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Jornal do Vestibulando
ENSINO, INFORMAÇÃO E CULTURA
JORNAL ETAPA – 2014 • DE 18/09 A 01/10
ENTREVISTA
“Só não alcança os seus sonhos quem desiste. Siga em frente lutando, vai chegar sua vez.” Felipe Seiti Sekiya está na Medicina da USP. No ano anterior, ao sair do colégio, ele tinha entrado na Santa Casa, mas queria a USP, então veio para o cursinho. Na Fuvest ficou em 42º lugar entre 1 050 convocados que chegaram na 2ª fase da Medicina. Um resultado que foi a resposta a todo o seu esforço – como ele próprio explica no seu depoimento a seguir.
Felipe Seiti Sekiya Em 2013: Etapa Em 2014: Medicina Pinheiros/USP
JV – Quando e por que você escolheu Medicina como carreira? Felipe – Por volta da 8ª série estava entre Medicina e Engenharia. Pendia mais para Engenharia. Mas teve um fórum de profissões no meu colégio e no 1º ano do Ensino Médio optei por Medicina. O motivo foi meu interesse pela Biologia com enfoque no ser humano e a possibilidade de ajudar as pessoas a terem mais saúde e melhorar a vida delas.
Passei para a 2ª fase da Unesp e da Fuvest. Na Fuvest peguei Santa Casa, na segunda chamada, mas vim para cá porque achei que estudando um ano no cursinho conseguiria a Pinheiros.
Além da Fuvest, você prestou outros vestibulares? Prestei Unicamp, Unesp, Enem e Unifesp. O Enem vale como 1ª fase da Medicina Unifesp. Passei em todas.
Como ficou sua confiança durante o ano? Durante o ano minha confiança foi razoá vel, sabia que tinha chance de passar por causa do meu desempenho no ano anterior. Achei que se me dedicasse eu conse guiria passar.
Qual era sua primeira opção? Era a Pinheiros. Por quê? Sei que a Unicamp é muito boa, meu pai fez Unesp e é médico em Botucatu, mas nasci em São Paulo e por morar aqui achei que o melhor era estudar na Pinheiros. Como você conheceu o Etapa? No meu colégio era o curso pré-vestibular de que mais falavam bem. Daí achei que era o melhor curso mesmo e segui o que o pessoal falava. Você prestou vestibular no final do 3º ano do Ensino Médio? Prestei. Para Medicina. Só na Unicamp não fiz Medicina, fiz Engenharia Mecânica. ENTREVISTA
Felipe Seiti Sekiya CONTO
Questão de honra – Artur Azevedo
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Você estava animado quando entrou aqui? Estava. Queria aprender, saber mais. Queria resolver todas as minhas defasagens e fazer um bom vestibular no fim do ano.
Como você fazia nas aulas para apro veitar melhor o que era ensinado? Eu prestava atenção e conseguia pegar bem as matérias. Anotava o que achava mais pertinente, o que eu não sabia ou que parecia ter mais chances de cair no vestibular. E resolvia exercícios nos intervalos, nas trocas de aula. Como você resolvia suas dúvidas? Procurava rever o conteúdo na parte teórica da apostila. Se não conseguia fazer a revisão da parte teórica, procurava uma resolução do exercício no site do Etapa. Se não tivesse jeito mesmo, ia ao Plantão de Dúvidas. ARTIGO
A Semana de 22 ENTRE PARÊNTESIS
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Nos simulados, quais eram os seus re sultados? Ficava sempre na faixa A. Uma vez ou outra ficava na B. Quais dificuldades você enfrentou du rante o ano? Uma foi o cansaço, que bateu mais forte em junho. Você tinha algum hobby para relaxar? Na época do colégio eu fazia aulas de guitarra e piano. Eu achei que não daria tempo de fazer tudo isso e mais o curso. Então parei. Mas, em casa, às vezes, eu tocava violão, piano. Dava para descontrair um pouco. Como foi perto dos vestibulares? Em outubro o cansaço surgiu de novo, mas quando começou a Revisão dei um gás, peguei mais pesado. Chegava em casa e resolvia exercícios até completar a minha cota diária. Enquanto não acabasse eu não parava. A minha meta era completar a apostila de Revisão, pelo menos os testes. Organizei meu estudo em cotas diárias para cumprir e com isso consegui fechar a apostila de Revisão. Qual era a cota diária? Peguei o número total de exercícios e dividi pelos dias que eu tinha até a Fuvest. Depois da apostila de Revisão teve outra apostila. Eu fui fazendo todas. Todas as matérias. SERVIÇO DE VESTIBULAR
Inscrições
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ENTREVISTA
Você leu as obras indicadas como obrigatórias? Li Til, Capitães da Areia, Vidas secas. Tem livro que você não consegue entender direito. Por exemplo, Viagens na minha terra tem citação de filósofos, da história de Portugal e sozinho você não consegue entender muito bem. Vendo uma pales tra, uma videoaula, acaba fazendo mais sentido. Você assistiu às palestras sobre os livros? Assisti às videoaulas. Eram ótimas. Mas não pude ver as palestras porque moro muito longe e acabaria chegando em casa às 11 horas para acordar às 5 da manhã. E como foi nas questões que envolviam os livros? Acertei todas. Você prestou vestibulares para quatro faculdades públicas. Em qual você achava que tinha mais chance de entrar? Na Pinheiros mesmo, que era meu foco de estudos. Quantos pontos você fez na 1ª fase da Fuvest? 81. Você ficou, sem bônus, 11 pontos acima do corte, que foi 70. Como viu esse resultado? Era mais ou menos o que eu fazia nos simulados. Fiquei bem contente, deu mais autoconfiança. Mas também sabia que não podia relaxar porque se fosse mal nos outros exames não ia adiantar ter ido muito bem na 1ª fase. Da 1ª para a 2ª fase o que ajudou mais durante seus estudos? Para a 2ª fase resolvi vestibulares de anos anteriores. Fui fazendo as provas da Fuvest, de uns quatro anos para cá. Na 2ª fase, quais foram suas notas? No primeiro dia, Português e Redação, tirei 72,5. Na Redação o meu desempenho foi de 75%. No segundo dia tirei 75. No terceiro dia minha nota foi 95,83. Alguma surpresa nessas notas? Eu me surpreendi com o terceiro dia, eu queria tirar mais de 90, mas achava que não conseguiria. E me surpreendi muito com o primeiro dia também. No segundo dia esperava ter ido melhor.
