Jornal do Vestibulando - 1511

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Jornal do Vestibulando

ENSINO, INFORMAÇÃO E CULTURA

JORNAL ETAPA – 2016 • DE 05/05 A 18/05

ENTREVISTA

“Se for por aquilo que você quer mesmo, todo esforço vale a pena.” Murilo Levy Martins entrou em Administração na FEA-USP. Escolheu a área pela sua abrangência. No cursinho ele se empenhou em superar defasagens em sua formação e criou um plano de estudos, com metas a atingir. Bem-sucedido no vestibular, conclui que a realização dos sonhos é o resultado do esforço que se coloca nos estudos.

Murilo Levy Martins Em 2015: Etapa Em 2016: Administração – USP

JV – Quando você escolheu Administração como carreira? Murilo – Eu tive um primeiro contato com Administração com um primo, que fez o curso na USP. Eu ainda estava no Ensino Médio na Etec Guaracy Silveira, que oferecia também o curso técnico em Administração. Resolvi fazer esse curso técnico e acabei gostando da área, que é abrangente e abre uma grande oportunidade de crescer profissionalmente.

Você foi aprovado em quais escolas? Com o Enem eu fui chamado para Adminis­ tração na Unifesp e para o Insper.

No início do cursinho como você via suas possibilidades de aprovação nos vestibulares? Cheguei confiante, mas no início senti uma certa dificuldade nos estudos. Eu sempre fui de escola pública. Aqui eu me propus metas de estudo e me dediquei todos os dias. Estu­ dava à tarde, de vez em quando à noite. No cursinho eu consegui estudar de verdade.

O que levou você a conseguir estudar de verdade aqui? Foi uma série de fatores. Os professores ex­ plicam as matérias muito bem. Para tirar dú­ vidas é muito importante o plantão. E tinha a motivação que eu mesmo criei para estudar.

Como era seu método de estudos? Eu vinha às aulas de manhã e depois ficava na Sala de Estudos. Sempre fazia os exer­ ENTREVISTA

Murilo Levy Martins

CONTO

No moinho – Eça de Queirós

cícios do dia. Conseguia isso num tempo relativamente curto e aproveitava o tempo que sobrava para revisar matérias ou re­ forçar o estudo com questões da 2a fase, que era uma preocupação que eu tinha. Eu pegava as matérias em que tinha mais di­ ficuldade.

Quanto tempo em média você estudava? Eu ficava na Sala de Estudos das 13h às 18h. Se não desse tempo para resolver os exercí­ cios de uma matéria, eu estudava à noite em casa ou nos fins de semana.

Em quais matérias você tinha mais dificuldade? Física e Biologia. Não tinha uma base des­ sas matérias e meio que não gostava, jus­ tamente porque não sabia como eram. Aqui comecei a gostar de Biologia. Com o jeito de explicar daqui, Biologia era mais fácil, eu me sentia mais confortável. E até de Física che­ guei a entender.

Ao longo do ano você conseguiu manter as metas de estudo que traçou no início? Ao longo do ano eu tentei me manter o mais motivado possível. Nos simulados eu con­ seguia geralmente atingir a meta que que­ ria. Sempre estipulava uma meta acima da média, digamos assim. Ainda que atingisse a meta B, eu tentava forçar para tentar me­ lhorar um pouco. Meu foco era A. Tirar uma nota melhor no simulado gerava mais moti­ vação. POIS É, POESIA

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Álvares de Azevedo

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ENTRE PARÊNTESIS

Os mágicos

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Quais foram suas principais dificuldades no ano passado? Foi mais no começo, tentar acompanhar o meu plano de estudos. Porque, como dis­ se anteriormente, eu comecei a estudar de verdade aqui no cursinho e levei um certo tempo para me adaptar. Outras dificuldades foram com matérias ou exercícios especí­ ficos.

Qual era seu desempenho nos simulados? Em que faixas você ficava? Geralmente eu ficava no B e no C mais.

Como você usava os simulados nos estudos? Eu via o que tinha errado e estudava. Ter­ minava os simulados, pegava as respostas e checava em casa. Geralmente no fim de semana eu refazia o que tinha errado. Depois de resolver os exercícios que tinha errado, eu dava um certo tempo, geralmente duas semanas, e refazia o simulado inteiro, para que as questões ficassem gravadas.

Você fez Reforço? Fiz o JADE, no sábado de manhã, com simu­ lado à tarde.

Como foi a ajuda do JADE? O JADE é mais focado nos exercícios. Eu fazia os exercícios em sala, os que dava, e os que sobravam fazia em casa. Era uma forma de realizar a matéria, de não deixar acumular. ARTIGO Pontas de pedra lascada levantam questões sobre a pré-história brasileira SERVIÇO DE VESTIBULAR

Inscrições

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ENTREVISTA

Domingo você estudava também? Estudava bem pouco. Domingo era o único dia que eu tinha para dormir um pouco mais ou descansar, porque não dá para você manter sempre o mesmo ritmo. Geralmen­ te assistia a algum filme ou saía com meus pais, ia ao parque, andava de bicicleta com meu pai na ciclovia, até mesmo jogava um pouco de videogame para desestressar. Ati­ vidades que não demandassem algum tipo de esforço fora do estudo. Alguma coisa para relaxar.

Em quais matérias você recorreu mais ao Plantão de Dúvidas? Eu fui ao plantão mais em Física, em que tinha dificuldade mesmo.

Você treinava Redação? Eu fazia uma redação a cada duas semanas. Às vezes arranjava algum tempo livre e fazia duas redações, depois levava ao plantonista para corrigir. Eu pegava tanto o tema que o professor dava em aula como algum tema que achasse interessante, que poderia cair. Depois da 1a fase da Fuvest passei a fazer uma redação por semana.

Você leu os livros indicados pela Fuvest? Li todos, inclusive as análises que estão disponíveis. Assisti às palestras e as revi na internet.

Qual a importância das palestras? Eu acho que as palestras dão uma outra vi­ são das obras, porque existem muitas coi­ sas nos livros em que você acaba meio que se perdendo. Aí as palestras seriam uma forma de resumo, muito bem explicado, e você tem uma visão do livro em que não tinha pensado.

O que você fez nas férias? Eu utilizei o tempo para descanso. Mas coloquei em dia as poucas matérias que tinham sobrado, e também li parte das obras. Eu tenho o hábito da leitura, então não foi um esforço tão grande.

Como encarou o Enem? Eu pensava que iria melhor no Enem por causa das questões e do estilo de redação. Então dava foco maior para o Enem, treina­ va mais para o estilo Enem.

Que dicas você dá a quem vai prestar Enem este ano? O fato de treinar nos simulados sábado e domingo é um bom preparatório para você se acostumar fisicamente e até mesmo psi­ cologicamente com o cansaço. Na hora da prova pode acontecer de você ficar cansado, então o jeito é dar uma desligada por um momento, ir ao banheiro, lavar o rosto, bai­ xar a pressão, olhar no espelho e falar: “Eu vou conseguir”, e voltar com motivação.

