Jornal do Vestibulando Nº 1483

Page 1

1483

Jornal do Vestibulando

ENSINO, INFORMAÇÃO E CULTURA

JORNAL ETAPA  –  2014 •  DE 16/10 A 29/10

ENTREVISTA

“Saindo da 2a fase eu não achava que ia passar.” Daniel Felipe Marcelino de Souza prestou Fuvest direto depois de terminar o Ensino Médio em escola estadual, mas não passou. Veio para o cursinho com dificuldades, principalmente nas matérias de Exatas. Aqui estudou firme e seus esforços permitiram que ele conseguisse superar muito bem essas limitações. Daniel foi aprovado em três faculdades públicas de Medicina.

Daniel Felipe Marcelino de Souza Em 2013: Etapa Em 2014: Medicina – USP/Pinheiros

JV – Quando você começou a pensar em Medicina como carreira? Daniel – Desde o 8o ano. Com 14, 15 anos. Sempre gostei da Medicina, sempre pensei bastante em ajudar as pessoas diretamente. Você tinha ideia da dificuldade de ingres­ sar em Medicina? Não. Só fui entender isso no meio do 2o ano do Ensino Médio, quando comecei a pesquisar o que é Medicina e como era o vestibular. Além da Fuvest, em quais vestibulares você foi aprovado? Fui aprovado em Medicina também na Unicamp e na Unesp. O que motivou você a vir estudar no Etapa? Eu pesquisei o renome, o índice de aprova­ ções, perguntei a várias pessoas e elas me indicaram o Etapa. Com que expectativa você começou aqui? Comecei o ano bem desanimado. Fui to­ man­do confiança no meio do ano, mas no segundo semestre, agosto, setembro, ba­ teu aquele medo de não passar. Depois pro­ curei me acalmar. Qual a razão desse medo? Eu tinha a impressão de que não estava dando o melhor de mim. Sentia que poderia dar mais, mas estava muito cansado. ENTREVISTA

Daniel Felipe Marcelino de Souza

CONTO

Civilização – Eça de Queirós

1

Em algum momento você achou que ia conseguir ser aprovado nos vestibu­lares? Apesar do medo, bem perto da 1a fase eu achei que daria certo. Percebi que estava dominando os assuntos, estava realmente integrado. Pensei: “Agora vai”. Já tinha cons­ ciência de que seria possível.

correr atrás. Eu estudava em casa e focava bastante em Física, Química e Matemática.

Em julho, nas duas semanas de férias, você descansou? Nada. Na primeira semana estudei para um concurso público que não tinha nada a ver, na segunda semana aproveitei para tirar o atraso das matérias. Estudei, mas me arrependi. Um conselho: aproveitem as férias para descansar.

Domingo você estudava também? Não muito. Só perto da 1a fase comecei a me dedicar mais. Domingo eu reservava para descansar.

Em que época do ano você se sentiu mais cansado? Na Revisão Final para a 2a fase. Você praticava alguma atividade para dar uma relaxada? No meio do ano eu comecei a nadar umas duas, três vezes por semana e a fazer aca­ de­mia à noite. Deu para desestressar um pouco. Nas matérias, quais eram as suas dificul­ dades? Senti bastante dificuldade em Exatas. Nas matérias de Humanas e em Biologia eu até tinha um controle, mas nas de Exatas eu me atrapalhava muito. Não tinha base, tive de POIS É, POESIA

Castro Alves

ENTRE PARÊNTESIS

3

A mosca

6 6

Além do período de aulas, você estudava quanto tempo? Juntando o tempo que eu usava para tirar minhas dúvidas no site do Etapa, dava umas quatro horas diárias.

Você treinava Redação? Fazia bastante Redação: as que o professor orientava e as do jornal. Quando passei da 1a fase procurei fazer mais, uma por se­mana. Você leu as obras indicadas pela Fuvest e Unicamp como obrigatórias? Só não li Til. Assistiu às palestras sobre elas? Vi pela Internet. Foram muito boas as pales­ tras, com análises completas. Realmente foram importantes. Vi duas vezes a palestra sobre Til, para reforçar. Você frequentava o Plantão de Dúvidas? Eu consultava o Plantão Online e isso foi mui­ to importante. As resoluções on-line real­mente eram algo completo. Conseguia assimilar bem. Apenas se ficasse alguma dúvida, eu perguntava ao professor no final da aula. Mas isso só raras vezes. ARTIGO Grupo estuda papel do sistema endocanabinoide na doença de Parkinson

SERVIÇO DE VESTIBULAR

Inscrições

7 8


2

ENTREVISTA

Nos simulados, em que faixas de notas você ficava com mais frequência? Ficava entre C mais e B. Como os simulados que você fazia o aju­ davam a estudar? Uma coisa que eu sempre fazia era pegar questão por questão que eu tinha errado, principalmente as questões que deixei pas­ sar por bobeira, e focava nelas, para não er­ rar mais coisas triviais. Como os simulados ajudam na hora das provas reais? Nos dias de prova eu ficava muito ansioso. Eles me ajudaram a controlar o tempo, a organizar a ordem em que eu ia fazer as questões, a controlar minha ansiedade. Na 1a fase da Fuvest, quantos pontos vo­ cê conseguiu? Cheguei a 80 ou 81, contando meus 15% de bônus. O que mudou no seu estudo da 1a para a 2a fase? Foquei ainda mais em Biologia, Química e Física. Tinha bastante dificuldade em Física, mas continuei me aprofundando. Voltei para História e Geografia. Prova escrita de Geo­grafia era uma coisa em que eu não tinha tanta prática assim. E fiz Redação com mais frequência. Quais foram suas notas nas provas dos três dias da 2a fase? No primeiro dia tirei 64, por aí. Na Redação tirei 62. No segundo dia, na prova geral, fiz perto de 70. No terceiro dia, das matérias prioritárias, tirei 72 ou 74.

