Jornal do Vestibulando Nº1480

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Jornal do Vestibulando

ENSINO, INFORMAÇÃO E CULTURA

JORNAL ETAPA  –  2014 •  DE 04/09 A 17/09

ENTREVISTA

“Fiz 66 pontos. No ano anterior tinha feito 48. A nota subiu bastante.” Nicole Pitelli Biason fez o Extensivo no ano passado e entrou na FEA-USP, no curso de Economia. Antes do cursinho ela prestou Fuvest e fez apenas 48 pontos na 1a fase. No Etapa, ela se dedicou para superar as dificuldades que tinha em Exatas e foi a 19a colocada da FEA. Sua preparação para os exames, o curso de Economia e as atividades de que participa (FEA Social e FEA Júnior) são os temas desta entrevista.

Nicole Pitelli Biason Em 2013: Etapa Em 2014: Economia – USP

JV – Desde quando você pensa em seguir Economia? Nicole – No colegial eu estava procurando uma carreira e no 2o ano o professor de Literatura me sugeriu Economia, devido ao meu interesse por História e Matemática. Comecei a pesquisar, gos­ tei bastante e não mudei mais de ideia. Além da Fuvest, você foi aprovada em quais vestibulares? Unicamp, FGV e Mackenzie. Sempre para Econo­ mia. Como você conheceu o Etapa e veio estudar aqui? Eu tinha amigos que estudavam no Colégio Etapa. E meus pais também fizeram o cursinho. Eles se conheceram aqui. Qual era sua expectativa ao começar o cursinho? Achava que tinha condição de entrar na faculdade? Achava que eu conseguiria passar, mas era um pouco distante ainda. Sempre fui melhor nas ma­ térias de Humanas e entrei no Etapa pensando principalmente na parte de Exatas. E como aprendi aqui! Meus pontos na Fuvest, do Ensino Médio para o ano passado, subiram absurdamente. No cursinho, qual era seu método de estudo? Eu só consigo estudar escrevendo. Era de fazer resumos extensos de qualquer coisa, principal­ mente de Humanas. Anotava bastante na aula. Pegava as anotações, olhava as apostilas e meus resumos da escola. Comparava, juntava tudo e fa­ zia novo resumo. Para Exatas eu fazia fichas de estudo com fórmulas.

Você estudava as matérias do dia? Normalmente eu tentava fazer os exercícios que os professores davam. Basicamente, fazia as ma­ térias do dia. Como os resumos tomavam bastan­ te meu tempo, ia atrasando um pouco. Mas nunca atrasei muito. Entre fazer os exercícios e fazer os resumos, dava prioridade aos resumos? Dependia da matéria. Se fosse de Humanas, dava prioridade para o resumo. Se fosse de Exatas, compensava mais fazer os exercícios. Fazia fichas para Exatas só para ter fórmulas, se eu precisasse. Como você estudava Biologia? Também fazia resumos. Só que não precisei apro­ fundar tanto, porque meus resumos da escola eram muito bons. Foi um pouco mais rápido. Fiz muitos exercícios também. Em quais matérias você tinha uma base mais forte? História e Geografia. Quais matérias você dava prioridade no estudo? Sem dúvida, Matemática e Física foram o meu foco. Principalmente Matemática, porque entrava como prioritária no meu terceiro dia da 2a fase da Fuvest. Tive de me aprofundar bastante em Mate­ mática no cursinho.

Uns braços – Machado de Assis

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Como era seu estudo no fim de semana? Normalmente eu pegava mais leve no sábado. Fiz o JADE [Reforço para Jornalismo, Administração, Direito e Economia] de manhã. Depois do Refor­ ço, chegava em casa, dava uma descansada e, às vezes, estudava mais duas, três horas, coisas bem pontuais. Domingo eu estudava mais, era o dia que deixava mais para fazer resumos, porque eu tinha um pouco mais de tempo. Como era seu desempenho nos simulados? No começo do ano eu não ia muito bem nos si­ mulados. Era uma questão de me adaptar com o ritmo. Depois comecei a ir um pouco melhor.

Você fazia os simulados do JADE também?

Uma vez por semana eu ia tirar minhas dúvidas em Matemática. E também em Física e Química.

CONTO

O primeiro semestre deu para levar, mas no se­ gundo semestre me estressei bastante em no­ vembro, porque fiz vários vestibulares. Todo final de semana tinha vestibular. Antes de novembro eu falava para todo mundo: “Me esqueçam por­ que vou estar corrida”. Foi bem assim naquele mês. Depois deu uma acalmada. E deu uma as­ sustada de novo em janeiro, na 2a fase.

Geografia. Eu até gostava, mas era aquela coisa. As aulas aqui foram bem diferentes.

Estudava mais em casa, onde tenho um ambien­ te bem quieto. Não consigo me concentrar muito em ambientes com outras pessoas. Depois das aulas do cursinho, chegava em casa à 1 hora da tarde e estudava até a hora de dormir. Perto das provas, ia até 11 horas da noite.

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Teve alguma época mais pesada para você no ano passado?

Em que faixas você ficava?

Você ia ao Plantão de Dúvidas?

Nicole Pitelli Biason

Parei com a ginástica rítmica. Os treinos deman­ davam bastante tempo e havia o comprometi­ mento com competições.

Tinha alguma matéria de que você não gostava e no cursinho passou a gostar?

Você estudava no Etapa ou em sua casa?

ENTREVISTA

Você teve de abrir mão de alguma atividade para se preparar para os vestibulares?

Você usava o Plantão Virtual também? Usava. Ficava estudando com o computador aber­ to. Ajudava bastante.

POIS É, POESIA Variações do poema “Canção do exílio”, de Gonçalves Dias ARTIGO

Mais é melhor

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Normalmente era C menos, C mais. Fazia. Ficava na mesma faixa dos simulados nor­mais. Os pontos, às vezes, eram um pouco mais altos. Como você avaliava essas notas para Economia? Sinceramente, eu não achava que era bom. Mas eu acabei ignorando um pouco as faixas e me con­ centrei mais nos pontos. As faixas iam mudando de acordo com as notas das pessoas. E tinha mui­

ENTRE PARÊNTESIS

Um trabalho... SERVIÇO DE VESTIBULAR

Inscrições

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ENTREVISTA

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ta gente de Medicina, Engenharia, acaba subin­ do muito. Sempre pensava nisso. Nos pontos eu via que estava bem acima do corte.

sumos e as fichas, eu pegava bem mais pesado com os exercícios. Tinha dias em que fazia uns 50 exercícios escritos. Fiz a apostila inteira.

Qual foi a importância dos simulados para você?

Na 2a fase, qual foi sua nota no primeiro dia, na prova de Português e Redação?

Eu sou de terminar as provas no último segundo. Sempre pensando se vai dar tempo, se vou con­ seguir fazer tudo. Com os simulados eu passei a controlar melhor o tempo. Comecei a testar vá­ rias formas de resolver a prova, que matérias eu ia fazer primeiro. Minha preocupação era fazer logo Matemática, porque sabia que iria demorar mais. História, se eu precisasse de mais tempo, conseguiria fazer rápido.

