, ainda estremunhando na angústia indecisa, estalou nítida, sangrenta, a consciência do crime horroroso. O rapaz estacara numa estralada de pés forçando pra parar de repente, sacudiu o guarda estatelado: – Viu ele! O polícia inda sem nexo, puxando o revólver: – Viu ele? – P... Não perdeu tempo mais, disparou pela rua, porque lhe parecera ter divisado um vulto correndo na esquina de lá. O guarda ficou sem saber o que fazia, porém da mesma direção do moço já chegavam mais dois homens correndo. O guarda eletrizado gritou: – Ajuda! e foi numa volada ambiciosa na cola do rapaz. – Pega! Pega! os dois perseguidores novos secundaram sem parar. Alcançaram o moço na outra esquina, se informando com um retardatário que só àquelas horas recolhia. – ... é capaz que deu a volta lá em baixo... No cortiço, a única janela de frente se abriu, inundando de luz a esquina. O retardatário virou-se para os que chegavam: – Não! Voltem por aí mesmo! Ele dobrou a esquina lá de baixo! Fique você, moço, vigiando aqui! Seu guarda, vem comigo! Partiu correndo. Visivelmente era o mais expedito, e o grupo obedeceu, se dividindo na carreira. O rapaz desapontara muito por ter de ficar inativo, ele! justo ele que viera na frente!... No ar umedecido, o frio principiou caindo vagarento. Na janela do cortiço, depois de mandar pra cama o homem que aparecera atrás dela, uma preta satisfeita de gorda, assuntava. Viu que a porta do 26 rangia com meia luz e os dois Moreiras saíram por ela, afobados, enfiando os paletós. O Alfredinho até derrubou o chapéu, voltou pra pegar, hesitou, acabou tomando a direção do mano. O guarda com o retardatário, já tinham dobrado a esquina lá de baixo. Uma ou outra janela acordava numa cabeça inquieta, entre agasalhos. Também os dois perseguidores que tinham voltado caminho, já dobravam a outra esquina. Mas foi a preta,
na calma, quem percebeu que o quarteirão fora cercado. – Então decerto ele escondeu no quarteirão mesmo. O rapaz que só esperava um pretexto pra seguir na perseguição, deitou na carreira. Parou. – A senhora então fique vigiando! Grite se ele vier! E se atirou na disparada, desprezando escutar o “Eu não! Deus te livre!” da preta, se retirando pra dentro porque não queria história com o cortiço dela não. Pouco depois dos Moreiras, virada a esquina de baixo, o rapaz alcançou o grupo dos perseguidores, na algazarra. Um dos manos perguntava o que era. E o moço: – Pegaram! – Safado... ele... – Deixa de lero-lero, seu guarda! assim ele escapa! Aliás fora tudo um minuto. Vinha mais gente chegando. – O que foi? – Eu vou na esquina de lá, senão ele escapa outra vez! – Vá mesmo! Olha, vá com ele, você, para serem dois. Seu guarda! o senhor é que pode pular no jardim! – Mas é que... – Então bata na casa, p... O polícia inda hesitou um segundo, mas de repente encorajou: – Vam’lá! Foram. Foi todo o grupo, agora umas oito pessoas. Ficou só o velho que já não podia nem respirar da corridinha. Os dois manos, meio irritados com a insignificância deles a que ninguém esclarecera o que havia, ficaram também, castigando os perseguidores com ficarem. Lá no escuro do ser estavam desejando que o ladrão escapasse, só pra o grupo não conseguir nada. Um garoto de rua estava ali rente, se esfregando tremido em todos, abobalhado de frio. Um dos Moreiras se vingou: – Vai pra casa, guri!... de repente vem um tiro... – Será que ele atira mesmo! perguntou o baita que chegava. E o velho: – Tá claro! Quando o Salvini, aquele um que sufocou a mulher no Bom Retiro, ficou cercado... Mas de súbito o apito do guarda agarrou trilando nos peitos, em firmatas alucinantes. Todos recuaram, virados pro lado do apito. Várias janelas fecharam. O grupo estacara em frente de umas casas, quase no meio do quarteirão. Eram
