Jornal do Vestibulando Nº 1485

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Jornal do Vestibulando

ENSINO, INFORMAÇÃO E CULTURA

JORNAL ETAPA  –  2014 •  DE 13/11 A 26/11

ESPECIAL

Começa o vestibular Unicamp em novo formato

Minerva Studio/Shutterstock

No dia 23 de novembro, a Unicamp inicia o vestibular 2015 em seu novo formato. Sai a redação da 1a fase, e a prova fica igual à 1a fase da Fuvest, com 90 questões de múltipla escolha. A redação passa para 11 de janeiro, o primeiro dos três dias da 2a fase da Unicamp.

Na Unicamp 2015, as questões da 1a fase terão a seguinte distribuição: Lín­ gua Portuguesa e Literaturas de Língua Portuguesa, 14 questões; Matemática, 14; Física, 10; Química, 10; Biologia, 10; ESPECIAL Começa o vestibular Unicamp em novo formato CONTO

A igreja do Diabo – Machado de Assis ARTIGO

Einstein sabia somar?

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História, 9; Geografia, 9; Inglês, 8; Filosofia, 1; Sociologia, 1; questões in­ terdisciplinares, 4. Diferente de outros exames em que, tradicionalmente, cada teste apresenta ENTRE PARÊNTESIS

Você também se salvaria? POIS É, POESIA

Augusto dos Anjos

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5 alternativas, a Unicamp reduziu esse número a 4 (a, b, c, d). Segundo a coor­ denação do exame, esse modelo foi adotado com base em trabalho realiza­ do pela universidade, que mostrou “que SOBRE AS PALAVRAS

Presente de grego SERVIÇO DE VESTIBULAR

Inscrições

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ESPECIAL

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MUDANÇA NO VESTIBULAR UNICAMP Antes: como era em 2014

1a fase

Agora: como fica em 2015 90 questões: • Português e Literatura (14) • Matemática (14) • Física (10) • Química (10) • Biologia (10) • História (9) • Geografia (9) • Inglês (8) • Filosofia (1) • Sociologia (1) • Interdisciplinares (4) Total: 90 pontos

Redação (dois textos) e 48 questões (testes) Total: 96 pontos

1o dia Língua Portuguesa e Literatura: 12 questões (48 pon­tos) Matemática: 12 questões (48 pontos) Total: 96 pontos

2o dia

a

2 fase

Redação: dois textos (48 pontos) Língua Portuguesa e Literatura: 6 questões (24 pontos) Total: 72 pontos

Ciências Humanas e Artes: 18 questões (72 pontos) Língua Inglesa: 6 questões (24 pontos) Total: 96 pontos

Matemática, História e Geografia: 6 questões por ma­ téria (24 pontos) Total: 72 pontos

3o dia Ciências da Natureza: 24 questões (4 pontos) Total: 96 pontos

a adição de uma quinta alternativa mais atrapalha a avaliação do que aju­ da, devido ao maior tempo de leitura e possibilidade de ocorrência de alguma confusão por parte do candidato”. Na 2a fase, as provas são idênticas para todos os candidatos, independen­ temente das carreiras escolhidas. Nis­ so difere da Fuvest, que no 3o dia da 2a fase aplica diferentes provas conforme as carreiras escolhidas. Cada prova da Unicamp é composta de seis ques­ tões por matéria. As questões têm dois itens, valendo cada um 2 pontos – num total de 4 pontos por questão. Na prova de Redação são dois textos, cada um valendo 24 pontos. No primeiro dia, além dos dois tex­ tos da Redação, entram as questões de Língua Portuguesa e Literaturas de Língua Portuguesa. No segundo dia, a prova terá questões de Matemática, História e Geografia. No terceiro dia, questões de Física, Química e Biologia.

Física, Química e Biologia: 6 questões por matéria, (24 pontos) Total: 72 pontos

A prova da 1a fase terá duração má­ xima de 5 horas. Na 2a fase, todas as provas terão duração máxima de qua­ tro horas.

Unicamp 1a fase, questões de Conhecimentos Gerais: como era Os 10 primeiros vestibulares unifica­ dos da Unicamp, entre 1977 e 1986, foram feitos pela Fuvest. A partir de 1987, a Unicamp passou a aplicar exa­ me próprio. Conservou da Fuvest o es­ quema de duas fases – que mantém até hoje. A maior diferença do vestibu­ lar da Unicamp estava na 1a fase. Ela também fazia uma pré-seleção, mas não tinha nenhum teste. Era forma­ da por uma prova de Conhecimentos Gerais com 12 questões de respostas dissertativas e uma prova de redação. A 2a fase era como a da Fuvest: várias provas com questões dissertativas so­ bre todas as matérias.

A partir de 2011, a Unicamp aban­ donou seu grande diferencial em re­ lação à Fuvest, retirando as questões dissertativas da 1a fase. Naquele ano, a Unicamp substituiu as 12 questões de respostas dissertativas por 48 tes­ tes de múltipla escolha. Entravam 12 questões de Matemática, 18 de Ciên­ cias Humanas e Artes e 18 de Ciên­cias da Natureza. Outra mudança ocor­rida em 2011 foi o fim da prova temática, quando a 1a fase girava em torno de um tema. Em 2010, o tema foi “Ge­ rações”. Isso foi feito para aumentar a diversidade dos conteúdos abordados.

Unicamp 1a fase, Redação: como era Uma das mais propagadas diferen­ ças entre a 1a fase da Fuvest e a da Unicamp estava na Redação. Era um diferencial exibido com destaque pela Unicamp. Depois de muita discussão interna, a Unicamp acabou optando


ESPECIAL por abandonar o modelo original. Nos vestibulares de 2011 e 2012 ela passou a exigir três redações obrigatórias rea­ lizadas em gêneros diversos. A aplica­ ção dessa mudança foi reavaliada e, em 2013, a Unicamp reduziu o total de redações de três para duas. Ao passar a redação para a 2a fase, a Unicamp altera um aspecto importan­ tíssimo no processo de correção. Com isso, o total de redações a serem cor­ rigidas será muito menor, o que permi­ tirá melhorar a qualidade da correção. No ano passado foram 73 818 candi­ datos na 1a fase e todos fizeram a Re­ dação obrigatoriamente. Como eram 2 redações para cada candidato, mais de 140 mil textos tiveram de ser corri­ gidos. Com a mudança atual, estima­ -se que – indo para a 2a fase cerca de 16 mil candidatos – serão pouco mais de 30 mil textos para os corretores. Uma redução de 110 mil textos para serem corrigidos!

