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Jornal do Vestibulando
ENSINO, INFORMAÇÃO E CULTURA
JORNAL ETAPA – 2016 • DE 02/06 A 15/06
ENTREVISTA
“Eu ficava preocupado, sempre com medo de não ser aprovado.”
Renan Yudi Hamada Nunes Em 2015: Etapa Em 2016: Engenharia de Computação – USP
JV – Quando você decidiu seguir Engenharia? Renan – No Ensino Fundamental, mesmo sem saber como era a carreira, porque eu gostava de Exatas, que o pessoal associa a Engenharia. No Ensino Médio, junto com o curso técnico em Informática, comecei a ter mais noção do que seria a Engenharia de Computação e segui por essa área.
Além da Fuvest, que vestibulares você prestou? Unicamp e Enem. Fui aprovado na Unicamp também para Engenharia de Computação. Pelo Sisu, com a nota do Enem, consegui vaga em Engenharia Elétrica na UFSCar. Mas minha primeira opção era realmente a Poli.
Como estava seu ânimo ao começar no cursinho no ano passado? Meu ânimo estava bom. No começo a matéria é um pouco mais tranquila, dava para fazer os exercícios da apostila. Com o passar dos meses fui me atrasando e o ânimo caiu um pouco. Mas perto das férias deu para correr um pouco mais atrás das matérias e a nota nos simulados parou de cair.
Você estudava quanto tempo por dia? Dava uma média de três a quatro horas de estudo mais focado. Eu começava dando
CONTO
A causa secreta – Machado de Assis
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Você estudava todas as matérias do dia ou focava mais em alguma parte? Geralmente pegava a parte de humanidades, História e Geografia. Eu dava preferência às matérias em que tinha mais dificuldade. Em Química também eu não ia tão bem por causa da defasagem do Ensino Médio.
Como você tirava suas dúvidas nas matérias? Eu anotava o exercício ou a parte em que tinha dúvida e perguntava aos meus amigos. Se eles não soubessem, ia ao Plantão de Dúvidas ou pegava a resolução on-line, no Plantão Virtual, que tirava praticamente todas as minhas dúvidas.
Nos simulados, em que faixas você ficava? Geralmente em C menos ou C mais. No final do ano eu estava mais em C mais. No primeiro semestre caiu um pouco a nota, a partir da metade do ano começou a subir de novo. Perto das provas da 1a fase as notas já estavam um pouco mais altas.
“Pode tirar o cavalo da chuva”
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POIS É, POESIA
Cruz e Sousa (1861-1898)
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PRA PENSAR
ARTIGO
A face da escravidão contemporânea
uma lida na apostila, depois passava para os exercícios, mas de vez em quando ficava cansado, parava e conversava um pouco com dois amigos que estudavam comigo.
SOBRE AS PALAVRAS
ENTREVISTA
Renan Yudi Hamada Nunes
Renan Yudi Hamada Nunes entrou no curso de Engenharia de Computação, na Poli. Ele conta como foi seu estudo no ano passado e como saltou de 49 acertos, como treineiro da Fuvest, para 74. Foram 25 a mais. Destaca a superação nas suas deficiências em Humanidades. No final, foi o 14o colocado de seu curso.
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Piratas do Tietê
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Você ficava tranquilo com seus resultados? Eu ficava preocupado, sempre com medo de não ser aprovado.
Qual foi a importância dos simulados para seus estudos? Acho o simulado muito importante para saber como você está nas matérias, se está realmente aprendendo, se tem controle do tempo – é importante ter noção de quanto tempo você pode levar em cada questão, se está demorando muito ou não, tanto que teve simulado em que eu precisei fazer algumas partes um pouco correndo. Deu para me adequar até o dia da prova.
Você se interessava pelas matérias que eram seu ponto fraco? Apesar de não ir bem, você gostava de Geografia e História? Eu gostei das aulas, foram bem diferentes das que eu tive no Ensino Médio. Comecei a gostar de História. Ainda não gosto de História Antiga, mas História Contemporânea eu achava legal e consegui estudar bastante, tanto que na 1a fase da Fuvest só errei uma questão de História e uma de Geografia. Fui melhor que em Matemática.
Você treinava Redação? Eu nunca fui muito bom em Redação. Fazia uma vez por mês, uma a cada dois meses. ENTRE PARÊNTESIS
Sapo no bebedouro SERVIÇO DE VESTIBULAR
Inscrições
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ENTREVISTA
Mas perto da 1a fase eu comecei a dar mais foco a Redação para no mínimo não me derrubar na nota final. Redação pode ser um diferencial também, é importante não deixar de lado.
Você fazia a Redação nos simulados? Fazia, tirava em torno de 6, 6,5. Acho que era C menos.
Essa nota estava dentro da sua meta? Estava razoável. Eu sabia que não ia dar para fazer milagre sem focar mais em Redação, mas não tinha tempo para isso, então acabei tentando ficar na média.
Você leu as obras literárias indicadas como obrigatórias pela Fuvest e pela Unicamp? Eu li só duas obras completas, contando Fuvest e Unicamp, mas li o livro de análise das obras e fui a todas as palestras sobre elas.
Para você, qual foi a importância das palestras? Foram importantes para ter noção do que era narrado, saber o período, as partes mais importantes. Tudo isso é abordado nas palestras e ajudou bastante. Dá para ter uma boa base com as palestras.
Quais foram os períodos mais difíceis do ano passado? Perto das férias de julho, porque eu estava bem atrasado. Comecei a correr atrás da matéria nessa época, por isso ficou um pouco mais pesado. Também perto do Enem vem um pouco mais de pressão, você intensifica o estudo para tentar ir melhor e acaba se cansando um pouco mais.
O que você fez nas duas semanas de férias em julho? Na primeira semana eu continuei estudando para tentar tirar um pouco do atraso. Mas peguei mais leve, estudava só à tarde. Na segunda semana eu fui viajar para descansar e voltar bem no segundo semestre.
Na Fuvest, como treineiro no ano anterior, você tinha feito quantos pontos? Na 1a fase eu tinha acertado 49 questões.
E para valer, na Fuvest 2016, você fez quantos pontos na 1a fase? Eu melhorei 25 pontos, fiz 74 acertos. O corte foi 60.