dois sobradinhos gêmeos, paredes-meias, na frente e nos lados opostos os canteiros de burguesia difícil. Os perseguidores trocavam palavras propositalmente em voz muito alta. O homem decerto ficava amedrontado com tanta gente... Se entregava, era inútil lutar... Em qual das casas bater? O que vira o fugitivo pular no jardinzinho, quem sabe um dos rapazes guardando a esquina, não estava ali pra indicar. Aliás ninguém pusera reparo em quem falara. Os mais cuidadosos, três, tinham se postado na calçada fronteira, junto ao portão entreaberto, bom pra esconder. Se miravam ressabiados, com um bocado de vergonha. Mas um sorrindo: – Tenho família. – Idem. – Pode vir alguma bala... – Eu me armei, por via das dúvidas! Quase todas as janelas estavam iluminadas, botando um ar de festa inédito na rua. Saía mais gente encapuçada nas portas, coleção morna de pijamas comprados feitos, transbordando pelos capotes mal vestidos. O guarda estava tonto, sustentando posição aos olhos do grupo que dependia dele. Mas lá vinham mais dois polícias correndo. Ai o guarda apitou com entusiasmo e foi pra bater numa das casas. Mas da janela da outra jorrou de chofre no grupo uma luz, todos recuaram. Era uma senhora, ainda se abotoando. – Que é! que foi que houve, meu Deus! – Dona, acho que entrou um homem na sua casa que... – Ai, meu Deus! – ... a gente veio... – Nossa Senhora! meus filhos! Desapareceu na casa. De repente escutou-se um choro horrível de criança lá dentro. Um segundo todos ficaram petrificados. Mas era preciso salvar o menino, e à noção de “menino” um ardor de generosidade inflamou todos. Avançaram, que pedir licença nem nada! uns pulando a gradinha, outros já se ajudando a subir pela janela mesmo, outros forçando a porta. Que se abriu. A senhora apareceu, visão de pavor, desgrenhada, com as três crianças. A menina, seus oito anos, grudada na saia da mãe, soltava gritos como se a tivessem matando. A decisão foi instantânea, a imagem da desgraça virilizara o grupo. A italiana de uma das casas operárias defronte, vira tudo, nem se resguardava: veio no camisolão, abriu com energia passagem pelos homens, agarrou a menina nos braços, escudando-a com os ombros contra tiros possíveis, fugira pra casa. Um dos homens imitando a decidida agarrara outra criança,
4
CONTO
e empurrando a senhora com o menorzinho no colo, levara tudo se esconder na casa da italiana. Os outros se dividiram. Barafustaram pela casa aberta, alguns forçaram num átimo a porta vizinha, tudo fácil de abrir, donos em viagem, a casa se iluminou toda. Veio um gritando na janela do sobrado: – Por trás não fugiu, o muro é alto! – Ói lá! Era a mocetona duma das casas operárias fronteiras, a “vanyti-case” de metalzinho esmaltado na mão, largara de se empoar, apontando. Toda a gente parou estarrecida, adivinhando um jeito de se resguardar do facínora. Olharam pra mocetona. Ela apontava no alto, aos gritos. Era no telhado. Um dos cautelosos, não se enxergava bem por causa das árvores, criou coragem, se abaixou e pôde ver. Deu um berro, avisando: – Está lá! E veio feito uma bala, atravessando a rua, se resguardar na casa onde empoleirara o ladrão. Os dois comparsas dele o imitaram. As janelas em frente se fecham rápidas, bateu uma escureza sufocante. E os polícias, o rapaz, todos tinham corrido pra junto do homem que vira, se escondendo com ele, sem saber do que, de quem, a evidência do perigo independendo já das vontades. Mas logo um dos polícias reagindo, sacudiu o horrorizado, fazendo-o voltar a si, perguntando gritado, com raiva. E a raiva contra o cauteloso dominou o grupo. Ele enfim respondeu: – Eu também vi... (mal podia falar) no telhado... – Dissesse logo! – Está no telhado! – Vá pra casa, medroso! – Medroso não! O rapaz atravessou a rua correndo, pra ver se enxergava ainda. O grupo estourou de novo pelas duas casas a dentro. – Ele não tem pra onde pular! – Coitado! – Que cuidado! ele que venha! – Falei “coitado”... Nos quintais dos fundos mais gente inspecionava o telhado único das casas gêmeas. Não havia por onde fugir. E a caça continuava sanhuda. Os dois sobrados foram esmiuçados, quarto por quarto, não houve guarda-roupa que não abrissem, examinaram tudo. Nada. – Mas não há nada! um falou. – Quem sabe se entrou no forro? – Entrou no forro! – Tem clarabóia? O rapaz, do outro lado da rua, examinara bem. Na parte de frente do telhado, positivamente o homem não estava mais. Algumas janelas se entreabriram de novo, medrosas, riscando luzes nas calçadas. – Pegaram? – P... Mas alguém lhe segurara o braço, virou com defesa.