Na escala de zero a 1 000, qual foi sua pontuação na Fuvest? 833,3. Sua classificação na carreira Medicina? 42º, entre os 1 050 chamados para a 2ª fase. Nos outros vestibulares, como você se classificou? Na Unifesp eu passei bem, em 17º. Na Unicamp eu não lembro, mas foi na primeira chamada. Na Unesp passei acho que na terceira chamada. Como soube de sua aprovação para a Pinheiros? Vi em casa. Estava com minha mãe. Ela ficou muito feliz. Depois fui para a comemoração no Etapa. Você já conhecia a Pinheiros? O primeiro contato foi na matrícula. Até me surpreendi porque é muito bonito lá dentro. Como foi no dia da matrícula? Foi bom. Os veteranos foram muito receptivos, sempre dando parabéns, perguntando como eu tinha ido, se estava feliz, qual era minha expectativa. Não teve nenhum tipo de trote, foram bem amigáveis mesmo. Depois da matrícula, no porão, que é um espaço dos alunos, eles estavam vendendo roupa, camiseta, chaveiro, caneta, agenda. Comprei tudo. Quis renovar o guarda-roupa com roupas da Medicina. Que matérias você está tendo agora? Basicamente, as primeiras semanas do semestre foram de estudo do sistema nervoso e do sistema cardiovascular. Estou tendo Neuroanatomia, Anatomia do Sistema Cardiovascular, Fisiologia, Histologia, Atenção Primária à Saúde, Fisiocardiologia, Medicina e Humanidades, com aulas que buscam humanizar a prática médica, saber lidar com o paciente, conversar. A parte humana da Medicina é muito importante. Por enquanto temos isso. De qual matéria você está gostando mais? De Neuroanatomia. Fisiocardiologia tam bém é bem interessante. Para ser sincero, acho que estou gostando de tudo. Qual matéria o pessoal fala que é mais difícil? Basicamente, as Fisiologias, em geral, são difíceis.
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Com relação ao que viu até agora na faculdade, do que você mais gostou? Eu gostei mais das aulas práticas. Em Anatomia a gente já foi vendo várias peças anatômicas, várias estruturas. Em Atenção Primária à Saúde fizemos algumas visitas domiciliares para conversar com pacientes, saber como eles lidam com a saúde, a doença. A teoria é muito importante, mas eu acho as partes práticas mais legais. Tem alguma área da Medicina em que você pretende trabalhar ou ain da é cedo para escolher uma espe cialização? Ainda é cedo. Se eu fechar minha cabeça para uma determinada especialidade vou acabar não aproveitando tanto as outras especialidades que vou aprender. Quando estiver mais perto da prova de Residência eu escolho o que quero fazer. Que dicas você dá a quem vai prestar vestibular este ano? Só não alcança os seus sonhos quem desiste. Por mais que o caminho tenha obstáculos, tem de seguir em frente, tem de aguentar as dificuldades e superá-las. Siga em frente lutando, vai chegar sua vez. Como fica marcado o ano passado para você? Foi um ano corrido. O estresse e a luta foram características do ano passado. E o resultado final foi a resposta a todo esse esforço. Hoje você está diferente de quando começou no cursinho? Acho que estou. Quando você começa não sabe se vai conseguir passar. Não sabe qual vai ser seu futuro. Mas quando entra na faculdade você sabe que tem seis anos pela frente para estudar e no final disso você vai ser médico, vai trabalhar com pacientes, vai seguir sua vida. O que ficou de lição para você da experiência de fazer o cursinho? Você tem de se empenhar. Tem de correr atrás. Essa foi uma lição que eu aprendi no cursinho. Você quer dizer mais alguma coisa para nossos alunos? O segundo semestre é cansativo, mas é para continuar estudando. Isso dá retorno e é muito gratificante no final.
Jornal ETAPA, editado por Etapa Ensino e Cultura REDAÇÃO: Rua Vergueiro, 1 987 – CEP 04101-000 – Paraíso – São Paulo – SP JORNALISTA RESPONSÁVEL: Egle M. Gallian – M.T. 15343
CONTO
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Questão de honra Artur Azevedo
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ram sete horas da manhã. Braga Lopes, sentado numa deliciosa chaise-longue, brunia as unhas e contemplava, pela janela do gabinete, o Pão de Açúcar, que por um belo efeito de luz parecia de madrepérola. Angélica entrou no gabinete, e bateu de leve no ombro do marido. — Preciso de quinhentos mil-réis. — Já? — Já. Por única resposta, Braga Lopes apontou para uma carta aberta sobre a secretária de pau-rosa. Angélica leu: o senhorio reclamava em termos violentos, não sei quantos meses atrasados do aluguel do prédio nobre. A moça encolheu os ombros, saiu arrebatadamente e mandou atrelar. Fez ligeira, mas elegante toilette de passeio, e, calçando as luvas de pele da Suécia, recomendou ao engravatado co peiro que não a esperasse para almoçar. O marido ouviu rodar o coupé e chegou à janela. Acompanhou com a vista o trajeto do carro em quase toda a curva da praia de Botafogo, até que o viu desaparecer na rua Marques de Abrantes. — Aonde irá ela arranjar quinhentos mil-réis a esta hora? pensou, e, sentando-se de novo, recomeçou a sua ocupação predileta —brunir as unhas.
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Ao entrar no coupé, Angélica dissera ao boleeiro: — Vamos à baronesa. A baronesa ainda estava no leito. Angélica foi introduzida no dormitório. — Preciso de quinhentos mil-réis. — Já? — Já. — Impossível, minha amiga; o barão está em Petrópolis. — Petrópolis em junho! — Foi a negócio e não a passeio. O dinheiro está com ele, bem sabes. Sinto não te poder servir nesse momento, como noutras ocasiões o tenho feito. Não é a primeira vez que tu... — Bem... desculpe... adeus, baronesa. Angélica a sair e o barão a entrar. — Oh! madame Braga Lopes! a que feliz acaso devemos tão matinal visita? — Não tinha ido para Petrópolis, barão? — Petrópolis em junho! Jamais de la vie! Seria ridículo! Saí muito cedo por necessidade e só contava estar de volta ao meio-dia. Esteve com a baronesa? — Sim, senhor barão; passe bem. E Angélica, mordendo os beiços de raiva, entrou rapidamente no coupé, cuja portinhola o barão abriu pressuroso com a mão esquerda, enquanto a direita fazia o
chapéu descrever uma pequena reta, muito graciosa, à inglesa. O boleeiro voltou-se para receber as ordens da patroa. — Vamos às Guedes. O barão fechou a portinhola, e o carro pôs-se em movimento. As Guedes eram três irmãs solteironas. Moravam na rua do Conde, perto do Catumbi. Angélica esperou por elas durante quarenta minutos. Empregou todo esse tempo a passear de um lado para o outro, muito contrariada por se ver ali, numa rua tão burguesa, naquela velha sala sem tapeçarias, nem reposteiros, nem bibelôs, fastidiosa com sua esmagadora mobília de jacarandá e os seus venerandos castiçais de prata, resguardados em monstruosas mangas de vidro. Numa velhíssima tela, o pai das Guedes, pintado a óleo, muito sério, inteiramente barbeado, de óculos, o pescoço escondido numa abundante gravata de cinco voltas, as mangas da casaca muito apertadas, as mãos a emergirem das rendas dos manguitos, olhava fixamente para Angélica, e parecia dizer-lhe: — Que vens aqui fazer? Não arranjas nada! Afinal apareceram as Guedes. Entraram as três ao mesmo tempo, com pequeninos gritos de surpresa alegre, fazendo um gasto enorme de beijos, abraços, pancadinhas de amor e frases candongueiras: Mas que milagre é este? Por isso é que o dia está tão bonito! Vou mandar repicar os sinos! — Sente-se, dona Angélica. — Não; a demora é pequena. Vinha pedir-lhe um grande obséquio. Preciso de quinhentos mil-réis. As Guedes entreolharam-se estupefatas. A recusa foi categórica e formal. Não podiam naquela ocasião dispor nem de quinhentos réis, quanto mais de quinhentos mil-réis. A “pouca vergonha” de 13 de Maio deixara-as quase na miséria. Se não possuíssem aquela “humilde choupana” e mais dois sobrados na rua dos Pescadores, estariam reduzidas à miséria. Angélica saiu despeitadíssima; entre tanto, não desanimou. O passivo e solícito cocheiro levou-a ainda à presença de seis amigas ricas, e todas lhe disseram não! Em toda parte a mísera encontrava esse monossílabo terrível! Ao meio-dia, humilhada, indisposta, em jejum, com os nervos excitados por aquela violenta caçada, por aquele perseguir uma quantia miserável, que lhe fugia das mãos obstinadamente, a pobre Angélica teve um gesto expressivo e supremo de resolução e coragem.