Como soube de sua aprovação na Fuvest? Eu estava em casa. Quando vi meu nome na lista deu um choque. Meu pai estava em casa. Eu o chamei, falei que tinha passado e pedi para ele conferir, para verificar. O que você sentiu quando seu pai confir­ mou seu nome? Uma alegria enorme. Uma chuva de emo­ ções. Choro de alegria, choro de surpresa. Você já conhecia a Pinheiros? Não. A primeira vez que entrei na faculda­de foi no dia da matrícula. Fui com meus pais. Como foi esse primeiro contato com a faculdade? Foi entrar em outro mundo. Olhar aquele prédio, pensar que eu ia estudar naquele lugar. Você vê o Hospital das Clínicas, é uma estrutura impo­nente. Pensei: “Nossa, vou andar aqui, vou viver isto aqui”. Algo impressionante. O que você destaca da faculdade? Olha, uma coisa é a parte humana, a re­ ceptividade, eles são muito acolhedores. Mostram tudo que tem na faculdade, é um leque gigante de coisas extracurriculares para você descobrir. Realmente muito le­ gal. Na parte de infraestrutura me impre­s­ sio­nou o Hospital das Clínicas. É algo muito bonito, imponente. E a Cidade Uni­versitária é im­pressionante. Além das aulas, você tem alguma ativi­ dade na faculdade? Eu faço parte do handebol da Atlética. E de vez em quando pego o plantão de dúvidas do Med Ensina, o cursinho da faculdade. Eu sou plantonista de Biologia.

Alguma surpresa nessas notas? Fiquei um pouco decepcionado com minha nota no terceiro dia. Esperava mais por ter me dedicado muito às matérias prioritá­rias da carreira. Até porque a prova não foi tão difícil. Não sei o que aconteceu. Saindo da 2a fase eu não achava que ia passar. De verdade.

Quais matérias você tem neste semestre? Neste semestre estou tendo Neuroanato­ mia, Neurofisiologia, Anatomia do Sistema Circulatório, Fisiologia Cardiorrespiratória, vou ter Anatomia do Sistema Digestório, Medicina e Humanidades, Atenção Primá­ ria em Saúde, Histologia. Também vou ter Far­macologia básica.

Alguma surpresa positiva? Eu me surpreendi com Português. Fui rela­ tivamente bem. A parte das perguntas foi uma surpresa agradável.

De que matéria você está gostando mais? Anatomia do Sistema Circulatório. Está mui­to legal.

Na escala de zero a 1 000, qual foi sua pontuação na Fuvest? Chegou perto de 820. E a classificação na carreira? Fui o 87o colocado. São 175 vagas.

Qual é a mais difícil? Estou achando Neurofisiologia. No primei­ ro semestre a mais difícil foi Bioquímica, bem puxada. O segundo semestre os ve­ tera­nos falam que é mais tranquilo, mas Fisiologia do Sistema Cardiorrespiratório é uma maté­ria complicada. Eu acho muito

Jornal do Vestibulando

legal, intere­ss­ ante, mas é um pouco com­ plicada.

Na Medicina tem diversas especialida­ des que você pode seguir. Você tem al­ guma ideia do que pretende fazer? Ainda não tenho a menor ideia. Entrei na fa­ culdade gostando bastante de Cirurgia, é o comum de todo mundo que entrou. Mas eu não sei. Estou gostando bastante de Car­ diologia, de Ortopedia. Vou deixar mais para frente para começar a descobrir as coisas. Você já teve contato com pacientes? Na matéria Atenção Primária em Saúde a gente acompanha consultas, visitas de agentes comunitários de saúde. Eles vão às casas, veem se tudo está bem, se o idoso tomou o remédio, fazem acompa­ nhamento. Muito legal, mas a gente fica mais só observando. Já usa jaleco nessas visitas? As pessoas já nos chamam de doutor. Você acha que está na carreira correta? Acho que sim. Ajudar as pessoas dessa ma­ neira é algo que realmente quero. Percebo que Medicina não é algo rotineiro, cada dia vai ser único, vai ser algo realmente profundo, que me faz feliz e traz alguma ajuda para a sociedade. O que você diria a quem vai prestar vestibular neste final de ano e pode estar achando, como você achou, que não vai ser aprovado? Nesta reta final é muito foco. É preciso ter calma e muita disciplina, estar certo de que está dando o máximo de si e saber que você fez o que pode e que está no controle. Você acha que hoje está diferente de quando começou no cursinho? Acho que sim. O cursinho traz um pouco de maturidade. O que deixa saudade da época do cursi­ nho? Dos professores. Eles gostam realmente de dar aula. Além da aprovação, o que fica da expe­ riência que teve aqui? No Etapa eu aprendi principalmente a ser disciplinado nos estudos. Disciplina no estudo, aplicação e concentração na hora de estudar. O que você diria a quem está tentando um vestibular muito concorrido? É focar, se dedicar e não desistir nunca. Se entregar aos seus sonhos e correr atrás.

Jornal ETAPA, editado por Etapa Ensino e Cultura REDAÇÃO: Rua Vergueiro, 1 987 – CEP 04101-000 – Paraíso – São Paulo – SP JORNALISTA RESPONSÁVEL: Egle M. Gallian – M.T. 15343


CONTO

3

Civilização Conto que originou o romance A cidade e as serras Eça de Queirós (continuação do número anterior)

IV

Z

é Brás, no entanto, com as mãos na cabeça, desaparecera a ordenar a ceia para suas inselências. O pobre Jacinto, esbarrondado24 pelo desastre, sem resistência contra aquele brusco desaparecimento de toda a civilização, caíra pesadamente sobre o poial25 de uma janela, e dali olhava os montes. E eu, a quem aqueles ares serranos e o cantar da pegureira sabiam bem, terminei por descer à cozinha, conduzido pelo cocheiro, através de escadas e becos, onde a escuridão vinha menos do crepúsculo do que de densas teias de aranha. A cozinha era uma espessa massa de tons e formas negras, cor de fuligem, onde refulgia ao fundo, sobre o chão de terra, uma fogueira vermelha que lambia grossas panelas de ferro, e se perdia em fumarada pela grade escassa que no alto coava a luz. Aí um bando alvoroçado e palreiro de mulheres depenava frangos, batia ovos, escarolava arroz, com santo fervor... Do meio delas o bom caseiro, estonteado, investiu para mim jurando que “a ceia de suas inselências não demorava um credo”. E como eu o in­ ­­ terrogava a respeito de camas, o digno Brás teve um murmúrio vago e tímido sobre “enxergazinhas no chão”. – É o que basta, Sr. Zé Brás – acudi eu para o consolar. – Pois assim Deus seja servido! – suspirou o homem excelente, que atraves­ sava, nessa hora, o transe mais amargo da sua vida serrana. Voltando a cima, com estas consolan­ tes novas de ceia e cama, encontrei ainda o meu Jacinto no poial da janela, embe­ bendo-se todo da doce paz crepuscular, que lenta e caladamente se estabelecia sobre vale e monte. No alto já tremeluzia uma estrela, a Vésper diamantina, que é tudo o que neste céu cristão resta do esplendor corporal de Vênus! Jacinto nun­ ca considerara bem aquela estrela – nem assistira a este majestoso e doce adormecer das coisas. Esse enegrecimento de montes e arvoredos, casais claros fundindo-se na sombra, um toque dormente de sino que vinha pelas quebradas, o cochichar das águas entre as relvas baixas – eram para ele como iniciações. Eu estava defronte, no outro poial. E senti-o suspirar como um homem que enfim descansa.