Era isso o que você vinha tirando nos simulados? Eu me surpreendi com a nota, porque não achei fácil a prova. Achava que ia tirar em torno de 66, perto do que tirei no último simulado antes da 1a fase. Corrigi várias vezes até ter certeza de que tinha acertado isso mesmo, que não estava contando errado.
Na 2a fase, como você foi? No primeiro dia, prova com questões de Português e Redação, quais foram suas notas? No primeiro dia eu tentei ir na média mesmo, principalmente por não ser tão bom em Redação e não ter lido as obras. Minha nota foi 57,75. Na Redação eu tirei 63. Achei razoável.
No segundo dia é a prova geral, com várias matérias e novamente Geografia e História. Quanto você tirou? Tirei 68,75, mas esperava mais. Era a prova em que eu estava mais confiante, porque tinha ido bem nos simulados. Mesmo não gostando muito de História e Geografia, eu não ia mal. Só que achei a prova diferente, mais difícil do que nos outros anos.
No terceiro dia, prova com as matérias prioritárias para Engenharia – Matemática, Física e Química –, como foi? No terceiro dia eu estava com medo principalmente de Química, mas achei a prova bem tranquila. Tirei 93,75. Não esperava uma nota assim.
Você não gabaritou por causa de Química? Acho que não. Na correção eu vi que tinha errado uma besteira em Matemática. Então, talvez foi Matemática, por falta de atenção mesmo.
Qual foi sua pontuação total na Fuvest, na escala de zero a 1 000? No exame para valer foi 846,9. Como treineiro tinha sido 521,2.
Na carreira, como você se classificou? 32o da Poli. No meu curso, 14o.
Você já conhecia a Poli ou conheceu no dia da matrícula? Eu já tinha passado em frente, mas nunca tinha entrado, não tinha noção de como era a Poli. Conheci no dia da matrícula.
Como foi esse dia? Eu fui com um amigo, só que fomos à tarde, perto do final do dia, então já estava mais vazio. Tanto que eu não encontrei o pessoal da Elétrica, o pessoal da Grande Área em que estou, mas encontrei um amigo veterano, que está no 2o ano de Materiais, ele é que raspou meu cabelo. Não teve barro. Eu vi o pessoal saindo todo sujo, mas acabei perdendo essa parte. Eu não sabia que o pessoal ia embora tão cedo.
O que você destaca na Poli? Achei a estrutura acima das expectativas. Na parte humana, os veteranos são bem legais, amigáveis, ajudaram bastante principalmente nas primeiras semanas, como chegar na Poli, como fazer em relação às matérias,
tudo isso. Os calouros, dá para perceber que estão em outro nível, o pessoal é diferenciado mesmo. Os professores são muito bons, sabem o que estão ensinando. Não necessariamente têm didática, mas eles sabem.
Quais são suas matérias neste primeiro semestre? Tenho Cálculo Diferencial e Integral, Álgebra Linear, Fundamentos de Ciência e Engenharia dos Materiais, Introdução à Computação, Introdução à Engenharia de Computação, Laboratório de Química Tecnológica, Física, Representação Gráfica para Projeto.
Como estão os seus estudos? Já tive a primeira semana de provas, dá para ter noção do que é preciso estudar mais. O tempo é um pouco corrido, mas não tanto como no ano passado. Como estou no atletismo, que toma três noites por semana, acabo chegando tarde em casa. Só que não é nada comparado com o ano de cursinho, Ensino Médio e curso técnico juntos.
Você já decidiu em que área pretende seguir na Engenharia de Computação? Ainda não. Mas, já que o curso é o Cooperativo, quadrimestral, pretendo estagiar em diferentes áreas para descobrir qual me agrada mais.
Que dicas você pode dar a quem vai prestar vestibular este ano para que aproveite ao máximo os estudos? Descubra o melhor método de estudo para você, pois cada um aprende melhor a matéria de um jeito. No meu caso, eu grifava e colocava vários Post-it nas apostilas e voltava para ler de vez em quando. Além disso, assista às palestras, elas são muito úteis para aprender e aprofundar a matéria. Por fim, não desista, tudo terá valido a pena ao ver seu nome na lista de aprovados.
O que foi marcante para você no Etapa? As aulas eram muito legais, muito diferentes. Essa é a parte de que eu mais sinto falta. Tenho saudade das aulas e dos professores.
Quais lições você tira dessa experiência? Depois de um ano tão puxado, só posso dizer que aprendi que todo esforço vale a pena no final.
O que mais você quer dizer aos nossos alunos? Apenas uma dica para a escolha do curso e da faculdade. Procurem conversar com veteranos do curso e da faculdade desejados para saber mais a respeito, assim terão mais informações para escolher bem a opção que marcarão ao se inscreverem nos vestibulares.
