Jornal do Vestibulando - 1508

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Jornal do Vestibulando

ENSINO, INFORMAÇÃO E CULTURA

JORNAL ETAPA – 2016 • DE 24/03 A 06/04

ENTREVISTA

O pouco tempo livre não foi obstáculo, e ele entrou direto na USP. Rafael de Lima Monteiro fez o Extensivo no ano passado, junto com o Ensino Médio e o Técnico. Entrou na FEA-USP, no curso de Economia. Foi aprovado também na Unicamp, Unesp e Unifesp. Aqui ele conta como superou o problema da falta de tempo e se preparou para os vestibulares. Na carreira, pretende trabalhar no mercado financeiro.

Rafael de Lima Monteiro Em 2015: Etapa Em 2016: Economia – USP

JV – Desde quando você pensava em seguir Economia? Rafael – O que contou mesmo é que Economia reúne vários interesses, tem mercado de trabalho e não é um curso superdisputado – é bem concorrido, mas nada absurdo. Até pensei em fazer Direito, mas acho que não combina muito comigo.

A escolha se deu quando? No ano passado.

Além da Fuvest, você prestou quais vestibulares? Unicamp e Unesp, também para Economia, e Enem. Pelo Enem eu passei na Unifesp, em Osasco, mas preferi a USP.

Você tinha se programado para fazer o cursinho junto com o último ano do Ensino Médio? Na verdade, as coisas não estavam tendendo para eu fazer o cursinho junto com o Ensino Médio. Eu fui meio que contra o senso comum, porque os professores achavam que a gente não devia ter feito isso. Mas eu abri mão até de sair de casa no ano passado.

Você estava confiante em sua aprovação nos vestibulares? No começo do ano eu não estava muito confiante. Fiquei mais confiante quando consegui um A

ENTREVISTA

Rafael de Lima Monteiro CONTO

A nova Califórnia – Lima Barreto SOBRE AS PALAVRAS

Ficar a ver navios

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em Redação no simulado. Mas depois não consegui mais nenhum A. E fiquei menos confiante porque eu ia muito mal nos simulados escritos.

Quais dificuldades você enfrentou no ano passado? Acho que o principal problema foi ter que equilibrar o tempo entre o Ensino Médio, o curso Técnico e o cursinho. O que mais causou problemas foi o Técnico, porque eu estava fazendo o meu TCC e não tinha muito tempo.

Como era sua rotina de estudos? Eu chegava no cursinho às 7 horas, saía ao meio-dia e meia e entrava à 1 e 15 na Federal, onde ficava até 6 da tarde. Na segunda-feira tinha aula à noite, até 9 horas. Eu prestava atenção nas aulas e procurava estudar nos intervalos. Na segunda-feira não dava para estudar em casa à noite.

Nos outros dias você ia para casa às 6 da tarde e estudava à noite? Isso.

Eu estudava o que estava com vontade. Acabei estudando mais Física do que História, Geografia e Matemática, mas mesmo em História e Geografia, matérias em que tinha mais defasagem, às vezes aparecia um assunto de que eu gostava e estudava.

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ENTRE PARÊNTESIS

N dias

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POIS É, POESIA

Gregório de Matos Guerra (1633-1696)

Eu fazia bastante exercício, tanto na área das Humanas quanto na parte das Exatas, e procurava estudar as apostilas. Eu procurava estudar tudo, porque tem que equilibrar.

Com que frequência você treinava Redação? Mesmo quando não tinha tempo eu fazia uma redação por semana. E sempre levava ao plantonista.

Como escolhia os temas? Eu pegava os temas da apostila e também os que estão no site, na área reservada. Mas achava melhor fazer as redações do JADE [reforço de Humanas do Etapa – Jornalismo, Administração, Direito e Economia], porque no reforço eles dão notas.

Qual a importância das aulas do reforço do JADE? O JADE é muito bom porque é uma revisão do que você viu durante a semana e é mais focado em exercícios. E, ao longo do ano todo, a gente faz também exercícios de 2a fase, escritos.

Nos simulados, quais eram os seus resultados?

Você estudava a matéria do dia?

ARTIGO Brasil caminha rumo à eliminação da malária, diz especialista da Opas

Qual era seu método de estudo?

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Geralmente eu ficava no C menos. O máximo que consegui foi C mais. Nos escritos eu ficava mais no D e no C menos.

No JADE a sua nota era parecida? Também. Nas redações eu ficava no C mais, C menos.

VOCÊ SABIA QUE...

Dom Quixote SERVIÇO DE VESTIBULAR

Inscrições

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ENTREVISTA

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Como é que você avaliava essas notas? a

Eu achava que tinha que ir muito bem na 1 fase, porque se dependesse só da 2a eu não ia passar.

Você estudava à noite em casa. Quando tinha alguma dúvida, como resolvia? As dúvidas eu levava para os professores do cursinho, para os plantonistas, ou perguntava na escola.

Com o tempo tomado por aulas, quando você ia ao Plantão de Dúvidas? Realmente, eu não tinha muito tempo, mas saía cinco minutos mais cedo da última aula e ia direto para o plantão. Às vezes atrasava para ir para a Federal.

Em quais matérias você recorria mais ao plantão? Matemática, sempre.

Você gostava mais de Física e tinha dificuldade em História e Geografia, mas Matemática era a matéria que o levava mais ao plantão? Era. Matemática era uma das matérias prioritárias de Economia na 2a fase da Fuvest. As outras eram História e Geografia.

Você leu as obras obrigatórias da Fuvest? Li. As da Unicamp também.

Você assistiu às palestras sobre elas?

Em qual você achava que tinha mais possibilidade de entrar?

Do que já conheceu na FEA, o que você destaca?

Na Unicamp. Eu fui muito bem, muito melhor na 1a fase da Unicamp do que na Fuvest.

Tem muitas coisas, como projetos de extensão, em que você faz trabalho voluntário. Tem o FEA Júnior, que simula como se você trabalhasse numa empresa. Tem iniciação científica.

Qual foi sua pontuação na 1a fase da Fuvest? Com o bônus fiquei com 67 pontos.