– Meu filho! olhe a sua asma! Deixe, que os outros pegam! Está tão frio!... O rapaz, deu um desespero nele, a assombração medonha da asma... Foi vestindo maquinalmente o sobretudo que a mãe trouxera. – Olha!... ah, não é...Também não sei pra que o prefeito põe tanta árvore na rua! – Mas afinal o quê que foi, hein? perguntaram alguns, chegados tarde demais pra se apaixonarem pelo caso. – Eu nem não sei!... diz-que estão pegando um ladrão. – Vamos pra casa, filhinho!... ... aquele fantasma da sufocação, peito chiando noite inteira, nem podia mais nadar... Virou com ódio pro sabetudo: – Quem lhe contou que é ladrão? Brotou em todos a esperança de alguma coisa pior. – O que é, hein? A pergunta vinha da mulher sem nenhum prazer. O rapaz olhou-a, aquele demônio da asma... deu de ombros, nem respondeu. Ele mesmo nem sabia certo, entrara do trabalho, apenas despira o sobretudo, ainda estava falando com a mãe já na cama, pedindo a bênção, quando gritaram “Pega!” na rua. Saíra correndo, vira o guarda não muito longe, um vulto que fugia, fora ajudar. Mas aquele demônio medonho da asma... O anulou uma desesperança rancorosa. Entre os dentes: – Desgraçado... Foi-se embora. De raiva. A mãe mal o pôde seguir, quase correndo, feliz! feliz por ganhar o filho àquela morte certa. Agora a maioria dos perseguidores saíra na rua. Nem no interior do telhado encontraram o homem. Como fazer? – Ficou gente no quintal, vigiando? – Chi! tem pra uns deiz decidido lá! Era preciso calma. Lá na janela da mocetona operária começara uma bulha desgraçada. Os irmãos mais novos estavam dando um baile nela, primeiro insultando, depois caçoando que ela nem não tinha visto nada, só medo. Ela jurava que sim, se apoiava no medroso que enxergara também, mas ele não estava mais ali, tinha ido embora, danado de o chamarem medroso, esses bestas! A mocetona gesticulava, com o metalzinho da “vanity-case” brilhando no ar. Afinal acabou atirando com a caixinha bem na cara do irmão próximo e feriu. Veio a mãe, veio o pai, precisou vir mais gente, que os irmãos cegados com a gota de sangue queriam massacrar a mocetona. Organizou-se uma batida em regra, eram uns vinte. As demais casas vizinhas estavam sendo varejadas também, quem sabe... Alguns foram-se embora que tinha muita gente, não eram necessários mais. Mas paravam pelas janelas, pelas portas, respondendo. Nascia aquela vontade de conversar, de comentar, lembrar casos. Era como se se conhecessem sempre.
– Te lembra, João, aquele bebo no boteco da... – Nem mel!... Não encontraram nada nas casas e todos vieram saindo para as calçadas outra vez. Ninguém desanimara, no entanto. Apenas despertara em todos uma vontade de alívio, todos certos que o ladrão fugira, estava longe, não havia mais perigo pra ninguém. O guarda conversava pabulagem, bem distraído num grupo, do outro lado da rua. Veio chegando, era a vergonha do quarteirão, a mulher do português das galinhas. Era uma rica, linda com aqueles beiços largos, enquanto o Fernandes quarentão lá partia no “Ford” passar três, quatro dias na granja de Santo André. Ela, quem disse ir com ele! Chegava o entregador da “Noite”, batia, entrava. Ela fazia questão de não ter criada, comia de pensão, tão rica! Vinha o mulato da marmita, pois entrava! E depois diz – que vivia sempre com doença, chamando cada vez era um médico novo, desses que ainda não têm automóvel. Até o padeirinho da tarde, que tinha só... quinze? dezesseis anos? entrava, ficava tempo lá dentro. O jornaleiro negava zangado, que era só pra conversar, senhora boa, mas o entregadorzinho do pão não dizia nada, ficava se rindo, com sangue até nos olhos, de vergonha gostosa. Foi um silêncio carregado, no grupo, assim que ela chegou. As duas operárias honestas se retiraram com fragor, facilitando os homens. Se espalhou um cheiro por todos, cheiro de cama quente, corpo ardente e perfumado recendente. Todos ficaram que até a noite perdera a umidade gélida. De fato, a neblininha se erguera, e a cada uma janela que fechava, vinha pratear mais forte os paralelepípedos uma calma elevada de rua. Vários grupos já não tinham coesão possível, bastante gente ia dormir. Por uma das janelas agora, pouco além das duas casas, se via um moço magro, de cabelo frio escorrendo, num pijama azul, perdido o sono, repetindo o violino. Tocava uma valsa que era boa, deixando aquele gosto de tristeza no ar. Nisto a senhora não pudera mais consigo, muito inquieta com a casa aberta em que tantas pessoas tinham entrado, apareceu na porta da italiana. Esta insistia com a outra pra ficar dormindo com ela, a senhora hesitava, precisava ir ver a casa, mas tinha medo, sofria muito, olhos molhados, sem querer. A conversa vantajosa do grupo da portuguesa parou com a visão triste. E o guarda, sem saber que era mesmo ditado pela portuguesa, heroico se sacrificou. Destacou-se do grupo insaciável, foi acompanhar a senhora (a portuguesa bem que o estaria admirando), foi ajudar a senhora mais a italiana a fechar tudo. Até não havia necessidade dela dormir na casa da outra, ele ficava guardando, não arredava pé. E