CONTO
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A causa secreta Machado de Assis
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arcia, em pé, mirava e estalava as unhas; Fortunato, na cadeira de balanço, olhava para o teto; Maria Luísa, perto da janela, concluía um trabalho de agulha. Havia já cinco minutos que nenhum deles dizia nada. Tinham falado do dia, que estivera excelente – de Catumbi, onde morava o casal Fortunato, e de uma casa de saúde, que adiante se explicará. Como os três personagens aqui presentes estão agora mortos e enterrados, tempo é de contar a história sem rebuço. Tinham falado também de outra coisa, além daquelas três, coisa tão feia e grave, que não lhes deixou muito gosto para tratar do dia, do bairro e da casa de saúde. Toda a conversação a este respeito foi constrangida. Agora mesmo, os dedos de Maria Luísa parecem ainda trêmulos, ao passo que há no rosto de Garcia uma expressão de severidade, que lhe não é habitual. Em verdade, o que se passou foi de tal natureza, que para fazê-lo entender, é preciso remontar a origem da situação. Garcia tinha-se formado em medicina, no ano anterior, 1861. No de 1860, estando ainda na Escola, encontrou-se com Fortunato pela primeira vez, à porta da Santa Casa; entrava, quando o outro saía. Fez-lhe impressão a figura; mas, ainda assim, tê-la-ia esquecido, se não fosse o segundo encontro, poucos dias depois. Morava na rua de D. Manuel. Uma de suas raras distrações era ir ao teatro de S. Januário, que ficava perto, entre essa rua e a praia; ia uma ou duas vezes por mês, e nunca achava acima de quarenta pessoas. Só os mais intrépidos ousavam estender os passos até aquele recanto da cidade. Uma noite, estando nas cadeiras, apareceu ali Fortunato, e sentou-se ao pé dele. A peça era um dramalhão, cosido a facadas, ouriçado de imprecações e remorsos; mas Fortunato ouviu-a com singular interesse. Nos lances dolorosos, a atenção dele redobrava, os olhos iam avidamente de um personagem a outro, a tal ponto que o estudante suspeitou haver na peça reminiscências pessoais do vizinho. No fim do drama, veio uma farsa; mas Fortunato não esperou por ela e saiu; Garcia saiu atrás dele. Fortunato foi pelo beco do Cotovelo, Rua de S. José, até o Largo da Carioca. Ia devagar, cabisbaixo, parando às vezes, para dar uma bengalada em algum cão que dormia; o cão ficava ganindo e ele ia andando. No Largo da Carioca entrou num tílburi, e seguiu para os lados da praça da Constituição. Garcia voltou para casa sem saber mais nada. Decorreram algumas semanas. Uma noite, eram nove horas, estava em casa, quando ouviu rumor de vozes na escada; desceu logo do sótão, onde morava, ao primeiro andar, onde vivia um empregado do arsenal de
guerra. Era este, que alguns homens conduziam, escada acima, ensanguentado. O preto que o servia acudiu a abrir a porta; o homem gemia, as vozes eram confusas, a luz pouca. Deposto o ferido na cama, Garcia disse que era preciso chamar um médico. – Já aí vem um, acudiu alguém. Garcia olhou: era o próprio homem da Santa Casa e do teatro. Imaginou que seria parente ou amigo do ferido; mas rejeitou a suposição, desde que lhe ouvira perguntar se este tinha família ou pessoa próxima. Disse-lhe o preto que não, e ele assumiu a direção do serviço, pediu às pessoas estranhas que se retirassem, pagou aos carregadores, e deu as primeiras ordens. Sabendo que o Garcia era vizinho e estudante de medicina, pediu-lhe que ficasse para ajudar o médico. Em seguida contou o que se passara. – Foi uma malta de capoeiras. Eu vinha do quartel de Moura, onde fui visitar um primo, quando ouvi um barulho muito grande, e logo depois um ajuntamento. Parece que eles feriram também a um sujeito que passava, e que entrou por um daqueles becos; mas eu só vi a este senhor, que atravessava a rua no momento em que um dos capoeiras, roçando por ele, meteu-lhe o punhal. Não caiu logo; disse onde morava, e, como era a dois passos, achei melhor trazê-lo. – Conhecia-o antes? perguntou Garcia. – Não, nunca o vi. Quem é? – É um bom homem, empregado no arsenal de guerra. Chama-se Gouveia. – Não sei quem é. Médico e subdelegado vieram daí a pouco; fez-se o curativo, e tomaram-se as informações. O desconhecido declarou chamar-se Fortunato Gomes da Silveira, ser capitalista, solteiro, morador em Catumbi. A ferida foi reconhecida grave. Durante o curativo, ajudado pelo estudante, Fortunato serviu de criado, segurando a bacia, a vela, os panos, sem perturbar nada, olhando friamente para o ferido, que gemia muito. No fim, entendeu-se particularmente com o médico, acompanhou-o até o patamar da escada, e reiterou ao subdelegado a declaração de estar pronto a auxiliar as pesquisas da polícia. Os dois saíram, ele e o estudante ficaram no quarto. Garcia estava atônito. Olhou para ele, viu-o sentar-se tranquilamente, estirar as pernas, meter as mãos nas algibeiras das calças, e fitar os olhos no ferido. Os olhos eram claros, cor de chumbo, moviam-se devagar, e tinham a expressão dura, seca e fria. Cara magra e pálida; uma tira estreita de barba, por baixo do queixo, e de uma têmpora a outra, curta, ruiva e rara. Teria quarenta anos. De quando em quando, voltava-se para o estudante, e perguntava alguma coisa acerca do ferido; mas tornava logo a olhar para ele, enquanto o rapaz lhe dava a resposta. A
sensação que o estudante recebia era de repulsa ao mesmo tempo que de curiosidade; não podia negar que estava assistindo a um ato de rara dedicação, e se era desinteressado como parecia, não havia mais que aceitar o coração humano como um poço de mistérios. Fortunato saiu pouco antes de uma hora; voltou nos dias seguintes, mas a cura fez-se depressa, e, antes de concluída, desapareceu sem dizer ao obsequiado onde morava. Foi o estudante que lhe deu as indicações do nome, rua e número. – Vou agradecer-lhe a esmola que me fez, logo que possa sair, disse o convalescente. Correu a Catumbi daí a seis dias. Fortunato recebeu-o constrangido, ouviu impaciente as palavras de agradecimento, deu-lhe uma resposta enfastiada e acabou batendo com as borlas do chambre no joelho. Gouveia, defronte dele, sentado e calado, alisava o chapéu com os dedos, levantando os olhos de quando em quando, sem achar mais nada que dizer. No fim de dez minutos, pediu licença para sair, e saiu. – Cuidado com os capoeiras! disse-lhe o dono da casa, rindo-se. O pobre-diabo saiu de lá mortificado, humilhado, mastigando a custo o desdém, forcejando por esquecê-lo, explicá-lo ou perdoá-lo, para que no coração só ficasse a memória do benefício; mas o esforço era vão. O ressentimento, hóspede novo e exclusivo, entrou e pôs fora o benefício, de tal modo que o desgraçado não teve mais que trepar à cabeça e refugiar-se ali como uma simples ideia. Foi assim que o próprio benfeitor insinuou a este homem o sentimento da ingratidão. Tudo isso assombrou o Garcia. Este moço possuía, em gérmen, a faculdade de decifrar os homens, de decompor os caracteres, tinha o amor da análise, e sentia o regalo, que dizia ser supremo, de penetrar muitas camadas morais, até apalpar o segredo de um organismo. Picado de curiosidade, lembrou-se de ir ter com o homem de Catumbi, mas advertiu que nem recebera dele o oferecimento formal da casa. Quando menos, era-lhe preciso um pretexto, e não achou nenhum. Tempos depois, estando já formado, e morando na rua de Mata-Cavalos, perto da do Conde, encontrou Fortunato em uma gôndola, encontrou-o ainda outras vezes, e a frequência trouxe a familiaridade. Um dia Fortunato convidou-o a ir visitá-lo ali perto, em Catumbi. – Sabe que estou casado? – Não sabia. – Casei-me há quatro meses, podia dizer quatro dias. Vá jantar conosco domingo. – Domingo? – Não esteja forjando desculpas; não admito desculpas. Vá domingo.