Assim nos encontrou nesta contem­ plação o Zé Brás com o doce aviso de que estava na mesa a ceiazinha. Era adiante, noutra sala mais nua, mais negra. E aí, o meu supercivilizado Jacinto recuou com um pavor genuíno. Na mesa de pinho, recoberta com uma toalha de mãos, encostada à parede sórdida, uma vela de sebo, meio derretida num castiçal de latão, alumiava dois pratos de louça amarela, ladeados por colheres de pau e por garfos de ferro. Os copos, de vidro grosso e baço, conservavam o tom roxo do vinho que neles passara em fartos anos de fartas vindimas. O covilhete26 de barro com as azeitonas deleitaria, pela sua singeleza ática, o coração de Diógenes. Na larga broa estava cravado um facalhão... Pobre Jacinto! Mas lá abancou27 resignado, e muito tempo, pensativamente, esfregou com o seu lenço o garfo negro e a colher de pau. Depois, mudo, desconfiado, provou um gole curto do caldo, que era de galinha e recendia. Provou, e levantou para mim, seu companheiro e amigo, uns olhos largos que luziam, surpreendidos. Tornou a sorver uma colherada do cal­do, mais cheia, mais lenta... E sorriu, mur­ murando com espanto: – Está bom! Estava realmente bom: tinha fígado e tinha moela: o seu perfume enternecia. Eu três vezes, com energia, ataquei aquele caldo: foi Jacinto que rapou a sopeira. Mas já, arredando a broa, arredando a vela, o bom Zé Brás pousara na mesa uma tra­ vessa vidrada, que transbordava de arroz com favas. Ora, apesar de a fava (que os gregos chamaram ciboria) pertencer às épocas superiores da civi­ lização, e pro­ mover tanto a sapiência que havia em Sício, na Galácia, um tem­ plo dedicado a Minerva Ciboriana – Jacinto sempre detestara favas. Tentou todavia uma garfada tímida. De novo os seus olhos, alargados pelo assombro, procuraram os meus. Outra garfada, outra concentração... E eis que o meu dificílimo amigo exclama: – Está ótimo! Eram os picantes ares da serra? Era a arte deliciosa daquelas mulheres que embaixo remexiam as panelas, cantando o Vira, meu bem? Não sei – mas os lou­ vores de Jacinto a cada travessa foram ganhando em amplidão e firmeza. E diante do frango louro, assado no espeto de pau, terminou por bradar:

– Está divino! Nada porém o entusiasmou como o vinho, o vinho caindo de alto, da grossa caneca verde, um vinho gostoso, penetrante, vivo, quente, que tinha em si mais alma que muito poema ou livro santo! Mirando à luz de sebo o copo rude que ele orlava de espuma, eu recordava o dia geórgico em que Virgílio, em casa de Horácio, sob a ramada, cantava o fresco palhete da Rética. E Jacinto, com uma cor que eu nunca vira na sua palidez schopenháurica, sussurrou logo o doce verso: Rethica quo te carmina dicat Quem dignamente te cantará, vinho daquelas serras?! Assim jantamos deliciosamente, sob os auspícios do Zé Brás. E depois vol­ tamos para as alegrias únicas da casa, para as janelas desvidraçadas, a con­ templar silenciosamente um suntuoso céu de verão, tão cheio de estrelas que todo ele parecia uma densa poeirada de ouro vivo, suspensa, imóvel, por cima dos montes negros. Como eu observei ao meu Jacinto, na cidade nunca se olham os astros por causa dos candeeiros – que os ofuscam: e nunca se entra por isso numa completa comunhão com o Universo. O homem nas capitais pertence à sua casa, ou, se o impelem fortes tendências de sociabilidade, ao seu bairro. Tudo o isola e o separa da restante Natureza – os prédios obstrutores de seis andares, a fumaça das chaminés, o rolar moroso e grosso dos ônibus, a trama encarceradora da vida urbana... Mas que diferença, num cimo de monte, como Torges! Aí todas essas belas estrelas olham para nós de perto, rebrilhando, à maneira de olhos conscientes, umas fixamente, com sublime indiferença, outras ansiosamente, com uma luz que palpita, uma luz que chama, como se tentassem revelar os seus segredos ou compreender os nossos... E é impossível não sentir uma solidariedade perfeita entre esses imensos mundos e os nossos pobres corpos. Todos são obra da mesma vontade. Todos vivem da ação dessa vontade imanente. Todos, portanto, desde os uranos até aos Jacintos, constituem modos diversos de um ser único, e através das suas transformações somam na mesma unidade. Não há ideia mais consoladora do que esta – que eu, e tu, e aquele monte, e o Sol que, agora, se esconde são moléculas do


