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Jornal do Vestibulando
ENSINO, INFORMAÇÃO E CULTURA
JORNAL ETAPA – 2016 • DE 30/06 A 13/07
ENTREVISTA
“Os professores eram incríveis. Eles me fascinavam. Sinto muita falta das aulas.” Johnatan Padovez Gonçalves entrou na Medicina Pinheiros. Para isso, dedicou-se muito no ano passado: “Foi muito cansativo, mas a vitória é tão recompensadora que faria de novo, de novo, de novo”, diz ele, que nesta entrevista conta como se preparou para os vestibulares e detalha o novo currículo do curso, que desde o início busca integrar os fundamentos da Medicina com a atividade clínica.
Johnatan Padovez Gonçalves Em 2015: Etapa Em 2016: Medicina – USP/Pinheiros
JV – Quando você escolheu a carreira de Medicina? Johnatan – Desde o 9o ano, com 14 anos, pensava em fazer Medicina. Sentia admiração pela profissão. As matérias que eu teria na faculdade eram mais condizentes com meu perfil. Além disso, minha mãe é enfermeira e sempre tive muito contato com a área da saúde.
Você chegou a pensar em outra carreira? Não tem nada a ver, pensei em ser ator. Estava entre ser ator ou fazer Medicina. Aí fiz teatro. Era uma coisa de que eu gostava muito, mas percebi que era um hobby, mais do que uma profissão. Sou um apreciador, procuro ver muitas peças.
Além da Pinheiros, em quais faculdades você foi aprovado? Na 1a chamada fui aprovado na USP, na Famerp e na Unesp. Passei na Unicamp na 2a chamada.
Você fez o Ensino Médio onde? Na Federal.
Você fez curso técnico em quê? Em Eletrotécnica.
Por que essa opção? Por acidente. Eu não fazia ideia, tinha quatro opções de técnico, pedi para minha irmã escolher para mim. Ela sugeriu Eletrotécnica. Foi assim. Não gostei do curso, mas me ajudou em Física e completou muito meu Ensino Médio. A escolha da minha irmã foi excelente. Eletrotécnica é o único curso que não tem TCC. Meu 4o ano foi uma tranquilidade.
ENTREVISTA
Johnatan Padovez Gonçalvez CONTO
O viúvo – Artur Azevedo ARTIGO O papel do imigrante na evolução do Brasil
Quando começou no Etapa no ano passado, como avaliava suas possibilidades de entrar em Medicina? Medicina é um curso bastante concorrido e exige muita dedicação. Quando cheguei no cursinho eu vi que seria muito difícil e achava que não era capaz.
Durante o cursinho, como era sua rotina? Eu moro em Santo Amaro e minha mãe me levava até o metrô Santa Cruz. Eu vinha de metrô só duas estações. Isso me auxiliava pra caramba. Tinha aula das 7h05min até meio-dia e meia. Ia para casa e começava a estudar às 14h. Eu tinha que terminar às 17h porque minha aula começava às 18h50min e a Federal é bem longe. Era pouco tempo de estudo, mas era um estudo muito concentrado, totalmente voltado para os exercícios.
Nessas três horas você estudava o quê? As matérias do dia. Estabeleci uma grade, dividi as seis aulas que eu tinha no dia pelas três horas. Meia hora para cada uma. É importante equilibrar porque na 1a fase 1 ponto é 1 ponto. Seja de História, seja de Matemática. Não basta você acertar 10 de Matemática e zero de História. É muito mais pertinente acertar 8, 8. Uma coisa que eu fazia muito era começar pela matéria que achava mais difícil. Começava por Matemática, que me exigia muita atenção. Deixava por último as matérias de que eu gostava mais, Biologia e História.
Como você ia nos simulados? Tirei 67 em quase todos os simulados da Fuvest e na prova da 1a fase tive a mesma nota. Com 67
POIS É, POESIA
1
Mário de Andrade (1893-1945) VOCÊ SABIA QUE...
3 4
... Mona Lisa
eu sabia que com o bônus de escola pública estaria na 2a fase. É preciso ter um parâmetro e ver quanto você está progredindo. Nesse sentido, os resultados de simulados são extremamente pertinentes.
Que faixa era isso? C menos e C mais. Não tirei nenhum D e só tirei B no simulado da 1a fase da Unesp. No simulado que fiz da 2a fase da Fuvest eu tirei 10 na Redação. Foi meu único A no ano inteiro. Fiquei muito motivado.
Como era seu fim de semana? No sábado eu tinha aula na Federal às 7 da manhã. A primeira aula era de Matemática, a matéria que eu acho mais difícil. À tarde eu tinha simulado aqui. Chegava em casa por volta das 7 da noite bastante cansado. Eu gostava muito de Humanas, então ficava vendo os vídeos de História na área do aluno.