No ano anterior, ao terminar o Ensino Médio, você prestou Fuvest? Prestei, não passei para a 2a fase. Fiz 44 pontos e o corte foi 52.

Qual foi sua pontuação na 1a fase da Fuvest 2016? Com bônus, fiquei com 68 pontos [18 aci­ ma do corte, que foi 52 novamente].

O que achou desse resultado? Nos simulados eu sempre ficava em 62, 63, então foi mais ou menos uma nota esperada.

Para a 2a fase você mudou seu método de estudo, focou mais na prova do terceiro dia, das matérias prioritárias, ou continuou estudando tudo? Continuei estudando tudo durante um tem­ po. Eu nunca tive contato com uma prova de 2a fase antes, só nos simulados, então tinha pouca experiência e até um certo receio. Quando chegou a hora da 2a fase, eu procurei estudar tudo. Só depois de um certo tempo eu me concentrei nas matérias prioritárias.

Como você foi no primeiro dia da 2a fase, na prova de Português e Redação? Foi o pior dia para mim. Eu achei que tinha ido bem, mas tirei 52,75 em Português. Na Redação, 63.

No segundo dia, na prova geral, qual foi sua nota? No segundo dia, por mais que a prova aparen­ tasse ser difícil, eu me senti mais confortável, porque já tinha passado aquela ansiedade do primeiro dia. Então, mais calmo, acho que tive um bom desempenho na prova, tirei 53,13.

E no terceiro dia, das matérias prioritárias da carreira, Matemática, História e Geografia? Foi minha maior nota, 54,17.

Na escala de zero a 1 000, qual foi sua pontuação? 648,6 pontos.

Você já conhecia a FEA? Conhecia, tanto de excursões da escola como por intermédio da mãe de um amigo meu que trabalha lá.

Na FEA, como foi o dia da matrícula? Fui para conhecer o pessoal, participar da gincana, para me adaptar. Foi supertranqui­ lo. Meu cabelo tinha sido cortado aqui, no dia da lista. Lá me pintaram, fizeram a maior festa, conheci muita gente, foi legal.

Que matérias você tem neste semestre? Tenho Fundamentos da Administração, Fundamentos das Ciências Sociais, Funda­ mentos de Marketing e Comportamento do Consumidor, Fundamentos de Microe­ conomia, Noções de Contabilidade para

Administradores, Introdução à Computação para Ciências Humanas, Matemática para Administração e Contabilidade, Introdução à Psicologia. Oito matérias.

De qual você está gostando mais? Estou gostando mais de Contabilidade. Eu já tinha um conhecimento no curso técni­ co, mas com o aprofundamento na FEA dá para perceber um balanço, dá para tomar decisões, dá para projetar coisas. Gosto também da parte de Microeconomia. Traz conhecimento de mercado, conhecimento de empresas, é muito legal.

Do que você já conhece na FEA, o que se destaca? A infraestrutura da FEA é muito boa, os pré­ dios, as salas, os equipamentos. Na parte humana, as pessoas são muito atenciosas, auxiliam em todos os casos. A FEA é um lugar muito bom para se estudar.

Você está participando de alguma atividade extraclasse? Na FEA tem várias entidades, voltadas para contabilidade, para empreendedorismo, para o terceiro setor. Meu interesse é na área de terceiro setor. E tem a FEA social. Isso é uma coisa bacana de falar, Administração na USP tem o lado financeiro e tem a parte social dos próprios alunos. É interessante o aluno não se focar só em empresas, o estudo da Adminis­ tração serve também para você saber como seu trabalho vai se refletir na sociedade.

Qual é sua maior motivação para continuar com Administração? É a abrangência da área. Administração abrange muitas áreas. Isso é interessante porque você pode achar que se identifica com uma e no decorrer do curso acaba se identificando com outra que nem imagina­ ria fazer. Assim você tem uma possibilidade muito grande de se inserir no mercado.

O que você pode dizer a quem vai prestar vestibular este ano? Eu acho que se você tem um sonho deve correr atrás desse sonho. Ver todas as pos­ sibilidades, saber o seu limite de estudo, ter algum tipo de descanso, mas nunca perder o foco e nem desistir. Se você acha que o cur­ so que escolheu é o que realmente quer, é seguir seu sonho que com certeza você será aprovado. A sensação de passar é única, a gente fica muito feliz. Se for por aquilo que você quer mesmo, todo esforço vale a pena.

Como foi a experiência de estudo aqui no ano passado? Foi um ano marcante mesmo, uma expe­ riên­cia única, o meu ano de amadurecimen­ to. Você estuda e se torna mais responsá­ vel. Aprendi muito, me tornei uma pessoa mais calma, estou mais organizado. O cur­ sinho me levou a esse caminho.


CONTO

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No moinho Eça de Queirós

D.

Maria da Piedade era considerada em toda a vila como “uma senhora modelo”. O velho Nunes, diretor do Correio, sempre que se falava nela, dizia, acariciando com autoridade os quatro pelos da calva: – É uma santa! É o que ela é! A vila tinha quase orgulho na sua beleza delicada e tocante; era uma loura, de perfil fino, a pele ebúrnea, e os olhos escuros de um tom de violeta, a que as pestanas longas escureciam mais o brilho sombrio e doce. Morava ao fim da estrada, numa casa azul de três sacadas; e era, para a gente que às tardes ia fazer o giro até ao moinho, um encanto sempre novo vê-la por trás da vidraça, entre as cortinas de cassa, curvada sobre a sua costura, vestida de preto, recolhida e séria. Poucas vezes saía. O marido, mais velho que ela, era um inválido, sempre de cama, inutilizado por uma doença de espinha; havia anos que não descia à rua; avistavam-no às vezes também à janela, murcho e trôpego, agarrado à bengala, encolhido no robe de chambre, com uma face macilenta, a barba desleixada e com um barretinho de seda enterrado melancolicamente até ao cachaço. Os filhos, duas rapariguitas e um rapaz, eram também doentes, crescendo pouco e com dificuldade, cheios de tumores nas orelhas, chorões e tristonhos. A casa, interiormente, parecia lúgubre. Andava-se em pontas dos pés, porque o senhor, na excitação nervosa que lhe davam as insônias, irritava-se com o menor rumor; havia sobre as cômodas alguma garrafada da botica, alguma malga com papas de linhaça; as mesmas flores com que ela, no seu arranjo e no seu gosto de frescura, ornava as mesas, depressa murchavam naquele ar abafado de febre, nunca renovado por causa das correntes de ar; e era uma tristeza ver sempre algum dos pequenos ou de amplastro sobre a orelha, ou a um canto do canapé, embrulhado em cobertores com uma amarelidão de hospital. Maria da Piedade vivia assim, desde os vinte anos. Mesmo em solteira, em casa dos pais, a sua existência fora triste. A mãe era uma criatura desagradável e azeda; o pai, que se empenhara pelas tavernas e pelas batotas, já velho, sempre bêbedo, os dias que aparecia em casa passava-os à lareira, num silêncio sombrio, cachimbando e escarrando para as cinzas. Todas as semanas desancava a mulher. E quando João Coutinho pediu Maria em casamento, apesar de doente já, ela aceitou, sem hesitação, quase com reconhecimento, para salvar o casebre da penhora, não ouvir mais os gritos da mãe, que a faziam tremer, rezar, em cima no seu quarto, onde a chuva entrava pelo telhado. Não amava o marido decerto; e mesmo na vila tinha-se lamentado que aquele lindo rosto de Virgem Maria, aquela figura de fada, fosse