A nota de corte de Economia foi 52. O que você achou de sua pontuação, 15 pontos acima? Foi um incentivo para estudar bastante para a 2a fase. É bom a gente ficar bem acima da nota de corte.

Para a 2a fase você mudou alguma coisa no seu método de estudo? Mudei, passei a estudar bastante teoria. Revi a teoria para a 2a fase e fiz os exercícios escritos.

Na 2a fase, quais foram suas notas no primeiro dia? Em Português eu tirei 59,75. Minha nota na Redação foi 57.

Na prova geral, você tirou quanto? No segundo dia eu tirei 57,81.

E no terceiro dia, das matérias prioritárias da carreira, Matemática, História e Geografia? Fiquei com 50. As questões eram mais difíceis, menos gerais do que nas outras provas.

Sim.

Seu desempenho acompanhou o que tirava nos simulados?

Como as palestras complementam a leitura das obras?

Sim, dá para confiar bastante nos simulados. Eles mostram o que você pode tirar no vestibular.

Não dá só para ler o livro, tem de assistir às palestras para entender. Além das palestras, muito importantes foram os vídeos da área reservada. Eles me ajudaram em todas as matérias. Você pode reassistir quando quiser e ver com calma.

Qual foi o período mais pesado para você no ano passado?

Na escala de zero a 1 000, qual foi sua pontuação final na Fuvest? Eu fiz 652,7 pontos.

Na Unicamp você fez quantos pontos? Na 1a fase eu acertei 73 em 90.

Qual foi a nota de corte?

Acho que foi no final do ano, um pouco antes do Enem e da 1a fase dos exames, porque tinha muito exercício para fazer na Revisão e o TCC estava atrasado.

Não lembro... [Ele foi aprovado para a 2a fase e ocupou a 20a colocação no curso de Ciências Econômicas – Integral].

Em que época foi mais tranquilo?

No Enem eu fiquei com a média 700, mais ou menos. Na Redação fiquei com 720. Não fui tão bem em Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, tirei 603. O que me ajudou foi Matemática, fiz 760 pontos.

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Depois da 1 fase. Já tinha terminado a Federal e aí era só estudar para a 2a fase.

Tinha alguma atividade para dar uma relaxada?

No Enem você fez quantos pontos?

Você já conhecia a Cidade Universitária?

Ah, uma coisa que eu acho que ajuda é estudar ouvindo música, porque não atrapalha e você se diverte enquanto estuda.

Eu nunca tinha ido à USP, mas sabia que a FEA é um dos prédios mais bonitos da Cidade Universitária.

Quais eram suas opções depois da USP?

Como é que foi a recepção dos veteranos?

Se eu não tivesse passado na USP iria para a Unicamp ou para a Unifesp.

O trote não é pesado. Os veteranos fizeram uma gincana para os bichos.

Quais são as matérias neste primeiro semestre? Eu estou tendo Introdução à Economia, Introdução à Contabilidade, Clássicos do Pensamento Econômico, Cálculo. Também tem Introdução à Análise de Conjuntura Econômica e Introdução às Ciências Sociais.

Qual dessas matérias você acha mais difícil? Todo mundo reclama de Cálculo, é bem comum reprovar. Por isso estou dando prioridade a Cálculo, para não ter problemas.

Então foi bom você ter dado ênfase à Matemática em seus estudos, não? Sim, foi o que também me ajudou muito na 2a fase da Unicamp.

De que matéria você está gostando mais? Estou gostando mais de Introdução à Economia, porque é por ela que a gente fica sabendo os princípios mesmo, não fica tão perdido.

Já como aluno da FEA, você acha que acertou na escolha da carreira? Penso que acertei na escolha por Economia.

Você já sabe a área que pretende seguir em Economia? Eu penso em trabalhar com o mercado financeiro, acho uma área interessante. É claro que é bastante cedo ainda, tem muita coisa para ver.

Que dica você daria ao pessoal que está este ano no cursinho para aproveitar da melhor forma possível o estudo? Eu acho que o Etapa é muito bom. O legal é que basta fazer o que falam, não precisa ficar procurando alguma coisa a mais. Então, é resolver os exercícios da apostila, ouvir o professor, ter confiança e focar muito.

Você acha que mudou em relação a quando começou a fazer o cursinho? Sim. Acho que o cursinho dá outra visão de mundo, mais madura.

Qual a melhor lembrança do ano passado? Dos professores principalmente. Era legal todo mundo estar junto com o mesmo objetivo: passar no vestibular.

O que você tira de lição dessa experiência? Acho que se a gente quer alguma coisa precisa ser bem teimoso. Então, é não desistir, mesmo se vai mal nos simulados. É continuar estudando, insistindo.


CONTO

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A nova Califórnia Lima Barreto I

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inguém sabia donde viera aquele homem. O agente do Correio pudera apenas informar que acudia ao nome de Raimundo Flamel, pois assim era subscrita a correspondência que recebia. E era grande. Quase diariamente, o carteiro lá ia a um dos extremos da cidade, onde morava o desconhecido, sopesando um maço alentado de cartas vindas do mundo inteiro, grossas revistas em línguas arrevesadas, livros, pacotes... Quando Fabrício, o pedreiro, voltou de um serviço em casa do novo habitante, todos na venda perguntaram-lhe que trabalho lhe tinha sido determinado. – Vou fazer um forno, disse o preto, na sala de jantar. Imaginem o espanto da pequena cidade de Tubiacanga, ao saber de tão extravagante construção: um forno na sala de jantar! E, pelos dias seguintes, Fabrício pôde contar que vira balões de vidros, facas sem corte, copos como os da farmácia – um rol de coisas esquisitas a se mostrarem pelas mesas e prateleiras como utensílios de uma bateria de cozinha em que o próprio diabo cozinhasse. O alarma se fez na vila. Para uns, os mais adiantados, era um fabricante de moeda falsa; para outros, os crentes e simples, um tipo que tinha parte com o tinhoso. Chico da Tirana, o carreiro, quando passava em frente da casa do homem misterioso, ao lado do carro a chiar, e olhava a chaminé da sala de jantar a fumegar, não deixava de persignar-se e rezar um “credo” em voz baixa; e, não fora a intervenção do farmacêutico, o subdelegado teria ido dar um cerco à casa daquele indivíduo suspeito, que inquietava a imaginação de toda uma população. Tomando em consideração as informações de Fabrício, o boticário Bastos concluíra que o desconhecido devia ser um sábio, um grande químico, refugiado ali para mais sossegadamente levar avante os seus trabalhos científicos. Homem formado e respeitado na cidade, vereador, médico também, porque o Dr. Jerônimo não gostava de receitar e se fizera sócio da farmácia para mais em paz viver, a opinião de Bastos levou tranquilidade a todas as consciências e fez com que a população cercasse de uma silenciosa admiração a pessoa do grande químico, que viera habitar a cidade. De tarde, se o viam a passear pela margem do Tubiacanga, sentando-se aqui a ali, olhando perdidamente as águas claras do riacho, cismando diante da penetrante melancolia do crepúsculo, todos se descobriam e não era raro que às “boas noites” acrescentassem “doutor”. E tocava muito o coração daquela gente a profunda simpatia com que ele tratava as crianças, a maneira pela qual as contempla-