No domingo, o que você fazia? Minha semana era muito cheia e eu precisava de um tempo para relaxar. Mas eu ficava muito incomodado quando não estava entendendo alguma matéria. Quando tinha deficiência em algum ponto, era no domingo que eu resolvia.
Você leu as obras indicadas pela Fuvest e pela Unicamp como obrigatórias? Eu li todas as obras da Fuvest durante as férias, antes de começar o cursinho. Vim com todas as obras lidas porque na minha rotina provavelmente não caberia ler um livro.
ENTRE PARÊNTESIS
7 8
Jardineiro SERVIÇO DE VESTIBULAR
Inscrição
8 8
2
ENTREVISTA
Você assistiu às palestras sobre as obras?
Como soube de sua aprovação na Fuvest?
Assisti a todas e para a 2a fase vi os vídeos.
Eu olhei na internet em casa.
Qual a diferença entre só ler a obra e além de ler assistir à palestra?
Como você reagiu ao ver seu nome na lista?
Uma diferença tremenda. Eu acho que uma coisa complementa a outra. A palestra pontua coisas que eu sozinho não teria percebido. As obras da Unicamp eu não li, mas as palestras foram excelentes. Português foi minha maior nota na Unicamp. Com certeza eu consegui resolver as questões de Literatura por causa das palestras.
Você treinava Redação? Fiz todas as redações do mês e procurava sempre levá-las aos plantonistas. Em cada apostila há uma proposta de Redação. Eu tirava 6, 7.
O que você fez nas duas semanas de férias do meio do ano? Na primeira semana eu descansei. Na segunda semana eu estudei. O dia inteiro.
Quantos pontos – incluindo o bônus – você obteve na Fuvest [corte de Medicina foi 73]? Consegui 76 pontos.
Para a 2a fase você manteve o ritmo de estudos, focou mais nas matérias prioritárias? Mudei bastante. Eu estava descansado, consegui fazer os exercícios. Durante o ano não tinha feito o suficiente. O fim da primeira revisão foi concomitante com o fim do meu Ensino Médio, fiquei em casa e estudei muito. Foi quando treinei questão escrita. Escrevi muito, escrevi, escrevi, escrevi. E fiz quatro provas antigas da 2a fase da Fuvest e duas da Unicamp.
No primeiro dia da 2a fase da Fuvest, prova com questões de Português e Redação, qual foi o resultado? Minha nota em Português foi 67. Na Redação tirei 64.
No segundo dia, na prova geral, você tirou quanto? Foi a minha menor nota, 65,63. Matemática estava bem difícil. Deixei duas questões em branco. Eu acho que isso foi reflexo da falta de exercício durante o ano. Outra coisa: Biologia, em que eu tinha mais facilidade, não foi cobrada. Teve uma única questão que nem foi inteira, apenas um item.
E no terceiro dia, das matérias prioritárias da carreira? Eu consegui fazer as questões, foi a minha melhor nota, 85,42. Tive muita tranquilidade.
Na escala de zero a 1 000, qual foi sua pontuação? 819, com o bônus.
E sua classificação na carreira? 166o lugar.
Na Unicamp, qual foi sua classificação? Fiquei na 156a colocação. A 2a chamada foi até 156 ou 164, não sei ao certo. Passei na 2a chamada.
E na Unesp? Fiquei em 17o, última vaga de escola pública. Na classificação geral fiquei na 661a posição.
Se não passasse na Pinheiros, qual seria sua opção? Eu iria para a Famerp. Por ter família próxima a São José do Rio Preto e gostar muito da cidade eu já tinha decidido. Inclusive, quando saiu a lista da Fuvest eu já estava matriculado, já tinha arrumado as malas para ir morar lá.
Não foi com calma. Foi assustado. Aí foi uma gritaria. Minha avó, minha mãe, queriam ligar para todo mundo. Para meus pais foi uma felicidade extrema.
No dia da matrícula, como foi o trote na Pinheiros? Você não é obrigado a passar pelo trote e eles não fizeram nem a proposta de cortar o cabelo. Levaram a tinta e os próprios calouros se pintaram. Quem queria, nenhum veterano obrigou.
Você já conhecia a Pinheiros? Conheci no dia da matrícula. Acho que se tivesse conhecido antes eu teria estudado muito mais porque é um lugar belíssimo. Fiquei extremamente surpreso, extasiado. A estrutura da faculdade é o que me deixa mais encantado. O que gosto mais é da biblioteca. É incrível.
Tem mais alguma coisa que destaca da Pinheiros e da Cidade Universitária, onde você tem bastante matéria neste primeiro semestre? Eu não sabia que teria aula em dois lugares, na Dr. Arnaldo e na Cidade Universitária. A Cidade Universitária é belíssima, muito arborizada, um ambiente acolhedor. Você entra em contato com pessoas de outros cursos e acho que isso é um dos diferenciais da USP.