Quem tem a 1a fase mais exigente? Durante algum tempo, o fato de a Unicamp ter questões dissertativas e Redação já na 1a fase gerou alguns mi­ tos – um deles é o de que a 1a fase da Unicamp seria mais exigente do que a da Fuvest. Acontece que a dificul­ dade maior ou menor num vestibular de seleção não está em tirar ou não notas baixas em questões difíceis. O difícil está em não se conseguir clas­ sificação – lembrando que muitos que se classificam não obtêm notas altas – porque o que é difícil para um, em ge­ ral, é difícil para todos. A dificuldade na 1a fase é a dificuldade de passar para a 2a fase. Vejamos então essa questão na Unicamp e na Fuvest. Em 2015, o total de vagas ofereci­ das pela Fuvest é 11 177. Praticamen­ te o mesmo que em 2014, quando a Fuvest convocou 30 345 candidatos para a 2a fase. Foram convocados 2,7 can­didatos por vaga. Já a Unicamp levou 15 761 candida­ tos para a 2a fase de 2014. Consideran­ do que ofereceu 3 460 vagas, foram convocados 4,5 candidatos por vaga.

Como se vê, para cada vaga, a Unicamp convoca 67% a mais do que a Fuvest. Proporcionalmente é bem mais. A diferença se deve aos critérios de convocação de cada instituição. En­ quanto a Fuvest convoca no máximo 3 candidatos por vaga, a Unicamp chama para a 2a fase, conforme o curso, de 3 a 6 candidatos por vaga. Portanto, nesse aspecto, podemos dizer que a Unicamp é “menos exigente” do que a Fuvest.

Papel do Enem

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didatos têm adicionados 60 pontos à sua nota (Obs.: cada 100 pontos repre­ sentam um desvio-padrão nas médias; portanto, o bônus dá 60% de um des­ vio-padrão). Os que se autodeclararem pretos, pardos ou indígenas (segundo a classificação utilizada pelo IBGE), terão adicionados outros 20 pontos, além dos 60. (Obs.: um candidato par­ do e de escola pública tem 80 pontos).

Unicamp: uma mudança para 2016

A nota obtida na prova de Conheci­ mentos Gerais do Enem (Exame Na­ cional do Ensino Médio) é utilizada pela Unicamp para compor a nota da 1a fa­se quando seu uso é autorizado pelo can­ didato no formulário de inscrição. E só é utilizada se compuser uma nota me­ lhor para o candidato. Entretanto, isso irá depender da velocidade com que o MEC vai entregar as notas do Enem. Se a entrega ocorrer após o dia 27 de no­ vembro, as notas do Enem (de 2013 ou de 2014) não serão consideradas nessa fase do vestibular para a convocação à 2a fase. Mas elas ainda poderão ser usadas para aumentar a nota da 1a fase no cálculo da nota final do vestibular – se o MEC disponibilizar o cadastro com as notas do Enem 2014 até 20 de janei­ ro de 2015. Caso contrário, as notas de 2013 ou de 2014 (a que for mais alta) não serão consideradas para nenhum candidato do vestibular. Há uma fórmula para a influência do Enem na nota da 1a fase, que ba­ sicamente dá à nota do Enem, após padronização, peso 20, e à nota da 1a fase padronizada, o peso 80. A fór­ mula só se aplica se a nota padroniza­ da do Enem for maior do que a nota padronizada da 1a fase. Isto é, só se o Enem ajudar a aumentar a nota. Se diminuir, ele não é aplicado.

Há oito anos a Unicamp e a Fuvest apresentam a mesma lista de obras de literatura brasileira e portuguesa como leitura obrigatória para os can­ didatos. Esse modelo vale ainda em 2015, mas, a partir de 2016, a Unicamp terá lista própria, com 12 obras. Seis obras da lista atual serão mantidas. Se­ gundo a coordenação do vestibular da Unicamp, a nova lista (a ser renovada anualmente) “será composta de obras de diferentes gêneros e extensões, podendo incluir romances, coletâneas de poemas e peças teatrais, mas tam­ bém textos curtos, como contos, crô­ nicas, peças de oratória ou de crítica, a fim de levar o vestibulando a ampliar o seu campo de estudos sem sobre­ carregá-lo no volume de leituras”. Veja a seguir como fica a lista para 2016 da Unicamp – com o que permanece e com o que muda.

Ação afirmativa

Poesia: Terra sonâmbula, Mia Couto; Sonetos, Luís de Camões. Contos: “Amor” (Laços de família), Clarice Lispector; “A hora e vez de Augusto Matraga” (Sagarana), Guimarães Rosa; “Negrinha” (Negrinha), Monteiro Lobato. Teatro: Lisbela e o prisioneiro, Osman Lins.

Como a Fuvest, a Unicamp tam­ bém oferece bônus nas médias dos candidatos que fizeram todo o Ensi­ no Médio em escolas públicas. Para a Unicamp, com o Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social (Paais), após a 2a fase do vestibular esses can­

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Permanecem da lista de 2015 Viagens na minha terra, Almeida Garret; O cortiço, Aluísio Azevedo; Capitães da Areia, Jorge Amado; Til, José de Alencar; Memórias póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis; Sentimento do mundo, Carlos Drum­ mond de Andrade.