Tirei 78 na prova. Na Redação tirei 81.

Você treinava Redação? Treinava umas duas vezes por mês, porque em Redação eu era segura. Realmente gosto de escrever. Estava um pouco mais tranquila com isso. Mas sempre levava para corrigir. E fui bem em Redação na Fuvest.

Como foi no segundo dia, da prova geral? No segundo dia tirei 65. Só que achei que tinha ido mal. Errei muita coisa bobinha e isso me dei­ xou nervosa. Por isso, para o terceiro dia, fiquei estudando até 1 hora da madrugada. Falei: “Se não fui bem neste segundo dia, tenho de garantir o terceiro dia”. Foi um pouco de loucura, mas nem me senti cansada. Eu precisava fazer aquilo para me sentir melhor e um pouco mais confiante. Qual foi sua nota no terceiro dia? Tirei 68. Na escala de zero a 1 000, qual foi sua pontuação na Fuvest?

Você assistiu às palestras sobre os livros?

714.

Vi todas. E algumas eu vi de novo nos vídeos. Realmente ajudaram bastante. Apesar de não ter lido alguns livros, fiquei com boa noção de todos.

E sua classificação na carreira?

Qual a diferença entre ler a obra e assistir à palestra e não ler e só ir à palestra?

Quando viu seu nome na lista, o que fez?

Lendo você tem uma noção da obra. Você grava mais, tem uma afinidade maior com os perso­ nagens e com a história. Mas há livros – como, por exemplo, Viagens na minha terra – que são muito difíceis de ler sozinha. São livros em que você precisa de uma orientação inicial. Com as palestras eu peguei direitinho. O que você fez durante as férias do meio de ano? Na primeira semana não fiz quase nada, dei uma relaxada. Mas na outra semana tirei as coisas que estavam atrasadas. E li Memórias póstumas de Brás Cubas. Você prestou vários vestibulares. Qual era sua primeira opção? Era a USP. A segunda era a Unicamp. Na verda­ de, antes de entrar no Etapa, a Unicamp era mi­ nha primeira opção. Economia na Unicamp tem um foco diferente, mais acadêmico. É mais para Humanas do que para Exatas. Isso sempre me interessou, a Unicamp sempre me atraiu dessa forma. Mas depois eu comecei a ver a FEA, que é incrível, então me foquei nela. a

19o lugar. Na FEA inteira. Foi incrível. Fiquei um pouco em choque: “Estou na USP!”. Comecei a chorar, minha mãe come­ çou a chorar. Vim para cá comemorar. Você já conhecia a FEA? No ano passado teve uma feira de profissões na USP e aproveitei para dar uma passada na FEA. Achei lindo o lugar. Com certeza é o mais bonito da Cidade Universitária. Lembro que tirei uma foto e olhava para ela sempre, para me motivar. Como foi no dia da matrícula? No dia da matrícula foi incrível. A FEA tem várias entidades, como a Atlética, o Centro Acadêmico. Fiz a matrícula e passei por um corredor em que todas essas entidades se apresentavam para a gente. Depois foi o trote. Tinha trote em várias fa­ culdades da USP. Você via pessoas de outros cur­ sos, conheci bastante gente. Foi bem divertido. O que você teve de matérias no primeiro semestre? Tive Introdução à Economia, Cálculo I, Conta­ bilidade, Análise de Valores, Introdução à Con­ juntura Econômica e Clássicos do Pensamento Econômico.

Quantos pontos você fez na 1 fase da Fuvest?

De qual matéria você está gostando mais?

Fiz 66 pontos; no ano anterior tinha feito 48. A nota subiu bastante.

Gostei mais de Clássicos do Pensamento Econô­ mico. É muito interessante.

A nota de corte na FEA foi 50. Você ficou satisfeita com seu desempenho?

Além das aulas, você tem outras atividades na faculdade?

Fiquei. Eu nem esperava isso. Meu foco era 60.

Faço parte da FEA Social e da FEA Júnior.

Esse resultado aumentou a sua confiança para a 2a fase?

O que você faz em cada uma delas?

Passou a 1a fase, consegui relaxar. Me deu mais gás para estudar para a 2a fase. Como prefiro muito mais escrever do que responder às ques­ tões com alternativas, eu estava com mais medo da 1a fase do que da 2a. Mudou seu método de estudos da 1a para a 2a fase? Eu acho que mudou, porque naquela época, como já tinha acabado a matéria, já tinha feito meus re­

A FEA Social é uma entidade que faz assessoria para ONGs. A intenção dela é criar uma ponte entre os alunos e o terceiro setor da sociedade. Não tem nenhum custo para as ONGs. Visita­ mos frequentemente as instituições, fazemos um diagnóstico do que acreditamos que esteja errado, que possa melhorar, e elaboramos um projeto para implementar uma solução para elas.

ONG. Se a falha dela é na captação de recursos, fa­ zemos um plano financeiro. No caso da minha ONG, vimos que é mais um caso de voluntariado. Vamos fazer um processo de gestão de voluntariado. E na FEA Júnior? A Empresa Júnior atua em duas áreas: eventos e consultoria. Esses são pagos. Estou na área de eventos, fazendo um evento que a Júnior nunca fez antes: uma competição de cases entre to­ das as empresas juniores do Brasil. A gente está planejando e tal. Na Júnior também temos um desenvolvimento pessoal, ela dá vários cursos. A gente não recebe, mas eles investem nos mem­ bros. Com certeza, estou aprendendo muito. Você já tem ideia da área que vai seguir na Economia? De tudo que vi até agora, gosto muito de consul­ toria, acho bem interessante. A assessoria social que faço é algo parecido com consultoria, só que consultoria não chega a implementar. Em asses­ soria você implementa o projeto. A Júnior tem muito contato com assessorias, até já teria um caminho aberto. Do que conheceu na USP até agora, o que você destaca? Tem o Cepê, que é o Centro de Práticas Espor­ tivas; vou muito também à FAU, que é na frente da FEA; na ECA tem um espaço gostoso, com umas barraquinhas diferentes que vendem ta­ pioca, coisas diferentes. Mas na USP em si tive uma surpresa boa, o Bandejão. Tinha uma visão bem feia do Bandejão, mas ele é todo bem cui­ dado. Na parte humana, o que destaca? O pessoal é bem receptivo, tem muita integra­ ção. Gosto bastante do ambiente. Que dicas você pode dar a quem vai prestar vestibular este ano e está preocupado com o tempo que resta até os exames? Acho que nunca é tarde. Se você fez poucas coisas durante o ano, ainda dá para correr atrás. É só ter raça, confiar realmente em você. Este é o ponto principal, acreditar que você consegue. Faça a sua parte, dê o seu melhor. Sempre tentei dar o meu melhor em tudo que fiz. Isso foi o que me ajudou. O que você diria a quem prestou vestibular no ano passado, não entrou e vai tentar novamente? Digo que vale muito a pena tentar de novo. Con­ fie, não desista. A USP é um outro mundo, o que ela proporciona é incrível. Como fica marcado para você o ano no cursinho? Toda a experiência que estou tendo agora é por causa do cursinho. O Etapa é que me possibili­ tou isso. Eu batalhei, aproveitei tudo que o Etapa dava de opções para o aluno fazer. Acho que com isso ele me ajudou a estar onde eu queria, a en­ trar na faculdade que é minha cara e de que eu gosto muito. Quais são suas principais recordações do cursinho? As aulas. Tinha aulas que eram incríveis. Tenho saudade de algumas aulas. Às vezes dá vontade de voltar uns dias para poder ver de novo.