Alguns minutos depois, o coupé deixava-a no largo de S. Francisco. Ela tomou a pé a rua do Rosário, atravessou a da Quitanda, dobrou a da Alfândega, e, sobressaltada, palpitante, com muito medo de que a vissem, entrou precipitadamente num casarão de dois andares. No corredor hesitou alguns segundos antes de subir; mas enchendo-se de ânimo, galgou ligeiramente as escadas até o segundo andar. Abriram-lhe logo a porta, e ela, trêmula, ofegante, com as mãos muito frias, sem poder proferir uma palavra, caiu nos braços de um homem, que a recebeu com um beijo, e lhe disse: — Estava escrito que mais dia menos dia a senhora se compadeceria dos meus tormentos... — O que me traz à sua casa é uma questão de honra; conto com sua discrição e seu cavalheirismo. Preciso de... Angélica envergonhou-se de se vender por tão pouco, e quadruplicou a quantia: — Preciso de dois contos de réis. — Já? — Já. O relógio da Candelária batia duas horas quando madame Braga Lopes, perfeitamente almoçada, desceu as escadas da casa da rua da Alfândega. Pode ser que o arrependimento aparecesse mais tarde; naquele momento ela era toda satisfação e triunfo. A gentil pecadora entrou radiante na rua do Ouvidor, e foi ter ao Palais-Royal. — Ainda aí está? perguntou a um dos caixeiros da loja com receio de que mais uma vez lhe dissessem não. — Ainda, e às suas ordens. — Bom, acrescentou ela, depois de um prolongado suspiro; aqui estão os quinhentos mil-réis. Mande-mo à casa. — Com efeito! exclamou Braga Lopes quando Angélica lhe apareceu às três horas. Com efeito! passaste o dia inteiro na rua!... — Sim, vê lá se achas que uma mulher, que só tem brilhantes falsos e joias de pechisbeque, possa facilmente arranjar quinhentos mil-réis... — Mas para que precisavas tu desse dinheiro? perguntou indiferentemente o extraordinário marido. — Uma questão de honra, meu amigo. Imagina que me apaixonei por um vestido que vi ontem na vitrine do Palais-Royal; imagina que a Laurita Lobo queria por força ficar com ele; imagina que o dono da loja declarou que o entregaria à primeira das duas que lhe levasse quinhentos mil-réis!... — Ah! bom! assim, sim, obtemperou Braga Lopes, que recomeçou fleumaticamen te a sua ocupação predileta − brunir unhas. www.dominiopublico.com.br
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A Semana de 22 Telê Porto Ancona Lopez
1917 – O choque e a descoberta
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ano de 1917 foi o momento em que surgiram discussões e se aglomeraram os germes que, mais tarde, resultariam em propostas de renovação e na Semana de Arte Moderna. Esses resultados futuros, felizmente, envolveram ambições maiores que a atualização estética do Brasil, enquanto pura pesquisa formal. Há uma tentativa de obter uma apreensão crítica de nossa realidade, ao menos em uma das linhas que se definirão depois: a do nacionalismo crítico. O surto industrial paulista tem início em 1917, mas a cidade permanece culturalmente atrasada em relação ao Rio de Janeiro, centro do saber acadêmico. Com o incremento da imigração, sobretudo italiana, os trabalhadores de São Paulo começam a tomar consciência de sua situação, surgindo as primeiras greves de cunho anarcossindicalista. A realidade, porém, é que as capitais brasileiras viviam de sobras de acontecimentos europeus, interpretando-os na medida de suas possibilidades, não se aprofundando no conhecimento das contradições que os provocavam. Essas contradições, a Europa já as descobrira há bem mais de meio século e continuadamente as estudava e explorava, porque estava culturalmente preparada. Em São Paulo, nesse momento, recém-vindo da Europa, Oswald de Andrade não manifestava grandes preocupações sociais. Viera impregnado apenas de ecos do Futurismo, “aragem de modernidade”, decorrente da difusão das ideias de Marinetti (o criador do Futurismo na Itália). Futurismo – a vanguarda que causava maior agitação na Europa – para os brasileiros, desconhecedores de seu projeto estético, técnico ou ideológico, é apenas uma palavra que denota quebra das convenções aceitas. Chega a sofrer generalização grosseira (caos, absurdo), justo porque, embora mera palavra, ameaçava os valores estabelecidos. A imigração italiana até 1917, embora portadora de uma certa consciência política, sonhadoramente anarquista, conservava-se aqui presa à tradição artística do Classicismo, embora na Itália, no início do Futurismo, o proletariado tivesse sido defensor de Marinetti e leitor da revista futurista Lacerba. Todos os ecos das novas propostas estéticas que chegam da Europa são desdenhados pela intelectualidade oficial. E note-se: as chamadas vanguardas artísticas, realmente comprometidas com a contemporaneidade, já existiam ativamente desde 1906, ou mesmo bem antes, com o Expressionismo, o Cubismo e o Futurismo. Já haviam surgido manifestos, obras apoiadas em projetos e trabalhos que as desvendavam criticamente. No Brasil vivia-se nostalgicamente a “novidade” do ultrapassado: Decadentismo e Penumbrismo, caminhos capazes de se casar, na poesia, com a continuação de nosso Simbolismo. Imagine-se, pois, o impacto da exposição dos quadros de Anita Malfatti em São Paulo, em dezembro de 1917. O espanto ante uma concepção expressionista da Arte, aqui jogada sem qualquer bússola capaz de fornecer dados para identificação ou compreensão.