Novas obras para 2016

Jornal ETAPA, editado por Etapa Ensino e Cultura REDAÇÃO: Rua Vergueiro, 1 987 – CEP 04101-000 – Paraíso – São Paulo – SP JORNALISTA RESPONSÁVEL: Egle M. Gallian – M.T. 15343


CONTO

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A igreja do Diabo Machado de Assis Capítulo I De uma ideia mirífica

C

onta um velho manuscrito beneditino que o Diabo, em certo dia, teve a ideia de fundar uma igreja. Embora os seus lucros fossem contínuos e grandes, sentia-se humilhado com o papel avulso que exercia desde séculos, sem organização, sem regras, sem cânones, sem ritual, sem nada. Vivia, por assim dizer, dos remanescentes divinos, dos descuidos e obséquios humanos. Nada fixo, nada regular. Por que não teria ele a sua igreja? Uma igreja do Diabo era o meio eficaz de combater as outras religiões, e destruí-las de uma vez. – Vá, pois, uma igreja, concluiu ele. Escritura contra Escritura, breviário contra breviário. Terei a minha missa, com vinho e pão à farta, as minhas prédicas, bulas, novenas e todo o demais aparelho eclesiástico. O meu credo será o núcleo universal dos espíritos, a minha igreja uma tenda de Abraão. E depois, enquanto as outras religiões se combatem e se dividem, a minha igreja será única; não acharei diante de mim, nem Maomé, nem Lutero. Há muitos modos de afirmar; há só um de negar tudo. Dizendo isto, o Diabo sacudiu a cabeça e estendeu os braços, com um gesto magnífico e varonil. Em seguida, lembrou-se de ir ter com Deus para comunicar-lhe a ideia, e desafiá-lo; levantou os olhos, acesos de ódio, ásperos de vingança, e disse consigo: – Vamos, é tempo. E rápido, batendo as asas, com tal estrondo que abalou todas as províncias do abismo, arrancou da sombra para o infinito azul.

Capítulo II Entre Deus e o Diabo Deus recolhia um ancião, quando o Diabo chegou ao céu. Os serafins que engrinaldavam o recém-chegado, detiveram-se logo, e o Diabo deixou-se estar à entrada com os olhos no Senhor. – Que me queres tu? perguntou este. – Não venho pelo vosso servo Fausto, respondeu o Diabo rindo, mas por todos os Faustos do século e dos séculos. – Explica-te. – Senhor, a explicação é fácil; mas permiti que vos diga: recolhei primeiro esse bom velho; dai-lhe o melhor lugar, mandai que as mais afinadas cítaras e alaúdes o recebam com os mais divinos coros... – Sabes o que ele fez? perguntou o Senhor, com os olhos cheios de doçura. – Não, mas provavelmente é dos últimos que virão ter convosco. Não tarda muito que o céu fique semelhante a uma casa vazia, por causa do preço, que é alto. Vou edificar uma hospedaria barata; em duas palavras, vou fundar uma igreja. Estou cansado da minha desorganização, do meu reinado casual e adventício. É tempo de obter a vitória final e completa. E então vim dizer-vos isto, com

lealdade, para que me não acuseis de dissimulação... Boa ideia, não vos parece? – Vieste dizê-la, não legitimá-la, advertiu o Senhor. – Tendes razão, acudiu o Diabo; mas o amor-próprio gosta de ouvir o aplauso dos mestres. Verdade é que neste caso seria o aplauso de um mestre vencido, e uma tal exigência... Senhor, desço à terra; vou lançar a minha pedra fundamental. – Vai. – Quereis que venha anunciar-vos o remate da obra? – Não é preciso; basta que me digas desde já por que motivo, cansado há tanto da tua desorganização, só agora pensaste em fundar uma igreja? O Diabo sorriu com certo ar de escárnio e triunfo. Tinha alguma ideia cruel no espírito, algum reparo picante no alforje da memória, qualquer cousa que, nesse breve instante da eternidade, o fazia crer superior ao próprio Deus. Mas recolheu o riso, e disse: – Só agora concluí uma observação, começada desde alguns séculos, e é que as virtudes, filhas do céu, são em grande número comparáveis a rainhas, cujo manto de veludo rematasse em franjas de algodão. Ora, eu proponho-me a puxá-las por essa franja, e trazê-las todas para minha igreja; atrás delas virão as de seda pura... – Velho retórico! murmurou o Senhor. – Olhai bem. Muitos corpos que ajoelham aos vossos pés, nos templos do mundo, trazem as anquinhas da sala e da rua, os rostos tingem-se do mesmo pó, os lenços cheiram aos mesmos cheiros, as pupilas centelham de curiosidade e devoção entre o livro santo e o bigode do pecado. Vede o ardor, – a indiferença, ao menos, – com que esse cavalheiro põe em letras públicas os benefícios que liberalmente espalha, – ou sejam roupas ou botas, ou moedas, ou quaisquer dessas matérias necessárias à vida... Mas não quero parecer que me detenho em cousas miúdas; não falo, por exemplo, da placidez com que este juiz de irmandade, nas procissões, carrega piedosamente ao peito o vosso amor e uma comenda... Vou a negócios mais altos... Nisto os serafins agitaram as asas pesadas de fastio e sono. Miguel e Gabriel fitaram no Senhor um olhar de súplica. Deus interrompeu o Diabo. – Tu és vulgar, que é o pior que pode acontecer a um espírito da tua espécie, replicou-lhe o Senhor. Tudo o que dizes ou digas está dito e redito pelos moralistas do mundo. É assunto gasto; e se não tens força, nem originalidade para renovar um assunto gasto, melhor é que te cales e te retires. Olha; todas as minhas le­ giões mostram no rosto os sinais vivos do tédio que lhes dás. Esse mesmo ancião parece enjoado; e sabes tu o que ele fez? – Já vos disse que não. – Depois de uma vida honesta, teve uma morte sublime. Colhido em um naufrágio, ia

salvar-se numa tábua; mas viu um casal de noivos, na flor da vida, que se debatiam já com a morte; deu-lhes a tábua de salvação e mergulhou na eternidade. Nenhum público: a água e o céu por cima. Onde achas aí a franja de algodão? – Senhor, eu sou, como sabeis, o espírito que nega. – Negas esta morte? – Nego tudo. A misantropia pode tomar aspecto de caridade; deixar a vida aos outros, para um misantropo, é realmente aborrecê-los... – Retórico e sutil! exclamou o Senhor. Vai; vai, funda a tua igreja; chama todas as virtudes, recolhe todas as franjas, convoca todos os homens... Mas, vai! vai! Debalde o Diabo tentou proferir alguma cousa mais. Deus impusera-lhe silêncio; os serafins, a um sinal divino, encheram o céu com as harmonias de seus cânticos. O Diabo sentiu, de repente, que se achava no ar; dobrou as asas, e, como um raio, caiu na terra.