O projeto é financeiro?

Você quer dizer mais alguma coisa para nossos alunos?

Depende muito da necessidade que vemos na

É isso: nunca desistam de seus sonhos.

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CONTO

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Uns braços Machado de Assis

I

nácio estremeceu, ouvindo os gritos do solicitador, recebeu o prato que este lhe apresentava e tratou de comer, debaixo de uma trovoada de nomes, malandro, cabeça de vento, estúpido, maluco. – Onde anda que nunca ouve o que lhe digo? Hei de contar tudo a seu pai, para que lhe sacuda a preguiça do corpo com uma boa vara de marmelo, ou um pau; sim, ainda pode apanhar, não pense que não. Estúpido! maluco! – Olhe que lá fora é isto mesmo que você vê aqui, continuou, voltando-se para D. Severina, senhora que vivia com ele maritalmente, há anos. Confunde-me os papéis todos, erra as casas, vai a um escrivão em vez de ir a outro, troca os advogados: é o diabo! É o tal sono pesado e contínuo. De manhã é o que se vê; primeiro que acorde é preciso quebrar-lhe os ossos... Deixe; amanhã hei de acordá-lo a pau de vassoura! D. Severina tocou-lhe no pé, como pedindo que acabasse. Borges espeitorou ainda alguns impropérios, e ficou em paz com Deus e os ho­ mens. Não digo que ficou em paz com os meninos, porque o nosso Inácio não era propriamente menino. Tinha quinze anos feitos e bem feitos. Cabeça inculta, mas bela, olhos de rapaz que sonha, que adivinha, que indaga, que quer saber e não acaba de saber nada. Tudo isso posto sobre um corpo não destituído de graça, ainda que mal vestido. O pai é barbeiro na Cidade Nova, e pô-lo de agente, escrevente, ou que quer que era, do solicitador Borges, com esperança de vê-lo no foro, porque lhe parecia que os procuradores de causas ganhavam muito. Passava-se isto na Rua da Lapa, em 1870. Durante alguns minutos não se ouviu mais que o tinir dos talheres e o ruído da mas­ tigação. Borges abarrotava-se de alface e va­ca; interrompia-se para virgular a oração com um golpe de vinho e continuava logo calado. Inácio ia comendo devagarinho, não ousan­ do levantar os olhos do prato, nem para colocálos onde eles estavam no momento em que o terrível Borges o descompôs. Verdade é que seria agora muito arriscado. Nunca ele pôs os olhos nos braços de D. Severina que se não esquecesse de si e de tudo. Também a culpa era antes de D. Severina em trazê-los assim nus, constantemente. Usava mangas curtas em todos os vestidos de casa, meio palmo abaixo do ombro; dali em diante ficavam-lhe os braços à mostra. Na verdade, eram belos e cheios, em harmonia com a dona, que era antes grossa que fina, e não perdiam a cor nem a maciez por viverem ao ar; mas é justo explicar que ela os não trazia assim por faceira, senão porque já gastara todos os vestidos de mangas compridas. De pé, era muito vistosa; andando, tinha meneios engraçados; ele, entretanto, quase que só a via à mesa, onde, além dos braços, mal poderia mirar-lhe o busto. Não se pode dizer que era bonita; mas também não era feia. Nenhum adorno; o próprio penteado consta de mui pouco; alisou os cabelos, apanhou-os, atou-os e fixou-os no alto da cabeça com o pente de tartaruga que a

mãe lhe deixou. Ao pescoço, um lenço escuro; nas orelhas, nada. Tudo isso com vinte e sete anos floridos e sólidos. Acabaram de jantar. Borges, vindo o café, tirou quatro charutos da algibeira, comparou-os, apertou-os entre os dedos, escolheu um e guardou os restantes. Aceso o charuto, fincou os cotovelos na mesa e falou a D. Severina de trinta mil coisas que não interessavam nada ao nosso Inácio; mas enquanto falava, não o descompunha e ele podia devanear à larga. Inácio demorou o café o mais que pôde. Entre um e outro gole, alisava a toalha, arran­ cava dos dedos pedacinhos de pele imaginários, ou passava os olhos pelos quadros da sala de jantar, que eram dois, um S. Pedro e um S. João, registros trazidos de festas e encaixilhados em casa. Vá que disfarçasse com S. João, cuja cabeça moça alegra as imaginações católicas; mas com o austero S. Pedro era demais. A única defesa do moço Inácio é que ele não via nem um nem outro; passava os olhos por ali como por nada. Via só os braços de D. Severina, – ou porque sorrateiramente olhasse para eles, ou porque andasse com eles impressos na memória. – Homem, você não acaba mais? bradou de repente o solicitador. Não havia remédio; Inácio bebeu a última gota, já fria, e retirou-se, como de costume, para o seu quarto, nos fundos da casa. Entran­ do, fez um gesto de zanga e desespero e foi depois encostar-se a uma das duas janelas que davam para o mar. Cinco minutos depois, a vis­ta das águas próximas e das montanhas ao longe restituía-lhe o sentimento confuso, vago, inquieto, que lhe doía e fazia bem, alguma coisa que deve sentir a planta, quando abotoa a primeira flor. Tinha vontade de ir embora e de ficar. Havia cinco semanas que ali mora­va, e a vida era sempre a mesma, sair de ma­ nhã com o Borges, andar por audiências e cartórios, correndo, levando papéis ao selo, ao distribuidor, aos escrivães, aos oficiais de justiça. Voltava à tarde, jantava e recolhia-se ao quarto, até a hora da ceia; ceava e ia dormir. Borges não lhe dava intimidade na família, que se compunha apenas de D. Severina, nem Inácio a via mais de três vezes por dia, durante as refeições. Cinco semanas de solidão, de trabalho sem gosto, longe da mãe e das irmãs; cinco semanas de silêncio, porque ele só falava uma ou outra vez na rua; em casa, nada. “Deixe estar” – pensou ele um dia – “fujo daqui e não volto mais.” Não foi; sentiu-se agarrado e acorrentado pelos braços de D. Severina. Nunca vira outros tão bonitos e tão frescos. A educação que tivera não lhe permitia encará-los logo abertamente, parece até que a princípio afastava os olhos, vexado. Encarou-os pouco a pouco, ao ver que eles não tinham outras mangas, e assim os foi descobrindo, mirando e amando. No fim de três semanas eram eles, moralmente falando, as suas tendas de repouso. Aguentava toda a trabalheira de fora, toda a melancolia da solidão e do silêncio, toda a grosseria do patrão, pela única paga de ver, três vezes por dia, o famoso par de braços.