va, parecendo apiedar-se de que elas tivessem nascido para sofrer e morrer. Na verdade, era de ver-se, sob a doçura suave da tarde, a bondade de Messias com que ele afagava aquelas crianças pretas, tão lisas de pele e tão tristes de modos, mergulhadas no seu cativeiro moral, e também as brancas, de pele baça, gretada e áspera, vivendo amparadas na necessária caquexia dos trópicos. Por vezes, vinha-lhe vontade de pensar qual a razão de ter Bernardin de Saint-Pierre gasto toda a sua ternura com Paulo e Virgínia e esquecer-se dos escravos que os cercavam... Em poucos dias a admiração pelo sábio era quase geral, e, não o era, unicamente porque havia alguém que não tinha em grande conta os méritos do novo habitante. Capitão Pelino, mestre-escola e redator da Gazeta de Tubiacanga, órgão local e filiado ao partido situacionista, embirrava com o sábio. “Vocês hão de ver, dizia ele, quem é esse tipo. Um caloteiro, um aventureiro ou talvez um ladrão fugido do Rio.” A sua opinião em nada se baseava, ou antes, baseava-se no seu oculto despeito vendo na terra um rival para a fama de sábio de que gozava. Não que Pelino fosse químico, longe disso; mas era sábio, era gramático. Ninguém escrevia em Tubiacanga que não levasse bordoada do Capitão Pelino, e mesmo quando se falava em algum homem notável lá do Rio, ele não deixava de dizer: “Não há dúvida! O homem tem talento, mas escreve: um outro, de resto...” E contraía os lábios como se tivesse engolido alguma coisa amarga. Toda a vila de Tubiacanga acostumou-se a respeitar o solene Pelino, que corrigia e emendava as maiores glórias nacionais. Um sábio... Ao entardecer, depois de ler um pouco o Sotero, o Cândido de Figueiredo ou o Castro Lopes e de ter passado mais uma vez a tintura nos cabelos, o velho mestre-escola saía vagarosamente de casa, muito abotoado no seu paletó de brim mineiro, e encaminhava-se para a botica do Bastos a dar dois dedos de prosa. Conversar é um modo de dizer, porque era Pelino avaro de palavras, limitando-se tão somente a ouvir. Quando, porém, dos lábios de alguém escapava a menor incorreção de linguagem, intervinha e emendava. “Eu asseguro, dizia o agente do Correio, que”... Por aí, o mestre-escola intervinha com mansuetude evangélica: “Não diga asseguro, Sr. Bernardes; em português é garanto.” E a conversa continuava depois da emenda, para ser de novo interrompida por uma outra. Por essas e outras, houve muitos palestradores que se afastaram, mas Pelino, indiferente, seguro dos seus deveres, continuava o seu apostolado de vernaculismo. A chegada

do sábio veio distraí-lo um pouco da sua missão. Todo o seu esforço voltava-se agora para combater aquele rival, que surgia tão inopinadamente. Foram vãs as suas palavras e a sua eloquência: não só Raimundo Flamel pagava em dia as suas contas, como era generoso – pai da pobreza – e o farmacêutico vira numa revista de específicos seu nome citado como químico de valor.

II Havia já anos que o químico vivia em Tubiacanga, quando, uma bela manhã, Bastos o viu entrar pela botica adentro. O prazer do farmacêutico foi imenso. O sábio não se dignara até aí visitar fosse quem fosse, e, certo dia, quando o sacristão Orestes ousou penetrar em sua casa, pedindo-lhe uma esmola para a futura festa de Nossa Senhora da Conceição, foi com visível enfado que ele o recebeu e atendeu. Vendo-o, Bastos saiu de detrás do balcão, correu a recebê-lo com a mais perfeita demonstração de quem sabia com quem tratava e foi quase em uma exclamação que disse: – Doutor, seja bem-vindo. O sábio pareceu não se surpreender nem com a demonstração de respeito do farmacêutico, nem com o tratamento universitário. Docemente olhou um instante a armação cheia de medicamentos e respondeu: – Desejava falar-lhe em particular, Sr. Bastos. O espanto do farmacêutico foi grande. Em que poderia ele ser útil ao homem, cujo nome corria mundo e de quem os jornais falavam com tão acendrado respeito? Seria dinheiro? Talvez... Um atraso no pagamento das rendas, quem sabe? E foi conduzindo o químico para o interior da casa, sob o olhar espantado do aprendiz, que, por um momento, deixou a mão descansar no gral, onde macerava uma tisana qualquer. Por fim, achou aos fundos, bem no fundo, o quartinho que lhe servia para exames médicos mais detidos ou para as pequenas operações, porque Bastos também operava. Sentaram-se e Flamel não tardou a expor: – Como o senhor deve saber, dedico-me à química, tenho mesmo um nome respeitado no mundo sábio... – Sei perfeitamente, doutor, eu mesmo tenho disso informado, aqui, aos meus amigos. – Obrigado. Pois bem: fiz uma grande descoberta, extraordinária... Envergonhado com o seu entusiasmo, o sábio fez uma pausa e depois continuou: – Uma descoberta... Mas não me convém, por ora, comunicar ao mundo sábio, com­ preende? – Perfeitamente.