Em São Paulo havia jovens sequiosos de contemporaneidade que, no campo da Literatura, a confundiam com soluções meramente pós-simbolistas. Oswald de Andrade faz críticas em O Pirralho, periódico satírico, e aplaude tudo o que lhe soa como renovação. Sua passagem pela Europa o leva a tentar uma percepção de tempo psicológico e mesmo de simultaneísmo nos primeiros capítulos das Memórias sentimentais de João Miramar, que aparecem em O Pirralho, em 1917, com ilustração de Di Cavalcanti. Menotti del Picchia é sucesso graças ao poema regionalista “Juca Mulato”. Conhecidos, aceitos e aplaudidos de certa forma, são Menotti e Guilherme de Almeida, que não feriam fundo os cânones do gosto “parnasiano’’ vigente. Além disso, são todos filhos da burguesia, exceção feita a Menotti, e não estão preocupados em criticá-la.
Na exposição de 1917, a ousadia de concepções como O homem amarelo (acima) causa espanto e incompreensão. E é em torno da defesa de Anita (anterior) que ocorrerá a primeira tomada de posição dos jovens decididos a entender a modernidade.
Voltemos à exposição de Anita. Lá vão ter Oswald, o sequioso e rebelde à moda boêmia, Menotti, o consagrado, Guilherme de Almeida, o que comovia, e Mário de Andrade, o estudioso,
ainda desligado de grupos. Mário se apresenta como “o poeta Mário Sobral”; na primeira visita, mimoseia os quadros com a reação habitual do público: uma sonora gargalhada (depoimento da pintora). Depois, volta muitas vezes em visitas de aprendizagem. Na revista Tempo Brasileiro (n. 26-27; 1971), o crítico e teórico A. Rosenfeld deixa clara a importância dos choques produzidos pela arte que renova. Seu aspecto mais consequente não é o escândalo que lesa os mitos do establishment, seu valor é proporcionar a visão de novas realidades, mostrar “aspectos da realidade exterior ou interior a uma luz renovada, estranha, surpreendente, fazendo com que vejamos e aprendamos o que geralmente nos escapa devido ao esgotamento da sensibilidade, gasta pela rotina e pelo hábito”. Apliquemos essa ideia à exposição de Anita Malfatti. O choque-escândalo é a sensação que Lobato transmite ao criticar a arte da pintora: São Paulo, torpedeada dentro de suas viseiras, pergunta com ele: é paranoia ou mistificação? (“A propósito da Exposição Malfatti”, O Estado de S. Paulo, 20 de dezembro de 1917.). Paranoia, para Monteiro Lobato, não significa seu reconhecimento da loucura como potencial de criação, explorado pelo Expressionismo e entendido pelo Dadaísmo. No texto, nota-se que, ainda que “de ouvir falar”, o crítico sabia da existência do “Futurismo, Cubismo, Impressionismo e ‘tutti quanti’”. Mas desconhecia as propostas, tomando-os como “outros tantos ramos da arte caricatural”. Paranoia, para ele, é o rótulo reprovador que esconde seu fechamento para o novo e defende seu medo de compreender a ousadia de concepções como O homem amarelo. Seu discurso, de bom polemista que sempre foi, aqui não consegue as tonalidades de humor que o tornam mais persuasivo; é o sarcasmo áspero, irritado, mas aflito. O choque-repensar = partida para o conhecimento, é a união do grupo de jovens resolvidos a entender a “modernidade”. Sua primeira tomada de posição é a defesa de Anita, feita por Oswald de Andrade no Jornal do Comércio (11 de janeiro de 1918). Construída com a busca de elogios precisos, deixa claro que tanto o crítico como o artista estavam preocupados em captar a realidade de forma mais livre e mais profunda. Oswald não consegue, porém, teorizar sobre o assunto. Em 1942, Mário de Andrade, fazendo o balanço das primeiras lutas modernistas, mostra a dimensão “Descoberta”, no choque de 1917. “A pré-consciência, primeiro, e em seguida a convicção de uma arte nova, de um espírito novo desde pelo menos seis anos” (refere-se à Semana, em 1922) “viera se difundindo no (...) sentimento de um grupinho de intelectuais paulistas. De primeiro foi um fenômeno es tritamente sentimental, uma intuição divina tória, um (...) estado de poesia. Com efeito: educados na plástica ‘histórica’, sabendo quando muito da existência dos impressionistas prin cipais, ignorando Cézanne, o que nos levou a aderir incondicionalmente à exposição de
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1917 – As pesquisas de Mário de Andrade É preciso que se permaneça ainda um instante em 1917, para que se possa entender, na primeira obra poética de Mário de Andrade, suas pesquisas e sua ânsia de modernidade. Sob o pseudônimo de “Mário Sobral” publicara, pouco antes da exposição de Anita, Há uma gota de sangue em cada poema, poesia considerada pela crítica como “arrojada” ou “cheia de impropriedades e exageros, sem falar em versos frouxos e rimas defeituosas, que afeiam, por toda a parte, as estrofes (...), etc.”. (Crítica não assinada, sem localização de jornal, dos recortes de M. de Andrade.) O que a crítica condenava, em 1917, é justamente as inovações pelas quais tateia o jovem Mário, numa obra a que mais tarde chamaria de “imatura”. Expressões como: “perfume vermelho”, “pios que voam mudos e frios”, vistas como absurdos, são apenas alguns exemplos de sua exploração de sinestesias (transferências de sentidos), que marca todo o livro, e que descobrira como solução ao gosto do consagrado Verhaeren, poeta belga influente entre os modernistas europeus. Quanto aos “versos frouxos”, verifica-se sua preocupação em definir uma Arte poética e em conhecer novas ideias sobre versifi cação. Lê simbolistas ou pós-simbolistas, como Gustave Kahn e Francis Jammes, e descobre concepções opostas às do Parnasianismo brasileiro: o cotidiano como temática e voca bulário, o verso livre. Permite-se até recorrer à onomatopeia, não só como solução de rima, mas para transmitir, na sonoridade do poema “Inverno”, as sensações do ver e do ouvir, dentro da desolação da guerra. vento reza um cantochão... Meio-dia. Um crepúsculo indeciso gira, desde manhã, na paisagem funesta... De noite tempestuou chuva de neve e granizo... Agora, calma paz. Somente o vento continua com seu oou... Primeira edição, São Paulo, Pocai, 1917, p. 13.