Naquele dia, enquanto a noite ia caindo e Inácio estirava-se na rede (não tinha ali outra cama), D. Severina, na sala da frente, recapitulava o episódio do jantar e, pela primeira vez, desconfiou alguma coisa. Rejeitou a ideia logo, uma criança! Mas há ideias que são da família das moscas teimosas: por mais que a gente as sacuda, elas tornam e pousam. Criança? Tinha quinze anos; e ela advertiu que entre o nariz e a boca do rapaz havia um princípio de rascunho de buço. Que admira que começasse a amar? E não era ela bonita? Esta outra ideia não foi rejeitada, antes afagada e beijada. E recordou então os modos dele, os esquecimentos, as distrações, e mais um incidente, e mais outro, tudo eram sintomas, e concluiu que sim. – Que é que você tem? disse-lhe o solicita­ dor, estirado no canapé, ao cabo de alguns mi­ nutos de pausa. – Não tenho nada. – Nada? Parece que cá em casa anda tudo dormindo! Deixem estar, que eu sei de um bom remédio para tirar o sono aos dorminhocos... E foi por ali, no mesmo tom zangado, fu­ zilando ameaças, mas realmente incapaz de as cumprir, pois era antes grosseiro que mau. D. Severina interrompia-o que não, que era engano, não estava dormindo, estava pensando na comadre Fortunata. Não a visitavam desde o Natal; por que não iriam lá uma daquelas noites? Borges redarguia que andava cansado, trabalhava como um negro, não estava para visitas de parola; e descompôs a comadre, descompôs o compadre, descompôs o afilhado, que não ia ao colégio, com dez anos! Ele, Borges, com dez anos, já sabia ler, escrever e contar, não muito bem, é certo, mas sabia. Dez anos! Havia de ter um bonito fim: – vadio, e o côvado e meio nas costas. A tarimba é que viria ensiná-lo. D. Severina apaziguava-o com desculpas, a pobreza da comadre, o caiporismo do compadre, e fazia-lhe carinhos, a medo, que eles podiam irritá-lo mais. A noite caíra de todo; ela ouviu o tlic do lampião do gás da rua, que acabavam de acender, e viu o clarão dele nas janelas da casa fronteira. Borges, cansado do dia, pois era realmente um trabalhador de primeira ordem, foi fechando os olhos e pegando no sono, e deixou-a só na sala, às escuras, consigo e com a descoberta que acaba de fazer. Tudo parecia dizer à dama que era verda­ de; mas essa verdade, desfeita a impressão do assombro, trouxe-lhe uma complicação moral, que ela só conheceu pelos efeitos, não achando meio de discernir o que era. Não podia entender-se nem equilibrar-se, chegou a pensar em dizer tudo ao solicitador, e ele que mandasse embora o fedelho. Mas que era tudo? Aqui es­ tacou: realmente, não havia mais que suposição, coincidência e possivelmente ilusão. Não, não, ilusão não era. E logo recolhia os indícios vagos, as atitudes do mocinho, o acanhamento, as distrações, para rejeitar a ideia de estar enganada. Daí a pouco, (capciosa natureza!) refletindo que seria mau acusá-lo sem fundamento, admitiu que se iludisse, para o único fim de observá-lo melhor e averiguar bem a realidade das coisas.


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CONTO

Já nessa noite, D. Severina mirava por baixo dos olhos os gestos de Inácio; não chegou a achar nada, porque o tempo do chá era curto e o rapazinho não tirou os olhos da xícara. No dia seguinte pôde observar melhor, e nos outros otimamente. Percebeu que sim, que era amada e temida, amor adolescente e virgem, retido pelos liames sociais e por um sentimento de inferioridade que o impedia de reconhecer-se a si mesmo. D. Severina compreendeu que não havia recear nenhum desacato, e concluiu que o melhor era não dizer nada ao solicitador; poupava-lhe um desgosto, e outro à pobre criança. Já se persuadia bem que ele era criança, e assentou de o tratar tão secamente como até ali, ou ainda mais. E assim fez; Inácio começou a sentir que ela fugia com os olhos, ou falava áspero, quase tanto como o próprio Borges. De outras vezes, é verdade que o tom da voz saía brando e até meigo, muito meigo; assim como o olhar geralmente esquivo, tanto errava por outras partes, que, para descansar, vinha pousar na cabeça dele; mas tudo isso era curto. – Vou-me embora, repetia ele na rua como nos primeiros dias. Chegava a casa e não se ia embora. Os braços de D. Severina fechavam-lhe um parêntesis no meio do longo e fastidioso período da vida que levava, e essa oração intercalada trazia uma ideia original e profunda, inventada pelo céu unicamente para ele. Deixava-se estar e ia andando. Afinal, porém, teve de sair, e para nunca mais; eis aqui como e porquê. D. Severina tratava-o desde alguns dias com benignidade. A rudeza da voz parecia acabada, e havia mais do que brandura, havia desvelo e carinho. Um dia recomendava-lhe que não apanhasse ar, outro que não bebesse água fria depois do café quente, conselhos, lembranças, cuidados de amiga e mãe, que lhe lançaram na alma ainda maior inquietação e confusão. Inácio chegou ao extremo de confiança de rir um dia à mesa, coisa que jamais fizera; e o solicitador não o tratou mal dessa vez, porque era ele que contava um caso engraçado, e ninguém pune a outro pelo aplauso que recebe. Foi então que D. Severina viu que a boca do mocinho, graciosa estando calada, não o era menos quando ria. A agitação de Inácio ia crescendo, sem que ele pudesse acalmar-se nem entender-se. Não estava bem em parte nenhuma. Acordava de noite, pensando em D. Severina. Na rua, trocava de esquinas, errava as portas, muito mais que dantes, e não via mulher, ao longe ou ao perto, que lha não trouxesse à memória. Ao entrar no corredor da casa, voltando do trabalho, sentia sempre algum alvoroço, às vezes grande, quando dava com ela no topo da escada, olhando através das grades de pau da cancela, como tendo acudido a ver quem era. Um domingo, – nunca ele esqueceu esse domingo, – estava só no quarto, à janela, virado para o mar, que lhe falava a mesma linguagem obscura e nova de D. Severina. Divertia-se em olhar para as gaivotas, que faziam grandes giros no ar, ou pairavam em cima d’água, ou avoaçavam somente. O dia estava lindíssimo. Não era só um domingo cristão; era um imenso domingo universal. Inácio passava-os todos ali no quarto ou à janela, ou relendo um dos três folhetos que trouxera consigo, contos de outros tempos, comprados a tostão, debaixo do passadiço do Largo do Paço. Eram duas horas da tarde.