CONTO sem querer, dominado pelos desejos, virou a cara, olhou lá do outro lado da calçada a portuguesa fácil. Talvez ela ficasse ali conversando com ele, primeiro só conversando, até de-manhã... Alguns dos perseguidores, agrupados na porta da casa, tinham se esquecido, naquela conversa apaixonada, o futebol do sábado. Se afastaram, deixando a dona entrar com o guarda. Olharam-na com piedade mas sorrindo, animando a coitada. Nisto chegou com estalidos seu Nitinho e tudo se resolveu. Seu Nitinho era compadre da senhora, muito amigo da família, morava duas quadras longe. Viera logo com a espingarda passarinheira dos domingos, proteger a comadre. Dormiria na casa também, ela podia ficar no seu bem-bom com os filhinhos, salva com a proteção. E a senhora mais confiante entrou na casa. – É, não há nada. Foi um alívio em todos. A italiana já trazia as crianças se rindo, falando alto, gesticulando muito, insistindo na oferta do leite. Pois a italiana assim mesmo conseguiu vencer a reserva da outra, e invadiu a cozinha, preparando um café. A lembrança do café animou todos. Os perseguidores se convidaram logo, com felicidade. Só o pobre do guarda, mais uma vez sacrificado, não pôde com o sexo, foi se reunir ao grupo da portuguesa. Eis que a valsa triste acabou. Mas da sombra das árvores em frente, umas quatro ou cinco pessoas, paralisadas pela magnitude da música, tinham por alegria, só por pândega, pra desopilar, pra acabar com aquela angústia miúda que ficara, nem sabiam! tinham... enfim, pra fazer com que a vida fosse engraçada um segundo, tinham arrebentado em aplausos e bravos. E todos, com os aplausos, todos, o grupo da portuguesa, a mocetona com os manos já mansos, os perseguidores da porta, dois ou três mais longe, todos desataram na risada. Só o violinista não riu. Era a primeira consagração. E o peitinho curto dele até parou de bater.
Soaram duas horas num relógio de parede. Os que tinham relógio, consultaram. Um galo cantou. O canto firme lavou o ar e abriu o orfeão de toda a galaria do bairro, uma bulha encarnada radiando no céu lunar. O violinista reiniciara a valsa, porque tinham ido pedir mais música a ele. Mas o violino, bem correto, só sabia aquela valsa mesmo. E a valsa dançava queixosa outra vez, enchendo os corações. – Eu numa varsa dessa, mulher comigo, eu que mando! E olhou a portuguesa bem nos olhos. Ela baixou os dela, puros, umedecendo os lábios devagar. Os outros ficaram com ódio da declaração do guarda lindo, bem arranjado na farda. Se sentiram humilhados nos pijamas reles, nos capotes mal vestidos, nos rostos sujos de cama. Todos, acintosamente, por delicadeza, ocultando nas mãos cruzadas ou enfiadas nos bolsos, a indiscrição dos corpos. A portuguesa, em êxtase, divinizada, assim violentada altas horas, por sete homens, traindo pela primeira vez, sem querer, violentada, o marido da granja. Na porta da casa, a italiana triunfante distribuía o café. Um momento hesitou, olhando o guarda do outro lado da rua. Mas nisto fagulhou uma risadinha em todos lá no grupo, decerto alguma piada sem-vergonha, não! não dava café ao guarda! Pensou na última xícara, atravessou teatralmente a rua olhando o guarda, ele ainda imaginou que a xícara era pra ele. E a italiana entrou na casa dela levando o café para o marido na cama, dormindo porque levantava às quatro, com o trabalho em Pirituba. Foi um primeiro mal-estar no grupo da portuguesa: todos ficaram com vontade de beber um café bem quentinho. Se ela convidasse... Ela bem queria mas não achava razão. O guarda se irritou, qual! não tinha futuro! assim com tanta gente ali... Perdera o café. Ainda inventou ir até a casa, saber se a senhora não precisava de nada. Mas a italiana olhara pra ele com tanta ofensa, a xícara bem agarrada na mão, que um pudor
5