A transgressão dos padrões atinge também o obrigatório início de verso com maiúscula. Mário, porém, já encontrava o verso-sequência de frase em Paul Claudel, poeta católico com quem tem afinidade ideológica. Longe de ser uma obra realizada plenamente, Há uma gota de sangue em cada poema repre senta um avanço, enquanto possibilidade de pesquisa e de consciência, pois o poeta procurava sair da problemática pessoal ou amorosa de sua geração, para fazer uma poesia de cunho pacifista, negando o partidarismo dentro da guerra de 14. Mário é então um jovem sério, congregado mariano que colabora em revistas católicas. Partindo de sua concepção do cristianismo, é-lhe importante encontrar as propostas de fraternidade e participação no sofrimento do mundo na Abadia
de Créteuil (poetas cristãos) e no Unanimismo de Jules Romains. Essas tendências procuram unir o avanço da mensagem ao avanço do código e têm com o poeta brasileiro um mestre comum, Whitman, inovador no verso e revolucionário. Parece-lhe lícito, pois, ao nível dos sentimentos, a comunhão com uma realidade europeia, que lhe permite escapar à alienação que observa à sua volta. Além disso, ingenuamente, deseja conseguir penetrar na tonalidade épica de Castro Alves. Entretanto, em 1917, Abadia de Créteuil, unanimismo, Claudel, Romains, autores e correntes datados dos primeiros anos do século XX significavam uma difusão tardia no Brasil, já que, na Europa, há muito haviam evoluído para outros programas. Pode-se, pois, avaliar o reconhecimento de sua defasagem que deve ter invadido nosso poeta quando da exposição Malfatti. Precisaria estudar mais, atualizar leituras, e nisso leva vantagem em relação aos demais futuros modernistas. Conhece bem o passado e o que de imediato antecede o contemporâneo; sabe pesquisar e acredita na necessidade de teorias. Abril Press
Anita Malfatti, que em plena guerra vinha nos mostrar quadros expressionistas e cubistas? Parece absurdo, mas aqueles quadros foram a revelação (grifo do autor). E, ilhados na enchente de escândalo que tomara a cidade, delirávamos de êxtase diante de quadros que se chamavam O homem amarelo, a Estudanta russa, a Mulher de cabelos verdes. (Movimento modernista.)
Oswald de Andrade, um dos iniciadores do Modernismo no Brasil. Óleo de Tarsila do Amaral.
1918/1921 – Arregimentação e propaganda A união do grupo de 1917 seria fecunda. Oswald de Andrade e Menotti del Picchia, primeiramente, e, logo depois, Mário de Andrade, iniciam a discussão das ideias modernistas na imprensa paulista. Esse é o momento em que Menotti, assinando “Helios”, dá sua grande contribuição ao Modernismo, como constante difusor de princípios e de autores vanguardistas. No Rio de Janeiro o Modernismo começa a se esboçar; Manuel Bandeira publica Carnaval e Andrade Muricy reconhece o desgaste do Simbolismo e do Parnasianismo. Importante, porém, é a união dos escritores e dos artistas plásticos, em 1920, na revista de São Paulo, Papel e Tinta. Nesse mesmo ano, Menotti publica no Correio Paulistano sua tradução de Destruzione de Marinetti e firma sua adesão ao Futurismo. Mas, com o conhecimento do Futurismo, vem, para Menotti, a absorção de seus perigos... o que será analisado mais adiante. Por enquanto, cumpre registrar que os modernistas de São Paulo chamavam a si
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próprios de “avanguardistas” e não recusavam na imprensa o rótulo de “futuristas” (salvo Mário de Andrade), porque se achavam presos a uma exteriorização pura e simples de modernidade. Em 1921, pensando na proximidade do centenário da Independência, os “avanguar distas” sentem necessidade de criar um marco que também os afirme historicamente. A campanha se intensifica e os modernistas têm a satisfação de ver sua arte aceita, pela primeira vez, quando o escultor Brecheret, membro do grupo, talento descoberto por Oswald e proclamado por todos, ganha prêmio do governo e é elogiado por Lobato. Importa agora deixar claras as propostas do grupo. A data histórica do Modernismo é 9 de janeiro, Manifesto do Trianon, ou discurso pro ferido por Oswald de Andrade no banquete que a intelectualidade paulista oferecia a Menotti del Picchia pelo lançamento da edição de luxo de As máscaras. Falando “em nome de meia dúzia de artistas moços de São Paulo”, em estilo “cálido e incontido”, Oswald, na verdade, de moderno possui apenas as propostas externadas: criação de uma arte que atendesse à multiplicidade e à dinâmica do momento vivido, enquanto elementos exteriores e enquanto conteúdo humano; ataque aos cânones oficiais. Não expressa, contudo, contemporaneidade enquan to discurso, texto, pois seu tom polêmico e agressivo escora-se na retórica cansada das hipérboles, das imagens chocantes, mas des gastadas, algumas até lugares-comuns. Seu manifesto, entretanto, representa preocupação humanista bem maior que uma programação futurista, apesar de alongar-se na apresentação da cidade de São Paulo. Ali, na simultaneidade tentada, consegue narrar as contradições e ultrapassar as descrições da velocidade e do domínio da técnica nos centros urbanos, à moda de Marinetti. Desfechado o ataque, é preciso esclarecer continuamente os pontos de vista nos jornais e nas revistas. “Helios” (Menotti) mostra a urgência de uma ruptura com o passado artístico e com a dependência da tradição franco-lusitana, bem como a importância do domínio de formas de construção, de técnicas modernas. Seu ataque ao passado nada perdoa: propõe a morte de Peri, símbolo de um Brasil ultrapassado. Nesse momento, então, janeiro de 1921, é que constatamos o aparecimento das armadilhas ideológicas das vanguardas, de que Mário de Andrade é o único a tomar consciência e pressentir os perigos. Nega a sentença de morte contra Peri em “Curemos Peri: carta aberta a Menotti del Picchia” (Jornal do Comércio, 31 de janeiro. Recortes M. de Andrade – IEB.). Mostra que o ataque justo contra os regionalistas “caipiristas” estava se deformando e se radicalizando, a ponto de querer reduzir a contribuição válida dada pelos românticos ao nacionalismo. E vai mesmo além, revelando uma postura crítica frente à História do Brasil. Seu conhecimento de obras de etnografia, ou sua leitura de depoimentos do século XVI, permitem que aponte com serenidade as distorções de ufanismo que já apareciam em Menotti. Ensina, então, a seu “dileto companheiro de armas”, não sem ironia: “E eu ainda poder-lhe-ia adiantar, que nas tabas, ‘arrasadas na aurora da conquista pela galhardia dos lusitanos’, muita imoralidade deslavada e decadência brotou ao roçar dessa mesma ínclita gente de que disse em lindo frasear: ‘homens que traziam consigo a bravura dos soldados de Ourique e uma civilização que