4

CONTO

mesmo todo, governadas pela mesma lei, rolando para o mesmo fim. Desde logo se somem as responsabilidades torturantes do individualismo. Que somos nós? Formas sem força, que uma força impele. E há um descanso delicioso nesta certeza, mesmo fugitiva, de que se é o grão de pó irresponsável e passivo que vai levado no grande vento, ou a gota perdida na torrente! Jacinto concordava, sumido na sombra. Nem ele nem eu sabíamos os nomes desses astros admiráveis. Eu, por causa da maciça e indesbastável ignorância de bacharel, com que saí do ventre de Coimbra, minha mãe espiritual. Jacinto, porque na sua ponderosa biblioteca tinha trezentos e dezoito tratados sobre astronomia! Mas que nos importava, de resto, que aquele astro além se chamasse Sírio e aquele outro Aldebarã? Que lhes importava a eles que um de nós fosse José e o outro Jacinto? Éramos formas transitórias do mesmo ser eterno – e em nós havia o mesmo Deus. E se eles também assim o compreendiam, estávamos ali, nós à janela num casarão serrano, eles no seu maravilhoso infinito, perfazendo um ato sacrossanto, um perfeito ato de graça – que era sentir conscientemente a nossa unidade, e realizar, durante um instante, na consciência, a nossa divinização. Assim enevoadamente filosofáva­ mos – quando Zé Brás, com uma candeia na mão, veio avisar que “estavam pre­ paradas as camas de suas inselências...” Da idealidade descemos gostosamente à realidade, e que vimos então nós, os irmãos dos astros? Em duas salas tenebrosas e côncavas, duas enxergas, postas no chão, a um canto, com duas cobertas de chita; à cabeceira um castiçal de latão pousado sobre um alqueire28: e aos pés, como lavatório, um alguidar29 vidrado em cima de uma cadeira de pau! Em silêncio, o meu supercivilizado amigo palpou a sua enxerga e sentiu nela a rigidez de um granito. Depois, correndo pela face descaída os dedos murchos, considerou que, perdidas as suas malas, não tinha nem chinelas nem roupão! E foi ainda Zé Brás que providenciou, trazendo ao pobre Jacinto, para ele desafogar os pés, uns tremendos tamancos de pau, e para ele embrulhar o corpo, docemente educado em Síbaris, uma camisa da caseira, enorme, de estopa mais áspera que estamenha30 de penitente, e com folhos crespos e duros como lavores em madeira... Para o consolar, lembrei que Platão, quando compunha o Banquete, Xenofonte, quando comandava os Dez Mil, dormiam em piores catres. As enxer­ gas austeras fazem as fortes almas – e é só vestido de estamenha que se penetra no Paraíso.

– Tem você – murmurou o meu amigo, desatento e seco – alguma coisa que eu leia?... Eu não posso adormecer sem ler! Eu possuía apenas o número do Jornal da Tarde, que rasguei pelo meio e partilhei com ele fraternalmente. E quem não viu então Jacinto, senhor de Torges, acaçapado31 à borda da enxerga, junto da vela que pingava sobre o alqueire, com os pés nus encafuados32 nos grossos socos33, perdido dentro da camisa da patroa, toda em folhos, percorrendo na metade do Jornal da Tarde, com os olhos turvos, os anúncios dos paquetes – não pode saber o que é uma vigorosa e real imagem do desalento! Assim o deixei – e daí a pouco, es­ tendido na minha enxerga também es­ partana, subia, através de um sonho jovial e erudito, ao planeta Vênus, onde encontrava, entre os olmos e os ciprestes, num vergel, Platão e o Zé Brás, em alta camaradagem intelectual, bebendo o vi­ nho da Rética pelos copos de Torges! Travamos todos três bruscamente uma controvérsia sobre o século XIX. Ao longe, por entre uma floresta de roseiras mais altas que carvalhos, alvejavam os mármores de uma cidade e ressoa­ vam can­ tos sacros. Não recordo o que Xenofonte sustentou acerca da civiliza­ ção e do fonógrafo. De repente tudo foi turbado por fuscas nuvens, através das quais eu distinguia Jacinto, fugindo num burro que ele impelia furiosamente com os calcanhares, com uma vergasta, com berros, para os lados do Jasmineiro! V Cedo, de madrugada, sem rumor, para não despertar Jacinto, que, com as mãos sobre o peito, dormia placidamente no seu leito de granito – parti para Goães. E durante três quietas semanas, naquela vila onde se conservam os hábitos e as ideias do tempo de El-Rei D. Dinis, não soube do meu desconsolado amigo, que decerto fugira dos seus tetos esburacados e remergulhara na civilização. Depois, por uma abrasada manhã de agosto, descendo de Goães, de novo trilhei a avenida de faias, e entrei o portão solarengo de Torges, entre o furioso latir dos rafeiros34. A mulher do Zé Brás apareceu alvoroçada à porta da tulha. E a sua nova foi logo que o Sr. D. Jacinto (em Torges, o meu amigo tinha dom) andava lá em baixo com o Sousa nos campos de Freixomil. – Então, ainda cá está o Sr. D. Jacinto? Sua inselência ainda estava em Torges – e sua inselência ficava para a vindima!... Justamente eu reparava que as janelas do solar tinham vidraças novas; e a um canto do pátio pousavam baldes de cal; uma escada de pedreiro ficara arrimada contra a varanda; e num caixote aberto, ainda

cheio de palha de empacotar, dormiam dois gatos. – E o Grilo apareceu? – O Sr. Grilo está no pomar, à sombra. – Bem! E as malas? – O Sr. D. Jacinto já tem o seu saquinho de couro... Louvado Deus! O meu Jacinto estava, enfim, provido de civilização! Subi con­ tente. Na sala nobre, onde o soalho fora composto e esfregado, encontrei uma mesa recoberta de oleado, prateleiras de pinho com louça branca de Barcelos e cadeiras de palhinha, orlando as paredes muito caiadas que davam uma frescura de capela nova. Ao lado, noutra sala, também de faiscante alvura, havia o conforto inesperado de três cadeiras de verga da Madeira, com braços largos e almofadas de chita; sobre a mesa de pinho, o papel almaço, o candeeiro de azeite, as penas de pato espetadas num tinteiro de frade, pareciam preparadas para um estudo calmo e ditoso das humanidades: e na parede, suspensa de dois pregos, uma estantezinha continha quatro ou cinco livros, folheados e usados, o D. Quixote, um Virgílio, uma História de Roma, as Crônicas de Froissart. Adiante era certamente o quarto de D. Jacinto, um quarto claro e casto de estudante, com um catre de ferro, um lavatório de ferro, a roupa pendurada de cabides toscos. Tudo resplandecia de asseio e ordem. As jane­ las cerradas defendiam do sol de agosto, que escaldava fora os peitoris de pedra. Do soalho, borrifado de água, subia uma fresquidão consoladora. Num velho va­ so azul um molho de cravos alegrava e perfumava. Não havia um rumor. Torges dormia no esplendor da sesta. E envolvido naquele repouso de convento remoto, ter­ minei por me estender numa cadeira de verga junto à mesa, abri lan­guidamente o Virgílio, murmurando: Fortunate Jacinthe! tu inter erva nota Et fontes sacros frigus captabis opacum. Já mesmo irreverentemente adorme­ cera sobre o divino bucolista, quando me despertou um brado amigo. Era o nosso Jacinto. E imediatamente o comparei a uma planta, meio murcha e estiolada no escuro, que fora profusamente regada e revivera em pleno sol. Não corcovava. Sobre a sua palidez de supercivilizado, o ar da serra ou a reconciliação com a vida tinham espalhado um tom trigueiro e forte que o virilizava soberbamente. Dos olhos, que na cidade eu lhe conhecera sempre crepusculares, saltava agora um brilho de meio-dia, decidido e largo, que mergulhava francamente na beleza das coisas. Já não passava as mãos murchas sobre a face – batia com elas rijamente na coxa... Que sei eu? Era uma reencarnação. E tudo o que me contou, pisando alegre­