Capítulo III A boa nova aos homens Uma vez na terra, o Diabo não perdeu um minuto. Deu-se pressa em enfiar a cogula beneditina, como hábito de boa fama, e entrou a espalhar uma doutrina nova e extraordinária, com uma voz que reboava nas entranhas do século. Ele prometia aos seus discípulos e fiéis as delícias da terra, todas as glórias, os deleites mais íntimos. Confessava que era o Diabo; mas confessava-o para retificar a noção que os homens tinham dele e desmentir as histórias que a seu respeito contavam as velhas beatas. – Sim, sou o Diabo, repetia ele; não o Diabo das noites sulfúreas, dos contos soníferos, terror das crianças, mas o Diabo verdadeiro e único, o próprio gênio da natureza, a que se deu aquele nome para arredá-lo do coração dos homens. Vede-me gentil e airoso. Sou o vosso verdadeiro pai. Vamos lá: tomai daquele nome, inventado para meu desdouro, fazei dele um troféu e um lábaro, e eu vos darei tudo, tudo, tudo, tudo, tudo, tudo... Era assim que falava, a princípio, para excitar o entusiasmo, espertar os indiferentes, congregar, em suma, as multidões ao pé de si. E elas vieram; e logo que vieram, o Diabo passou a definir a doutrina. A doutrina era a que podia ser na boca de um espírito de negação. Isso quanto à substância, porque, acerca da forma, era umas vezes sutil, outras cínica e deslavada. Clamava ele que as virtudes aceitas deviam ser substituídas por outras, que eram as naturais e legítimas. A soberba, a luxúria, a preguiça foram reabilitadas, e assim também a avareza, que declarou não ser mais do que a mãe da economia, com a diferença que a mãe era robusta, e a filha uma esgalgada. A ira tinha a melhor defesa na existência de Homero; sem o furor de Aquiles, não haveria a Ilíada:


CONTO “Musa, canta a cólera de Aquiles, filho de Peleu”... O mesmo disse da gula, que produziu as melhores páginas de Rabelais, e muitos bons versos do Hissope; virtude tão superior, que ninguém se lembra das batalhas de Luculo, mas das suas ceias; foi a gula que realmente o fez imortal. Mas, ainda pondo de lado essas razões de ordem literária ou histórica, para só mostrar o valor intrínseco daquela virtude, quem negaria que era muito melhor sentir na boca e no ventre os bons manjares, em grande cópia, do que os maus bocados, ou a saliva do jejum? Pela sua parte o Diabo prometia substituir a vinha do Senhor, expressão metafórica, pela vinha do Diabo, locução direta e verdadeira, pois não faltaria nunca aos seus com o fruto das mais belas cepas do mundo. Quanto à inveja, pregou friamente que era a virtude principal, origem de prosperidades infinitas; virtude preciosa, que chegava a suprir todas as outras, e ao próprio talento. As turbas corriam atrás dele entusiasmadas. O Diabo incutia-lhes, a grandes golpes de eloquência, toda a nova ordem de cousas, trocando a noção delas, fazendo amar as perversas e detestar as sãs. Nada mais curioso, por exemplo, do que a definição que ele dava da fraude. Chamava-lhe o braço esquerdo do homem; o braço direito era a força; e concluía: muitos homens são canhotos, eis tudo. Ora, ele não exigia que todos fossem canhotos; não era exclusivista. Que uns fossem canhotos, outros destros; aceitava a todos, menos os que não fossem nada. A demonstração, porém, mais rigorosa e profunda, foi a da venalidade. Um casuísta do tempo chegou a confessar que era um monumento de lógica. A venalidade, disse o Diabo, era o exercício de um direito superior a todos os direitos. Se tu podes vender a tua casa, o teu boi, o teu sapato, o teu chapéu, cousas que são tuas por uma razão jurídica e legal, mas que, em todo caso, estão fora de ti, como é que não podes vender a tua opinião, o teu voto, a tua palavra, a tua fé, cousas que são mais do que tuas, porque são a tua própria consciência, isto é, tu mesmo? Negá-lo é cair no absurdo e no contraditório. Pois não há mulheres que vendem os cabelos? não pode um homem vender uma parte do seu sangue para transfundi-lo a outro homem anêmico? e o sangue e os cabelos, partes físicas, terão um privilégio que se nega ao caráter, à porção moral do homem? Demonstrando assim o princípio, o Diabo não se demorou em expor as vantagens de ordem temporal ou pecuniária; depois, mostrou ainda que, à vista do preconceito social, conviria dissimular o exercício de um direito tão legítimo, o que era exercer ao mesmo tempo a venalidade e a hipocrisia, isto é, merecer duplicadamente.

E descia, e subia, examinava tudo, retificava tudo. Está claro que combateu o perdão das injúrias e outras máximas de brandura e cordialidade. Não proibiu formalmente a calúnia gratuita, mas induziu a exercê-la mediante retribuição, ou pecuniária, ou de outra espécie; nos casos, porém, em que ela fosse uma expansão imperiosa da força imaginativa, e nada mais, proibia receber nenhum salário, pois equivalia a fazer pagar a transpiração. Todas as formas de respeito foram condenadas por ele, como elementos possíveis de um certo decoro social e pessoal; salva, todavia, a única exceção do interesse. Mas essa mesma exceção foi logo eliminada, pela consideração de que o interesse, convertendo o respeito em simples adulação, era este o sentimento aplicado e não aquele. Para rematar a obra, entendeu o Diabo que lhe cumpria cortar por toda a solidariedade humana. Com efeito, o amor do próximo era um obstáculo grave à nova instituição. Ele mostrou que essa regra era uma simples invenção de parasitas e negociantes insolváveis; não se devia dar ao próximo senão indiferença; em alguns casos, ódio ou desprezo. Chegou mesmo à demonstração de que a noção de próximo era errada, e citava esta frase de um padre de Nápoles, aquele fino e letrado Galiani, que escrevia a uma das marquesas do antigo regime: “Leve a breca o próximo! Não há próximo!” A única hipótese em que ele permitia amar ao próximo era quando se tratasse de amar as damas alheias, porque essa espécie de amor tinha a particularidade de não ser outra cousa mais do que o amor do indivíduo a si mesmo. E como alguns discípulos achassem que uma tal explicação, por metafísica, escapava à compreensão das turbas, o Diabo recorreu a um apólogo: – Cem pessoas tomam ações de um banco, para as operações comuns; mas cada acionista não cuida realmente senão nos seus dividendos: é o que acontece aos adúlteros. Este apólogo foi incluído no livro da sabedoria.