pertencer ao Joãozinho Coutinho, que desde rapaz fora sempre entrevado. O Coutinho, por morte do pai, ficara rico; e ela, acostumada por fim àquele marido rabugento, que passava o dia arrastando-se sombriamente da sala para a alcova, ter-se-ia resignado, na sua natureza de enfermeira e de consoladora, se os filhos ao menos tivessem nascido sãos e robustos. Mas aquela família que lhe vinha com o sangue viciado, aquelas existências hesitantes, que depois pareciam apodrecer-lhe nas mãos, apesar dos seus cuidados inquietos, acabrunhavam-na. Às vezes, só, picando a sua costura, corriam-lhe as lágrimas pela face: uma fadiga da vida invadia-a, como uma névoa que lhe escurecia a alma. Mas se o marido de dentro chamava desesperado, ou um dos pequenos choramingava, lá limpava os olhos, lá aparecia com a sua bonita face tranquila, com alguma palavra consoladora, compondo a almofada a um, indo animar o outro, feliz em ser boa. Toda a sua ambição era ver o seu pequeno mundo bem tratado e bem acarinhado. Nunca tivera desde casada uma curiosidade, um desejo, um capricho: nada a interessava na Terra senão as horas dos remédios e o sono dos seus doentes. Todo o esforço lhe era fácil quando era para os contentar: apesar de fraca, passeava horas trazendo ao colo o pequerrucho, que era o mais impertinente, com as feridas que faziam dos seus pobres beicinhos uma crosta escura: durante as insônias do marido não dormia também, sentada ao pé da cama, conversando, lendo-lhe as Vidas dos Santos, porque o pobre entrevado ia caindo em devoção. De manhã estava um pouco mais pálida, mas toda correta no seu vestido preto, fresca, com os bandós bem lustrosos, fazendo-se bonita para ir dar as sopas de leite aos pequerruchos. A sua única distração era à tarde sentar-se à janela com a sua costura, e a pequenada em roda aninhada no chão, brincando tristemente. A mesma paisagem que ela via da janela era tão monótona como a sua vida: embaixo a estrada, depois uma ondulação de campos, uma terra magra plantada aqui e além de oliveiras e, erguendo-se ao fundo, uma colina triste e nua, sem uma casa, uma árvore, um fumo de casal que pusesse naquela solidão de terreno pobre uma nota humana e viva. Vendo-a assim tão resignada e tão sujeita, algumas senhoras da vila afirmavam que ela era beata: todavia ninguém a avistava na igreja, a não ser ao domingo, com o pequerru­cho mais velho pela mão, todo pálido no seu vestido de veludo azul. Com efeito, a sua devoção limitava-se a esta missa todas as semanas. A sua casa ocupava-a muito para se deixar invadir pelas preocupações do Céu; naquele dever de boa mãe, cumprido com amor, encontrava uma sa-

tisfação suficiente à sua sensibilidade; não necessitava adorar santos ou enternecer-se com Jesus. Instintivamente mesmo pensava que toda a afeição excessiva dada ao Pai do Céu, todo o tempo gasto em se arrastar pelo confessionário ou aos pés do oratório, seria uma diminuição cruel no seu cuidado de enfermeira: a sua maneira de rezar era velar os filhos: e aquele pobre marido pregado numa cama, todo dependente dela, tendo-a só a ela, parecia-lhe ter mais direito ao seu fervor que o outro, pregado numa cruz, tendo para o amimar toda uma humanidade pronta. Além disso nunca tivera estas sentimentalidades de alma triste que levam à devoção. O seu longo hábito de dirigir uma casa de doentes, de ser ela o centro, a força, o amparo daqueles inválidos tornara-a terna, mas prática: e assim era ela que administrava agora a casa do marido, com um bom-senso que a afeição dirigia, uma solicitude de mãe próvida. Tais ocupações bastavam para entreter o seu dia: o marido, de resto, detestava visitas, o aspecto de caras saudáveis, as comiserações de cerimônia; e passavam-se meses sem que em casa de Maria da Piedade se ouvisse outra voz estranha à família, a não ser a do Dr. Abílio – que a adorava, e que dizia dela com os olhos esgazeados: – É uma fada! É uma fada!... Foi por isso grande a excitação na casa, quando João Coutinho recebeu uma carta de seu primo Adrião, que lhe anunciava que em duas ou três semanas ia chegar à vila. Adrião era um homem célebre, e o marido de Maria da Piedade tinha naquele parente um orgulho enfático. Assinara mesmo um jornal de Lisboa, só para ver o seu nome nas locais e na crítica. Adrião era um romancista: e o último livro, Madalena, um estudo de mulher trabalhado a grande estilo, de uma análise delicada e sutil, consagrara-o como um mestre. A sua fama, que chegara até à vila, num vago de legenda, apresentava-o como uma personalidade interessante, um herói de Lisboa, amado das fidalgas, impetuoso e brilhante, destinado a uma alta situação no Estado. Mas realmente na vila era sobretudo notável por ser primo do João Coutinho. D. Maria da Piedade ficou aterrada com esta visita. Via já a sua casa em confusão com a presença do hóspede extraordinário. Depois a necessidade de fazer mais toalete, de alterar a hora do jantar, de conversar com um literato, e tantos outros esforços cruéis!... E a brusca invasão daquele mundano, com as suas malas, o fumo do seu charuto, a sua alegria de são, na paz triste do seu hospital, dava-lhe a impressão apavorada de uma profanação. Foi por isso um alívio, quase um reconhecimento, quando Adrião