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CONTO
Garcia foi lá domingo. Fortunato deu-lhe um bom jantar, bons charutos e boa palestra, em companhia da senhora, que era interessante. A figura dele não mudara; os olhos eram as mesmas chapas de estanho, duras e frias; as outras feições não eram mais atraentes que dantes. Os obséquios, porém, se não resgatavam a natureza, davam alguma compensação, e não era pouco. Maria Luísa é que possuía ambos os feitiços, pessoa e modos. Era esbelta, airosa, olhos meigos e submissos; tinha vinte e cinco anos e parecia não passar de dezenove. Garcia, à segunda vez que lá foi, percebeu que entre eles havia alguma dissonância de caracteres, pouca ou nenhuma afinidade moral, e da parte da mulher para com o marido uns modos que transcendiam o respeito e confinavam na resignação e no temor. Um dia, estando os três juntos, perguntou Garcia a Maria Luísa se tivera notícia das circunstâncias em que ele conhecera o marido. – Não, respondeu a moça. – Vai ouvir uma ação bonita. – Não vale a pena, interrompeu Fortunato. – A senhora vai ver se vale a pena, insistiu o médico. Contou o caso da rua de D. Manuel. A moça ouviu-o espantada. Insensivelmente estendeu a mão e apertou o pulso ao marido, risonha e agradecida, como se acabasse de descobrir-lhe o coração. Fortunato sacudia os ombros, mas não ouvia com indiferença. No fim contou ele próprio a visita que o ferido lhe fez, com todos os pormenores da figura, dos gestos, das palavras atadas, dos silêncios, em suma, um estúrdio. E ria muito ao contá-la. Não era o riso da dobrez. A dobrez é evasiva e oblíqua; o riso dele era jovial e franco. – Singular homem! pensou Garcia. Maria Luísa ficou desconsolada com a zombaria do marido; mas o médico restituiu-lhe a satisfação anterior, voltando a referir a dedicação deste e as suas raras qualidades de enfermeiro; tão bom enfermeiro, concluiu ele, que, se algum dia fundar uma casa de saúde, irei convidá-lo. – Valeu? perguntou Fortunato. – Valeu o quê? – Vamos fundar uma casa de saúde? – Não valeu nada; estou brincando. – Podia-se fazer alguma coisa; e para o senhor, que começa a clínica, acho que seria bem bom. Tenho justamente uma casa que vai vagar, e serve. Garcia recusou nesse e no dia seguinte; mas a ideia tinha-se metido na cabeça ao outro, e não foi possível recuar mais. Na verdade, era uma boa estreia para ele, e podia vir a ser um bom negócio para ambos. Aceitou finalmente daí a dias, e foi uma desilusão para Maria Luísa. Criatura nervosa e frágil, padecia só com a ideia de que o marido tivesse de viver em contato com enfermidades humanas, mas não ousou opor-se-lhe, e curvou a cabeça. O plano fez-se e cumpriu-se depressa. Verdade é que Fortunato não curou de mais nada, nem então, nem depois. Aberta a casa, foi ele o próprio administrador e chefe
de enfermeiros, examinava tudo, ordenava tudo, compras e caldos, drogas e contas. Garcia pôde então observar que a dedicação ao ferido da rua de D. Manuel não era um caso fortuito, mas assentava na própria natureza deste homem. Via-o servir como nenhum dos fâmulos. Não recuava diante de nada, não conhecia moléstia aflitiva ou repelente, e estava sempre pronto para tudo, a qualquer hora do dia ou da noite. Toda a gente pasmava e aplaudia. Fortunato estudava, acompanhava as operações, e nenhum outro curava os cáusticos. – Tenho muita fé nos cáusticos, dizia ele. A comunhão dos interesses apertou os laços da intimidade. Garcia tornou-se familiar na casa; ali jantava quase todos os dias, ali observava a pessoa e a vida de Maria Luísa, cuja solidão moral era evidente. E a solidão como que lhe duplicava o encanto. Garcia começou a sentir que alguma coisa o agitava, quando ela aparecia, quando falava, quando trabalhava, calada, ao canto da janela, ou tocava ao piano umas músicas tristes. Manso e manso, entrou-lhe o amor no coração. Quando deu por ele, quis expeli-lo, para que entre ele e Fortunato não houvesse outro laço que o da amizade; mas não pôde. Pôde apenas trancá-lo; Maria Luísa compreendeu ambas as coisas, a afeição e o silêncio, mas não se deu por achada. No começo de outubro, deu-se um incidente que desvendou ainda mais aos olhos do médico a situação da moça. Fortunato metera-se a estudar anatomia e fisiologia, e ocupava-se nas horas vagas em rasgar e envenenar gatos e cães. Como os guinchos dos animais atordoavam os doentes, mudou o laboratório para casa, e a mulher, compleição nervosa, teve de os sofrer. Um dia, porém, não podendo mais, foi ter com o médico e pediu-lhe que, como coisa sua, alcançasse do marido a cessação de tais experiências. – Mas a senhora mesma... Maria Luísa acudiu, sorrindo: – Ele naturalmente achará que sou criança. O que eu queria é que o senhor, como médico, lhe dissesse que isso me faz mal; e creia que faz... Garcia alcançou prontamente que o outro acabasse com tais estudos. Se os foi fazer em outra parte, ninguém o soube, mas pode ser que sim. Maria Luísa agradeceu ao médico, tanto por ela como pelos animais, que não podia ver padecer. Tossia de quando em quando; Garcia perguntou-lhe se tinha alguma coisa, ela respondeu que nada. – Deixe ver o pulso. – Não tenho nada. Não deu o pulso, e retirou-se. Garcia ficou apreensivo. Cuidava, ao contrário, que ela podia ter alguma coisa, que era preciso observá-la e avisar o marido em tempo. Dois dias depois – exatamente o dia em que os vemos agora – Garcia foi lá jantar. Na sala disseram-lhe que Fortunato estava no gabinete, e ele caminhou para ali; ia chegando à porta, no momento em que Maria Luísa saía aflita. – Que é? perguntou-lhe.