Capítulo IV Franjas e franjas A previsão do Diabo verificou-se. Todas as virtudes cuja capa de veludo acabava em franja de algodão, uma vez puxadas pela franja, deitavam a capa às urtigas e vinham alistar-se na igreja nova. Atrás foram chegando as outras, e o tempo abençoou a instituição. A igreja fundara-se; a doutrina propagava-se; não havia uma região do globo que não a conhecesse, uma língua que não a traduzisse, uma raça que não a amasse. O Diabo alçou brados de triunfo. Um dia, porém, longos anos depois notou o Diabo que muitos dos seus fiéis, às escon-

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didas, praticavam as antigas virtudes. Não as praticavam todas, nem integralmente, mas algumas, por partes, e, como digo, às ocultas. Certos glutões recolhiam-se a comer frugalmente três ou quatro vezes por ano, justamente em dias de preceito católico; muitos avaros davam esmolas, à noite, ou nas ruas mal povoadas; vários dilapidadores do erário restituíam-lhe pequenas quantias; os fraudulentos falavam, uma ou outra vez, com o coração nas mãos, mas com o mesmo rosto dissimulado, para fazer crer que estavam embaçando os outros. A descoberta assombrou o Diabo. Meteu-se a conhecer mais diretamente o mal, e viu que lavrava muito. Alguns casos eram até incompreensíveis, como o de um droguista do Levante, que envenenara longamente uma geração inteira, e, com o produto das drogas socorria os filhos das vítimas. No Cairo achou um perfeito ladrão de camelos, que tapava a cara para ir às mesquitas. O Diabo deu com ele à entrada de uma, lançou-lhe em rosto o procedimento; ele negou, dizendo que ia ali roubar o camelo de um drogman; roubou-o, com efeito, à vista do Diabo e foi dá-lo de presente a um muezim, que rezou por ele a Alá. O manuscrito beneditino cita muitas outras descobertas extraordinárias, entre elas esta, que desorientou completamente o Diabo. Um dos seus melhores apóstolos era um calabrês, varão de cinquenta anos, insigne falsificador de documentos, que possuía uma bela casa na campanha romana, telas, estátuas, biblioteca, etc. Era a fraude em pessoa; chegava a meter-se na cama para não confessar que estava são. Pois esse homem, não só não furtava ao jogo, como ainda dava gratificações aos criados. Tendo angariado a amizade de um cônego, ia todas as semanas confessar-se com ele, numa capela solitária; e, conquanto não lhe desvendasse nenhuma das suas ações secretas, benzia-se duas vezes, ao ajoelhar-se, e ao levantar-se. O Diabo mal pôde crer tamanha aleivosia. Mas não havia duvidar; o caso era verdadeiro. Não se deteve um instante. O pasmo não lhe deu tempo de refletir, comparar e concluir do espetáculo presente alguma cousa análoga ao passado. Voou de novo ao céu, trêmulo de raiva, ansioso de conhecer a causa secreta de tão singular fenômeno. Deus ouviu-o com infinita complacência; não o interrompeu, não o repreendeu, não triunfou, sequer, daquela agonia satânica. Pôs os olhos nele, e disse: – Que queres tu, meu pobre Diabo? As capas de algodão têm agora franjas de seda, como as de veludo tiveram franjas de algodão. Que queres tu? É a eterna contradição humana. Extraído de: Onze contos de Machado de Assis.

Biografia Joaquim Maria Machado de Assis nasceu em 1839 no Rio de Janeiro. Filho do pintor, mulato, Francisco José de Assis e da portuguesa Maria Leopoldina Machado de Assis. Sua carreira literária teve início cedo, aos 16 anos, quando publicou o poema “Ela”, no jornal de Paula Brito, A Marmota Fluminense, onde continuou como colaborador. Em 1861, publicou as primeiras peças, Desencantos e queda que as mulheres têm para os tolos. Seus primeiros contos foram publicados no Jornal das Famílias; o primeiro livro de versos, Crisálidas, foi editado em 1864; e o primeiro romance, Ressurreição, é de 1872. No ano seguinte publicou Histórias da meia-noite. Sua fase madura, ou a fase realista, teve início com a publicação, em 1881, das Memórias póstumas de Brás Cubas. Suas Poesias completas foram publicadas em volume em 1901. Em 1908, publicou o último livro, Memorial de Aires, e morreu no dia 29 de setembro.


ARTIGO

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Einstein sabia somar? Carlos Eduardo Bindi

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m 1905, um jovem de 25 anos inaugu­ rou uma das mais fantásticas realiza­ ções humanas. Desse jovem surgiram a explicação de onde vem a energia que sus­ tenta a vida e a teoria que permitiu ao homem reproduzir em nosso planeta as fornalhas estelares. Além de chegar a mais algumas hipóteses estranhas (mas verdadeiras) que admitem a possibilidade de crianças nascidas gêmeas poderem vir a apresentar enormes diferenças entre suas idades biológicas. Basicamente tudo começou quando o nos­ so rapaz decidiu negar um dos mais bem esta­ belecidos conceitos da ciência, como iremos contar a seguir. Vejamos, pois, um pouco dessa história. Todo mundo sabe que se uma pessoa sobe um degrau por segundo numa escada rolante e se a própria escada sobe a 2 degraus por segundo, o resultado será alguém subindo a 3 degraus por segundo. Nem é preciso estudar Física para saber isso. É só ir às compras num shopping center. A lei da composição de movimentos (ou da adição de velocidades) generaliza esse fato simples: v = v1 + v2, etc. É esta a raiz do princípio da relatividade de Newton e Galileu, uma das leis mais básicas e fundamentais da chamada Física Clássica.

Na verdade, o que intrigava Albert era algo estranho que todo mundo conhecia na época. Algo que havia sido estabelecido pouco de­ pois da metade do século XIX, por um gran­ de escocês ao qual muito devemos do nosso mundo cheio de comunicação sem fio. Vamos nos demorar um pouco neste esco­ cês, para finalmente chegarmos ao estranho de nossa questão, quando juntando 1 e 2 não fazemos 3.