CONTO mente com os sapatos brancos o soalho, foi que se sentira, ao fim de três dias em Torges, como desanuviado, mandara com­prar um colchão macio, reunira cinco li­ vros nunca lidos, e ali estava... – Para todo o verão? – Para todo o sempre! E agora, homem das cidades, vem almoçar umas trutas que eu pesquei, e compreende enfim o que é o Céu. As trutas eram, com efeito, celestes. E apareceu também uma salada fria de couve-flor e vagens, e um vinho branco de Azães... Mas quem condignamente vos cantará, comeres e beberes daquelas serras? De tarde, finda a calma, passeamos pelos caminhos coleando35 a vasta quinta, que vai de vales a montes. Jacinto parava a contemplar com carinho os milhos altos. Com a mão espalmada e forte batia no tronco dos castanheiros, como nas costas de amigos recuperados. Todo o fio de água, todo o tufo de erva, todo o pé de vinha o ocupava como vidas filiais por que fosse responsável. Conhecia certos melros que cantavam em certos choupos. Exclamava enternecido: – Que encanto, a flor do trevo! À noite, depois de um cabrito, um assado no forno, a que mestre Horácio teria dedicado uma ode (talvez mesmo um carme heroico) conversamos sobre o Destino e a Vida. Eu citei, com discreta malícia, Schopenhauer e o Ecclesiastes... Mas Jacinto ergueu os ombros, com seguro desdém. A sua confiança nesses dois sombrios explicadores da vida de­ saparecera, e irremediavelmente, sem poder mais voltar, como uma névoa que o sol espalha. Tremenda tolice! Afirmar que a vida se compõe, meramente, de uma longa ilusão – é erguer um aparatoso sistema sobre um ponto especial e estreito da vida, deixando fora do sistema toda a vida restante, como uma contradição permanente e soberba. Era como se ele, Jacinto, apontando para uma urtiga, cres­ cida naquele pátio, declarasse, triun­ falmente: “Aqui está uma urtiga! Toda a quinta de Torges, portanto, é uma massa de urtigas.” – Mas bastaria que o hóspede erguesse os olhos, para ver as searas, os pomares e os vinhedos! De resto, desses dois ilustres pes­ simistas, um, o alemão, que conhecia ele da vida – dessa vida de que fizera, com doutoral majestade, uma teoria definitiva e dolente? Tudo o que pode conhecer quem, como este genial farsante, viveu cinquenta anos numa soturna hospedaria de província, levantando apenas os ócu­ los dos livros para conversar, à mesa-redonda, com os alferes da guarnição! E o outro, o israelita, o homem dos Cantares, o muito pedantesco rei de Jerusalém, só

descobre que a vida é uma ilusão aos setenta e cinco anos, quando o poder lhe escapa das mãos trêmulas, e o seu serralho de trezentas concubinas se torna ridiculamente supérfluo à sua carcaça frígida. Um dogmatiza funebremente sobre o que não sabe – e o outro sobre o que não pode. Mas que se dê a esse bom Schopenhauer uma vida tão completa e cheia como a de César, e onde estará o seu schopenhauerismo? Que se restitua a esse sultão, besuntado de literatura, que tanto edificou e professorou em Jerusalém, a sua virilidade – e onde estará o Ecclesiastes? De resto, que importa bendizer ou maldizer da vida? Afortunada ou dolorosa, fecun­ da ou vã, ela tem de ser vivida. Loucos aqueles que, para a atravessar, se em­ brulham desde logo em pesados véus de tristeza e desilusão, de sorte que na sua estrada tudo lhes seja negrume, não só as léguas realmente escuras, mas mesmo aquelas em que cintila um sol amável. Na Terra tudo vive – e só o homem sente a dor e a desilusão da vida. E tanto mais as sente, quanto mais alarga e acumula a obra dessa inteligência que o torna homem, e que o separa da restante Natureza, impensante e inerte. É no máximo da civilização que ele experimenta o máximo de tédio. A sapiência, portanto, está em recuar até esse honesto mínimo de ci­ vilização, que consiste em ter um teto de colmo, uma leira36 de terra e o grão para nela semear. Em resumo, para reaver a felicidade, é necessário regressar ao Paraíso – e ficar lá, quieto, na sua folha de vinha, inteiramente desguarnecido de civilização, contemplando o anho37 aos saltos entre o tomilho, e sem procurar, nem com o desejo, a árvore funesta da Ciência! Dixi! Eu escutava, assombrado, este Jacinto novíssimo. Era verdadeiramente uma ressurreição no magnífico estilo de Lázaro. Ao surge et ambula que lhe tinham sussurrado as águas e os bosques de Torges, ele erguia-se do fundo da cova do pessimismo, desembaraçava-se das suas casacas de Poole, et ambulabat, e começava a ser ditoso. Quando recolhi ao meu quarto, àquelas horas honestas que convém ao campo e ao otimismo, tomei entre as minhas a mão já firme do meu amigo, e pensando que ele enfim alcançara a verdadeira realeza, porque possuía a verdadeira liberdade, gritei-lhe os meus parabéns à maneira do moralista de Tibur. Vive et regna, fortunate Jacinthe! Daí a pouco, através da porta aberta que nos separava, senti uma risada fresca, moça, genuína e consolada. Era Jacinto que lia o D. Quixote. Oh bem-aventurado Jacinto! Conservava o agudo poder de criticar, e recuperara o dom divino de rir!