Na parte humana, o que você destaca na Pinheiros? Os veteranos foram muito acolhedores, eles ajudam nas matérias se você tiver dúvida. Eu me identifiquei demais com os calouros, são pessoas incríveis. Os professores são ótimos, apesar de termos tido alguns problemas, porque desde o ano passado o curso está na transição para o currículo novo e estão mudando um pouco a forma como davam aula. Nesse sentido está um pouco complicado.
Como está sendo o novo currículo na sua faculdade? A proposta do novo currículo é a integração entre as matérias e o básico clínico. Que é associar os conceitos básicos, que têm muita resistência dos alunos, porque você entra na Medicina achando que já vai medicar no 1o ano. Mas você precisa de um grande fundamento para entender a parte clínica depois. A proposta do novo currículo é exatamente essa, integrar o conteúdo básico e trazer o clínico novo. Um período de adaptação traz alguns problemas, mas é bom para quem está na Pinheiros e vai ajudar a construir esse currículo, porque nesse momento de adaptação os alunos têm muita voz.
Que matérias você tem neste primeiro semestre? Não tem exatamente uma matéria semestral. São blocos de matérias, as unidades curriculares. Nos primeiros dois meses tivemos uma matéria que se chama Fundamentos das Ciências Médicas, que compreende Bioquímica, Biofísica e Biologia Celular. Também há o UC2, a segunda unidade curricular, que é Fundamentos Morfofuncionais da Medicina. Tem Anatomia, Histologia e alguma coisa de Biofísica e Biologia Celular, com foco maior para Histologia e Anatomia.
Este semestre é dividido entre essas duas unidades curriculares ou tem mais matérias? Tem mais matérias. Uma nova matéria interessante que começou agora é Discussão Integra-
da de Casos. Nela a gente vê autópsia, discute casos clínicos de verdade, tem que relacionar tudo que está aprendendo com a patologia que vê. Essa é a matéria que os alunos acham a mais fabulosa. Outra matéria é Fundamentos da Pesquisa Científica, em que temos aula de Epidemiologia e desenvolvemos um projeto de pesquisa em grupo. É para introduzir os alunos no ambiente da pesquisa. Agora começou também a matéria Processos de Saúde, Doença, Cuidado. É uma matéria de humanização. É tirar a visão paternalista da Medicina e trazer uma visão mais humanizada.
Você está participando de alguma atividade extracurricular? Uma coisa importante que a faculdade oferece são as ligas. Ainda não entrei em nenhuma, a maior parte das ligas só deixa você entrar no 2o ano. Porém, você pode fazer os cursos introdutórios. São aulas na própria faculdade de temas diversos. Eu fiz o curso da Medicina do Sono porque é uma área pela qual me interesso. E dou plantão no cursinho que tem na faculdade, que é o MedEnsina, que usa o material do Etapa. Ter feito o Etapa para mim é muito bom porque tenho bastante familiaridade com as apostilas.
De qual matéria você está gostando mais até agora? Eu gosto muito de Histologia.
Qual matéria é a mais difícil? Fundamentos da Pesquisa é difícil porque tem Estatística e eu não gosto muito de Matemática. Antes da faculdade, às vezes você fala: “Tenho que aprender isso e não vai me servir para nada”. Olha, se você quer Medicina, repense, porque qualquer coisa vai ter uma aplicabilidade imensa lá. Matemática principalmente.
Você tem ideia da área que pretende seguir? Eu realmente não sei qual área quero porque a cada momento me encanto com uma coisa diferente. A Medicina é muito ampla. Dizem que é no internato que você acaba definindo a área que vai seguir.
Como fica marcado para você o ano passado? O ano do vestibular foi muito importante para mim porque fez com que eu tivesse que lidar com grandes conteúdos de matéria num tempo limitado. Mas você consegue se adaptar, estruturar rotinas. Foi muito cansativo, mas a vitória é tão recompensadora que faria de novo, de novo, de novo.
Que lembrança deixou o cursinho? Tenho saudade das aulas, os professores eram incríveis. Eles me fascinavam. Adorava. Mesmo as matérias de Exatas, em que já tinha uma base mais forte, eu achava incrível aprender. Sinto muita falta das aulas. E adorava as palestras de Literatura. Sinto muita falta. De verdade.
O que você tira de lição dessa experiência? O ano passado foi o ano em que eu lutei para reconhecer minhas próprias conquistas. Nem sempre valorizei o que eu conseguia, sempre achei que era insuficiente, até me deparar com o resultado final. Aprendi a reconhecer que o pouco que você cresce ou que você acha pouco é muito. E é bastante significativo.
Você quer dizer mais alguma coisa para nossos alunos? Acho necessário dizer que cada pessoa tem o seu tempo. Não se compare com as outras pessoas e reconheça o quanto você cresceu, o quanto você amadureceu e o quanto está mais perto de realizar o seu sonho.