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CONTO

chegou, e muito simplesmente se instalou na antiga estalagem do Tio André, à outra extremidade da vila. João Coutinho escandalizou-se: tinha já o quarto do hóspede preparado, com lençóis de rendas, uma colcha de damasco, pratas sobre a cômoda, e queria-o todo para si, o primo, o homem célebre, o grande autor... Adrião porém recusou: – Eu tenho os meus hábitos, vocês têm os seus... Não nos contrariemos, hem?... O que faço é vir cá jantar. De resto, não estou mal no Tio André... Vejo da janela um moinho e uma represa que são um quadrozinho delicioso... E ficamos amigos, não é verdade? Maria da Piedade olhava-o assombrada: aquele herói, aquele fascinador por quem choravam mulheres, aquele poeta que os jornais glorificavam, era um sujeito extremamente simples – muito menos complicado, menos espetaculoso que o filho do recebedor! Nem formoso era: e com o seu chapéu desabado sobre uma face cheia e barbuda, a quinzena de flanela caindo à larga num corpo robusto e pequeno, os seus sapatos enormes, parecia-lhe a ela um dos caçadores de aldeia que às vezes encontrava, quando de mês a mês ia visitar as fazendas do outro lado do rio. Além disso não fazia frases; e a primeira vez que veio jantar, falou apenas, com grande bonomia, dos seus negócios. Viera por eles. Da fortuna do pai, a única terra que não estava devorada, ou abominavelmente hipotecada, era a Curgossa, uma fazenda ao pé da vila, que andava além disso mal arrendada... O que ele desejava era vendê-la. Mas isso parecia-lhe a ele tão difícil como fazer a Ilíada!... E lamentava sinceramente ver o primo ali, inútil sobre uma cama, sem o poder ajudar nesses passos a dar com os proprietários da vila. Foi por isso, com grande alegria, que ouviu João Coutinho declarar-lhe que a mulher era uma administradora de primeira ordem, e hábil nestas questões como um antigo rábula!... – Ela vai contigo ver a fazenda, fala com o Teles, e arranja-te isso tudo... E na questão de preço, deixa-a a ela!... – Mas que superioridade, prima! – exclamou Adrião maravilhado. – Um anjo que entende de cifras! Pela primeira vez na sua existência Maria da Piedade corou com a palavra de um homem. De resto prontificou-se logo a ser a procuradora do primo... No outro dia foram ver a fazenda. Como ficava perto, e era um dia de março fresco e claro, partiram a pé. Ao princípio, acanhada por aquela companhia de um leão, a pobre senhora caminhava junto dele com o ar de um pássaro assustado: apesar de ele ser tão simples, havia na sua figura enérgica e musculosa, no timbre rico da sua voz, nos seus olhos pequenos e luzidios alguma coisa de forte, de dominante, que a enleava. Tinha-se-lhe prendido à orla do seu vestido um galho de silvado, e como ele se abaixara para o desprender delicadamente, o contato daquela mão branca e fina de artista na orla

da sua saia incomodou-a singularmente. Apressava o passo para chegar bem depressa à fazenda, aviar o negócio com o Teles, e voltar imediatamente a refugiar-se, como no seu elemento próprio, no ar abafado e triste do seu hospital. Mas a estrada estendia-se, branca e longa, sob o sol tépido – e a conversação de Adrião foi-a lentamente acostumando à sua presença. Ele parecia desolado daquela tristeza da casa. Deu-lhe alguns bons conselhos: o que os pequenos necessitavam era ar, sol, uma outra vida que aquele abafamento de alcova... Ela também assim o julgava: mas quê!, o pobre João, sempre que se lhe falava de ir passar algum tempo à quinta, afligia-se terrivelmente: tinha horror aos grandes ares e aos grandes horizontes: a Natureza forte fazia-o quase desmaiar; tornara-se um ser artificial, encafuado entre os cortinados da cama... Ele então lamentou-a. Decerto poderia haver alguma satisfação num dever tão santamente cumprido... Mas enfim, ela devia ter momentos em que desejasse alguma outra coisa além daquelas quatro paredes, impregnadas do bafo da doença... – Que hei de eu desejar mais? – disse ela. Adrião calou-se: pareceu-lhe absurdo supor que ela desejasse, realmente, o Chiado ou o Teatro da Trindade... No que ele pensava era noutros apetites, nas ambições do coração insatisfeito... Mas isto pareceu-lhe tão delicado, tão grave de dizer àquela criatura virginal e séria – que falou da paisagem... – Já viu o moinho? – perguntou-lhe ela. – Tenho vontade de o ver, se mo quiser ir mostrar, prima. – Hoje é tarde. Combinaram logo ir visitar esse recanto de verdura, que era o idílio da vila. Na fazenda, a longa conversa com o Teles criou uma aproximação maior entre Adrião e Maria da Piedade. Aquela venda, que ela discutia com uma astúcia de aldeã, punha entre eles como que um interesse comum. Ela falou-lhe já com menos reserva quando voltaram. Havia nas maneiras dele, de um respeito tocante, uma atração que a seu pesar a levava a revelar-se, a dar-lhe a sua confiança: nunca falara tanto a ninguém: a ninguém jamais deixara ver tanto da melancolia oculta que errava constantemente na sua alma. De resto as suas queixas eram sobre a mesma dor – a tristeza do seu interior, as doenças, tantos cuidados graves... E vinha-lhe por ele uma simpatia, como um indefinido desejo de o ter sempre presente, desde que ele se tornava assim depositário das suas tristezas. Adrião voltou para o seu quarto, na estalagem do André, impressionado, interessado por aquela criatura tão triste e tão doce. Ela destacava sobre o mundo de mulheres que até ali conhecera, como um perfil suave de anjo gótico entre fisionomias de mesa redonda. Tudo nele concordava deliciosamente: o ouro do cabelo, a doçura da voz, a modéstia na melancolia, a linha casta, fazendo