Estava cansado, dormira mal a noite, depois de haver andado muito na véspera; estirou-se na rede, pegou em um dos folhetos, a Princesa Magalona, e começou a ler. Nunca pôde entender por que é que todas as heroínas dessas velhas histórias tinham a mesma cara e talhe de D. Severina, mas a verdade é que os tinham. Ao cabo de meia hora, deixou cair o folheto e pôs os olhos na parede, donde, cinco minutos depois, viu sair a dama dos seus cuidados. O natural era que se espantasse; mas não se espantou. Embora com as pálpebras cerradas viu-a desprender-se de todo, parar, sorrir e andar para a rede. Era ela mesma; eram os seus mesmos braços. É certo, porém, que D. Severina, tanto não podia sair da parede, dado que houvesse ali porta ou rasgão, que estava justamente na sala da frente ouvindo os passos do solicitador que descia as escadas. Ouviu-o descer; foi à janela vê-lo sair e só se recolheu quando ele se perdeu ao longe, no caminho da Rua das Mangueiras. Então entrou e foi sentar-se no canapé. Parecia fora do natural, inquieta, quase maluca; levantando-se, foi pegar na jarra que estava em cima do aparador e deixou-a no mesmo lugar; depois caminhou até a porta, deteve-se e voltou, ao que parece, sem plano. Sentou-se outra vez, cinco ou dez minutos. De repente, lembrou-se que Inácio comera pouco ao almoço e tinha o ar abatido, e advertiu que podia estar doente; podia ser até que estivesse muito mal. Saiu da sala, atravessou rasgadamente o corredor e foi até o quarto do mocinho, cuja porta achou escancarada. D. Severina parou, espiou, deu com ele na rede, dormindo, com o braço para fora e o folheto caído no chão. A cabeça inclinava-se um pouco do lado da porta, deixando ver os olhos fechados, os cabelos revoltos e um grande ar de riso e de beatitude. D. Severina sentiu bater-lhe o coração com veemência e recuou. Sonhara de noite com ele; pode ser que ele estivesse sonhando com ela. Desde madrugada que a figura do mocinho andava-lhe diante dos olhos como uma tentação diabólica. Recuou ainda, depois voltou, olhou dois, três, cinco minutos, ou mais. Parece que o sono dava à adolescência de Inácio uma expressão mais acentuada, quase feminina, quase pueril. “Uma criança!” disse ela a si mes­ ma, naquela língua sem palavras que todos trazemos conosco. E esta ideia abateu-lhe o alvoroço do sangue e dissipou-lhe em parte a turvação dos sentidos. “Uma criança!” E mirou-o lentamente, fartou-se de vê-lo, com a cabeça inclinada, o braço caído; mas, ao mesmo tempo que o achava criança, achava-o bonito, muito mais bonito que acordado, e uma dessas ideias corrigia ou corrompia a outra. De repente estremeceu e recuou assustada: ouvira um ruído ao pé, na saleta do engomado; foi ver, era um gato que deitara uma tigela ao chão. Voltando devagarinho a espiá-lo, viu que dormia profundamente. Tinha o sono duro a criança! O rumor que a abalara tanto, não o fez sequer mudar de posição. E ela continuou a vê-lo dormir, – dormir e talvez sonhar. Que não possamos ver os sonhos uns dos outros! D. Severina ter-se-ia visto a si mesma na imaginação do rapaz; ter-se-ia visto diante da rede, risonha e parada; depois inclinar-se, pegar-lhe nas mãos, levá-las ao peito, cruzando ali os braços, os famosos braços. Inácio, namo­

rado deles, ainda assim ouvia as palavras dela, que eram lindas, cálidas, principalmente novas, – ou, pelo menos, pertenciam a algum idioma que ele não conhecia, posto que o entendesse. Duas, três e quatro vezes a figura esvaía-se, para tornar logo, vindo do mar ou de outra parte, entre gaivotas, ou atravessando o corredor, com toda a graça robusta de que era capaz. E tornando, inclinava-se, pegava-lhe outra vez das mãos e cruzava ao peito os braços, até que, inclinando-se, ainda mais, muito mais, abrochou os lábios e deixou-lhe um beijo na boca. Aqui o sonho coincidiu com a realidade, e as mesmas bocas uniram-se na imaginação e fora dela. A diferença é que a visão não recuou, e a pessoa real tão depressa cumprira o gesto, como fugiu até à porta, vexada e medrosa. Dali passou à sala da frente, aturdida do que fizera, sem olhar fixamente para nada. Afiava o ouvido, ia até o fim do corredor, a ver se escutava algum rumor que lhe dissesse que ele acordara, e só depois de muito tempo é que o medo foi passando. Na verdade, a criança tinha o sono duro; nada lhe abria os olhos, nem os fracassos contíguos, nem os beijos de verdade. Mas, se o medo foi passando, o vexame ficou e cresceu. D. Severina não acabava de crer que fizesse aquilo; parece que embrulhara os seus desejos na ideia de que era uma criança namorada que ali estava sem consciência nem imputação; e, meia mãe, meia amiga, inclinara-se e beijara-o. Fosse como fosse, estava confusa, irritada, aborrecida, mal consigo e mal com ele. O medo de que ele podia estar fingindo que dormia apontou-lhe na alma e deu-lhe um calefrio. Mas a verdade é que dormiu ainda muito, e só acordou para jantar. Sentou-se à mesa lépido. Conquanto achasse D. Severina calada e severa e o solicitador tão ríspido como nos outros dias, nem a rispidez de um, nem a severidade da outra podiam dissipar-lhe a visão graciosa que ainda trazia consigo, ou amortecer-lhe a sensação do beijo. Não reparou que D. Severina tinha um xale que lhe cobria os braços; reparou depois, na segunda-feira, e na terça-feira, também, e até sábado, que foi o dia em que Borges mandou dizer ao pai que não podia ficar com ele; e não o fez zangado, porque o tratou relativamente bem e ainda lhe disse à saída: – Quando precisar de mim para alguma coisa, procure-me. – Sim, senhor. A Sra. D. Severina... – Está lá para o quarto, com muita dor de cabeça. Venha amanhã ou depois despedir-se dela. Inácio saiu sem entender nada. Não enten­ dia a despedida, nem a completa mudança de D. Severina, em relação a ele, nem o xale, nem nada. Estava tão bem! falava-lhe com tanta ami­ zade! Como é que, de repente... Tanto pensou que acabou supondo de sua parte algum olhar indiscreto, alguma distração que a ofendera; não era outra coisa; e daqui a cara fechada e o xale que cobria os braços tão bonitos... Não importa; levava consigo o sabor do sonho. E através dos anos, por meio de outros amores, mais efetivos e longos, nenhuma sen-­ sação achou nunca igual à daquele domingo, na Rua da Lapa, quando ele tinha quinze anos. Ele mesmo exclama às vezes, sem saber que se engana: – E foi um sonho! um simples sonho! Extraído de: Várias histórias.


POIS É, POESIA

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Variações do poema “Canção do exílio”, de Gonçalves Dias Canção do exílio (Gonçalves Dias)

M

inha terra tem palmeiras Onde canta o Sabiá; As aves que aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá.

A gente não pode dormir com os oradores e os pernilongos. Os sururus em família têm por testemunha a [Gioconda.