– O rato! o rato! exclamou a moça sufocada e afastando-se. Garcia lembrou-se que, na véspera, ouvira ao Fortunato queixar-se de um rato, que lhe levara um papel importante; mas estava longe de esperar o que viu. Viu Fortunato sentado à mesa, que havia no centro do gabinete, e sobre a qual pusera um prato com espírito de vinho. O líquido flamejava. Entre o polegar e o índice da mão esquerda segurava um barbante, de cuja ponta pendia o rato atado pela cauda. Na direita tinha uma tesoura. No momento em que o Garcia entrou, Fortunato cortava ao rato uma das patas; em seguida, desceu o infeliz até a chama, rápido, para não matá-lo, e dispôs-se a fazer o mesmo à terceira, pois já lhe havia cortado a primeira. Garcia estacou horrorizado. – Mate-o logo! disse-lhe. – Já vai. E com um sorriso único, reflexo de alma satisfeita, alguma coisa que traduzia a delícia íntima das sensações supremas, Fortunato cortou a terceira pata ao rato, e fez pela terceira vez o mesmo movimento até a chama. O miserável estorcia-se, guinchando, ensanguentado, chamuscado, e não acabava de morrer. Garcia desviou os olhos, depois voltou-os novamente, e estendeu a mão para impedir que o suplício continuasse, mas não chegou a fazê-lo, porque o diabo do homem impunha medo, com toda aquela serenidade radiosa da fisionomia. Faltava cortar a última pata; Fortunato cortou-a muito devagar, acompanhando a tesoura com os olhos; a pata caiu, e ele ficou olhando para o rato meio cadáver. Ao descê-lo pela quarta vez, até a chama, deu ainda mais rapidez ao gesto, para salvar, se pudesse, alguns farrapos de vida. Garcia, defronte, conseguira dominar a repugnância do espetáculo para fixar a cara do homem. Nem raiva, nem ódio; tão somente um vasto prazer, quieto e profundo, como daria a outro a audição de uma bela sonata ou a vista de uma estátua divina, alguma coisa parecida com a pura sensação estética. Pareceu-lhe, e era verdade, que Fortunato havia-o inteiramente esquecido. Isto posto, não estaria fingindo, e devia ser aquilo mesmo. A chama ia morrendo, o rato podia ser que tivesse ainda um resíduo de vida, sombra de sombra; Fortunato aproveitou-o para cortar-lhe o focinho e pela última vez chegar a carne ao fogo. Afinal deixou cair o cadáver no prato, e arredou de si toda essa mistura de chamusco e sangue. Ao levantar-se deu com o médico e teve um sobressalto. Então, mostrou-se enraivecido contra o animal, que lhe comera o papel; mas a cólera evidentemente era fingida. – Castiga sem raiva, pensou o médico, pela necessidade de achar uma sensação de prazer, que só a dor alheia lhe pode dar: é o segredo deste homem. Fortunato encareceu a importância do papel, a perda que lhe trazia, perda de tempo, é certo, mas o tempo agora era-lhe preciosíssimo. Garcia ouvia só, sem dizer nada, nem lhe dar crédito. Relembrava os
CONTO atos dele, graves e leves, achava a mesma explicação para todos. Era a mesma troca das teclas da sensibilidade, um diletantismo sui generis, uma redução de Calígula. Quando Maria Luísa voltou ao gabinete, daí a pouco, o marido foi ter com ela, rindo, pegou-lhe nas mãos e falou-lhe mansamente: – Fracalhona! E voltando-se para o médico: – Há de crer que quase desmaiou? Maria Luísa defendeu-se a medo, disse que era nervosa e mulher; depois foi sentar-se à janela com as suas lãs e agulhas, e os dedos ainda trêmulos, tal qual a vimos no começo desta história. Hão de lembrar-se que, depois de terem falado de outras coisas, ficaram calados os três, o marido sentado e olhando para o teto, o médico estalando as unhas. Pouco depois foram jantar; mas o jantar não foi alegre. Maria Luísa cismava e tossia; o médico indagava de si mesmo se ela não estaria exposta a algum excesso na companhia de tal homem. Era apenas possível; mas o amor trocou-lhe a possibilidade em certeza; tremeu por ela e cuidou de os vigiar. Ela tossia, tossia, e não se passou muito tempo que a moléstia não tirasse a máscara. Era a tísica, velha dama insaciável, que chupa a vida toda, até deixar um bagaço de
ossos. Fortunato recebeu a notícia como um golpe; amava deveras a mulher, a seu modo, estava acostumado com ela, custava-lhe perdê-la. Não poupou esforços, médicos, remédios, ares, todos os recursos e todos os paliativos. Mas foi tudo vão. A doença era mortal. Nos últimos dias, em presença dos tormentos supremos da moça, a índole do marido subjugou qualquer outra afeição. Não a deixou mais; fitou o olho baço e frio naquela decomposição lenta e dolorosa da vida, bebeu uma a uma as aflições da bela criatura, agora magra e transparente, devorada de febre e minada de morte. Egoísmo aspérrimo, faminto de sensações, não lhe perdoou um só minuto de agonia, nem lhos pagou com uma só lágrima, pública ou íntima. Só quando ela expirou, é que ele ficou aturdido. Voltando a si, viu que estava outra vez só. De noite, indo repousar uma parenta de Maria Luísa, que a ajudara a morrer, ficaram na sala Fortunato e Garcia, velando o cadáver, ambos pensativos; mas o próprio marido estava fatigado, o médico disse-lhe que repousasse um pouco. – Vá descansar, passe pelo sono uma hora ou duas: eu irei depois. Fortunato saiu, foi deitar-se no sofá da saleta contígua, e adormeceu logo. Vinte mi-
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nutos depois acordou, quis dormir outra vez, cochilou alguns minutos, até que se levantou e voltou à sala. Caminhava nas pontas dos pés para não acordar a parenta, que dormia perto. Chegando à porta, estacou assombrado. Garcia tinha-se chegado ao cadáver, levantara o lenço e contemplara por alguns instantes as feições defuntas. Depois, como se a morte espiritualizasse tudo, inclinou-se e beijou-a na testa. Foi nesse momento que Fortunato chegou à porta. Estacou assombrado; não podia ser o beijo da amizade, podia ser o epílogo de um livro adúltero. Não tinha ciúmes, note-se; a natureza compô-lo de maneira que lhe não deu ciúmes nem inveja, mas dera-lhe vaidade, que não é menos cativa ao ressentimento. Olhou assombrado, mordendo os beiços. Entretanto, Garcia inclinou-se ainda para beijar outra vez o cadáver; mas então não pôde mais. O beijo rebentou em soluços, e os olhos não puderam conter as lágrimas, que vieram em borbotões, lágrimas de amor calado, e irremediável desespero. Fortunato, à porta, onde ficara, saboreou tranquilo essa explosão de dor moral que foi longa, muito longa, deliciosamente longa. Extraído de: Onze contos de Machado de Assis, Ed. Núcleo, 1992.