CONTO

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– Por isso precisava de três pessoas conceituadas que fossem testemunhas de uma experiência dela e me dessem um atestado em forma, para resguardar a prioridade da minha invenção... O senhor sabe: há acontecimentos imprevistos e... – Certamente! Não há dúvida! – Imagine o senhor que se trata de fazer ouro... – Como? O quê? fez Bastos arregalando os olhos. – Sim! ouro! disse com firmeza Flamel. – Como? – O senhor saberá, disse o químico secamente. A questão do momento são as pessoas que devem assistir à experiência, não acha? – Com certeza, é preciso que os seus direitos fiquem resguardados, porquanto... – Uma delas, interrompeu o sábio, é o senhor; as outras duas o Sr. Bastos fará o favor de indicar-me. O boticário esteve um instante a pensar, passando em revista os seus conhecimentos, e ao fim de uns três minutos, perguntou: – O Coronel Bentes lhe serve? Conhece? – Não. O senhor sabe que não me dou com ninguém aqui. – Posso garantir-lhe que é homem sério, rico e muito discreto. – É religioso? Faço-lhe esta pergunta, acrescentou Flamel logo, porque temos que lidar com ossos de defunto e só estes servem... – Qual! É quase ateu... – Bem! aceito. E o outro? Bastos voltou a pensar e dessa vez demorou-se um pouco mais consultando a sua memória... Por fim falou: – Será o Tenente Carvalhaes, O Coletor, conhece? – Como já lhe disse... – É verdade. É homem de confiança, sério, mas... – Que é que tem? – É maçom. – Melhor. – E quando é? – Domingo. Domingo os três irão lá em casa assistir à experiência e espero que não me recusarão as suas firmas para autenticar a minha descoberta. – Está tratado. Domingo, conforme prometeram, as três pessoas respeitáveis de Tubiacanga foram à casa de Flamel, e, dias depois, misteriosamente, ele desaparecia sem deixar vestígio ou explicação para o seu desaparecimento.

III Tubiacanga era uma pequena cidade de três ou quatro mil habitantes, muito pacífica, em cuja estação, de onde em onde, os expressos davam a honra de parar. Há cinco anos não se registrava nela um furto ou roubo. As portas e janelas só eram usadas... porque o Rio as usava. O último crime notado em seu pobre cadastro fora um assassinato por ocasião das eleições municipais; mas, atendendo que o assassino era do partido do governo, e a vítima

da oposição, o acontecimento em nada alterou os hábitos da cidade, continuando ela a exportar o seu café e a mirar as suas casas baixas e acanhadas nas escassas águas do pequeno rio que a batizara. Mas, qual não foi a surpresa dos seus habitantes quando se veio a verificar nela um dos mais repugnantes crimes de que se tem memória! Não se tratava de um esquartejamento ou parricídio; não era o assassinato de uma família inteira ou um assalto à Coletoria; era coisa pior, sacrílega aos olhos de todas as religiões e consciências; violavam-se as sepulturas do “Sossego”, do seu cemitério, do seu Campo Santo. Em começo, o coveiro julgou que fossem cães, mas, revistando bem o muro, não encontrou senão pequenos buracos. Fechou-os; foi inútil. No dia seguinte, um jazigo perpétuo arrombado e os ossos saqueados; no outro, um carneiro e uma sepultura rasa. Era gente ou demônio. O coveiro não quis mais continuar as pesquisas por sua conta, foi ao subdelegado e a notícia espalhou-se pela cidade. A indignação na cidade tomou todas as feições e todas as vontades. A religião da morte precede todas e certamente será a última a morrer nas consciências. Contra a profanação, clamaram os seus presbiterianos do lugar – os bíblias, como lhes chama o povo; clamava o agrimensor Nicolau, antigo cadete, e positivista do rito Teixeira Mendes; clamava o major Camanho, presidente da Loja Nova Esperança; clamavam o turco Miguel Abudalah, negociante de armarinho, e o cético Belmiro, antigo estudante, que vivia ao deus-dará, bebericando parati nas tavernas. A própria filha do engenheiro residente da Estrada de Ferro, que vivia desdenhando aquele lugarejo, sem notar sequer os suspiros dos apaixonados locais, sempre esperando que o expresso trouxesse um príncipe a desposá-la, – a linda e desdenhosa Cora não pôde deixar de compartilhar da indignação e do horror que tal ato provocara em todos do lugarejo. Que tinha ela com o túmulo de antigos escravos e humildes roceiros? Em que podia interessar aos seus lindos olhos pardos o destino de tão humildes ossos? Porventura o furto deles perturbaria o seu sonho de fazer radiar a beleza de sua boca, dos seus olhos e do seu busto nas calçadas do Rio? De certo, não; mas era a Morte, a Morte implacável e onipotente, de quem ela também se sentia escrava, e que não deixaria um dia de levar a sua linda caveirinha para a paz eterna do cemitério. Aí Cora queria os seus ossos sossegados, quietos e comodamente descansando num caixão bem feito e num túmulo seguro, depois de ter sido a sua carne encanto e prazer dos vermes... O mais indignado, porém, era Pelino. O professor deitara artigo de fundo, imprecando, bramindo, gritando: “Na história do crime, dizia ele, já bastante rica de fatos repugnantes, como sejam: o esquartejamento de Maria de Macedo, o estrangulamento dos irmãos Fuo-