(Casimiro de Abreu)

S

e eu tenho de morrer na flor dos anos,  Meu Deus! não seja já; Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,  Cantar o sabiá!

Eu morro sufocado em terra estrangeira. Nossas flores são mais bonitas nossas frutas mais gostosas mas custam cem mil-réis a dúzia.

Nosso céu tem mais estrelas, Nossas várzeas têm mais flores, Nossos bosques têm mais vida, Nossa vida mais amores.

Canção do exílio

***

Ai quem me dera chupar uma carambola de [verdade e ouvir um sabiá com certidão de idade!

Meu Deus, eu sinto e tu bem vês que eu morro  Respirando este ar; Faz que eu viva, Senhor! dá-me de novo  Os gozos do meu lar!

Em cismar, sozinho, à noite Mais prazer encontro eu lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá.

Nova canção do exílio

Minha terra tem primores, Que tais não encontro eu cá; Em cismar – sozinho, à noite – Mais prazer encontro eu lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá.

m sabiá na palmeira, longe. Estas aves cantam um outro canto

Dá-me os sítios gentis onde eu brincava  Lá na quadra infantil; Dá que eu veja uma vez o céu da pátria,  O céu do meu Brasil!

O céu cintila sobre flores úmidas. Vozes na mata, e o maior amor.

Se eu tenho de morrer na flor dos anos,  Meu Deus! não seja já! Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,  Cantar o sabiá!

(Carlos Drummond de Andrade)

U

Não permita Deus que eu morra, Sem que eu volte para lá; Sem que desfrute os primores Que não encontro por cá; Sem qu‘inda aviste as palmeiras, Onde canta o Sabiá.

Canto do regresso à pátria (Oswald de Andrade)

M

inha terra tem palmares Onde gorjeia o mar Os passarinhos daqui Não cantam como os de lá

Quero ver esse céu da minha terra  Tão lindo e tão azul! E a nuvem cor-de-rosa que passava  Correndo lá do sul!

Onde é tudo belo e fantástico, só, na noite, seria feliz. (Um sabiá, na palmeira, longe.)

Ouro terra amor e rosas Eu quero tudo de lá Não permita Deus que eu morra Sem que volte para lá

Modinha do exílio

Não permita Deus que eu morra Sem que volte pra São Paulo Sem que veja a Rua 15 E o progresso de São Paulo.

s moinhos têm palmeiras Onde canta o sabiá. Não são artes feiticeiras! Por toda parte onde eu vá, Mar e terras estrangeiras, Posso ouvir o sabiá, Posso ver mesmo as palmeiras Em que ele cantando está.

Quero dormir à sombra dos coqueiros,  As folhas por dossel; E ver se apanho a borboleta branca,  Que voa no vergel! Quero sentar-me à beira do riacho  Das tardes ao cair, E sozinho cismando no crepúsculo  Os sonhos do porvir! Se eu tenho de morrer na flor dos anos,  Meu Deus! não seja já; Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,  A voz do sabiá! (Ribeiro Couto)

O

Canção do exílio (Murilo Mendes)

M

***

Só, na noite, seria feliz: um sabiá, na palmeira, longe.

Ainda um grito de vida e voltar para onde é tudo belo o fantástico: a palmeira, o sabiá, o longe.

Minha terra tem mais rosas E quase que mais amores Minha terra tem mais ouro Minha terra tem mais terra

inha terra tem macieiras da Califórnia onde cantam gaturamos de Veneza. Os poetas da minha terra são pretos que vivem em torres de ametista, os sargentos do exército são monistas, [cubistas, os filósofos são polacos vendendo a prestações.

Meu sabiá das palmeiras Canta aqui melhor que lá. Mas, em terras estrangeiras, E por tristezas de cá, Só à noite e às sextas-feiras. Nada mais simples não há! Canta modas brasileiras. Canta – e que pena me dá!

O país estrangeiro mais belezas  Do que a pátria, não tem; E este mundo não val um só dos beijos  Tão doces duma mãe!

***

Quero morrer cercado dos perfumes  Dum clima tropical, E sentir, expirando, as harmonias  Do meu berço natal! Minha campa será entre as mangueiras,  Banhada do luar, E eu contente dormirei tranquilo  A sombra do meu lar! As cachoeiras chorarão sentidas  Porque cedo morri, E eu sonho no sepulcro os meus amores  Na terra onde nasci! Se eu tenho de morrer na flor dos anos,  Meu Deus! não seja já; Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,  Cantar o sabiá!


6

ARTIGO

Mais é melhor A diversidade das espécies é vantajosa para todos

A

preservação da diversidade gené­ tica é ao mesmo tempo um se­ guro e um investimento – ambos necessários à manutenção e melhoria da produção agrícola, florestal e pesqueira, à viabilidade das opções futuras e à pro­ teção contra mudanças nocivas impos­ tas ao ambiente. A diversidade genética é matéria-prima para muitas inovações industriais e científicas, e é também um princípio moral. Tal princípio está particularmente rela­ cionado com a extinção das espécies, e pode ser formulado do seguinte modo: a espécie humana tornou-se importan­ te agente da evolução; podemos causar enormes modificações na biosfera, embora ainda não disponhamos de conhe­ cimentos suficientes para controlá-la. Por isto temos uma obrigação moral, para com nossos descendentes e as demais espécies, de agir com a maior prudência. Essa prudência impõe-se pelo fato mesmo de que, embora tenhamos capa­ cidade para alterar o curso da evolução, continuamos sujeitos a ela. Não podemos prever que espécies nos poderão ser úteis algum dia. Na verdade, verificamos que muitas espécies aparentemente dispensáveis podem fornecer produtos importantes – sobretudo farmacêuticos – ou ser parte integrante dos sistemas vi­tais de que dependemos. Assim, por motivos tanto éticos como de nosso próprio in­ teresse, devemos evitar contribuir cons­ cientemente para a extinção de qualquer espécie que seja. O material genético contido nas varie­ dades domésticas de plantas cultiváveis, árvores, gado, animais aquáticos e micro-organismos – assim como em seus “parentes” que permanecem em estado selvagem – é essencial aos programas de aprimoramento de raças, de rendimentos, de qualidade nutritiva, de sabor, de du­ ração de vida, de resistência às pragas e tolerância às doenças, de adaptação a diferentes solos e climas, etc. Mas é raríssimo que essas qualidades sejam permanentes – se é que alguma vez o são. A longevidade média do trigo e de outros cereais, na Europa e na América do Norte, é de 5 a 15 anos, pois as pestes e doenças desenvolvem novas forças e vencem a resistência dos grãos. Outros fatores influem também: o clima se modifica, os solos variam e muda a

demanda dos consumidores. Assim, os agricultores e outros produtores de ali­ mentos não podem prescindir da reserva de possibilidades evolutivas existente na gama de variedades de plantas e animais, tanto domésticos como em estado selvagem. A existência permanente das variedades selvagens e primitivas das plantas alimentícias do planeta é o principal seguro de que dispõe a humanidade contra a destruição dessas espécies por doenças como a praga da castanheira ou a enfermidade do olmo. Não nos referimos a uma ameaça remota. O fato já ocorreu com as videiras europeias. A Philloxera, inseto que vive