VOCABULÁRIO algibeiras: bolsos. borbotões: jorros, jatos impetuosos. borlas do chambre: penduricalho do roupão. Calígula: imperador romano, nasceu no ano 12 da Era Cristã. Reinou de 37 a 41; para alguns, foi a personificação da incompetência e da crueldade. Costumava dizer aos seus súditos: “Que me odeiem, mas que me temam!”.
malta de capoeiras: bando de negros que assalta e produz desordens.
cáusticos: queimados, feridos. compleição: temperamento, constituição
sui generis: expressão latina, significa o que não tem semelhança com nenhum outro; sem igual.
física. espírito de vinho: produto alcoólico resultante da destilação do vinho. fâmulos: criados, servidores.
tílburi: carro de duas rodas e dois assentos, sem boleia, com capota, e puxado por um só animal.
intrépidos: corajosos, audazes.
tísica: tuberculose pulmonar.
estúrdio: extravagância, esquisitice.
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A face da escravidão contemporânea Karina Toledo
E
mbora a escravidão tenha sido formalmente abolida no Brasil em 1888, ainda nos dias de hoje é possível encontrar no país trabalhadores submetidos a condições análogas a de escravos. De acordo com um balanço divulgado recentemente pelo Ministério doTrabalho e Previdência Social (MTPS), somente em 2015, o problema foi detectado em 90 dos 257 estabelecimentos fiscalizados e um total de 1 010 pessoas foram retiradas de condições de emprego consideradas degradantes. Na tentativa de compreender quais são os fatores que caracterizam o fenômeno da es-
cravidão contemporânea, a historiadora e professora da University of Michigan Law School Rebecca Scott tem se dedicado a estudar documentos produzidos por funcionários do MTPS durante as ações de fiscalização. O projeto vem sendo realizado em parceria com o juiz federal e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Carlos Henrique Borlido Haddad e com Leo nardo Augusto de Andrade Barbosa, analista legislativo na Câmara dos Deputados, em Brasília. Um escopo do trabalho foi apresentado por Scott no dia 29 de março, em Ann Ar-
bor, em Michigan, Estados Unidos, durante a programação da Fapesp Week Michigan-Ohio. O evento, realizado na cidade de Columbus, em Ohio, tinha o objetivo de fomentar novas colaborações entre pesquisadores paulistas e norte-americanos. “A campanha de erradicação do trabalho análogo ao escravo que vem sendo realizada no Brasil desde meados dos anos 1990 – e que se fortaleceu principalmente no início do século 21 – reúne diversas entidades governamentais e não governamentais e tem gerado o que os historiadores mais almejam: um vasto material documental. Não
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conheço outro país com um trabalho tão sistemático nesse campo”, afirmou Scott em entrevista à Agência FAPESP. A análise dos processos gerados a partir da fiscalização do MTPS, disse Scott, permite aos pesquisadores irem além do campo especulativo e conferir quais são as condições reais que levam promotores e juízes a condenar pessoas por exploração de trabalho escravo. “Nos permite examinar conceitos legais, entender como os fiscais e os promotores fazem o diagnóstico da situação quando visitam os locais de trabalho e observar como esses conceitos legais estão evoluindo na sociedade”, disse. A colaboração com os juristas brasileiros começou há cerca de dois anos, quando eles estiveram em Michigan para cursar o pós-doutorado. Haddad tinha experiência prática no assunto, pois já havia julgado diversos casos de empregadores acusados de explorar trabalho escravo. No ano de 2009, na Vara Federal de Marabá, no Pará, ele julgou em um só bloco 32 processos e condenou 27 pessoas. “Haddad acredita que toda a sociedade é prejudicada quando esse tipo de situação é mantida impune. Já Barbosa estava muito interessado em estudar como a legislação foi escrita e como foi se modificando”, contou Scott. Na condição de historiadora, Scott disse estar interessada particularmente na definição do conceito de escravidão contemporânea. “O uso desse termo tem a intenção de fazer uma analogia com circunstâncias presentes no Brasil até o século 19. Mas como usar essa metáfora sem cometer um erro? Não podemos diminuir as características únicas do processo de escravização de africanos no século 19. Definir a linha entre escravidão e liberdade é algo crucial para que a campanha para erradicação do problema avance”, avaliou Scott. Segundo a pesquisadora, as análises têm mostrado que são consideradas “condições análogas à escravidão” aquelas em que as violações dos direitos trabalhistas ultrapassam um certo limite e passam a ferir a dignidade humana. “Muitas vezes os empregadores percebem a vulnerabilidade de seus trabalhadores e atuam para multiplicar essa vulnerabilidade e, assim, diminuir o grau de autonomia que aquela pessoa tem para aceitar certas condi-
ções de trabalho. Outro componente são as condições de trabalho propriamente ditas. Há décadas pesquisas têm mostrado que a escravidão tende a colocar seres humanos em condições similares a de animais, como dormir ao relento, por exemplo”, explicou.