o esmagou. Ficou esmagado, desgostoso de si, com um princípio de raiva da portuguesa. De raiva, deu um trilo no apito e se foi, rondando os seus domínios. Os perseguidores tinham bebido o café, já agora perfeitamente repostos em suas consciências... Lhes coçava um pouco de vergonha na pele, tinham perseguido quem?... Mas ninguém não sabia. Uns tinham ido atrás dos outros, levados pelos outros, seria ladrão?... – Bem vou chegando. – É. Não tem mais nada. Boa-noite, boa-noite... E tudo se dispersou. Ainda dois mais corajosos acompanharam a portuguesa até a porta dela, na esperança nem sabiam do quê. Se despediram delicados, conhecedores de regras, se contando os nomes próprios, seu criado. Ela, fechava a porta, perdidos os últimos passos além, se apoiou no batente, engolindo silêncio. Ainda viria algum, pegava nela, agarrava... Amarrou violentamente o corpo nos braços, duas lágrimas rolaram insuspeitas. Foi deitar sem ninguém. A rua estava de novo quase morta, janelas fechadas. A valsa acabara o bis. Sem ninguém. Só o violinista estava ali, fumando, fumegando muito, olhando sem ver, totalmente desamparado, sem nenhum sono, agarrado a não sei que esperança de que alguém, uma garota linda, um fotógrafo, um milionário disfarçado, lhe pedisse pra tocar mais uma vez. Acabou fechando a janela também. Lá na outra esquina do outro quarteirão, ficara um último grupinho de três, conversando. Mas é que lá passava bonde. (1930 – 1941 – 1942)
Nota: este conto é desenvolvimento de uma das croniquetas historiadas que, sob os pseudônimos de Luís Pinho e Luís Antônio Marques, publiquei no “Diário Nacional” de São Paulo em 1931. Extraído de: Contos novos.
(ENTRE PARÊNTESIS)
Distribuição de letras Maurício desenha um quadrado e o divide em 36 quadradinhos. Na primeira fileira, desenha as letras de A até F. Os quadradinhos que ainda estão vazios devem ser preenchiRESPOSTA dos de modo que nem na horizontal, nem na vertical e nem na diagonal apareça a mesma letra. Quanto às diagonais, considere cada paralela às duas diagonais que ligam os quatro cantos do quadrado. Você deve preencher 32 quadradinhos e, para facilitar, damos uma dica: os 4 quadradinhos do meio ficam vazios. Agora, ao trabalho! C
D
B
D
C
F
E
D
B
A
E
A
C
C B F
D
A F
B E
B
D E
A C F
F
D
E
F
D
A
C
E
B
C
A
6
ARTIGO
Esse estranho H2O Michel Batisse
A
água é o símbolo universal da pureza e da simplicidade. No entanto, nada é mais raro do que a água pura, e nada é menos simples do que esta substância estranha, de propriedades físicas, químicas e biológicas inusitadas. Para o sábio grego Tales de Mileto, a água era o princípio de todas as coisas. Depois dele, Empédocles de Agrigento -– seguido por Platão e Aristóteles – considerava a água um dos quatro elementos básicos do universo. Desde então, até fins do século XVIII, ninguém mais pôs em dúvida que a água fosse um elemento simples. Em 1775, o químico francês Pierre Joseph Macquer obteve algumas gotas de água pela combustão do hidrogênio. Mas as verdades de Platão e Aristóteles persistiam com tal força, que três anos depois o mesmo Macquer escrevia que a água parecia ser “uma substância inalterável e indestrutível”, que não podia ser decomposta. De repente, e de um só golpe, uma série de experiências químicas jogou por terra aqueles conceitos antigos. Em 1781, ao estudar os gases, o inglês Henry Cavendish mostrou pela primeira vez que a água é formada pela combinação do hidrogênio (“gás inflamável”, segundo ele) com o oxigênio da atmosfera, que chamou de “gás vital”. Como frequentemente acontece nos grandes momentos da ciência, os pesquisadores da época progrediam em seu trabalho como sonâmbulos – para usar a expressão de Arthur Koestler; não conseguiam perceber o que as experiências mostravam, talvez por estarem pesquisando vários problemas ao mesmo tempo. E, como é frequente também, a desco-
berta estava no ar: muitos cientistas na França e na Inglaterra tinham tido lampejos dela. Grandes nomes da ciência, como Gaspar Monge, Joseph Priestley e James Watt contribuíram para a descoberta da composi ção da água; mas é ao químico francês Antoine-Laurent de Lavoisier, assistido pelo futuro astrônomo Pierre Laplace, que cabe o mérito de haver compreendido e explicado a natureza da água. No dia 24 de junho de 1783, Lavoisier conseguiu fazer a síntese da água partindo do hidrogênio e do oxigênio, mostrando assim claramente que a água é composta Acima, modelo de uma molécula de água. A grande esfera negra é destes dois elementos. um átomo de oxigênio cercado por elétrons (representados