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se podia expandir pelos sonhos e realizações da Escola de Sagres’. Mas V., na sua loira visão de poeta, chega até a negar que os índios tenham contribuído para a formação da nossa sub-raça, ou das nossas sub-raças!!...” O importante era “curar Peri”,integrar o regional no nacional e enxergar o Brasil. O artigo consegue construir, através das citações de “Helios”, o desmascaramento de uma visão futurista de grandeza e poderio. Lembre-se que, em 1919, a Itália já era fascista e que Marinetti fazia a apologia da conquista e da guerra, derramando nas massas textos capazes de inflamá-las e desenvolver a falsa consciência de seu destino. Por essa razão, os futuristas mais consequentes o desertavam; Marinetti aliava-se a Mussolini. Ideias de Menotti, sobre a demolição do passado e afirmação “duma raça formidável, que quer espalhar suas forças em cem campos de atividade violenta e nova”, são respondidas por Mário de Andrade, que já anuncia uma consciência capaz de sentir a necessidade de união entre o projeto estético e o projeto ideológico: “Somos um povo como muitos outros, quiçá inferior a muitos outros, sem por enquanto termos mostrado qualidades excepcionais”. E continua, mostran do a importância de assumir a nacionalidade, de ver o “Peri sincero” que haviam sido Vicente do Salvador, Gonçalves Dias, Machado de Assis, o Aleijadinho (atacado por Menotti), Chagas, enfim, todos aqueles que haviam se inclinado para a absorção de seu país, tentando expressar sua linguagem. Assumir a nacionalidade é caminho unido à pesquisa da modernidade, que se nutre de estéticas estrangeiras, mas que não esquece a lição do passado. Urgia, pois, curar Peri. E, concluímos, pensando no tom entre didático e irônico do artigo: curar Menotti! Se as polêmicas entre os modernistas na época atraíam o público, hoje valem para medir o alcance de suas propostas. Ainda em 1921, uma outra discussão traz novamente à cena as ideias de Mário. É sua resposta à apresentação pública de Pauliceia desvairada (poemas até então apenas do conhecimento de amigos) feita por Oswald de Andrade no artigo “O meu poeta futurista”. Ali, Oswald descrevera a vida e a personalidade do poeta, apresentara a obra e transcrevera o poema “Tu”, onde aparece a ligação afetiva do poeta com a cidade e a constatação de suas dualidades. O poema, quanto à temática, nada tem de futurista. Usa apenas a liberdade de escolha das palavras e da pontuação, mas Oswald exclama: “Bendito esse futurismo paulista, que surge companheiro de jornada dos que aqui gastam os nervos e o coração na luta brutal, na luta americana, bandeirantemente!” Brasileiro, nessa época, falando em “americana” está querendo mostrar sua captação do mundo técnico, de uma vida atualizada. Miramar aplica seu rótulo usual de campanha, mas Mário de Andrade o recusa publicamente no mesmo jornal. “Futurista?!” é o nome do artigo (6 de junho) que firma seu respeito pelo passado e seu estudo continuado da arte do passado e do presente. Sua importância maior está em reconhecer as conquistas técnicas (formais) do Futurismo, mas nega suas propostas ideológicas por não condizerem com sua posição de católico. Além disso, joga a dúvida: até que ponto seria consequente o Futurismo, “que futuro endireita” e qual o conhecimento real que tinham dele os brasileiros? O final do artigo marca uma das influências que lhe haviam pesado na composição de Pauliceia desvairada e que ficaria clara no Prefácio
interessantíssimo: o Dadaísmo. Assim é porque Mário rebela-se contra o rótulo “futurista”, ou qualquer rótulo; prefere ser chamado de louco a ser amarrado a qualquer escola. E Dadá é a corrente antiescola, pró-liberdade absoluta do artista. Abril Press
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Capa de Di Cavalcanti para o catálogo da Exposição de Artes Plásticas da Semana de Arte Moderna.
As discussões entre os modernistas não rompiam, então, seus elos de amizade, e, afora as divergências reais, a publicidade fazia parte da estratégia de luta. Mário conhecia de antemão a existência do artigo de Oswald, discordava, mas acreditou na eficácia de sua divulgação. Sai realmente da obscuridade ao herdar de Oswald sua coluna no Jornal do Comércio, onde publica a série de sete artigos “Mestres do passado” (agosto-setembro, 1921) onde analisa o papel negativo do Parnasianismo, que sufocara em nossa literatura a liberdade de criação do Romantismo. Fica, assim, diferenciado passado positivo de passado negativo, por aquele que, com conhecimento de causa, desvenda para aniquilar. Mário polemiza, mas seu discurso evoluiu bastante em direção a uma expressão mais moderna e despojada. É irônico, agressivo, porém não mais retórico e redundante. Usa palavras simples do cotidiano, que adquirem tonalidade de humor ao lado do discurso-paródia dos parnasianos, de que lança mão quando deseja mostrar a hipertrofia do artefazer não precedido pela criação livre. O sétimo texto emprega formas musicais para deixar estabelecidos seus valores: “Prelúdio, coral e fuga”, título da peça musical de César Franck. No “prelúdio”, a síntese racional e cuidadosa das ideias, no “coral”, a maldição eterna aos Mestres do Passado e, na “fuga”, sua independência e solidão, ligadas ao riso e à blague, atitude dadá.
1922 – Semana de Arte Moderna “Mestres do passado” é texto que mostra amadurecimento teórico em nosso Modernismo, que, como movimento, em 1922 já se ampliou bastante, recebendo a adesão significativa de Graça Aranha, simbolista consagrado que voltava da Europa. O grupo paulista está bastante maior e planeja a Semana de Arte Moderna, oportunidade para exibir o conjunto de sua produção e lançar ao Brasil o convite para uma arte nova. O festival, com
duração de uma semana, também contaria com a participação dos modernistas cariocas: Ronald de Carvalho, Manuel Bandeira, Villa-Lobos. Realizou-se em São Paulo, no Teatro Municipal, de 13 a 18 de fevereiro, compondo-se de três saraus com apresentação de conferências, leitura de poemas, dança e música. Durante toda a semana, esteve aberta ao público, no saguão do teatro, exposição de artes plásticas, com trabalhos de Anita Malfatti, Vicente do Rego Monteiro, Zina Aita, Di Cavalcanti, Harberg, Brecheret, Ferrignac, Antonio Moya. Desta vez o choque pôde ser medido pela reação violenta do público: vaias, gritaria, verdadeira antitorcida organizada pela mocidade do Largo de São Francisco, legítima cultora da tradição acadêmica. A ela juntou-se, motivos políticos, uma parcela da colônia italiana que identificava Modernismo com Futurismo e fascismo. O aspecto externo do impacto nos en caminha para a necessidade de meditar sobre a programação modernista apresentada em 1922. Dentro dela, pode-se ver o que Paulo Freire diferencia, com muita propriedade: “Trânsito” e “Mudança” (Educação como prática de liberdade). “Trânsito”, ou transformações que partem do próprio âmago das estruturas, nascendo do impulso livre, optando e assumindo o desafio. “Mudança”, ou o que nada altera em profundidade (ajuda o “trânsito”), mas cujo exagero pode, inclusive, alienar quem a vive. Essas categorias são aplicáveis ao Modernismo na Literatura, quando na programação encon tramos textos que atingem a contemporanei dade na escritura e na mensagem e textos que desejam atingi-la, mas que permanecem na retórica do passado ou que se transformam em Kitsch (fenômeno cultural que se utiliza basicamente do exagero e da opulência gra tuitos).