Novas fontes Além dos documentos do MTPS, o grupo pretende em breve analisar o acervo do Ministério Público doTrabalho (MPT) da 15a Região – Campinas, que está sendo digitalizado com apoio da Fapesp no âmbito do projeto temático “Entre a escravidão e o fardo da liberdade: os trabalhadores e as formas de exploração do trabalho em perspectiva histórica”, coordenado pelo professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Fernando Teixeira da Silva, que integra a equipe do Centro de Pesquisa em História Social da Cultura (Cecult). Conforme relatou no evento Sidney Chalhoub – que hoje é professor da Harvard University, mas já foi docente da Unicamp e ainda integra a equipe do Cecult –, o acervo do MPT corria risco de ser destruído por falta de espaço para armazenamento e foi salvo graças ao financiamento da Fapesp que per-
mitiu sua digitalização. Atualmente, a base de dados conta com um total de 3 228 fichas, sendo que 1 053 já estão disponíveis para consulta pública na Unicamp. “Boa parte do material da Justiça do Trabalho já foi destruída por falta de espaço para armazenar, o que é uma pena. São fontes riquíssimas para historiadores estudarem a experiência dos trabalhadores em uma determinada época. Muito do que sabemos hoje a respeito da escravidão se originou em processos criminais e cíveis em que trabalhadores analfabetos tiveram seu depoimento colhido”, disse Chalhoub. Além de Scott e Chalhoub, participaram da sessão dedicada a temas de legislação e justiça social os professores de História da University of Michigan Paulina Alberto, Jean Hébrard e Sueann Caulfield, além da brasileira Eduarda La Rocque, coordenadora da iniciativa Pacto do Rio – que une representantes da sociedade civil, academia, órgãos públicos, parceiros privados e de organismos internacionais para promover e monitorar o desenvolvimento sustentável da região metropolitana do Rio. Extraído de: Agência FAPESP – Divulgando a cultura científica, abr./2016.
SOBRE AS PALAVRAS
“Pode tirar o cavalo da chuva” Significa que algo vai demorar para acontecer. A frase teve origem em cidade do interior, onde o meio de transporte mais utilizado era o cavalo, pois não enguiçava, nem parava por falta de combustível. O cavalo deixava clara a intenção do visitante na chegada: se ele fosse amarrado na entrada da casa era sinal de que a visita seria breve, mas se ele fosse levado para um lugar protegido da chuva e do sol, estava claro que a visita ia demorar. Depois o sentido da expressão se estendeu para desistir de um propósito qualquer.
POIS É, POESIA
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Cruz e Sousa (1861-1898) Cristais
Mais claro e fino do que as finas pratas
o som da tua voz deliciava... Na dolência velada das sonatas como um perfume a tudo perfumava. Era um som feito luz, eram volatas em lânguida espiral que iluminava, brancas sonoridades de cascatas... Tanta harmonia melancolizava. Filtros sutis de melodias, de ondas de cantos volutuosos como rondas de silfos leves, sensuais, lascivos... Como que anseios invisíveis, mudos, da brancura das sedas e veludos, das virgindades, dos pudores vivos.
Incensos
Dentre o chorar dos trêmulos violinos,
por entre os sons dos órgãos soluçantes sobem nas catedrais os neblinantes incensos vagos, que recordam hinos... Rolos d’incensos alvadios, finos e transparentes, fúlgidos, radiantes, que elevam-se aos espaços, ondulantes, em Quimeras e Sonhos diamantinos. Relembrando turíbulos de prata incensos aromáticos desata teu corpo ebúrneo, de sedosos flancos. Claros incensos imortais que exalam, que lânguidas e límpidas trescalam as luas virgens dos teus seios brancos.
Deusa serena
Espiritualizante Formosura
gerada nas Estrelas impassíveis, deusa de formas bíblicas, flexíveis, dos eflúvios da graça e da ternura. Açucena dos vales da Escritura, da alvura das magnólias marcessíveis, branca Via Láctea das indefiníveis brancuras, fonte da imortal brancura. Não veio, é certo, dos pauis da terra tanta beleza que o teu corpo encerra, tanta luz de luar e paz saudosa...
Vem das constelações, do Azul do Oriente, para triunfar maravilhosamente da beleza mortal e dolorosa!
Quando ressurges, quando brilhas e amas, quando de luzes a amplidão constelas, com os fulgores glaciais que tu derramas dás febre e frio, dás nevrose, gelas...
Lua
Clâmides frescas, de brancuras frias, finíssimas dalmáticas de neve vestem as longas árvores sombrias, surgindo a Lua nebulosa e leve...
Névoas e névoas frígidas ondulam... Alagam lácteos e fulgentes rios que na enluarada refração tremulam dentre fosforescências, calafrios... E ondulam névoas, cetinosas rendas de virginais, de prônubas alvuras... Vagam baladas e visões e lendas no flórido noivado das Alturas... E fria, fluente, frouxa claridade flutua como as brumas de um letargo... E erra no espaço, em toda a imensidade, um sonho doente, cilicioso, amargo...
A tua dor cristalizou-se outrora na dor profunda mais dilacerada e das dores estranhas, ó Astro, agora, és a suprema Dor cristalizada!...
Braços
Braços nervosos, brancas opulências,
brumais brancuras, fúlgidas brancuras, alvuras castas, virginais alvuras, latescências das raras latescências. As fascinantes, mórbidas dormências dos teus abraços de letais flexuras, produzem sensações de agres torturas, dos desejos as mornas florescências. Braços nervosos, tentadoras serpes que prendem, tetanizam como os herpes, dos delírios na trêmula coorte...
Da vastidão dos páramos serenos, das siderais abóbadas cerúleas cai a luz em antífonas, em trenos, em misticismos, orações e dúlias... E entre os marfins e as pratas diluídas dos lânguidos clarões tristes e enfermos, com grinaldas de roxas margaridas vagam as Virgens de cismares ermos... Cabelos torrenciais e dolorosos boiam nas ondas dos etéreos gelos. E os corpos passam níveos, luminosos, nas ondas do luar e dos cabelos... Vagam sombras gentis de mortas, vagam em grandes procissões, em grandes alas, dentre as auréolas, os clarões que alagam, opulências de pérolas e opalas. E a Lua vai clorótica fulgindo nos seus alperces etereais e brancos, a luz gelada e pálida diluindo das serranias pelos largos flancos...