pelas brancas). Essa combinação dá à água a conhecida fórmula Pouco depois, o mesmo bolas química de H2O. O hidrogênio é o elemento mais abundante no Lavoisier conseguiu fazer universo. Embaixo, à esquerda, o que parece um quarto crescente a experiência inversa, isto lunar é na verdade a camada de hidrogênio que envolve a Terra, é, decompor a água. Foi fotografada do espaço (os contrastes foram acentuados no laboratório fotográfico). ele quem deu aos dois eleentram o enxofre ou o selênio, por exemmentos os nomes de oxigênio e hidrogêplo – verificamos que ela devia tomar a nio (sendo que este último significa “proforma gasosa à temperatura ordinária, dutor de água”). devia ferver a 90oC abaixo de zero e viHoje todo mundo sabe que a molécula rar gelo a 100oC negativos. Mas se isso de água é a combinação de um átomo de acontecesse, a vida neste planeta seria oxigênio com dois de hidrogênio. Essa impossível; não é nosso corpo formado molécula aparentemente tão simples é a de dois terços de água? Como imaginar base da vida na Terra. o mundo funcionando a cerca de 95oC O curioso é que a água não se comporabaixo de zero? ta como os outros líquidos. Um exemplo: Mais ainda. A água tem outra propriena forma sólida de gelo, ela flutua. Normaldade “anômala” muito importante: gosta mente os líquidos se contraem quando esdo estado líquido e não gosta de mudar friam; e quando se solidificam, contraemde temperatura. Com efeito, é preciso mui-se ainda mais, razão por que são mais ta energia para transformar a água em vadensos quando sólidos do que quando por ou em gelo. Por isto é que dizemos líquidos. “Normalmente”, portanto, o gelo que o seu “calor latente” de congelamennão devia flutuar. Na realidade, porém, to ou de evaporação é muito alto. O que quando se resfria a água, ela se contrai até o gela o nosso drinque não é a temperatura a temperatura 4 C; daí por diante passa a do cubo de gelo, mas o “bombeamento” se expandir até se congelar. do calor produzido pela fusão dele. Além disso, a compressibilidade da Da mesma forma, para se aumentar ou água, que é ínfima, diminui ainda mais diminuir a temperatura da água é preciquando a temperatura se eleva de 0 a so uma quantidade relativamente alta de 50oC – justamente o contrário do que energia. Dizemos que a água tem uma ocorre com outros líquidos. Mais ainda: a “capacidade calorífica” muito elevada; viscosidade da água diminui sob pressão, e é justamente esta propriedade – que em vez de aumentar. se aplica às enormes massas oceânicas Comparando a água com outros comdo planeta – que nos salva das grandes postos de hidrogênio – aqueles em que
ARTIGO variações de temperatura entre o dia e a noite e entre o verão e o inverno. A água é nosso grande regulador térmico. É sabido que os países banhados por oceano têm menos contrastes climáticos do que os países mediterrâneos. A água tem muitas outras propriedades curiosas, tais como a de dissolver inúmeras substâncias (o que torna difícil encontrá-Ia em estado realmente puro), a forte tendência a se infiltrar em paredes e a subir por dentro de tubos capilares, e a propensão a se deixar capturar sob a forma de hidratos na constituição de rochas, hidratos que às vezes tomam cores iridescentes, como na opala. Qual o motivo desse comportamento singular? Parece que ele decorre da estrutura muito especial da molécula da água e da maneira pela qual as moléculas se ligam umas às outras. A física moderna não admite mais a representação de átomos por meio de desenhos, mas um modelo geométrico simples mostra que um átomo de oxigênio tem seis elétrons na órbita externa, quando devia ter oito para ser estável. Por sua vez, cada átomo de hidrogênio tem um elétron na órbita, quando devia ter dois para ser estável. Assim, como mostra o desenho, dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio “juntam” seus elétrons na órbita externa para dar estabilidade à molécula da água. Mas esta associação não é feita indiferentemente; os dois átomos de hidrogênio colocam-se em linha, dando à molécula de água uma configuração especial, como se tivesse duas “orelhas”. Daí decorrem duas consequências importantes. A primeira é ser a molécula de água extremamente estável, porque a união oxigênio-hidrogênio se deve a uma combinação harmoniosa de elétrons –