A cada outono, milhões de andorinhas, maçari­ cos e tarambolas deixam o litoral nordeste da América do Norte numa longa e acidentada mi­ gração para as Antilhas e a América do Sul até a Patagônia. Os pontos brancos nesta foto de uma tela de radar, instalada na ilha de Antígua, representam pássaros migradores voando entre 3 000 e 6 000 metros de altitude. A maioria voa para sudeste, mas alguns estão voando para sudoeste.

nas raízes da videira, chegou à Europa via América do Norte, produzindo efeitos catastróficos. Foram destruídos quase to­ dos os vinhedos do continente europeu. Mas logo se descobriu que as videiras autóctones americanas toleravam o in­ seto. A produção vinícola europeia foi salva graças a enxertos de videiras eu­ ropeias em rizomas americanos, o que aliás continua sendo feito até hoje. A perspectiva de desastres seme­ lhantes em relação a outros cultivos aumenta à medida que os agricultores trabalham com um número menor de variedades. A uniformidade e a seleção intensiva – através das quais se buscam rendimentos mais elevados – reduziram perigosamente a base genética de boa parte da produção alimentícia moderna.

Setenta e cinco por cento do total das colheitas de trigo no Canadá cor­ respondem a apenas quatro variedades; e em mais de 50% dos trigais cultiva-se uma única variedade. Da mesma forma, 72% da produção de batatas dos EUA dependem tão somente de quatro variedades, e só existem duas variedades de ervilhas. Quase todos os cafeeiros do Brasil descendem de uma única planta, e toda a produção norte-americana de soja foi iniciada a partir de seis plantas provenientes da mesma região da Ásia. Esses exemplos demonstram a extrema vulnerabilidade dessas plantas (e de outras em idêntica situação) aos ataques de pragas, epidemias, ou mudanças desfavoráveis que possam interferir subitamente nas condições de crescimento dos cultivos. Infelizmente, enquanto a base genética dos cultivos mundiais e de outros recursos vivos vai diminuindo com rapidez, vão sendo também destruídos os meios de corrigir esta perigosa situação (a diversidade de variedades de plantas e de espécies aparentadas). Já estão extintas muitas variedades selvagens e domesticadas de vegetais – trigo, arroz, milho, feijão, inhame, tomate, batata, banana, lima e laranja – e outras correm risco de extinção. Algumas variedades valiosas, porém primitivas ou muito localizadas, são de certa forma vítimas de sua própria utili­ dade, porque é delas que derivam, em grande parte, as qualidades de alta produtividade e maior resistência a doenças que deram às variedades avançadas vantagens sobre as primitivas. Devido à crescente demanda de ali­ mentos, a rápida substituição das va­ riedades tradicionais por outras novas constitui uma evolução necessária e po­ sitiva; mas seria contraproducente não preservar ao mesmo tempo as variedades tradicionais e seus parentes silvestres. As populações primitivas de plantas cultivadas, assim como as populações de plantas silvestres a elas relacionadas, são com frequência uma fonte importante – senão única – de resistência a pragas e enfermidades, além de serem um fator de adaptação a ambientes naturais pouco propícios. Possuem também pro­priedades agronômicas de grande valor, como as que produzem o arroz-anão e o trigo-anão


ARTIGO e que revolucionaram es­sas culturas e permitiram aumentar seu rendimento em muitas regiões do mundo. Valiosas raças de gado também se en­ contram ameaçadas. Das 145 raças bo­ vinas indígenas da Europa e da região do Mediterrâneo, 115 correm o risco de ex­ tinção. E, tal como ocorre com as plantas, há muitas raças pecuárias tradicio­ nais da maior importância para a criação. A raça ovina Wensleydale, extrema­ mente rara, foi utilizada para obter-se uma raça de ovelhas capaz de suportar bem o calor, a fim de que se pudesse produzir lã de boa qualidade nos países subtropicais. A galinha de Cornualhas, que em certa época só tinha interesse para determinado tipo de criadores, re­ velou-se – através do cruzamento com outras raças – de grande utilidade na obtenção de frangos de crescimento rápi­ do, tornando-se a base da indústria de frangos para assar.

O comércio de espécies animais e vegetais ameaçadas vem sendo substancialmente reduzido desde 1975, quando entrou em vigor a Con­ venção sobre o comércio internacional de es­ pécies selvagens da fauna e da flora ameaçadas de extinção. Regulamentações rigorosas são agora aplicadas a uma longa lista de espécies, do almiscareiro a moluscos, passando pela Parriassius apollo, uma borboleta europeia mui­ to rara, e o Chrysocyon brachyurus, lobo sul-americano de juba.

Plantas e animais são de grande importância para a medicina moderna, em­ bora as pesquisas acerca de seu valor medicinal e farmacêutico tenham-se limitado a pouquíssimas espécies. De acor­ do com um estudo recente, mais de 40% das receitas prescritas anualmente nos EUA contêm como princípio ativo, isolado ou associado, alguma substância de ori­ gem natural – seja de plantas (25%), de micróbios (13%) ou de animais (3%). Ain­ da nos EUA o valor dos medicamentos à base de plantas superiores monta a US$3 milhões por ano, e continua a au­mentar. Na medicina, as aplicações mais importantes de plantas e animais superiores são as seguintes: • Como componentes utilizados direta­ mente como agentes terapêuticos: a digitoxina, a morfina e a atropina, in­ superáveis em suas respectivas aplica­ ções; • Como materiais a partir dos quais se chega à síntese medicamentosa: os hormônios do córtex suprarrenal e ou­ tros esteroides, que são geralmente sintetizados a partir das sapogeninas, esteroides vegetais; • Como modelos para a síntese de subs­ tâncias medicamentosas: a cocaína, base para o desenvolvimento da anes­ tesia local moderna. Esta última aplicação não deveria ser subestimada. Como ressalta um espe­ cialista na matéria, “sem a existência das substâncias ativas naturais é provável que jamais se tivesse descoberto nem as substâncias nem sua atividade. Su­ ponhamos que um químico quisesse elaborar um remédio para insuficiência cardíaca; os métodos atualmente disponí­ veis não lhe possibilitariam sintetizar uma molécula semelhante à digitoxina se o protótipo natural não fosse conhecido”. Paradoxalmente, quanto mais um país se desenvolve, mais depende de sua própria reserva de diversidade genética (assim como da de outros países). E essas reservas diminuem constantemente. Vá­ rios países em desenvolvimento estão criando hoje suas próprias indústrias farmacêuticas para atender à demanda interna de medicamentos essenciais a custos aceitáveis. Numa contribuição a esse esforço, um grupo de trabalho da ONU elaborou há pouco tempo uma relação básica das plantas medicinais da África, da Ásia e da América Latina cujos princípios ativos são utilizados na medicina moderna. Das 90 espécies relacionadas, 40 só podem ser encontradas na própria natureza; cerca de 20 outras, embora cultivadas,