Pompa de carnes lépidas e flóreas, braços de estranhas correções marmóreas, abertos para o Amor e para a Morte!
Clamando...
Bárbaros vãos, dementes e terríveis
bonzos tremendos de ferrenho aspeto, ah! deste ser todo o clarão secreto jamais pôde inflamar-vos, Impassíveis! Tantas guerras bizarras e incoercíveis no tempo e tanto, tanto imenso afeto, são para vós menos que um verme e inseto na corrente vital pouco sensíveis. No entanto nessas guerras mais bizarras de sol, clarins e rútilas fanfarras, nessas radiantes e profundas guerras... As minhas carnes se dilaceraram E vão, das Ilusões que flamejaram, com o próprio sangue fecundando as terras...
Ó Lua das magnólias e dos lírios! Geleira sideral entre as geleiras! Tens a tristeza mórbida dos círios e a lividez da chama das poncheiras!
Extraído de: Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1961.
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PRA PENSAR PIRATAS DO TIETÊ/Laerte
Folha de S.Paulo, 1o dez. 2006.
1) As roupas dos personagens nos permitem supor que ambos se relacionam a que época em específico? 2) A fala do personagem da direita também se insere nesse contexto? 3) Qual episódio da mitologia está sendo representado pelo personagem da esquerda? Qual o topônimo inspirado nesse personagem?
RESPOSTA 1) As roupas dos personagens nos permitem supor que ambos se relacionam ao Período Greco-Romano. 2) Não. O personagem da direita se refere à teoria dos buracos negros, a qual – por ter sido formulada pelo matemático francês Laplace apenas no século XVIII – não era conhecida pela cultura clássica. 3) O personagem da esquerda é Atlas, o gigantesco filho de Jápeto e Clímente. Com seus irmãos, combateu Júpiter e foi condenado por este a carregar o mundo sobre os ombros. Num outro episódio, quando Perseu lhe pediu hospitalidade, recusou-a, porque o oráculo o advertira para não confiar nos filhos de Júpiter. Ofendido, Perseu mostrou-lhe a cabeça da Medusa, transformando-o numa imensa montanha que recebeu o nome de Atlas. A atual cadeia do Atlas se localiza no noroeste africano, cortando o Marrocos, a Argélia e a Tunísia.
(ENTRE PARÊNTESIS)
Sapo no bebedouro Numa escolinha, a professora queria saber quem havia colocado um sapo no bebedouro. Havia cinco crianças que poderiam ter feito a “arte”. Perguntou a elas, deixando cada uma fazer três afirmações envolvendo elas próprias ou as outras crianças. Edu disse: (1) Não fui eu que pus o sapo lá; (2) Marcelo não costuma fazer coisas assim; (3) Quem fez isso foi o Leo. Tânia disse: (4) Não fui eu quem fez isso; (5) O Edu sabe que tenho nojo de sapos; (6) Marta sabe quem foi o culpado. Marcelo disse: (7) Eu não sou o culpado; (8) A Marta já “aprontou” na escola; (9) Mas foi o Leo quem fez isso. Leo disse: (10) Não fiz isso; (11) A Marta é culpada; (12) Edu está mentindo quando diz que fui eu. Marta disse: (13) Não fui eu quem colocou o sapo lá; (14) Tânia é culpada; (15) Eu nunca “aprontei” nada na escola. Pedindo sinceridade às crianças, a professora descobriu que todas elas tinham falado duas coisas verdadeiras e uma falsa. Pensando sobre as respostas, a professora descobriu quem pôs o sapo no bebedouro. Quem foi?
RESPOSTA Considere que sempre que se achar uma afirmação falsa de uma criança, sabemos que as duas outras afirmações são verdadeiras. Leo é inocente porque duas de suas afirmações dizem que ele não é culpado (a 10 e a 12). Logo, a afirmação 11 é falsa e, portanto, Marta não é culpada. Logo, a afirmação 3 é falsa, e igualmente falsa é a afirmação 9. Sendo 9 falsa, 8 é verdadeira. Sendo 8 verdadeira, 15 é falsa. Sendo 15 falsa, 13 e 14 são verdadeiras. Conclusão: a culpada é Tânia.
SERVIÇO DE VESTIBULAR Centro Universitário Belas Artes
Escola Superior de Engenharia e Gestão (Eseg)
Centro Universitário de Araraquara (Uniara)
Período de inscrição: até dia 10 de junho de 2016. Somente via internet. Endereço da faculdade: rua Dr. Álvaro Alvim, 90 – Vila Mariana – São Paulo – SP – CEP: 04018-010 – Telefone: (11) 5576-7300. Requisito: taxa de R$ 80,00. Cursos e vagas: consultar site www.belasartes.br Exame: dia 18 de junho de 2016.
Período de inscrição: até dia 20 de junho de 2016. Somente via internet. Endereço da fa culdade: rua Vergueiro, 1 951 – Vila Mariana – CEP: 04101-000 – São Paulo – SP – Telefone: (11) 2187-1230 ou (11) 5904-6612. Requisito: taxa de R$ 45,00. Cursos e vagas: consultar site www.eseg.edu.br Exame: dia 25 de junho de 2016.
Período de inscrição: até dia 13 de junho de 2016. Endereço da faculdade: rua Carlos Gomes, 1 338 – Centro – Araraquara – SP – CEP: 14801-340 – Telefone: 0800-55-65-88. Requisito: taxa de R$ 10,00. Cursos e vagas: consultar site www.uniara.com.br Exame: dia 18 de junho de 2016.
Jornal do Vestibulando
Jornal ETAPA, editado por Etapa Ensino e Cultura REDAÇÃO: Rua Vergueiro, 1 987 – CEP 04101-000 – Paraíso – São Paulo – SP JORNALISTA RESPONSÁVEL: Egle M. Gallian – M.T. 15343