um ser delicado e tocante, a que mesmo o seu pequenino espírito burguês, certo fundo rústico de aldeã e uma leve vulgaridade de hábitos davam um encanto: era um anjo que vivia há muito tempo numa vilota grosseira e estava por muitos lados preso às trivialidades do sítio: mas bastaria um sopro para o fazer remontar ao céu natural, aos cimos puros da sentimentalidade... Achava absurdo e infame fazer a corte à prima... Mas involuntariamente pensava no delicioso prazer de fazer bater aquele coração que não estava deformado pelo espartilho, e de pôr enfim os seus lábios numa face onde não houvesse pós de arroz... E o que o tentava sobretudo era pensar que poderia percorrer toda a província em Portugal, sem encontrar nem aquela linha de corpo, nem aquela virgindade tocante de alma adormecida... Era uma ocasião que não voltava. O passeio ao moinho foi encantador. Era um recanto de natureza, digno de Corot, sobretudo à hora do meio-dia em que eles lá foram, com a frescura da verdura, a sombra recolhida das grandes árvores, e toda a sorte de murmúrios de água corrente, fugindo, reluzindo entre os musgos e as pedras, levando e espalhando no ar o frio da folhagem, da relva, por onde corriam cantando. O moinho era de um alto pitoresco, com a sua velha edificação de pedra secular, a sua roda enorme, quase podre, coberta de ervas, imóvel sobre a gelada limpidez da água escura. Adrião achou-o digno de uma cena de romance, ou, melhor, da morada de uma fada. Maria da Piedade não dizia nada, achando extraordinária aquela admiração pelo moinho abandonado do Tio Costa. Como ela vinha um pouco cansada, sentaram-se numa escada desconjuntada de pedra, que mergulhava na água da represa os últimos degraus: e ali ficaram um momento calados, no encanto daquela frescura murmurosa, ouvindo as aves piarem nas ramas. Adrião via-a de perfil, um pouco curvada, esburacando com a ponteira do guarda-sol as ervas bravas que invadiam os degraus: era deliciosa assim, tão branca, tão loura, de uma linha tão pura sobre o fundo azul do ar: o seu chapéu era de mau gosto, o seu mantelete antiquado, mas ele achava nisso mesmo uma ingenuidade picante. O silêncio dos campos em redor isolava-os – e, insensivelmente, ele começou a falar-lhe baixo. Era ainda a mesma compaixão pela melancolia da sua existência naquela triste vila, pelo seu destino de enfermeira... Ela escutava-o de olhos baixos, pasmada de se achar ali tão só com aquele homem tão robusto, toda receosa e achando um sabor delicioso ao seu receio... Houve um momento em que ele falou do encanto de ficar ali para sempre na vila. – Ficar aqui? Para quê? – perguntou ela, sorrindo. – Para quê? Para isto, para estar sempre ao pé de si...


CONTO Ela cobriu-se de um rubor, o guarda-solinho escapou-lhe das mãos. Adrião receou tê-la ofendido, e acrescentou logo rindo: – Pois não era delicioso?... Eu podia alugar este moinho, fazer-me moleiro... A prima havia de me dar a sua freguesia... Isto fê-la rir; era mais linda quando ria: tudo brilhava nela, os dentes, a pele, a cor do cabelo. Ele continuou gracejando, com o seu plano de se fazer moleiro, e de ir pela estrada tocando o burro, carregado de sacas de farinha. – E eu venho ajudá-lo, primo! – disse ela, animada pelo seu próprio riso, pela alegria daquele homem a seu lado. – Vem? – exclamou ele. – Juro-lhe que me faço moleiro! Que Paraíso, nós aqui ambos no moinho, ganhando alegremente a nossa vida, e ouvindo cantar estes melros! Ela corou outra vez do fervor da sua voz, e recuou como se ele fosse já arrebatá-la para o moinho. Mas Adrião agora, inflamado àquela ideia, pintava-lhe na sua palavra colorida toda uma vida romanesca, de uma felicidade idílica, naquele esconderijo de verdura: de manhã, a pé cedo, para o trabalho; depois o jantar na relva à beira de água; e à noite as boas palestras ali sentados, à claridade das estrelas ou sob a sombra cálida dos céus negros de verão... E de repente, sem que ela resistisse, prendeu-a nos braços, e beijou-a sobre os lábios, de um só beijo, profundo e interminável. Ela tinha ficado contra o seu peito, branca, como morta: e duas lágrimas corriam-lhe ao comprido da face. Era assim tão dolorosa e fraca, que ele soltou-a; ela ergueu-se, apanhou o guarda-solinho e ficou diante dele, com o beicinho a tremer, murmurando: – É malfeito... É malfeito... Ele mesmo estava tão perturbado – que a deixou descer para o caminho: e daí a um momento seguiam ambos calados para a vila. Foi só na estalagem que ele pensou: “Fui um tolo!” Mas no fundo estava contente da sua generosidade. À noite foi à casa dela: encontrou-a com o pequerrucho no colo, lavando-lhe em água de malvas as feridas que ele tinha na perna. E então pareceu-lhe odioso distrair aquela mulher dos seus doentes. De resto um momento como aquele no moinho não voltaria. Seria absurdo ficar ali, naquele canto odioso da província, desmoralizando, a frio, uma boa mãe... A venda da fazenda estava concluída. Por isso, no dia seguinte, apareceu de tarde, a dizer-lhe adeus: partia à noitinha na diligência; encontrou-a na sala, à janela costumada, com a pequenada doente aninhada contra as suas saias... Ouviu que ele partia, sem lhe mudar a cor, sem lhe arfar o peito. Mas Adrião achou-lhe a palma da mão tão fria como um mármore: e quando ele saiu, Maria da Piedade ficou voltada para a janela, escondendo a face dos pequenos, olhando abstratamente a paisagem que escurecia, com as lágrimas, quatro a quatro, caindo-lhe na costura...

Amava-o. Desde os primeiros dias, a sua figura resoluta e forte, os seus olhos luzidios, toda a virilidade da sua pessoa, se lhe tinham apossado da imaginação. O que a encantava nele não era o seu talento, nem a sua celebridade em Lisboa, nem as mulheres que o tinham amado: isso para ela aparecia-lhe vago e pouco compreensível: o que a fascinava era aquela seriedade, aquele ar honesto e são, aquela robustez de vida, aquela voz tão grave e tão rica: e antevia, para além da sua existência ligada a um inválido, outras existências possíveis, em que se não vê sempre diante dos olhos uma face fraca e moribunda, em que as noites se não passam a esperar as horas dos remédios... Era como uma rajada de ar impregnado de todas as forças vivas da Natureza, que atravessava, subitamente, a sua alcova abafada: e respirava-a deliciosamente... Depois, tinha ouvido aquelas conversas em que ele se mostrava tão bom, tão sério, tão delicado: e à força do seu corpo, que admirava, juntava-se agora um coração terno, de uma ternura varonil e forte, para a cativar... Este amor latente invadiu-a, apoderou-se dela uma noite que lhe apareceu esta ideia, esta visão: “Se ele fosse meu marido!” Toda ela estremeceu, apertou desesperadamente os braços contra o peito, como confundindo-se com a sua imagem evocada, prendendo-se a ela, refugiando-se na sua força... Depois ele deu-lhe aquele beijo no moinho. E partira! Então começou para Maria da Piedade uma existência de abandonada. Tudo de repente em volta dela – a doença do marido, os achaques dos filhos, as tristezas do seu dia, a sua costura – lhe pareceu lúgubre. Os seus deveres, agora que não punha neles toda a sua alma, eram-lhe pesados como fardos injustos. A sua vida representava-se-lhe como desgraça excepcional: não se revoltava ainda, mas tinha desses abatimentos, dessas súbitas fadigas de todo o seu ser, em que caía sobre a cadeira, com os braços pendentes, murmurando: – Quando se acabará isto? Refugiava-se então naquele amor como uma compensação deliciosa. Julgando-o todo puro, todo de alma, deixava-se penetrar dele e da sua lenta influência. Adrião tornara-se, na sua imaginação, como um ser de proporções extraordinárias, tudo o que é forte, e que é belo, e que dá razão à vida. Não quis que nada do que era dele ou vinha dele lhe fosse alheio. Leu todos os seus livros, sobretudo aquela Madalena que também amara, e morrera de um abandono. Estas leituras calmavam-na, davam-lhe como uma vaga satisfação ao desejo. Chorando as dores das heroínas de romance, parecia sentir alívio às suas. Lentamente, esta necessidade de encher a imaginação desses lances de amor, de dramas infelizes, apoderou-se dela. Foi durante meses um devorar constante de romances. Ia-se assim criando no seu espírito um mundo artificial e idealizado. A realidade