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são também colhidas na natureza. A preservação dessas espécies e de seu habitat é um dos pré-requisitos para o sucesso das indústrias farmacêuticas locais. A história do aproveitamento, por parte do homem, de espécies vegetais e animais, demonstra que mesmo espécies aparentemente inúteis e até em vias de extinção podem revelar-se úteis e às vezes indispensáveis. O “pescado blanco” (Chirostoma estor), peixe que em estado natural só existe em um lago mexicano, achava-se até pouco tempo ameaçado de extinção devido à pesca abusiva, à deterioração de seu ambiente e ao ataque e concorrência de outras espécies introduzidas. Agora, graças a métodos adequados de criação e reprodução artificial, esses peixes enchem vários reservatórios e lagos de represas, e está sendo construído para eles um viveiro de 15 hectares. Várias espécies, como o tatu e o urso polar, converteram-se inesperadamente em objetos preciosos para a pesquisa científica, tanto na qualidade de matéria experimental como na de fornecedores de ideias para inovações técnicas. Os tatus são os únicos animais, à exceção do homem, capazes de contrair lepra (hanseníase), e por isto são de grande utilidade na busca de um remédio contra essa terrível doença. Descobriu-se recen­ temente que o pelo do urso polar é um ótimo absorvente de calor, o que levou os pesquisadores a uma ideia que lhes permitirá conceber e produzir materiais para a fabricação de roupas para climas frios e também de coletores de energia solar. Vemos assim quanto é necessário preservar a diversidade genética, tanto para garantir o provimento de alimentos, fibras e determinados remédios, como para o progresso científico e industrial.

O lince (Felis lynx), outrora muito disseminado por toda a Europa, declinou consideravelmente durante os últimos 100 anos, devido à diminuição das áreas florestais onde eles habitavam e à atividade de caçadores de peles.


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ARTIGO

Por outro lado, é preciso impedir que a extinção de determinadas espécies pre­ judique o bom funcionamento dos pro­ cessos ecológicos. É pouco provável que as diferentes comunidades de plantas, animais e micro-organismos que cons­ tituem os ecossistemas vinculados a tantos processos essenciais – particu­ larmente à polinização e à defesa natural contra as pragas – possam ser substi­ tuídas com rapidez por outras comuni­ dades. A composição genética desses ecossistemas é fator básico para seu bom desempenho. Assim como desaparecem inúmeras variedades de plantas e animais domés­ ticos, desaparecem também muitas va­ riedades de plantas e animais silvestres. Atualmente, a ameaça de extinção paira sobre cerca de 25 mil espécies de plantas e mais de mil espécies e sub­ espécies de vertebrados. E nessas cifras não está incluído o inevitável desapare­ cimento de pequenos animais, sobretudo invertebrados – moluscos, insetos, co­ rais – cujos habitat são destruídos. As estimativas que tentam levar em conta esse fator afirmam que futuramente estarão extintas de 500 mil a 1 milhão de espécies. Se efetivamente todas elas vie­

O abutre-barbado (Gypaetus barbatus), impo­ nente ave de rapina alvinegra, com envergadura de asa de três metros, desapareceu aos poucos dos Alpes durante os primeiros 10 anos do século XX.

rem a extinguir-se, a perda será irrepará­ vel para a humanidade. A ameaça mais grave é a destruição dos habitat, que engloba: a substituição completa dos ambientes naturais por as­ sentamentos humanos, portos e outras construções, por cultivos, pastagens ou plantações, por minas ou pedreiras; os efeitos das represas (que bloqueiam as migrações de desova, inundam os habitat, modificam as condições químicas e tér­ micas); a drenagem, a canalização e o controle do caudal dos cursos d’água; a po­ luição por elementos químicos e dejetos sólidos (domésticos, agrícolas, industriais

ou provenientes de minas); a retirada excessiva de água (para fins domésticos, industriais e agrícolas); a extração de materiais (vegetação, cascalho e pedras) para obtenção de madeira, combustível, material de construção, etc.; a dragagem e o depósito de dejetos; o pastoreio ex­ cessivo; a erosão e a sedimentação. Além destas, duas outras ameaças sérias pesam sobre as espécies: a exploração excessiva e os efeitos introduzidos por espécies exóticas. Tais espécies, introduzidas quer deliberada, quer inadvertidamente, podem ter sobre as espécies nativas graves repercussões que se ma­ nifestam de várias maneiras: luta pelo espaço vital ou por alimento; rapina; destruição ou degradação do habitat; propagação de doenças e parasitas. As espé­ cies nativas que vivem em água doce e nas ilhas são particularmente vulneráveis aos danos que as espécies introduzidas podem causar. A truta e a perca introduzidas nos EUA ameaçam várias espécies de peixes, enquanto as cabras e coelhos estão destruindo os habitat de plantas, pássaros e répteis nas ilhas do Pacífico e do Índico. Extraído de: O Correio da Unesco.

(ENTRE PARÊNTESIS)

Um trabalho... Um trabalho é realizado em duas etapas, gastando-se 02h40min35s na primeira e o dobro desse tempo na segunda; havendo um intervalo de 7 minutos entre as etapas, então, o trabalho todo é executado em: a) 08h08min45s d) 08h01min52s b) 08h30min30s e) 08h15min18s c) 08h20min10s

RESPOSTA alternativa A Trabalho todo = 02h40min35s + 04h80min70s + 7min = 06h127min105s = 08h08min45s.

SERVIÇO DE VESTIBULAR Universidade Estadual de Londrina (UEL) Período de inscrição: até 11 de setembro de 2014. Somente via Internet. Endereço da fa­ culdade: Rodovia Celso Garcia Cid – PR 445, Km 380 – Campus Universitário – Londrina – PR – CEP: 86057-970 – Fone: (43) 3371-4361/ 4115/4331. Requisito: taxa de R$ 118,00. Cursos e vagas: consultar site www.cops.uel.br Exames: • 1ª fase – dia 2 de novembro de 2014. • 2ª fase – dia 30 de novembro de 2014 e 1o e 2 de dezembro de 2014.

Leituras obrigatórias: • Papéis avulsos – Machado de Assis. • O planalto e a estepe – Pepetela. • Bagagem – Adélia Prado. • O pagador de promessas – Dias Gomes. • Doze reis e a moça no labirinto do vento – Marina Colasanti. • A máquina de madeira – Miguel Sanches Neto. • Toda poesia – Paulo Leminski. • Eurico, o presbítero – Alexandre Herculano. • A traição das elegantes ou 200 crônicas es­colhidas – Rubem Braga. • O cabeleira – Franklin Távora.

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) Período de inscrição: até 15 de setembro de 2014. Somente via Internet. Endereço da fa­ culdade: Rua Marquês de São Vicente, 225 – Gávea – Rio de Janeiro – RJ – CEP: 22451-900 – Fone: (21) 3527-1000. Requisito: taxa de R$150,00. Cursos e vagas: consultar site www.puc-rio.br/vestibular Exames: dias 12 e 13 de outubro de 2014.


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