co, não se registra um que o seja tanto como o saque às sepulturas do “Sossego”. E a vila vivia em sobressalto. Nas faces não se lia mais paz; os negócios estavam paralisados; os namoros suspensos. Dias e dias por sobre as casas pairavam nuvens negras e, à noite, todos ouviam ruídos, gemidos, barulhos sobrenaturais... Parecia que os mortos pediam vingança... O saque, porém, continuava. Toda noite eram duas, três sepulturas abertas e esvaziadas de seu fúnebre conteúdo. Toda a população resolveu ir em massa guardar os ossos dos seus maiores. Foram cedo, mas, em breve, cedendo à fadiga e ao sono, retirou-se um depois outro e, pela madrugada, já não havia nenhum vigilante. Ainda nesse dia o coveiro verificou que duas sepulturas tinham sido abertas e os ossos levados para destino misterioso. Organizaram então uma guarda. Dez homens decididos juraram perante o subdelegado vigiar durante a noite a mansão dos mortos. Nada houve de anormal na primeira noite, na segunda e na terceira; mas, na quarta, quando os vigias já se dispunham a cochilar, um deles julgou lobrigar um vulto esgueirando-se por entre a quadra dos carneiros. Correram e conseguiram apanhar dois dos vampiros. A raiva e a indignação até aí sopitadas no ânimo deles, não se contiveram mais e deram tanta bordoada nos macabros ladrões, que os deixaram estendidos como mortos. A notícia correu logo de casa em casa e, quando de manhã se tratou de estabelecer a identidade dos dois malfeitores, foi diante da população inteira que foram neles reconhecidos o Coletor Carvalhaes e o Coronel Bentes, rico fazendeiro e Presidente da Câmara. Este último ainda vivia e, a perguntas repetidas que lhe fizeram, pôde dizer que juntava os ossos para fazer ouro e o companheiro que fugira era o farmacêutico. Houve espanto e houve esperanças. Como fazer ouro com ossos? Seria possível? Mas aquele homem rico, respeitado, como desceria ao papel de ladrão de mortos se a coisa não fosse verdade! Se fosse possível fazer, se daqueles míseros despojos fúnebres se pudesse fazer alguns contos de réis, como não seria bom para todos eles! O carteiro, cujo velho sonho era a formatura do filho, viu logo ali meios de consegui-la. Castrioto, o escrivão do juiz de paz, que no ano passado conseguiu comprar uma casa, mas ainda não a pudera cercar, pensou no muro, que lhe devia proteger a horta e a criação. Pelos olhos do sitiante Marques que andava desde anos atrapalhado para arranjar um pasto, passou logo o prado verde do Costa, onde os seus bois engordariam e ganhariam forças... Às necessidades de cada um, aqueles ossos que eram ouro, viriam atender, satisfazer e felicitá-los; e aqueles dois ou três milhares de pessoas, homens, crianças, mulheres, moços e


CONTO velhos, como se fossem uma só pessoa, correram à casa do farmacêutico. A custo, o subdelegado pôde impedir que varejassem a botica e conseguir que ficassem na praça à espera do homem, que tinha o segredo de todo um Potosi. Ele não tardou a aparecer. Trepado a uma cadeira, tendo na mão uma pequena barra de ouro que reluzia ao forte sol da manhã, Bastos pediu graça, prometendo que ensinaria o segredo, se lhe poupassem a vida. Queremos já sabê-lo, gritaram. Ele então explicou que era preciso redigir a receita, indicar a marcha do processo, os reativos – trabalho longo que só poderia ser entregue impresso no dia seguinte. Houve um murmúrio, alguns chegaram a gritar, mas o subdelegado falou e responsabilizou-se pelo resultado. Docilmente, com aquela doçura particular às multidões furiosas, cada qual se encaminhou para casa, tendo na cabeça um único pensamento: arranjar imediatamente a maior porção de ossos de defunto que pudesse. O sucesso chegou à casa do engenheiro residente da Estrada de Ferro. Ao jantar, não se falou em outra coisa. O doutor concatenou o que ainda sabia do seu curso, e afirmou que era impossível. Isto era alquimia, coisa morta:

ouro é ouro, corpo simples, e osso é osso, um composto, fosfato de cal. Pensar que se podia fazer de uma coisa outra era besteira. Cora aproveitou o caso para rir-se petropolimente da credulidade daqueles botocudos; mas sua mãe, D. Emília, tinha fé que a coisa era possível. À noite, porém, o doutor, percebendo que a mulher dormia, saltou a janela e correu em direitura ao cemitério; Cora, de pés nus, com as chinelas nas mãos, procurou a criada para irem juntas à colheita de ossos. Não a encontrou, foi sozinha; e D. Emília, vendo-se só, adivinhou o passeio e lá foi também. E assim aconteceu na cidade inteira. O pai, sem dizer nada ao filho, saía; a mulher, julgando enganar o marido, saía; os filhos, as filhas, os criados – toda a população, sob a luz das estrelas assombradas, correu ao satânico rendez-vous no “Sossego”. E ninguém faltou. O mais rico e o mais pobre lá estavam. Era o turco Miguel, era o professor Pelino, o Dr. Jerônimo, o major Camanho, Cora, a linda e a deslumbrante Cora, com os seus lindos dedos de alabastro, revolvia a sânie das sepulturas, arrancava as carnes ainda podres agarradas tenazmente aos ossos e deles enchia o seu regaço até ali inútil. Era o dote que colhia e as suas narinas

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que se abriam em asas rosadas e quase transparentes, não sentiam o fétido dos tecidos apodrecidos em lama fedorenta... A desinteligência não tardou a surgir; os mortos eram poucos e não bastavam para satisfazer a fome dos vivos. Houve facadas, tiros, cachações. Pelino esfaqueou o turco por causa de um fêmur e mesmo entre as famílias questões surgiram. Unicamente, o carteiro e o filho não brigaram. Andaram juntos e de acordo e houve uma vez que o pequeno, uma esperta criança de onze anos, até aconselhou ao pai: “Papai, vamos onde está mamãe; ela era tão gorda...” De manhã, o cemitério tinha mais mortos do que aqueles que recebera em trinta anos de existência. Uma única pessoa lá não estivera, não matara nem profanara sepulturas: fora o bêbedo Belmiro. Entrando numa venda, meio aberta, e nela não encontrando ninguém, enchera uma garrafa de parati e se deixara ficar a beber sentado na margem do Tubiacanga, vendo escorrer mansamente as suas águas sobre o áspero leito de granito – ambos, ele e o rio, indiferentes ao que já viram, ao que viam, mesmo à fuga do farmacêutico, com o seu Potosi e o seu segredo, sob o dossel eterno das estrelas.