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tornava-se-lhe odiosa, sobretudo sob aquele aspecto da sua casa, onde encontrava sempre agarrado às saias um ser enfermo. Vieram as primeiras revoltas. Tornou-se impaciente e áspera. Não suportava ser arrancada aos episódios sentimentais do seu livro, para ir ajudar a voltar o marido e sentir-lhe o hálito mau. Veio-lhe o nojo das garrafadas, dos emplastros, das feridas dos pequenos a lavar. Começou a ler versos. Passava horas só, num mutismo, à janela, tendo sob o seu olhar de virgem loura toda a rebelião de uma apaixonada. Acreditava nos amantes que escalam os balcões, entre o canto dos rouxinóis: e queria ser amada assim, possuída num mistério de noite romântica... O seu amor desprendeu-se pouco a pouco da imagem de Adrião e alargou-se, estendeu-se a um ser vago que era feito de tudo o que a encantara nos heróis de novela; era um ente meio príncipe e meio facínora, que tinha, sobretudo, a força. Porque era isto que admirava, que queria, por que ansiava nas noites cálidas em que não podia dormir – dois braços fortes como aço, que a apertassem num abraço mortal, dois lábios de fogo que, num beijo, lhe chupassem a alma. Estava uma histérica. Às vezes, ao pé do leito do marido, vendo diante de si aquele corpo de tísico, numa imobilidade de entrevado, vinha-lhe um ódio torpe, um desejo de lhe apressar a morte... E no meio desta excitação mórbida do temperamento irritado, eram fraquezas súbitas, sustos de ave que pousa, um grito ao ouvir bater uma porta, uma palidez de desmaio se havia na sala flores muito cheirosas... À noite abafava; abria a janela; mas o cálido ar, o bafo morno da terra aquecida do sol, enchiam-na de um desejo intenso, de uma ânsia voluptuosa, cortada de crises de choro... A santa tornava-se Vênus. E o romanticismo mórbido tinha penetrado tanto naquele ser, e desmoralizara-o tão profundamente, que chegou ao momento em que bastaria que um homem lhe tocasse, para ela lhe cair nos braços, – e foi o que sucedeu enfim, com o primeiro que a namorou, daí a dois anos. Era o praticante da botica. Por causa dele escandalizou toda a vila. E agora deixa a casa numa desordem, os filhos sujos e ramelosos, em farrapos, sem comer até altas horas, o marido a gemer abandonado na sua alcova, toda a trapagem dos emplastros por cima das cadeiras, tudo num desamparo torpe – para andar atrás do homem, um maganão odioso e sebento, de cara balofa e gordalhufa, luneta preta com grossa fita passada atrás da orelha e bonezinho de seda posto à catita. Vem de noite às entrevistas de chinelo de ourelo; cheira a suor; e pede-lhe dinheiro emprestado para sustentar uma Joana, criatura obesa, a quem chamam na vila a Bola de Unto. Extraído de: Obra completa. Rio de Janeiro: Editora José Aguilar, 1970. v. 2.


POIS É, POESIA

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Álvares de Azevedo Lembrança de morrer No more! o never more! Shelley

Q uando em meu peito rebentar-se a fibra, Que o espírito enlaça à dor vivente, Não derramem por mim nem uma lágrima Em pálpebra demente. E nem desfolhem na matéria impura A flor do vale que adormece ao vento: Não quero que uma nota de alegria Se cale por meu triste passamento. Eu deixo a vida como deixa o tédio Do deserto, o poento caminheiro – Como as horas de um longo pesadelo Que se desfaz ao dobre de um sineiro;

Beijarei a verdade santa e nua, Verei cristalizar-se o sonho amigo... Ó minha virgem dos errantes sonhos, Filha do céu, eu vou amar contigo! Descansem o meu leito solitário Na floresta dos homens esquecida, À sombra de uma cruz, e escrevam nela: – Foi poeta – sonhou – e amou na vida. – Sombras do vale, noites da montanha, Que minh’alma cantou e amava tanto, Protejei o meu corpo abandonado, E no silêncio derramai-lhe um canto! Mas quando preludia ave d’aurora E quando à meia-noite o céu repousa, Arvoredos do bosque, abri os ramos... Deixai a lua pratear-me a lousa!

Como o desterro de minh’alma errante, Onde fogo insensato a consumia. Só levo uma saudade – é desses tempos Que amorosa ilusão embelecia.

No mar

Só levo uma saudade – e dessas sombras Que eu sentia velar nas noites minhas... De ti, ó minha mãe! pobre coitada Que por minha tristeza te definhas!

E ra de noite – dormias,

De meu pai... de meus únicos amigos, Poucos – bem poucos – e que não [zombavam Quando, em noites de febre endoidecido, Minhas pálidas crenças duvidavam. Se uma lágrima as pálpebras me inunda, Se um suspiro nos seios treme ainda, É pela virgem que sonhei... que nunca Aos lábios me encostou a face linda! Só tu à mocidade sonhadora Do pálido poeta deste flores... Se viveu, foi por ti! e de esperança De na vida gozar de teus amores.

Les étoiles s’allument au ciel, et la brise du soir erre doucement parmi les fleurs: rêvez, chantez et soupirez. George Sand

Do sonho nas melodias, Ao fresco da viração; Embalada na falua, Ao frio clarão da lua, Aos ais do meu coração! Ah! que véu de palidez Da langue face na tez! Como teus seios revoltos Te palpitavam sonhando! Como eu cismava beijando Teus negros cabelos soltos! Sonhavas? – eu não dormia; A minh’alma se embebia Em tua alma pensativa! E tremias, bela amante, A meus beijos, semelhante Às folhas da sensitiva!

E que noite! que luar! E que ardentias no mar! E que perfumes no vento! Que vida que se bebia Na noite que parecia Suspirar de sentimento! Minha rola, ó minha flor, Ó madresilva de amor, Como eras saudosa então! Como pálida sorrias E no meu peito dormias Aos ais do meu coração! E que noite! que luar! Como a brisa a soluçar Se desmaiava de amor! Como toda evaporava Perfumes que respirava Nas laranjeiras em flor! Suspiravas? que suspiro! Ai que ainda me deliro Entrevendo a imagem tua Ao fresco da viração, Aos ais do meu coração, Embalada na falua! Como virgem que desmaia, Dormia a onda na praia! Tua alma de sonhos cheia Era tão pura, dormente, Como a vaga transparente Sobre seu leito de areia! Era de noite – dormias, Do sonho nas melodias, Ao fresco da viração; Embalada na falua, Ao frio clarão da lua, Aos ais do meu coração. Extraído de: Melhores poesias de Lira dos vinte anos. Ed. Núcleo, 1996.