O grande Newton

Maxwell: teoria que revela o invisível

Quando se fala em Física Clássica, o gran­ de nome é Isaac Newton. Conhece? O que nasceu em 1642, ano em que morreu outro grande cientista, Galileu Galilei. Newton foi um físico que criou um dos mais magníficos livros já escritos, o Principia (como é conhecido seu Princípios matemáticos da Filosofia Natural), no qual deduziu como se movem objetos sob a ação de forças aceleradoras e gravitacionais. Explicou como calcular o movimento nos céus e na terra. As moderníssimas naves que cruzam o espaço podem atingir elegantemente um planeta dis­ tante bem no alvo pretendido depois de um balé executado sob o comando de fórmulas escritas por Newton há mais de 300 anos. Nem é preciso ressaltar que essa mecânica newtoniana tem qualidades enormes para conduzir um disparo de foguete com tamanha precisão. Não é de admirar que muitos consi­ deram Newton o maior cientista de todos os tempos. E é muito fácil entender por que no come­ ço do século XX todo mundo tirava o chapéu para o grande Newton sem ousar mexer em nenhum de seus pressupostos.

O jovem Albert Bem, quase todo mundo. Um jovem que entrou no século XX com 20 anos tinha suas dúvidas. Albert era seu nome e seria lembra­ do depois pelo sobrenome e por uma foto in­ discreta em sua velhice, com a língua de fora. Por que dúvidas? Rebeldia de jovem? Pura criatividade com ideias surgindo da mera ge­ nialidade?

O físico, fantástico, a quem muito deve­ mos hoje é James Clerk Maxwell. Ele nasceu em 1831, exatamente quando um grande experimentador chamado Michael Faraday descobria que ímãs em movimento dentro de fios enrolados podem induzir neles corrente elétrica. Faraday inventou a ideia de campos de forças, elétricos e magnéticos. Maxwell, um excelente matemático, pri­ meiramente traduziu as ideias de campo cria­ das por Faraday em fórmulas (de um tipo cha­ mado “equações diferenciais parciais”). Uma de suas fórmulas expressava que campos magnéticos variáveis no tempo se associa­ vam a campos elétricos variáveis no espaço. Até aí não produziu nenhuma novidade, a não ser formas elegantes de cálculo para velhas ideias de Faraday e outros. Porém... tchan, tchan, tchan, tchannnn… Maxwell resolveu imaginar o que ocorreria se um campo elétrico variasse no tempo. Por volta de 1866 formulou uma outra lei, que não tirou de nenhuma experiência, que foi produ­ to de suas considerações teóricas (de haver uma simetria entre fenômenos elétricos e magnéticos). Com esse passo ele chegou por dedução formal (por fórmulas) à hipótese da existência de algo que denominou ondas ele­ tromagnéticas. Sim, as ondas eletromagnéti­ cas que hoje transportam nossos programas de rádio e televisão. As ondas que na modali­ dade do infravermelho fazem funcionar nosso controle remoto. Ou que na forma dos raios X fazem a imagem de nossos pulmões e os­ sos ser gravada na radiografia. Que como ul­

travioleta produzem o bronzeamento da pele (e câncer também). E, finalmente, ondas ele­ tromagnéticas que na forma de luz fazem-nos enxergar as cores das flores, o azul do céu, o brilhar do sol.

Coincidência? Ondas eletromagnéticas eram apenas hi­ pótese, não uma percepção experimental do que havia. Em 1866, não se conheciam ondas de rádio, de raios X, do ultravioleta, do infravermelho. Embora existissem, es­ sas ondas eram despercebidas na nature­ za. Delas, somente a luz era perceptível, tendo já sido bem trabalhada por experiências e com leis bem estabelecidas explicando dos espelhos às cores do arco-íris (Newton também havia cuidado disso). Maxwell tirou suas ondas a partir de al­ gumas operações matemáticas. Concluiu-se que a luz é uma onda eletromagnética porque ao deduzir a velocidade dessas ondas (só com matemática e conhecimentos nada ligados à luz) chega-se a 300 mil quilômetros por se­ gundo, aproximadamente. Do lápis surge um número que as experiências já haviam mos­ trado ser precisamente o da velocidade da luz no vácuo. E mais: ondas eletromagnéticas se movem, pelas equações de Maxwell, do jeiti­ nho que a luz faz, com reflexões, refrações, difrações e interferências. Que a luz até pudesse ser uma onda eletro­ magnética não seria, portanto, estranho. Mas, na época da hipótese de Maxwell, muitos du­ vidaram que houvesse, com frequências dife­ rentes da luz, outras ondas, não visíveis. Não demorou muito, entretanto, para essa dúvida ser eliminada. Em 1888, um alemão chamado Heinrich Hertz (adivinhe: por que frequência mede-se em Hertz?) conseguiu fazer osciladores que geravam ondas não visíveis do tipo de Maxwell. Conseguiu fa­ zer detectores que as recebiam. E conse­ guiu medir a velocidade dessas ondas. Não deu outra. Elas avançavam nos mesmos impressionantes 300 mil quilômetros por segundo da luz, no vácuo. Como previra Maxwell. Fantástico. Pouco depois se desco­ bririam os raios X e, menos de 50 anos após o papel ter antecipado aquilo que os olhos não percebiam, o homem passou a se comunicar com ajuda do invisível. Primeiro foi o rádio, de­ pois a TV. Hoje o celular. E vivemos até assus­ tados com tanta onda em nossa volta. Mas o mais fantástico não foi dito ainda.