VOCABULÁRIO acendrado: apurado, acrisolado. alabastro: brancura, alvura. alentado: grande, volumoso. apostolado e vernaculismo: missão evangelizadora de linguagem pura. arrevesadas: confusas, obscuras, às avessas. botocudos: selvagens, caipiras. cachações: empurrões, pancadas na parte posterior do pescoço. caquexia: estado de desnutrição profunda. carneiros: sepulturas.

concatenou: relacionou, encadeou. dossel: cobertura de leito, sobrecéu. gral: prato, travessa. gretada: pele com pequenas rachaduras. inopinadamente: inesperadamente. lobrigar: ver a custo, ver ao longe. parricídio: crime praticado por pessoa que matou o pai, mãe ou qualquer dos ascendentes. persignar-se: benzer-se fazendo o sinal da cruz.

Potosi: fonte de riqueza. rendez-vous: local de encontro. sânie: podridão. sopesando: sustentando com a mão. sopitadas: abrandadas, acalmadas, adormecidas. tinhoso: diabo. tisana: medicamento feito com ervas medicinais. varejassem: investissem, atacassem.

Biografia Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu a 13 de maio de 1881 no Rio de Janeiro, e faleceu ali a 1º de novembro de 1922. Um dos maiores romancistas urbanos, sem prejuízo da nota social dos seus livros, que só depois da sua morte alcançaram a merecida repercussão. Obras principais: Recordações do escrivão Isaías Caminha (1909), romance; Triste fim de Policarpo Quaresma (1915), romance; Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá (1919), romance; Histórias e sonhos (1920), contos; Clara dos Anjos, romance publicado inicialmente em folhetim, entre 1923 e 1924, além de outros livros e de vasta colaboração na imprensa.

SOBRE AS PALAVRAS

Ficar a ver navios O rei de Portugal, Dom Sebastião, morreu na batalha de Alcácer-Quibir, mas o corpo não foi encontrado. A partir de então (1578), o povo português esperava sempre o sonhado retorno do monarca salvador. Lembremos que, em 1580, em função da morte de Dom Sebastião, abre-se uma crise sucessória no trono vago de Portugal. A consequência dessa crise foi a anexação de Portugal à Espanha (1580 a 1640), governada por Felipe II. Evidentemente, os portugueses sonhavam com o retorno do rei, como forma salvadora de resgatar o orgulho e a dignidade da pátria lusa. Em função disso, o povo passou a visitar com frequência o Alto de Santa Catarina, em Lisboa, esperando, ansiosamente, o retorno do dito rei. Como ele não voltou, o povo ficava apenas a ver navios. Ou seja, esperava em vão.


ARTIGO

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Brasil caminha rumo à eliminação da malária, diz especialista da Opas Karina Toledo

E

ntre os países americanos, o Brasil tem sido um dos campeões no combate à malária e caminha rumo à eliminação da doença que ainda mata no mundo cerca de meio milhão de pessoas anualmente – a maioria crianças menores de 5 anos. A análise foi feita por Keith Carter, conselheiro sênior sobre malária e outras doen­ ças transmissíveis da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) – vinculada à Organização Mundial de Saúde (OMS) –, durante a abertura da Escola São Paulo de Ciência Avançada para a Erradicação da Malária. Realizado com apoio da FAPESP, Bill & Melinda Gates Foundation, Opas e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o evento reúne 104 estudantes e jovens pesquisadores de 42 países desde o dia 22 de setembro até 2 de outubro na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP). “O Brasil tem conseguido reduzir significativamente a transmissão de malária em seu território e representa um grande exemplo para o mundo. Claro que ainda há obstáculos a serem vencidos, especialmente nas áreas de fronteira. Já a Venezuela, onde o número de casos cresce a cada ano, é hoje o maior desafio do continente”, disse Carter em entrevista à Agência FAPESP. Em sua apresentação, o representante da Opas lembrou que, no início do século 20, a enfermidade transmitida pela picada dos mosquitos do gênero Anopheles estava disseminada em praticamente todo o planeta. Em meados da década de 1950 – apenas alguns anos após a criação da OMS – teve início a primeira campanha global para erradicação da malária, que tinha como principal arma o inseticida DDT (diclorodifeniltricloroetano). A ideia era dedetizar todas as casas, de todos os países, de modo a reduzir a densidade do mosquito vetor a um ponto que a cadeia de transmissão fosse interrompida. O programa conseguiu eliminar a doença principalmente na Europa e na América do Norte, bem como reduzir o número de casos em outras regiões. Mas a erradicação efetiva não ocorreu tão rapidamente quanto se esperava e as fases de consolidação e manutenção se mostraram mais caras e demoradas do que o estimado. “Em meados dos anos 1960, começaram a faltar recursos para dar continuidade aos esforços. Nas duas décadas seguintes o assunto caiu no esquecimento e o número de casos voltou a crescer”, contou Carter. Na avaliação da brasileira Marcia Castro, professora da Harvard T.H. Chan School of Public

Health, dos Estados Unidos, vários motivos explicam o fracasso da iniciativa. “Em primeiro lugar, a cobertura não foi integral e mosquito não respeita barreira geográfica. Se você trata uma área, mas não todas, ele volta após algum tempo. Ficaram de fora da iniciativa, por exemplo, os países da África subsaariana, região onde até hoje concentra-se a maioria dos casos. Em muitos locais o acesso às casas era difícil por falta de estradas e falta de equipes de saúde bem estruturadas”, afirmou Castro. Além disso, com o passar dos anos, os mosquitos foram adquirindo resistência ao inseticida e isso tornou inviável a proposta de reduzir a densidade vetorial a ponto de interromper a transmissão – meta que se tornou ainda mais difícil de ser alcançada uma vez que nem todos os pacientes estavam sendo tratados e, portanto, permaneciam como reservatórios do parasita causador da enfermidade.