5

Quatro anos vão passados. Jacinto ainda habita Torges. As paredes do seu solar continuam bem caiadas, mas nuas. De inverno enverga um gabão de briche38 e acende um braseiro. Para cha­ mar o Grilo ou a moça, bate as mãos, como fazia Catão. Com os seus deliciosos vagares, já leu a Ilíada. Não faz a barba. Nos caminhos silvestres, para e fala com as crianças. Todos os casais da serra o bendizem. Ouço que vai casar com uma forte, sã e bela rapariga de Goães. Decerto crescerá ali uma tribo, que será grata ao Senhor! Como ele, recentemente, me mandou pedir livros da sua livraria (uma Vida de Buda, uma História da Grécia e as obras de S. Francisco de Sales) fui, depois destes quatro anos, ao Jasmineiro deserto. Cada passo meu sobre os fofos tapetes de Caramânia soou triste como num chão de mortos. Todos os brocados estavam engelhados, esgaçados. Pelas paredes pendiam, como olhos fora de órbitas, os botões elétricos das campainhas e das luzes – e havia vagos fios de arame, soltos, enroscados, onde a aranha rega­ lada e reinando tecera teias espessas. Na livraria, todo o vasto saber dos séculos jazia numa imensa mudez, debaixo de uma imensa poeira. Sobre as lombadas dos sistemas filosóficos alvejava o bo­ lor: vorazmente a traça devastara as histórias universais: errava ali um cheiro mole de literatura apodrecida – e eu abalei, com o lenço no nariz, certo de que naqueles vinte mil volumes não restava uma verdade viva! Quis lavar as mãos, maculadas pelo contato com estes detritos de conhecimentos humanos. Mas os maravilhosos aparelhos do lavatório, da sala de banho, enferrujados, perros, dessoldados, não largaram uma gota de água; e, como chovia nessa tarde de abril, tive de sair à varanda, pedir ao céu que me lavasse. Ao descer, penetrei no gabinete de trabalho de Jacinto e tropecei num montão negro de ferragens, rodas, lâminas, cam­ painhas, parafusos... Entreabri a janela, e reconheci o telefone, o teatrofone, o fo­ nógrafo, outros aparelhos, tombados das suas peanhas, sórdidos, desfeitos sob a poeira dos anos. Empurrei com o pé este lixo do engenho humano. A máquina de escrever, escancarada, com os buracos negros marcando as letras desarraigadas, era como uma boca alvar e desdentada. O telefone parecia esborrachado, enro­ dilhado nas suas tripas de arame. Na trompa do fonógrafo, torta, esbei­ çada, para sempre muda, fervilhavam carochas. E ali jaziam tão lamentáveis e grotescas, aquelas geniais invenções, que eu saí rindo, como de uma enorme facécia, daquele supercivilizado palácio.


CONTO

6

A chuva de abril secara: os telhados remotos da cidade negrejavam sobre um poente de carmesim e ouro. E, através das ruas mais frescas, eu ia pensando que este nosso magnífico século XIX se assemelharia um dia àquele Jasmineiro abandonado, e que outros homens, com uma certeza mais pura do que é a vida e a felicidade, dariam como eu com o pé no lixo da supercivilização, e, como eu, ririam alegremente da grande ilusão que findara, inútil e coberta de ferrugem.

Àquela hora, decerto, Jacinto, na va­ ran­da em Torges, sem fonógrafo e sem telefone, reentrado na simplicidade, via, sob a paz lenta da tarde, ao tremeluzir da primeira estrela, a boiada recolher entre o canto dos boiadeiros.

VOCABULÁRIO (24) abatido, desmoronado. (25) lugar onde se põe ou assenta alguma coisa. (26) tigelinha, pequena malga. (27) sentou-se.

(28) do francês boisseau – manilha de barro. (29) vaso de barro ou de metal baixo, em forma de tronco de cone invertido, e com diversos usos domésticos. (30) burel de padre, hábito. (31) abaixado, agachado, encolhido. (32) ocultos, escondidos. (33) calçados com base de madeira, tamancos. (34) cães treinados para guardar o gado. (35) andando em zigue-zague. (36) sulco aberto na terra para receber a semente. (37) cordeiro. (38) tecido de lã felpudo.

POIS É, POESIA

Castro Alves (1847 – 1871) Dedicatória

A pomba d’aliança o voo espraia

Na superfície azul do mar imenso, Rente... rente da espuma já desmaia Medindo a curva do horizonte extenso... Mas um disco se avista ao longe... [A praia Rasga nitente o nevoeiro denso!... Ó pouso! ó monte! ó ramo de oliveira! Ninho amigo da pomba forasteira!... Assim, meu pobre livro as asas larga Neste oceano sem fim, sombrio, eterno... O mar atira-lhe a saliva amarga, O céu lhe atira o temporal de inverno... O triste verga à tão pesada carga! Quem abre ao triste um coração [paterno?... É tão bom ter por árvore – uns carinhos! É tão bom de uns afetos – fazer ninhos!

Pobre órfão! Vagando nos espaços Embalde às solidões mandas um grito! Que importa? De uma cruz ao longe os [braços Vejo abrirem-se ao mísero precito... Os túmulos dos teus dão-te regaços! Ama-te a sombra do salgueiro aflito... Vai, pois, meu livro! e como louro [agreste Traz-me no bico um ramo de... cipreste! Bahia, janeiro de 1870.

As duas flores

São duas flores unidas,

São duas rosas nascidas Talvez no mesmo arrebol, Vivendo no mesmo galho, Da mesma gota de orvalho, Do mesmo raio de sol.

Unidas, bem como as penas Das duas asas pequenas De um passarinho do céu... Como um casal de rolinhas, Como a tribo de andorinhas Da tarde no frouxo véu. Unidas, bem como os prantos, Que em parelha descem tantos Das profundezas do olhar... Como o suspiro e o desgosto, Como as covinhas do rosto, Como as estrelas do mar. Unidas... Ai quem pudera Numa eterna primavera Viver, qual vive esta flor. Juntar as rosas da vida Na rama verde e florida, Na verde rama do amor! Curralinho, março de 1870. Extraído de: Espumas flutuantes, Ed. Núcleo, 1997.