A soma errada Falamos no começo da escada rolante. Va­ mos agora a uma estrada. Estamos indo para um sítio distante 120 km encontrar um amigo e caminhamos a 60 km/h. Se ele estiver para­ do, levaremos 2 horas para encontrá-lo. Mas se ele vier a 60 km/h em nossa direção, nós iremos achá-lo após 1 hora apenas. Em Física há muitos probleminhas com dados assim. Di­ zemos que a velocidade nossa relativa ao ami­ go que vem ao nosso encontro é de 60 + 60 =


ARTIGO = 120 km/h. Faz sentido, pois a distância nos­ sa, de 120 km, reduziu-se a zero em 1 hora. Velocidades são algo relativo. Dependem do referencial que usamos. Em relação ao amigo andamos 120 km/h. Em relação ao sítio mantemos 60 km/h (para chegar ao sítio preci­ saremos ainda das 2 horas). Mas as equações de Maxwell pareciam fu­ gir a este esquema. A velocidade de 300 mil quilômetros por segundo surgia de um cálculo em que entravam constantes experimentais da eletricidade e do magnetismo sem qualquer referencial. Era algo que podemos dizer abso­ 1 luto (v = = 300 000 km/s, sendo µ0 $ ε0 µ0 = constante de permeabilidade magnética do meio e ε0 = constante de permissividade elétrica do meio). Se Newton e Galileu estavam certos, isso estava errado. Pois pelas leis de Maxwell, se formos depressa ao encontro da luz, ela conti­ nuará chegando até nós do mesmo modo que se estivermos parados. Se corrermos para a luz com velocidade de 100 000 km/s e ela vier para nós com seus 300 000 km/s, o resulta­ do será que ela continuará com os mesmos 300 000 km/s. A soma dos 100 com os 300 não vai a 400. Qual seria o erro de Maxwell? Como corrigir o problema?

Invertendo a solução No final do século XIX, algumas experiên­ cias mostravam que aparentemente a luz real­ mente exibia sempre a mesma velocidade, independentemente de medirmos essa veloci­ dade nos movendo na sua direção ou em dire­ ção contrária a ela. Várias tentativas de explicar isso foram feitas. Uma delas, bem engenhosa, usava a ideia de que os objetos são feitos por cargas negativas esféricas que se achatavam na direção do movimento e que isso permitiria explicar, numericamente, a aparente falta de acerto na adição das velocidades. De fato, o que se tentava era manter as ideias poderosas sobre movimento de Newton e ajustar as coisas classicamente para não rejeitar Maxwell. É nesse ponto que o jovem Albert Einstein, de 25 anos, resolve parar de fazer o rabo ba­ lançar o cachorro.

Pensa: Newton é grande porque inova fa­ zendo uma sinfonia matemática para o movi­ mento da natureza. Maxwell é fantástico, pois revela coisas mais incríveis ainda no mundo. Todas as tentativas de ajustar Maxwell a Newton são como o rabo que tenta mover o cachorro. Ele então ousa uma hipótese, que transforma em postulado de sua teoria: a luz tem velocidade constante e independe de qualquer referencial. Mas isso cria proble­ mas para as leis da Física conhecidas. Einstein resolve os problemas mudando o princípio clássico da composição de veloci­ dades para que, tudo ajustado, permita expli­ car como a soma das velocidades pode ser aquela que conhecemos na escada rolante do shopping ao mesmo tempo que nunca permi­ ta que cheguemos a somar mais de 300 mil quilômetros por segundo. Para isso ele precisa usar um referencial temporal e um referencial de distâncias que dependem do movimento relativo. Einstein cria assim, em 1905, a chamada Teoria da Relatividade Especial. Para ajustar a soma de velocidades, ele abandona ideias clássicas de movimento. Para preservar a constância da velocidade da luz, que na sua teoria torna-se uma hipótese de partida, ele relativiza os parâmetros mesmos que medem espaço e tempo. Einstein presta assim sua grande homenagem a Maxwell, cuja teoria fica completamente justificada. Para isso ele desmonta algumas hipóteses de Newton. Se Einstein tem razão, por que Newton teve e tem tanto sucesso na explicação do movimento?

Verdade como aproximação A questão é que os problemas surgem para a mecânica clássica apenas quando usamos movimentos com velocidades extremamen­ te altas. Nos casos comuns, tudo se resolve com o princípio clássico da relatividade, com suas somas bem-comportadas e simples. Nas velocidades comuns, o sistema clássi­ co é muito adequado e bem aproximadamen­ te correto. Mesmo foguetes muito rápidos não fogem do padrão clássico. A relatividade mostra sua força em extremos nos quais a mecânica de Newton deixa de se aplicar.

7

A fórmula mais famosa do mundo Maxwell só foi totalmente aceito quando se provou efetivamente existir aquilo que sua teoria antecipava. A relatividade de Einstein acabou mostrando sua força quando, num apêndice a seus cálculos, o grande cientista deduziu mais uma coisinha. Que energia e massa tinham uma tradução.

E = m ⋅ c2 Por trás da enorme simplicidade dessa equação, a mais famosa de todas as fórmu­ las da Física, Einstein intuiu a possibilidade de se obter gigantescas quantidades de energia com mínimas quantidades de matéria. Observações posteriores foram confirman­ do sua hipótese. A bomba atômica foi a mais prática e trágica demonstração de seu acerto teórico. Einstein tinha pouco mais de 25 anos quan­ do publicou seu artigo sobre aquilo que veio a se chamar de Teoria da Relatividade Especial. Ele fez mais dois outros artigos fundamentais no mesmo ano. Aos 36 anos, ele produz uma das mais ma­ gistrais teorias, hoje utilizada para explicar a ori­ gem e o desenvolvimento do universo. Ela foi a Teoria da Relatividade Geral, que substituiu a Teoria da Gravidade Clássica de Newton. Bu­ racos negros e toda a moderna ciência do cos­ mos se apoiam nessa teoria. Experiências feitas em 1919 durante um eclipse solar, no Brasil e na África, ajudaram a comprovar a teoria geral de Einstein, que previa haver desvio da luz por campos gravi­ tacionais. Um feito tão impressionante que Einstein foi aclamado como herói por todo mundo. As manchetes dos jornais saudaram o fato: “Teoria de Einstein triunfa”. Após 1920, Einstein passou o resto da vida tentando uma superteoria para unir todo o co­ nhecimento físico do átomo às estrelas. Não chegou lá, mas aquilo que em sua juventude nos legou, mudou completamente o mundo (teórico e prático) em que vivemos. Ah... sim, e ele mostrou que sabia somar.