Erradicação da pesquisa De acordo com Castro, a iniciativa da OMS não só falhou em erradicar a malária como teve um efeito colateral nefasto: erradicou a pesquisa sobre a doença e o treinamento de profissionais de saúde em praticamente todo o mundo. “Eles achavam que o DDT sozinho resolveria o problema, então não seria preciso treinar pessoas ou investir na busca de novas estratégias de controle e de novos medicamentos. Pensavam ser desnecessário estudar a ecologia das regiões endêmicas ou a biologia do parasita e do mosquito vetor”, disse a professora de Harvard. A retomada só ocorreu nos anos 1990, disse Castro, quando muitos países se deram conta de que a malária não era apenas uma questão de saúde pública, mas um entrave ao desenvolvimento econômico. E era o início da globalização.

“Nos anos 1990, a tônica passou a ser o controle do número de casos para que a malária deixasse de ser um problema de saúde tão dramático. Já não se falava mais em erradicação (zero casos no mundo) ou eliminação (zero casos em uma região). Foi então adotada uma combinação de medidas, que inclui controle vetorial, diagnóstico e tratamento precoce dos pacientes”, explicou.

Dois passos à frente Mas, segundo os especialistas, ainda são grandes os desafios a serem superados para, ao menos, manter a malária sob controle e isso só será possível por meio de investimento em pesquisas. “A melhor droga antimalárica que temos hoje é a artemisinina e já há casos de resistência no sudeste da Ásia, onde ela foi muito usada. Não sabemos ao certo se a resistência já chegou à África e temos um grande receio de que ela se espalhe, pois não temos outra droga tão potente em mãos”, disse Castro. Além de novos medicamentos, a professora de Harvard ressalta a necessidade de desenvolver novos produtos para tratar mosquiteiros e borrifar as casas, pois também já há resistência aos inseticidas atualmente usados. “O mosquito parece estar sempre dois passos à nossa frente. Ele se adapta tanto em termos de desenvolver resistência co­mo em termos de comportamento. Os livros sobre malária dizem que o Anopheles só se reproduz em águas limpas, mas larvas já foram encontradas em águas poluídas. Os livros dizem que ele pica dentro de casa, à noite, mas na Amazônia ele passou a atacar fora de casa, em dois picos: no início da noite e no início da manhã, quando as pessoas estão indo e voltando do trabalho”, relatou Castro. Para Carter, também são fundamentais pesquisas antropológicas, que permitam entender como vivem e se comportam os moradores de áreas endêmicas, como usam os medicamentos, o que fazem quando estão doentes. “Essas informações são importantes para guiar estratégias de saúde pública. E também temos de entender como as mudanças climáticas vão afetar a longevidade do mosquito nas diversas regiões”, disse. Também são necessários, segundo os especialistas, novos métodos de diagnóstico que permitam identificar portadores assintomáticos da doença. Bem como métodos que permitam diagnosticar a forma latente da malária causada pelo parasita da espé-


ARTIGO cie Plasmodium vivax, a mais prevalente na Amazônia brasileira, que pode provocar recaídas meses após a infecção primária.

Treinando lideranças De acordo com o pesquisador do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, Marcelo Urbano Ferreira, organizador do evento, o curso oferecido no âmbito do programa Escola São Paulo de Ciência Avançada (ESPCA-FAPESP) é a primeira versão regional do “Science of Eradication: Malaria”, que vem sendo oferecido desde 2012 por três instituições líderes na pesquisa sobre o tema: Barcelona Institute for

Global Health (ISGlobal, da Espanha), Harvard University e Swiss Tropical and Public Health Institute (Swiss TPH, da Suíça). “Originalmente, é um curso avançado de capacitação, voltado a gestores de serviços de saúde ou pesquisadores sêniores da área. Nós adaptamos para o público da ESPCA, que inclui estudantes de graduação, pós-graduação e jovens pesquisadores – alguns deles envolvidos em programas de controle da malária”, disse Ferreira. Além da excelência acadêmica, a seleção dos 104 participantes buscou dar representação aos países endêmicos, com destaque

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para aqueles que já contam com programas de eliminação ou erradicação de malária, como Sri Lanka, Butão, Etiópia e África do Sul. “Conseguimos um bom equilíbrio entre pesquisadores de laboratório e acadêmicos que atuam como profissionais de saúde pública. Bem como um equilíbrio entre os envolvidos nas cinco áreas cobertas pelo curso: Epidemiologia e controle; Estudos dos vetores; Imunologia e vacinas; Tratamento e novas drogas; e Biologia de plasmódio”, disse Ferreira. Extraído de: Agência FAPESP – Divulgando a cultura científica, out./2015.

(ENTRE PARÊNTESIS)

N dias Depois de N dias um estudante observa que: 1) choveu 7 vezes de manhã ou à tarde; 2) quando chove de manhã, não chove à tarde; 3) houve 5 tardes sem chuva; 4) houve 6 manhãs sem chuva.

RESPOSTA Somando os períodos sem chuva com os períodos com chuva, teremos a soma total dos períodos (manhãs + tardes) observados; logo, teremos 2N. Assim, 2N = 7 + 5 + 6, isto é, N = 9 dias.

N é igual a quanto?

POIS É, POESIA

Gregório de Matos Guerra (1633-1696) Pergunta-se neste problema qual é maior, se o bem perdido na posse, ou o que se perde antes de se lograr? Defende o bem já possuído

Achando-se um braço perdido do menino Deus de N. S. das Maravilhas, que desacataram infiéis na Sé da Bahia

No sermão que pregou na Madre de Deus D. João Franco de Oliveira pondera o poeta a fragilidade humana

Q uem perde o bem, que teve possuído,

O todo sem a parte não é todo;

a oração, que desaterra .................... a terra, Quer Deus que a quem está o cuidado ............ [dado, Pregue que a vida é emprestado ............ estado, Mistérios mil, que desenterra .............. enterra.

N

A morte não dilate ao sentimento, Que esta dor, esta mágoa, este tormento Não pode ter tormento parecido.

A parte sem o todo não é parte; Mas se a parte o faz todo, sendo parte, Não se diga que é parte, sendo o todo.

Quem perde o bem logrado, tem perdido O discurso, a razão, o entendimento, Porque caber não pode em pensamento A esperança de ser restituído.