Graça Aranha: “A emoção estética na Arte Moderna” Primeira conferência da Semana, orador escolhido para garantir o respeito do público: Graça Aranha. De fato, continua um simbolista que manifesta adesão. Seu discurso, preso à re tórica tradicional, à tradição bacharelesca brasi leira, com farta adjetivação, pergunta, responde. Em seu texto surgem ideias que Mário já explora no Prefácio interessantíssimo. Elas são: Arte desligada do conceito de Beleza, diferença entre a realidade da Arte e da natureza, liberdade que nasce no mundo subjetivo do homem (em Mário, o inconsciente de Freud). Para Graça, a liberdade se desenvolve, dentro de uma perspectiva de Whitmanismo, como forma de integração no Todo Universal: uma exploração tardia do Unanimismo. Apesar dos circunlóquios, consegue trans mitir com clareza sua posição: “Cada um é livre de criar e manifestar seu sonho, sua fantasia íntima desencadeada de toda a regra, de toda a sanção. O cânon e a lei são substituídos pela liberdade absoluta que nos revela, por entre mil extravagâncias, maravilhas que só a liberdade pode gerar. Ninguém pode dizer com segurança onde o erro ou a loucura na arte, que é a expressão do estranho mundo subjetivo do homem. O gênio se manifestará livremente e esta independência é uma magnífica fatalidade e contra ela não prevalecerão as academias, as escolas, as arbitrárias regras do bom gosto, e do infecundo bom-senso” (Espírito moderno).
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Menotti del Picchia: “Arte Moderna” No segundo sarau da Semana, os ânimos se esquentam com a conferência de Menotti del Picchia, cuja retórica visava despertar a agres sividade. A conferência tem início com a tentativa fingida de destruir a expectativa de subversão existente no público, vinda das conotações de Futurismo. Tenta o impacto de um texto caricatamente futurista: “Pela estrada de rodagem da Via Láctea, os automóveis dos planetas correm vertiginosamente. Bela, o Cordeiro do Zodíaco, perseguido pela Ursa Maior, toda dentada de astros. As estrelas tocam o jazz band de luz, ritmando a dança harmônica das esferas. O céu parece um imenso cartaz elétrico, que Deus arrumou no Alto, para fazer o eterno reclamo da sua onipotência e da sua glória”. E continua: “Este é o estilo que de nós esperam os passadistas, para enforcar-nos, um a um, nos finos braços dos assoios das suas vaias. (...) Julgam-nos uns cangaceiros da prosa, do verso, da escultura, da pintura, da coreografia, da música, amotinados na jagunçada do Canudos literário da Pauliceia Desvairada...” “Que engano! Nada mais ordeiro e pacífico que este bando de vanguarda, liberto do totemismo tradicionalista, atualizado na vida policiada, violenta e americana de hoje”. Mas o bando tão inofensivo deseja o aniquilamento de Homero, Virgílio, Camões... O texto “futurista” não é contestado na continuação da palestra, pois os processos es tilísticos que o compõem: enumeração, hipér bole, redundância prosseguem auxiliados pela escolha vocabular do óbvio moderno e pela adjetivação, contra a qual Marinetti tanto se batera. Estamos ainda no mundinho retumbante da declamação, em que a “vitória do dicionário” se transformou na saturação de pormenores. Temos, pois, a simplificação modernista, o Kitsch que visa ao efeito, que usa de linguagem sem exigências para o entendimento do público, a arte que já se vê recebida e que, arrogantemente, pré-domina. Umberto Eco, com os teóricos ale mães, entende o Kitsch como o substitutivo e, nessa linha, vemos o texto de Menotti como um mascaramento da inexistência de base teó rica capaz de nortear seu pensamento. Nesse instante, Menotti nega o rótulo de futurista, fixando sua “estética” como de rea ção: “individualismo estético a que repugna a jaula de uma escola”. É o programa = ausência de programa, e, no festival, a segunda vez em que se repudiam escolas, atitude dadaísta, cujas raízes estão no Prefácio interessantíssimo de Mário de Andrade. Gramsci distingue dois tipos de ideologia: a historicamente orgânica, necessária a determi
nado tipo de estrutura, e a arbitrária, “racio nalista”, gratificante (Antologia). A ideologia gratificante, a “falsa consciência”, no nível do discurso correspondente à “retórica consolatória” que satisfaz às expectativas do público e de que trata Umberto Eco. Menotti, afirmando em seu programa: “Queremos luz, ar, ventiladores, aeroplanos, reivindicações obreiras, idealismos, motores, chaminés de fábricas, sangue, ve locidades, sonho, na nossa Arte! E que o rufo de um automóvel espante da poesia o último deus homérico, que ficou, anacronicamente a dormir e sonhar, na era do jazz band e do cinema, com a flauta dos pastores da Arcádia e os seios divinos de Helena!”, responde à expectativa de choque e negação do público. Faz profissão de fé em Kitsch futurista, repetindo pontos de “mestres do passado”, enumerando exterioridades, sendo, mais adiante, capaz de unir Cubismo, Futurismo e bolchevismo como “ingredientes mágicos da efêmera Alquimia humana”. Dentro do manifesto hiperbólico, cujo melhor momento é o que trata da emancipação da mulher, a real proposta modernizadora fica encolhida: a arte do aqui e do agora, cônscia de sua precariedade.
Mário de Andrade: “Prefácio interessantíssimo” Alguns poemas de Pauliceia desvairada foram apresentados na Semana, mas o Prefácio interessantíssimo, de dezembro de 1921, só viria a público terminada a impressão da obra, em junho de 1922. A História do Modernismo conta que, num intervalo dos saraus da Semana, Mário teria lido um texto teórico, talvez uma síntese de A escrava que não é Isaura, não o divulgando então. Abril Press
Sua adesão não explora, porém, o conhe cimento das vanguardas europeias. Defende o nacionalismo, mas enquanto constatação de nossa característica “tristeza”, partindo depois para a exaltação hiperbólica de nosso destino. É ufanista, idealizando as capacidades do povo brasileiro e o alcance do Modernismo, “maravi lhosa aurora’’ que compreendia, como arte, o Todo Universal. É preciso, porém, deixar claro que o texto de Graça Aranha, enquanto adesão de um simbolista, é autêntico, guardando sua dignidade como tal. Sua ligação com o grupo paulista duraria pouco e, alguns anos depois, por ocasião do rompimento, Mário de Andrade a veria como um equívoco.
Mário de Andrade, principal dirigente do Movi mento Modernista brasileiro. Óleo de Lasar Segall.