denominada covalência –, o que torna difícil desfazê-Ia. Por isso é que a água foi por tanto tempo considerada uma substância simples. A covalência explica também porque é difícil aproveitar economicamente – como combustível para veículos a motor – as enormes quantidades de hidrogênio contidas na água do mar. É verdade que o hidrogênio é utilizado como propulsor de foguetes espaciais, nos quais a combustão do hidrogênio com o oxigênio nada mais é do que a síntese da água; mas a produção de hidrogênio para este fim é um processo caro. A segunda consequência da estabilidade da molécula de água é ser eletricamente dissimétrica; a parte de oxigênio é negativa, a de hidrogênio é positiva. Assim essa molécula atua como um pequeno ímã, o que explica em grande parte as anomalias mostradas anteriormente. As interações elétricas entre o hidrogênio de uma molécula e os pares de elétrons relativamente “livres” de outra formam uma ligação conhecida por “elo hidrogênico”. A interação desses elos dá a cada molécula a tendência de se unir a quatro outras, o que produz no gelo comum uma estrutura cristalina rígida mas não muito densa, na qual as moléculas são dispostas geometricamente, como acontece nos cristais de neve pela mesma razão. Essa estrutura não muito compacta é que dá leveza ao gelo. A estrutura desordenada da água líquida é mais densa e mais compacta do que a do gelo, por serem os elos de hidrogênio menos sistemáticos e se romperem com a elevação da temperatura. Inversamente, a estrutura do gelo comum não resiste a pressões muito for-
7
tes. Esse fato levou à descoberta de mais oito espécies de gelo produzidas a pressões até de 20 000 quilos por centímetro quadrado. Essas outras espécies de gelo são mais densas do que a água, mas são produzidas em laboratório e não existem na natureza – e ainda bem que não existem. Com efeito, nem é bom pensar no que seria de nós se o gelo dos pólos, em vez de flutuar, afundasse e fosse se empilhando no fundo do mar. Os elos de hidrogênio parecem ser responsáveis por outras curiosas propriedades da água. São eles que garantem a coesão das moléculas das células vivas, em grande parte compostas de água. E é por causa deles que a água só ferve a uma temperatura relativamente alta. Não obstante, ainda temos muito que aprender para podermos compreender toda a complexidade dessa substância que é a água em estado líquido. Os físicos continuam formulando teorias e construindo modelos para explicar suas propriedades. O maior paradoxo de todos talvez seja o fato de esse Iíquido de aparência tão simples, mas de comportamento tão caprichoso, ter sido escolhido como padrão de referência para medidas de temperatura (por defínição, a água é um Iíquido que tem o ponto de congelamento a 0oC e o de ebulição a 100oC), de calor (caloria é a quantidade de calor necessária para elevar a temperatura de um grama de água de 15 a 16oC) e de massa (sendo um grama a massa de um centímetro cúbico de água, à temperatura de 4oC). O mais maravilhoso, finalmente, é que as propriedades anômalas desse líquido singular e misterioso tenham determinado a natureza e a estrutura do mundo físico e biológico do qual fazemos parte. Extraído de: O Correio da Unesco.
MAS, MÁS, MAIS [E OUTRAS QUESTÕES GRAMATICAIS]
Assistir 1) Transitivo indireto: presenciar, estar presente. Objeto indireto acompanhado da preposição a. Assistia a lutas sangrentas. Assistia às lutas sangrentas. Se o objeto indireto for pronome pessoal, prefere-se a ele(s); lhe (e variantes) são formas desaconselháveis. “Lá vão uns frades celebrar um culto! Não serei eu que assista a ele.” (Herculano) 2) Transitivo direto ou indireto: socorrer, ajudar, acompanhar. “Deus bom, que assiste os coitados.” (Ciro dos Anjos) Assistia o bispo no desempenho de sua função. “O sacerdote lhe assistia na hora.” (Rubem Braga) 3) Intransitivo: morar, habitar, residir, permanecer. Pede a preposição em e adjunto adverbial. “Bentinho deixara o sítio lá de cima e agora assistia no quarto da bolandeira.” (José Lins do Rego) “Felizmente um ano depois volta ele ao sul e até 72 assiste em Avignon.” (Manuel Bandeira)
8
ARTIGO
Embrapa amplia banco genético
A
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) inaugurou em Brasília, no fim de abril, um prédio com mais de 2 mil metros quadrados para abrigar o que deverá ser o maior banco genético da América Latina. A inauguração fez parte das comemorações pelos 41 anos da instituição. O prédio de dois pavimentos faz parte da infraestrutura da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia e tem capacidade para abrigar até 750 mil amostras de sementes, 10 mil vegetais in vitro, além das coleções mantidas a 180oC negativos por meio de nitrogênio líquido (método chamado de criopreservação), nas quais serão mantidas mais de 200 mil amostras