Em todo o Sacramento está Deus todo, E todo assiste inteiro em qualquer parte, E feito em partes todo em toda a parte, Em qualquer parte sempre fica todo.

Quando fosse a esperança alento à vida, Té nas faltas do bem seria engano O presumir melhoras desta sorte.

O braço de Jesus não seja parte, Pois que feito Jesus em partes todo, Assiste cada parte em sua parte.

Quem do mundo a mortal loucura ......... cura, A vontade de Deus sagrada ................. agrada, Firma-lhe a vida em atadura .................... dura.

Porque, onde falta o bem é homicida A memória, que atalha o próprio dano, O refúgio, que priva a mesma morte.

Não se sabendo parte deste todo, Um braço que lhe acharam, sendo parte, Nos diz as partes todas deste todo.

Ó voz zelosa, que dobrada ..................... brada, Já sei que a flor da formosura, ............... usura, Será no fim desta jornada ........................ nada.

***

***

Quem não cuida de si, que é terra, ......... terra, Que o alto Rei, por afamado ................ amado, É quem lhe assiste ao desvelado ................ lado, Da morte ao ar não desaferra, ............... aferra.

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POIS É, POESIA

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A um penhasco vertendo água

C omo exalas, penhasco, o licor puro,

Lacrimante a floresta lisonjeando? Se choras por ser duro, isso é ser brando, Se choras por ser brando, isso é ser duro. Eu, que o rigor lisonjear procuro, No mal me rio, dura penha, amando; Tu, penha, sentimentos ostentando, Que enterneces a selva, te asseguro.

Descreve um horroroso dia de trovões

N

a confusão do mais horrendo dia, Painel da noite em tempestade brava, O fogo com o ar se embaraçava Da terra e água o ser se confundia. Bramava o mar, o vento embravecia Em noite o dia enfim se equivocava, E com estrondo horrível, que assombrava, A terra se abalava e estremecia.

Se a desmentir afetos me desvio, Prantos, que o peito banham, corroboro, De teu brotado humor, regato frio.

Lá desde o alto aos côncavos rochedos, Cá desde o centro aos altos obeliscos Houve temor nas nuvens, e penedos.

Chora festivo já, cristal sonoro; Que quanto choras se converte em rio, E quanto eu rio, se converte em choro.

Pois dava o Céu ameaçando riscos Com assombros, com pasmos, e com medos Relâmpagos, trovões, raios, coriscos.

Biografia

Moraliza o poeta nos ocidentes do Sol a inconstância dos bens do mundo

N

asce o Sol, e não dura mais que um dia, Depois da Luz se segue a noite escura, Em tristes sombras morre a formosura, Em contínuas tristezas a alegria. Porém, se acaba o Sol, por que nascia? Se é tão formosa a Luz, por que não dura? Como a beleza assim se transfigura? Como o gosto da pena assim se fia? Mas no Sol, e na Luz falte a firmeza, Na formosura não se dê constância, E na alegria sinta-se tristeza. Começa o mundo enfim pela ignorância, E tem qualquer dos bens por natureza A firmeza somente na inconstância.

Gregório de Matos Guerra nasceu em Salvador, Bahia, e morreu no Recife, um ano depois de haver voltado do exílio em Angola. Estudou no Colégio dos Jesuítas e mais tarde em Coimbra, onde se formou. Na permanência entre Brasil e Portugal, Gregório de Matos começa a ser notado como poeta satírico e boêmio. Sua sátira, em versos cortantes, atinge grandes e pequenos, e acaba sendo perseguido e destituído de suas funções de vigário-geral e tesoureiro-mor, nomeações que havia conseguido através de D. Gaspar Barata. Sua fama, inicialmente, foi de caráter local, com a obra inédita ou espalhada por inúmeras publicações, inclusive alguns poemas sem assinatura. O poeta foi sepultado no Hospício de Nossa Senhora da Penha dos Capuchinhos. Obra: seis volumes, editados por Afrânio Peixoto para a Academia Brasileira de Letras (1923-1933); Obras completas de Gregório de Matos, em sete volumes, pesquisa e organização de James Amado e Maria da Conceição Paranhos (1969).

VOCÊ SABIA QUE... ... o romance Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, é um dos livros mais traduzidos do mundo? E que o protagonista da história até mesmo se tornou um adjetivo? Miguel de Cervantes (1547-1616) publicou El ingenioso hidalgo don Quijote de Ia Mancha em 1605. O livro fez tamanho sucesso que angariou até mesmo imitadores que escreveram continuações para as hilárias aventuras do cavaleiro andante. A mais famosa delas talvez seja a de Alonso Fernández Avellaneda – provavelmente um

pseudônimo. Para desmascarar esta e outras imposturas, Cervantes publicou a sua própria continuação do romance em 1615. Dom Quixote é uma paródia das aventuras de cavalaria tão em voga no século XVI. O protagonista, de tanto ler essas histórias, acaba um dia saindo de casa decidido a se tornar, ele mesmo, um nobre cavaleiro. A época, porém, não parece favorável a cavaleiros: gestos nobres são raros, inimigos valorosos, idem. Mas o que há mesmo de insólito é a falta de senso crítico no herói.

Na falta de inimigos, moinhos de ventos já servem. Na falta de uma linda amada, a “atípica” Dulcineia já basta. Por mais que ele se envolva em aventuras, elas são sempre desmentidas pela dura realidade. O adjetivo “quixote” (ou “quixotesco”) carac­ teriza o indivíduo sonhador, romântico, nobre, mas meio desligado da realidade. Você co­ nhece alguém que possui inúmeros planos que não são concretizados? Então você conhece um quixote!

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Jornal do Vestibulando

Cursos e vagas: consultar site www.uninter.com/vestibular Exame: provas agendadas até 07 de maio de 2016.

Jornal ETAPA, editado por Etapa Ensino e Cultura REDAÇÃO: Rua Vergueiro, 1 987 – CEP 04101-000 – Paraíso – São Paulo – SP JORNALISTA RESPONSÁVEL: Egle M. Gallian – M.T. 15343


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