O Prefácio interessantíssimo, por ter consolidado em 1922 uma programação modernista, vale como manifesto, inclusive em sua apresentação gráfica, tópicos separados por sinal e apelo direto ao leitor. Mesmo fazendo, em linguagem despojada e através da blague, o manifesto antimanifesto, em “prosa-citada” (verso-versículo), onde não se marcam os limites da brincadeira e os da seriedade, Mário exige que o leitor participe da montagem de sua teoria poética. Desta forma, consegue um todo coerente, onde, em aparente desordem, está a organicidade.
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A blague no Prefácio interessantíssimo é um dos elementos do Dadaísmo encontrados em Pauliceia desvairada; o poeta lera os Sept manifestes de Dada (Sete manifestos de Dadá) em 1921. Ali encontrara títulos e textos em que o escritor Tristan Tzara faz “autogozações”, como Proclamação sem pretensão, ou Manifesto do Sr. Antifilósofo, este, em versos. No Brasil, terra onde poucos se importam com prefácios, é propaganda bem-humorada qualificar-se superlativamente. O prefácio de Mário deseja mostrar a gênese da Poesia, vendo a Arte como a realidade do artista. A ideia de Desvairismo = negação e afirmação de uma antiescola, como Dadá, não acreditam em manifestos, mas consideram necessário produzi-los e ultrapassam o próprio fundo anárquico das ideias de Tzara. Mário desenvolve com ironia a “deixa” de Lobato, “paranoia”: sua antiescola é Desvairismo e seu livro, Pauliceia desvairada. A ironia, tantas vezes usada – por Oswald, Menotti e até por Graça Aranha – para se referir à loucura, aqui é apenas o envoltório, pois o Desvairismo tem mais fôlego. Seu autor não toma a loucura como desagregação do ser, mas como força contra o passadismo e os falsos valores. Nota-se que, em “Enfibraturas do Ipiranga”, ela é a força organizadora de uma consciência crítica. Loucura é conduta agressiva de análise, vinda do Expressionismo, como bem descobriu Gilda de Mello e Souza estudando as ideias estéticas de Mário de Andrade. Corresponde à libertação do poeta de seu consciente abarrotado de formas cansadas e à viagem de exploração do inconsciente, onde está o lirismo. Lá, segundo Epstein, estariam as sinestesias, transferências de sentidos capazes de redimensionar a sensibilidade corroída pela fadiga da vida contemporânea. Cuidando do inconsciente, lança mão das ideias de Freud, de Ribot, mas seu poderoso veículo de informações é a revista L’Esprit Nouveau, formada pela união de cubistas e antigos dadaístas. Ali, mostra Maria Helena Grembecki (Mário de Andrade, o Esprit nouveau), descobre a fórmula de Paul Dermée, que lhe proporciona a base de uma poética psicologi cizante: “Lirismo + Arte = Poesia”. Vejamos no Prefácio: “A inspiração é fugaz, violenta. Qualquer empecilho a perturba e mesmo emudece. Arte, que, somada a Lirismo, dá Poesia, não consiste em prejudicar a doida carreira do estado Lírico para avisá-lo das pedras e cercas de arame do caminho. Deixe que tropece, caia e se fira. Arte é mandar mais tarde o poema de repetições fastiantes, de sentimentalidades românticas, de pormenores inúteis ou inexpressivos”. Apesar de psicologicizante, não reivindica o irracionalismo, pois atribui à inteligência, ou melhor, à consciência, a tarefa de trabalhar o poema. Ecletismo estético é o caminho que Mário escolhe e que lhe vale como uma verdadeira “antropofagia”, pois assimila o que lhe parece conveniente. É a absorção sequiosa e primeira da modernidade que busca ajustamentos e fusões, mas que chega, talvez bem cedo, no Brasil, a conclusões importantes. Uma delas é a diferença entre Arte e natureza e seus respectivos valores. Talvez por indicação de sua amiga Anita Malfatti, em 1918 Mário começa a conhecer a Deutsch Kunst und Dekoration, revista alemã que divulga artistas e textos sobre o Expressionismo. Em 1920, encontra ali fragmento de Genius de Werringer, “Natureza e Expressionismo”, em que o Belo é visto como precariedade e a Arte diferenciada da Natureza, cada qual regida por suas
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leis. Na revista lê a pesquisa sobre a deformação da natureza, existente em artistas do passado, e dela lança mão no seu Prefácio, acrescentando suas descobertas: Rafael, Rodin, Beethoven, Machado de Assis. Encontra também a temática do sofrimento, contradições sociais, as cenas do submundo, vendo artistas como Much, Eugen Zak. Essa visão bem se casará com a concepção da cidade devoradora, contraditória, entendida em Verhaeren. Nota-se, pois, que, em toda a sua caminhada estética, Mário procura unir a captação do estético ao ideológico, que leva ao humanismo. Por essa razão, apreende apenas as propostas técnicas (palavras em liberdade, pontuação, sinais matemáticos), enfim, o “Manifesto Técnico da Literatura Futurista”. Quanto à lição italiana de modernidade, aceita apenas a dos divergentes de Marinetti: Solficci e Folgore, cultores do lirismo e da individualidade. Já o poeta Maiakóvski e o Cubofuturismo merecem sua integral aprovação.
Quanto à solução técnica, procurará resolver a obra poética com auxílio da Música, teorizando sobre verso melódico e verso harmônico, desejando que o poema configure, em sua construção, tempo histórico, tempo psicológico e simultaneidade. A ideia, apesar dos elementos futuristas, remonta ao Simbolismo, onde, no Prefácio de Gustave Kahn para Les palais nomades (1897), há uma teoria sobre o verso livre, apoiada nos conceitos de harmonia e melodia (obra na biblioteca de Mário). Sob esse aspecto, é importante ressaltar que a poesia, para o autor de Pauliceia desvairada, está intimamente vinculada à sonoridade. Embora o trate de passagem, no Prefácio interessantíssimo afirma-se como um projeto de sua contemporaneidade, não só quanto à busca de base teórica, mas, enquanto percepção crítica, sobretudo no momento em que denuncia o conteúdo tecnocrático do Futurismo.
Mário consegue detectar esta deformação, pois através de suas leituras, conhecia os pontos de divergência ideológica e as rupturas motivadas pelas adesões políticas de Marinetti. Podia captá-lo como um anti-humanismo impos sível de ser aceito. Estas considerações sobre a crítica de Mário de Andrade à sua época são interessantes para o nosso momento, pois, em 1972, as comemorações do cinquentenário da Semana de Arte Moderna limitaram-se à louvação que igualou todos os modernistas. Não perceberam projetos, não diferenciaram os autores realmente modernos, e em estranhamentos deliberados igualaram a visão de Mário e Oswald à visão de Menotti del Picchia. Extraído de: História do século 20, Abril Cultural, v. 3.
(ENTRE PARÊNTESIS)
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