maiores repositórios munvegetais, animais ou de diais do gênero. microrganismos. Para Lopes, as grandes No total, o edifício teconquistas da pesquisa rá capacidade para abriagropecuária nacional se gar mais de um milhão deram graças ao domíde amostras em difenio da genética. “Adaprentes métodos de artamos bovinos da Índia, mazenamento. A obra soja da China e gramícustou R$ 13 milhões. Inauguração de um prédio com mais “Os recursos gené de 2 mil metros quadrados fez parte neas da África às condições brasileiras porque ticos são a base da pes- das comemorações pelos 41 anos soubemos trabalhar com da instituição (foto: Wilson Dias/ quisa e o pilar central Agência Brasil) a diversidade genética, da agronomia brasileira”, daí a importância de um empreendimendisse o presidente da Embrapa, Maurício to como este”, afirmou. Antônio Lopes, na cerimônia de inauguração. De acordo com ele, o novo banco Extraído de: Agência FAPESP – Divulgando a cultura científica, maio/2014. genético colocará o Brasil entre os três
SOBRE AS PALAVRAS
Ficar a ver navios O rei de Portugal, Dom Sebastião, morreu na batalha de Alcácer-Quibir, mas o corpo não foi encontrado. A partir de então (1578), o povo português esperava sempre o sonhado retorno do monarca salvador. Lembremos que, em 1580, em função da morte de Dom Sebastião, abre-se uma crise sucessória no trono vago de Portugal. A consequência dessa crise foi a anexação de Portugal à Espanha (1580 a 1640), governada por Felipe II. Evidentemente, os portugueses sonhavam com o retorno do rei, como forma salvadora de resgatar o orgulho e a dignidade da pátria lusa. Em função disso, o povo passou a visitar com frequência o Alto de Santa Catarina, em Lisboa, esperando, ansiosamente, o retorno do dito rei. Como ele não voltou, o povo ficava apenas a ver navios. Ou seja, esperava em vão.
SERVIÇO DE VESTIBULAR Universidade de São Paulo (USP) e Santa Casa
Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA)
Período de inscrição: até 8 de setembro de 2014. Somente via Internet. Endereço da faculdade: Rua Alvarenga, 1 945/1 951 – CEP: 05509-004 – Butantã – São Paulo – SP – Fone: (11) 3093-2300. Requisito: taxa de R$ 145,00. Cursos e vagas: consultar site www.fuvest.br Exames: • 1a fase – dia 30 de novembro de 2014. • 2a fase – dias 4, 5 e 6 de janeiro de 2015. Leituras obrigatórias: • Viagens na minha terra – Almeida Garrett. • Til – José de Alencar. • Memórias de um sargento de milícias – Manuel Antônio de Almeida. • Memórias póstumas de Brás Cubas – Machado de Assis. • O cortiço – Aluísio Azevedo. • A cidade e as serras – Eça de Queirós. • Vidas secas – Graciliano Ramos. • Capitães da Areia – Jorge Amado. • Sentimento do mundo – Carlos Drummond de Andrade.
Período de inscrição: até 15 de setembro de 2014. Somente via Internet. Endereço da faculdade: Praça Marechal Eduardo Gomes, 50 – CEP: 12228-900 – Vila das Acácias – São José dos Campos – SP – Fone: (12) 3947-5732. Requisito: taxa de R$ 120,00. Cursos e vagas: consultar site www.vestibular.ita.br Exames: dias 10, 11, 12 e 13 de dezembro de 2014.
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Período de inscrição: até 11 de setembro de 2014. Somente via Internet. Endereço da faculdade: Rua Érico Veríssimo, 1 280 – Cidade Universitária Zeferino Vaz – CEP: 13083-970 – Barão Geraldo – Campinas – SP – Fone: (19) 3521-7000. Requisito: taxa de R$ 140,00. Cursos e vagas: consultar site www.comvest.unicamp.br Exames: • 1a fase – dia 23 de novembro de 2014. • 2a fase – dias 11, 12 e 13 de janeiro de 2015.
Leituras obrigatórias: • Viagens na minha terra – Almeida Garrett. • Til – José de Alencar. • Memórias de um sargento de milícias – Manuel Antônio de Almeida. • Memórias póstumas de Brás Cubas – Machado de Assis. • O cortiço – Aluísio Azevedo. • A cidade e as serras – Eça de Queirós. • Vidas secas – Graciliano Ramos. • Capitães da Areia – Jorge Amado. • Sentimento do mundo – Carlos Drummond de Andrade.
Universidade Federal de Roraima (UFRR) Período de inscrição: até 12 de setembro de 2014. Somente via Internet. Endereço da faculdade: Av. Cap. Ene Garcez, 2 413 – CEP: 69304-000 – Aeroporto – Boa Vista – RR – Fone (95) 3621-3100. Requisito: taxa de R$ 80,00. Cursos e vagas: consultar site www.ufrr.br/cpv Exame: dia 30 de novembro de 2014.