(ENTRE PARÊNTESIS)

A mosca São João e Sucupira são duas cidades separadas exatamente por 100 km de distância. Gustavo telefonou, de São João, para seu amigo Bruno, que estava em Sucupira. No momento combinado, pegaram suas bicicletas e foram para a estrada, mantendo-se na velocidade combinada: 25 km/h. No exato momento em que Gustavo partiu, uma mosca partiu com ele em direção a Sucupira, voando a uma velocidade constante de 50 km/h. Mal o inseto alcança Bruno, retorna imediatamente, voando direto para Gustavo. Alcançando-o, voa de volta para Bruno; depois, novamente para Gustavo e assim por diante. Nem Bruno nem Gustavo interessam-se pelo voo da diminuta mosca. No entanto, alguém mais curioso gostará de calcular: qual é o espaço total percorrido pelo inseto?

RESPOSTA Os dois amigos encontram-se após duas horas, pois cada um desenvolve 25 km/h. Em duas horas, o inseto percorreu exatamente 100 km.


ARTIGO

7

Grupo estuda papel do sistema endocanabinoide na doença de Parkinson Karina Toledo

U

ma pesquisa em andamento no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP) tenta desvendar como o sis­ tema endocanabinoide está envol­ vido no processo neurodegenerativo que acome­te portadores da doença de Parkinson. O sistema endocanabinoide é forma­ do por um conjunto de neurotransmis­so­ res quimicamente semelhantes a com­­ pos­tos químicos existentes na maco­­nha (Cannabis sativa) e por seus receptores cerebrais. De acordo com Andrea da Silva Tor­ rão, coordenadora da pesquisa apoiada pela FAPESP, esse conhecimento pode­ rá aju­dar no desenvolvimento de novas ferramentas terapêuticas. “Os primeiros resultados obtidos mos­tram que o sistema de neuro­trans­mis­ são endocanabinoide está envolvido na doença de Parkinson, mas ainda não sabemos se para o bem ou para o mal. Conhecendo me­lhor como ele se comporta, pode­ remos ir atrás de dro­ gas capazes de pelo menos melhorar a quali­dade de vida dos pacientes”, disse Torrão. A doença de Parkinson é resultan­te da perda progressiva de neurônios que produzem o neurotrans­ missor dopa­ mina e estão situados em um nú­cleo cerebral relacionado ao con­tro­le de mo­ vimentos conhe­cido como substância negra. “A substância negra faz parte de um grande complexo cerebral denomi­nado núcleos da base. Uma das funções dos núcleos da base é a organização dos movimentos voluntários”, explicou a pesquisadora. Quando a perda dos neurônios dopa­ mi­nérgicos ultrapassa 50%, começam a se manifestar sintomas como tremo­ res de repouso, rigidez muscular, bradi­ cinesia (lentidão de movimento) e aci­ nesia (imo­bi­lidade). A doença também cos­tuma causar depressão, problemas

cogni­tivos e, em estágio avançado, de­ mência. Para tentar descobrir o que dis­para a degeneração dos neurônios dopami­ nérgicos e entender como o sistema en­docanabinoide participa do processo, os pesquisadores do ICB induziram um qua­ dro semelhante ao Parkinson em ratos. “Os endocanabinoides têm a fun­ ção de neuromodulação. Fazem uma espécie de ajuste fino das sinapses e controlam a liberação de outros trans­ missores dos neurônios. Os receptores canabinoides CB1 ficam principalmente nos terminais axônicos de dois tipos de neurônios: os gabaérgicos – que usam como mediador o ácido gama-aminobu­ tírico (GABA) – e os glutamatérgicos – que usam como mediador o glutamato. Ambos existem em grande quantidade nos núcleos da base”, disse Torrão.   A   CONTROL SIDE   6-ONDA SIDE

1 DPL

5 DPL

Região cerebral afetada pela doença é rica em neurônios com receptores para os neurotransmissores com estrutura semelhante aos compostos químicos da maconha (figura mostra marcação para TH, enzima envolvida na síntese de dopamina).

Os experimentos com modelo animal foram realizados durante o doutorado de Gabriela Pena Chaves-Kirsten, com Bolsa da FAPESP. Parte dos resultados foi publicada na revista PLoS One. A morte dos neurônios dopaminérgi­ cos foi provocada em apenas um dos hemis­ férios cerebrais com a injeção de uma neurotoxina conhecida como 6-hidroxi­dopamina.

“Por meio de um procedimento cirúr­ gico, injetamos essa substância direta­ mente no estriado, um dos componen­ tes dos núcleos da base. Após uma ou duas semanas é possível observar uma perda significativa dos neurônios dopa­ minérgicos e, por meio de testes com­ portamentais, vimos que o animal já apresentava déficit locomotor”, contou Torrão. Em uma primeira etapa da pesquisa, os cientistas avaliaram como a expres­ são do receptor CB1 era alterada com a injeção da neurotoxina. Quatro estruturas dos núcleos da base foram monitoradas: o estriado, as porções externa e interna do chamado globo pálido e a outra parte da substân­ cia negra que não contém os neurônios dopaminérgicos e é conhecida como porção reticulada. “Todas essas regi­ ões cerebrais estão envolvidas no con­ trole locomotor e dependem da infor­ mação dos neurônios dopaminérgicos”, explicou Torrão. O nível de expressão de CB1 foi me­ dido no primeiro, no quinto, no décimo, no vigésimo e no se­xagésimo dia após a indução da morte neuronal. Enquanto no es­triado os pesquisadores não ob­ servaram nenhuma alteração, na por­ ção reticulada da substância negra a expressão da proteína estava diminuída já a partir do primeiro dia. Por outro lado, o globo pálido apre­ sentou um padrão bifásico nos níveis de CB1. Na sua porção externa (EGP), houve um aumento inicial de aproxi­ madamente 40% em relação ao lado controle, se­ guido de uma diminuição gradativa ao longo do tempo. No quinto dia, a ex­pressão era 25% maior que no lado con­trole e, no vigésimo dia, já es­ tava igual. No sexagésimo dia, estava 20% menor do que no grupo controle. Na porção interna do globo pálido (IGP), foi observado um aumento da expressão de CB1 de 50% em relação ao controle apenas no primeiro dia. A partir do quinto dia houve uma diminui­


ARTIGO

8

ção gradual, che­gando a 60% abaixo do lado controle no sexagésimo dia. “Acreditamos que esse aumento ini­ cial observado em algumas estruturas dos núcleos da base esteja relacionado a um processo compensatório de plas­ ticidade neural envolvendo a transmis­ são gaba­érgica. Parece ser uma tenta­ tiva do sistema nervoso de compensar a falta dos neurônios dopaminérgicos. Mas a estra­tégia acaba falhando, pois a degenera­ção neuronal continua ocor­ rendo e os sintomas motores se agra­ vam”, avaliou Torrão.