(ENTRE PARÊNTESIS)

Os mágicos Um indivíduo encontrou três mágicos. Ao primeiro ele propôs: “Se você duplicar o dinheiro que eu tenho comigo, eu lhe dou R$ 100,00”. O mágico o fez e ganhou R$ 100,00. Com os outros dois mágicos tudo se passou do mesmo modo. Ao fim das três operações, o indivíduo notou que estava sem dinheiro. Quanto ele tinha no início do processo?

RESPOSTA Quando encontrou o primeiro mágico, o indivíduo, que tinha x reais, acabou ficando com 2x − 100 reais. Depois de encontrar o segundo mágico, ficou com 2(2x −100) − 100 reais. Com o terceiro mágico, acabou ficando sem nada, isto é: 2[2(2x −100) − 100] − 100 = 0. Resolvendo a equação, temos: x = R$ 87,50.


ARTIGO

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Pontas de pedra lascada levantam questões sobre a pré-história brasileira Peter Moon

O

roteiro consensual da história do povoamento das Américas diz que os primeiros paleoíndios vindos da Ásia cruzaram o estreito de Bering no fim da Idade do Gelo, há mais de 13 mil anos. Nos milênios seguintes, as tribos paleoín­ dias se espalharam pela América do Norte e, em seguida, pela América do Sul. O estu­ do de pontas de projéteis em pedra lascada está intimamente ligado à origem das pes­ quisas sobre o povoamento das Américas. Tudo começou em 1929, quando pontas de pedra de 13 500 anos foram achadas perto da cidade de Clovis, no Novo México, Estados Unidos. Por mais de meio século, aquelas pontas longilíneas foram brandidas pela arqueologia norte-americana como provas de que a chamada cultura Clovis se­ ria a mais antiga do hemisfério – apesar de indícios crescentes vindos da América do Sul de que aquele não seria o caso. Como ficou constatado nos últimos 20 anos, sítios pré-históricos sul-americanos como Monte Verde, no Chile; El Abra, na Co­ lômbia; Piedra Museo, na Argentina; ou Tai­ ma-taima, na Venezuela, foram contemporâ­ neos de Clovis – se não mais antigos. Foram ocupados desde fins do Período Pleistoceno por paleoíndios. Outrossim, as pontas las­ cadas achadas nestes sítios sul-americanos não só são muito diferentes das de Clovis como são também muito diversas entre si. Quanto tempo foi necessário para que tribos vindas do norte pudessem se es­ praiar pela América do Sul ao ponto de as pontas de suas armas se diferenciarem tanto? Essa resposta ainda não existe. Dois estudos recém-publicados sobre as pontas de pedra brasileiras levantam novas dúvi­ das sobre a diversidade e a antiguidade da­ queles instrumentos e das culturas que os produziram. O primeiro estudo sistemático das pon­ tas de pedra no estilo rabo de peixe acha­ das no Brasil tem coautoria da arqueó­ loga Mercedes Okumura, do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da Uni­ versidade de São Paulo (USP), pesquisa­ dora responsável pelo projeto “Métodos estatísticos aplicados à questão da ca­ racterização de indústrias líticas paleoíndias: estudos de caso no Sudeste e Sul do Brasil”, apoiado pela FAPESP. Okumura, atualmente, está no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Já o segundo estudo, “A ocupação pa­ leoíndia no estado de São Paulo: uma abordagem geoarqueológica II”, também apoiado pela FAPESP, busca entender a dis­ tribuição e o uso das pontas de projéteis em pedras achadas no Sul do Brasil. A au­ toria é de Okumura e do arqueólogo Astolfo Araujo, do MAE/USP.

Datações diversas As pontas rabo de peixe, que como o próprio nome indica têm este formato, são muito comuns na Argentina e no Uruguai. “No Brasil, os registros são esporádicos. Fizemos uma varredura nos acervos de mu­ seus e coleções particulares e reunimos 32 pontas, a maioria do Sul e Sudeste do país, mas também do Mato Grosso e de Goiás. Achamos até duas pontas coletadas na Bahia e no Amazonas,” diz Okumura. “Até pouco tempo era consenso de que as pon­ tas rabo de peixe eram típicas do Uruguai e da Argentina. Hoje se sabe que elas tam­ bém ocorrem, embora em menor número, no Brasil e em pontos tão ao norte quanto Venezuela e Guiana.”

As pontas rabo de peixe aqui do Cone Sul são muito diferentes tanto das pontas de pedra de Monte Verde, no sul do Chile, quanto daquelas da Colômbia e Venezuela, “embora estes sítios sejam todos contem­ porâneos”, revela Okumura. As pontas sul­ -americanas igualmente em nada lembram as pontas norte-americanas. É mais um indício que exclui a hipótese americana da ancestralidade de Clovis com relação às culturas paleoíndias. “O que isso significa?”, questiona-se Okumura. “Será que a diversidade de todas estas pontas não poderia indicar uma an­ tiguidade maior do povoamento da Améri­ ca do Sul?”. Na Argentina, as pontas rabo

de peixe têm datações que variam entre 12 900 e 12 300 anos. No Brasil ainda não há datas, ou porque as pontas coletadas fo­ ram encontradas na superfície, ou porque simplesmente não se conseguiu datar. As datações em Monte Verde apontam para 13 500 anos, mas já se sabe que aquele sí­ tio era ocupado há pelo menos 18 000 anos. No Brasil, os sítios arqueológicos com data­ ção mais antiga são Santa Elina, no Mato Grosso, com 25 mil anos, e Pedra Furada, no Piauí, com 32 mil – mas ambos os re­ sultados estão longe de serem aceitos con­ sensualmente pela academia. “O mais interessante do nosso artigo é poder apresentar pela primeira vez todo esse material”, diz Okumura. “É um convite aos demais pesquisadores para que come­ cem a prestar atenção nestas pontas que são encontradas em locais tão distantes quanto o Sul, o Nordeste e a Amazônia. O que isso pode significar em termos de ocu­ pação do território, de migrações, de siste­ mas de troca?” Um próximo passo da pesquisa será o estudo da origem das rochas usadas nas pontas, a maioria feita de silexito, basalto ou lamito. Outra futura direção é procurar saber de que modo as pontas eram utili­ zadas: se em lanças, flechas, projéteis ou facas. “As mais compridas e afiadas podem ter sido usadas como dardos ou lanças”, diz Okumura. Com o uso frequente e pro­ gressivo desgaste ou quebra, as pontas eram relascadas e reutilizadas em outras funções. “Há pontas que, de tanto ser re­ lascadas, perderam totalmente o formato original e se tornaram toquinhos, que cha­ mamos de raspadores. Nosso estudo sus­ cita muito mais perguntas do que fornece respostas. Infelizmente, esse é o preço do pioneirismo,” diz a arqueóloga.