(ENTRE PARÊNTESIS)

Você também se salvaria? Um inglês é feito prisioneiro de uma tribo de selvagens. O chefe da tribo diz-lhe: – Nossa tribo cultua basicamente dois deuses: o Deus da Verdade e o Deus da Mentira. Você vai morrer, pois você é nosso prisioneiro e todo prisioneiro nosso deve morrer. Porém, temos um ritual e queremos que você colabore nele. Você, hoje à noite, vai enunciar uma sentença. Se a sua sentença for verdadeira, você será sacrificado no altar do Deus da Verdade e se for falsa, você será sacrificado no altar do Deus da Mentira. Que seja uma sentença cujo sentido esteja ao nosso alcance, pois se não for, daremos, por princípio, à sua sentença, a denotação falsa. O inglês, depois de fumar um pouco seu cachimbo, deu um sorriso e aguardou ansiosamente a hora do ritual. Na hora H enunciou uma sentença e não morreu em nenhum dos altares. Qual seria a sentença para você, como o inglês, não morrer?

RESPOSTA A frase é: “Eu vou morrer no altar do Deus da Mentira.”


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POIS É, POESIA

Augusto dos Anjos (1884-1914) Solitário

C omo um fantasma que se refugia

Na solidão da natureza morta, Por trás dos ermos túmulos, um dia, Eu fui refugiar-me à tua porta! Fazia frio e o frio que fazia Não era esse que a carne nos conforta... Cortava assim como em carniçaria O aço das facas incisivas corta!

Predeterminação imprescritível Oriunda da infra-astral Substância calma Plasmou, aparelhou, talhou minha alma Para cantar de preferência o Horrível!

Quando a promiscuidade aterradora Matar a última força geradora E comer o último óvulo do ventre!

Na canonização emocionante, Da dor humana, sou maior que Dante, – A águia dos latifúndios florentinos!

Apocalipse

Sistematizo, soluçando, o Inferno... E trago em mim, num sincronismo eterno A fórmula de todos os destinos!

Os séculos efêmeros e nota Diminuição dinâmica, derrota Na atual força, integérrima, da Massa.

Mas tu não vieste ver minha Desgraça! E eu saí, como quem tudo repele, – Velho caixão a carregar destroços –

O lupanar

Levando apenas na tumbal carcaça O pergaminho singular da pele E o chocalho fatídico dos ossos!

Prenderam para sempre, nesta rede, Dentro do ângulo diedro da parede, A alma do homem polígamo e lascivo?!

A h! Por que monstruosíssimo motivo

Este lugar, moços do mundo, vede: É o grande bebedouro coletivo, Onde os bandalhos, como um gado vivo, Todas as noites, vêm matar a sede!

Minha finalidade

Turbilhão teleológico incoercível,

Que força alguma inibitória acalma, Levou-me o crânio e pôs-lhe dentro a palma Dos que amam apreender o Inapreensível!

É o afrodístico leito do hetairismo, A antecâmara lúbrica do abismo, Em que é mister que o gênero humano entre,

M inha divinatória Arte ultrapassa

É a subversão universal que ameaça A Natureza, e, em noite aziaga e ignota, Destrói a ebulição que a água alvorota E põe todos os astros na desgraça! São despedaçamentos, derrubadas, Federações sidéricas quebradas... E eu só, o último a ser, pelo orbe adiante, Espião da cataclísmica surpresa, A única luz tragicamente acesa Na universalidade agonizante! Extraído de: Eu e outras poesias, Livraria São José, Rio de Janeiro, 1965.

SOBRE AS PALAVRAS

Presente de grego A expressão, que significa dádiva ou oferta que traz prejuízo ou aborrecimento a quem a recebe, surgiu em decorrência da Guerra de Troia. A lendária história é narrada no livro Ilíada, do poeta Homero, que cobre o final de uma disputa de 10 anos (1250 a.C.-1240 a.C.) entre Grécia e Troia, cujo estopim foi o rapto de Helena, mulher do rei de Esparta, Menelau, por Páris, filho do rei troiano Príamo. Para resgatar sua esposa, o monarca pede ajuda a seu irmão Agamenon, rei de Micenas. Ele envia um enorme exército à Ásia Menor, onde montam um cerco ao redor das muralhas da cidade inimiga. O conflito só termina graças a um plano de Ulisses, rei da ilha de Ítaca. Ele ordena que as tropas finjam deixar o local da batalha e deixem à porta dos muros fortificados um imenso cavalo de madeira. Os troianos acreditam se tratar de um presente e, felizes, o colocam para dentro. À noite, os soldados gregos que estavam escondidos dentro do cavalo saem e abrem as portas da fortaleza para a invasão. Troia é arrasada; seus líderes, mortos; e Helena, levada de volta a seu país.

SERVIÇO DE VESTIBULAR Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Período de inscrição: até 18 de novembro de 2014. Somente via internet. Endereço da fa­ culdade: Rua Monte Alegre, 984 – Perdizes – São Paulo – SP – CEP: 05014-901 – Fone: (11) 3670-8000. Requisito: taxa de R$ 140,00. Cursos e vagas: consultar site www.vestibular.pucsp.br Exame: dia 7 de dezembro de 2014. Leituras obrigatórias: • Memórias póstumas de Brás Cubas – Machado de Assis.

• Sentimento do mundo – Carlos Drummond de Andrade. • Til – José de Alencar. • Viagens na minha terra – Almeida Garrett. • Vidas secas – Graciliano Ramos.

Centro Universitário Belas Artes de São Paulo (Belas Artes) Período de inscrição: até 26 de novembro de 2014. Somente via internet. Endereço da fa­culdade: Rua Dr. Álvaro Alvim, 90 – Vila Mariana – São Paulo – SP – CEP: 04018-010 – Fone: (11) 5576-7300. Requisito: taxa de R$ 80,00.

Cursos e vagas: consultar site www.belasartes.br/vestibular Exames: dia 4 ou 6 de dezembro de 2014.

Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-Sul) Período de inscrição: até 3 de dezembro de 2014. Somente via internet. Endereço da faculdade: Rua Guilherme Schell, 350 – Santo Antônio – Porto Alegre – RS – CEP: 90640-040 – Fone: (51) 3218-1300. Requisito: taxa de R$ 80,00. Cursos e vagas: consultar site www.espm.br Exame: dia 6 de dezembro de 2014.


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