Testes com drogas Em uma segunda etapa da pesqui­ sa, o grupo decidiu tratar os ratos com compostos canabinoides para tentar re­ verter o processo de degeneração neu­ronal. Dois tipos de substâncias fo­ ram testados: os antagonistas canabi­

noides, que bloqueiam o receptor, e os agonis­tas canabinoides, drogas quimi­ camente se­melhantes aos compostos ativos extraí­dos da maconha e aos en­ docanabinoides. Os animais foram divididos em três grupos. O primeiro recebeu apenas a subs­tância agonista, o segundo, a anta­ gonista e o terceiro, placebo. O tratamento começou no dia se­ guin­te à injeção de 6-hidroxidopamina e durou quatro dias. Além de avalia­ ções compor­ tamentais dos sintomas locomotores, os pesquisadores acom­ panharam a dege­neração neuronal por meio de ensaios de imunoistoquímica, que mediam a ex­pressão de dopamina. “O tratamento com o agonista cana­ binoide aparentemente piorou os sin­ tomas motores e a degeneração dopa­ minérgica e, portanto, parece não ser uma boa opção de terapia. Já o com­

posto antagonista, embora não tenha conse­guido evitar a morte progressiva dos neu­ rônios, conseguiu ao menos melhorar os sintomas motores nos ratos. Mas ainda não sabemos exata­ mente como”, contou Torrão. A hipótese, acrescentou a pesquisa­ dora, é que, ao conseguir bloquear o aumento inicial na expressão da proteí­ na CB1, a droga retardaria a evolução dos sintomas motores. Na tentativa de compreender melhor os achados, os pesqui­sadores do ICB/USP estão rea­ lizando agora estudos in vitro com as drogas. “É mais fácil estudar mecanismos mo­leculares em culturas de células, pois é uma situação com menos variáveis, na qual não há outros processos metabóli­ cos para interferir”, disse Torrão. Extraído de: Agência FAPESP – Divulgando a cultura científica, jul./2014.

SERVIÇO DE VESTIBULAR Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP) Período de inscrição: até 19 de outubro de 2014. Somente via internet. Endereço da fa­ cul­dade: Av. Getúlio Vargas, 850 – Jacarezi-­ nho – PR – CEP: 86400-000 – Fone: (43) 3525-3589. Requisito: taxa de R$ 110,00. Cursos e vagas: consultar site vestibular.uenp.edu.br Exames: dias 23 e 24 de novembro de 2014. Leituras obrigatórias: • Helena – Machado de Assis. • Laços de família – Clarice Lispector. • Memórias de um sargento de milícias – Manuel Antônio de Almeida. • A morte e a morte de Quincas Berro d’Água – Jorge Amado. • São Bernardo – Graciliano Ramos.

Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro) Período de inscrição: até 20 de outubro de 2014. Somente via internet. Endereço da facul­ dade: Rua Padre Honorino João Muraro, 875 – Santa Cruz – Guarapuava – PR – CEP: 85015-430 – Fone: (42) 3629-8100. Requisito: taxa de R$ 100,00. Cursos e vagas: consultar site www.unicentro.br/vestibular Exames: dias 30 de novembro e 1o de dezem­ bro de 2014. Leituras obrigatórias: • A falecida – Nelson Rodrigues. • Capitães da Areia – Jorge Amado. • Então você quer ser escritor? – Miguel Sanches Neto.

• Laços de família – Clarice Lispector. • Memorial de Aires – Machado de Assis. • Memórias de um sargento de milícias – Manuel Antônio de Almeida. • O primo Basílio – Eça de Queirós. • Primeiras estórias – João Guimarães Rosa. • Toda poesia – Paulo Leminski. • Vidas secas – Graciliano Ramos.

Universidade Anhembi Morumbi (Anhembi) Período de inscrição: até 19 de outubro de 2014. Presencial ou via internet. Endereço da faculdade: Avenida Paulista, 2 000 – Bela Vista – São Paulo – SP – CEP: 01310-200 – Fone: (11) 4007-1192. Requisito: taxa de R$ 40,00. Cursos e vagas: consultar site portal.anhembi.br Exame: dia 19 de outubro de 2014.

Universidade Regional do Cariri (Urca) Período de inscrição: até 20 de outubro de 2014. Somente via internet. Endereço da faculdade: Rua Coronel Antônio Luiz, 1 161 – Pimenta – Crato – CE – CEP: 63100-000 – Fone: (88) 3102-1212. Requisito: taxa de R$ 120,00. Cursos e vagas: consultar site www.urca.br Exames: dias 6 e 7 de dezembro de 2014. Leituras obrigatórias: • Faca – Ronaldo Correia de Brito. • Contos negreiros – Marcelino Freire. • Para viver um grande amor – Vinicius de Moraes. • O silêncio laminado do casulo – Cleílson Pereira Ribeiro.

• Aves de arribação – Antônio Sales. • As odes de Ricardo Reis – Fernando Pessoa.

Escola Superior de Engenharia e Gestão (Eseg) Período de inscrição: até 31 de outubro de 2014. Somente via internet. Endereço da facul­ dade: Rua Vergueiro, 1 951 – Vila Mariana – São Paulo – SP – CEP: 04101-000 – Fone: 0800-723-23-33. Requisito: taxa de R$ 45,00. Cursos e vagas: consultar site www.eseg.edu.br Exame: dia 1o de novembro de 2014.

Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-C) Período de inscrição: até 26 de outubro de 2014. Somente via internet. Endereço da facul­ dade: Rua Marechal Deodoro, 1 099 – Cen­tro – Campinas – SP – CEP: 13010-920 – Fone: (19) 3735-5900. Requisito: taxa de R$ 125,00. Cursos e vagas: consultar site www.puc-campinas.edu.br Exame: dia 29 de novembro de 2014.

Universidade Metodista de São Paulo (Umesp) Período de inscrição: até 23 de outubro de 2014. Presencial ou via internet. Endereço da faculdade: Rua Alfeu Tavares, 149 – Rudge Ramos – São Bernardo do Campo – SP – CEP: 09641-000 – Fone: (11) 4366-5000. Requisito: taxa de R$ 80,00. Cursos e vagas: consultar site www.metodista.br Exame: dia 25 de outubro de 2014.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.