Tradição Umbu O segundo trabalho faz um levantamento dos projéteis pertencentes à chamada tra­ dição Umbu, “que leva este nome por cau­ sa de uma localidade no Rio Grande do Sul onde foram encontrados, nos anos 1970”, explica Araujo. Trata-se do primeiro trabalho sistemático feito com esses materiais brasi­ leiros e que procura entender a sua função e o seu uso.


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ARTIGO

Só foram estudados projéteis oriundos de sítios arqueológicos com datações pre­ cisas, todos no Sul do país. “Em todo o Brasil, há somente oito sítios arqueológicos com datações aceitáveis e com um bom número de pontas”, explica Okumura. Os 463 projéteis investigados têm data­ ções que vão desde o início do Holoceno, há 11 mil anos, passando pelo Holoceno médio, há cerca de 5 mil, até chegar ao Holoceno recente, há apenas 600 anos. O estudo da função dos projéteis indicou que uma porção muito pequena era empregada como flechas. A esmagadora maioria eram dardos de arremesso. “O porquê desta pre­ dileção dos povos da tradição Umbu por dardos de arremesso nós não sabemos”, diz Araujo.

O que mais chamou a atenção dos pes­ quisadores foi a relação entre o tamanho das pontas e a sua antiguidade. “Nós tínha­ mos a expectativa de detectar no estudo o mesmo padrão encontrado na América do Norte, ou seja, quanto mais antigos os sítios arqueológicos, maiores seriam os projéteis, e quão mais recentes, menores”, explica Okumura. Isso tem a ver com o sur­ gimento da tecnologia de arco e flecha na metade do Holoceno e o padrão de substi­ tuição dessa tecnologia ao longo do tempo. “Mas o padrão que detectamos foi exata­ mente o inverso. O que se vê são pontas de dardos grandes ocorrendo em toda a amos­ tra e pontas pequenas no sítio mais antigo, de quase 11 mil anos.”

Para tentar elucidar a questão, é preciso encontrar novos projéteis em escavações e com boa datação. Uma outra linha de pesquisa seria entender a morfologia dos projéteis, os estudos dos materiais empre­ gados, a análise do seu desgaste e de suas fraturas. “O trabalho foi feito para chamar a aten­ ção para esses projéteis em termos de sua função, de seu uso na Pré-História”, afirma Okumura. “Assim como se deve começar a prestar atenção nas pontas rabo de peixe, nós também apontamos para a necessidade de os arqueólogos começarem a pensar na função dos projéteis da tradição Umbu.” Extraído de: Agência FAPESP – Divulgando a cultura científica, jan./2016.

SERVIÇO DE VESTIBULAR Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein Período de inscrição: até dia 06 de maio de 2016. Somente via internet. Endereço da faculdade: av. Prof. Francisco Morato, 4 293 – Butantã – São Paulo – SP – CEP: 05521-200 – Telefone: (11) 2151-1001. Requisito: taxa de R$ 150,00. Cursos e vagas: consultar site www.vestibular.pucsp.br Exame: dia 29 de maio de 2016. Leituras obrigatórias: • A cidade e as serras – Eça de Queirós. • Memórias de um sargento de milícias – Manuel Antônio de Almeida. • Memórias póstumas de Brás Cubas – Machado de Assis. • Sentimento do mundo – Carlos Drummond de Andrade. • Vidas secas – Graciliano Ramos.

Universidade Metodista de São Paulo (Umesp) Período de inscrição: até dia 16 de junho de 2016. Somente via internet. Endereço da faculdade: rua Alfeu Tavares, 149 – Rudge Ramos – São Bernardo do Campo – SP – CEP: 09641-000 – Telefone: (11) 4366-5000. Requisito: taxa de R$ 80,00. Cursos e vagas: consultar site www.metodista.br Exame: dia 19 de junho de 2016.

Faculdade de Tecnologia (Fatec) Período de inscrição: até dia 09 de junho de 2016. Somente via internet. Endereço da faculdade: praça Coronel Fernando Prestes, 30 – Bom Retiro – São Paulo – SP – CEP: 01124-060 – Telefone: (11) 3322-2200. Requisito: taxa de R$ 75,00. Cursos e vagas: consultar site www.vestibularfatec.com.br Exame: dia 03 de julho de 2016.

Escola Superior de Propaganda e Marketing – Rio de Janeiro (ESPM-RJ) Período de inscrição: até dia 15 de junho de 2016. Somente via internet. Endereço da faculdade: rua do Rosário, 90 – Centro – Rio de Janeiro – RJ – CEP: 20041-002 – Telefone: (21) 2216-2002. Requisito: taxa de R$ 120,00. Cursos e vagas: consultar site www.espm.br/vestibular Exame: dia 19 de junho de 2016.

Escola Superior de Propaganda e Marketing – Rio Grande do Sul (ESPM-RS) Período de inscrição: até dia 08 de junho de 2016. Somente via internet. Endereço da faculdade: rua Guilherme Schell, 350 – Santo Antônio – Porto Alegre – RS – CEP: 90640-040 – Telefone: (51) 3218-1300.

Jornal do Vestibulando

Requisito: taxa de R$ 80,00. Cursos e vagas: consultar site www.espm.br/vestibular Exame: dia 11 de junho de 2016.

Universidade Regional do Cariri (Urca) Período de inscrição: até dia 19 de maio de 2016. Somente via internet. Endereço da faculdade: rua Coronel Antônio Luiz, 1 161 – Pimenta – Crato – CE – CEP: 63100-000 – Telefone: (88) 3102-1212. Requisito: taxa de R$ 120,00. Cursos e vagas: consultar site www.urca.br Exames: dias 25 e 26 de junho de 2016. Leituras obrigatórias: • As odes de Ricardo Reis – Fernando Pessoa. • Aves de arribação – Antônio Sales. • Contos negreiros – Marcelino Freire. • Faca – Ronaldo Correia de Brito. • O silêncio laminado do casulo – Cleílson Pereira Ribeiro. • Para viver um grande amor – Vinicius de Moraes.

Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) Período de inscrição: de 09 a 20 de maio de 2016. Somente via internet. Requisito: taxa de R$ 68,00. Mais informações: consultar site www.enem.inep.gov.br Exames: dias 05 e 06 de novembro de 2016.

Jornal ETAPA, editado por Etapa Ensino e Cultura REDAÇÃO: Rua Vergueiro, 1 987 – CEP 04101-000 – Paraíso – São Paulo – SP JORNALISTA RESPONSÁVEL: Egle M. Gallian – M.T. 15343


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