CONTO
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O viúvo Artur Azevedo
N
a véspera de partir para a Europa, o doutor Claudino, sem prever o fúnebre espetáculo de que ia ser testemunha, foi despedir-se do seu velho camarada Tertuliano. Ao aproximar-se da casa, ouviu berreiro de crianças e mulheres, e a voz de Tertuliano, que dominava de vez em quando o alarido geral, soltando, num tom estrídulo e angustioso, esta palavra: “Xandoca.” O doutor Claudino apressou o passo, e entrou muito aflito em casa do amigo. Havia, efetivamente, motivo para toda aquela manifestação de desespero. Tertuliano acabava de enviuvar. Havia meia hora que dona Xandoca, vítima de uma febre puerperal, fechara os olhos para nunca mais abri-los. O corpo, vestido de seda preta, as mãos cruzadas sobre o peito, estava colocado num canapé, na sala de visitas. À cabeceira, sobre uma pequena mesa coberta por uma toalha de rendas, duas velas de cera substituíam, aos dois lados de um crucifixo, o bom e o mau ladrão. Tertuliano, abraçado ao cadáver, soluçava convulsivamente, e todo o seu corpo tremia como tocado por uma pilha elétrica. Os filhos, quatro crianças, a mais velha das quais teria oito anos, rodeavam-no aos gritos. Na sala havia um contínuo fluxo e refluxo de gente que entrava e saía, pessoas da vizinhança, chorando muito, e indivíduos que, passando na rua, ouviam gritar e entravam por mera curiosidade. O doutor Claudino estava impressionadíssimo. Caíra de sopetão no meio daquele espetáculo comovedor, e contemplava atônito o cadáver da pobre senhora que, havia quatro dias, encontrara na rua da Carioca, muito alegre, levando um filho pela mão e outro no ventre, arrastando vaidosa a sua maternidade feliz. Tertuliano, mal que o viu, atirou-se-lhe nos braços, inundando-lhe de lágrimas a gola do casaco; o doutor Claudino estava atordoado, cego, com os vidros do pince-nez embaciados pelo pranto, que tardou, mas veio discreta, reservadamente, como um pranto que não era da família. – Isto foi uma surpresa... uma dolorosa surpresa para mim, conseguiu dizer com a voz embargada pela comoção. Parto amanhã para a Europa, no Niger... vinha despedir-me de ti... e dela... de dona Xandoca e... vejo que... que... que...
E o doutor Claudino fez uma careta medonha para não soluçar. – Dispõe de mim, meu velho; estou às tuas ordens, bem sabes. – Obrigado, disse Tertuliano numa dessas intermitências que se notam nos maiores desabafos; o Rodrigo, aquele meu primo empregado no foro, já foi tratar do enterro, que é amanhã às dez horas. Fazendo grandes esforços para reprimir a explosão das lágrimas, o viúvo contou ao doutor Claudino todos os incidentes da rápida moléstia e da morte de dona Xandoca. – Uma coisa inexplicável! Nunca a pobre criatura teve um parto tão feliz... A parteira não esperou cinco minutos... Uma criança gorda, bonita... Está lá em cima, no sótão... hás de vê-la. De repente, uma pontinha de febre que foi aumentando, aumentando... até vir o delírio... Mandei chamar o médico... Quando o médico chegou já ela agoniza... a... va!... E Tertuliano, prorrompendo em soluços, abraçou-se de novo ao doutor Claudino. No dia seguinte, a cena foi dolorosíssima. Antes de se fechar o caixão, Tertuliano quis que os filhos beijassem o cadáver, medonhamente intumescido e decomposto. Ninguém reconheceria dona Xandoca, tão simpática, tão graciosa, naquele montão informe de carne pútrida. Fecharam o caixão, mas Tertuliano agarrou-se a ele e não o queria deixar sair, gritando: – Não consinto! não quero que a levem daqui! – Foi preciso arrancá-lo à força e empurrá-lo para longe. Ele caiu e começou a escabujar no chão, soltando grandes gritos nervosos. Três senhoras caíram também com espetaculosos ataques. As crianças berravam. Choravam todos. De volta do enterro, o doutor Claudino, conquanto muito atarefado com a viagem, não quis deixar de fazer uma última visita a Tertuliano. Encontrou-o num estado lastimoso, sentado numa cadeira da sala de jantar, sem dar acordo de si, rodeado pelos filhos, o olhar fixo no mísero recém-nascido, que a um canto da casa mamava sofregamente numa preta gorda. – Tertuliano, adeus. Daqui a meia hora devo estar embarcado. Crê que, se pudesse, adiava a viagem para fazer-te companhia... Adeus! O viúvo lançou-lhe um olhar vago, um olhar que nada exprimia; sacudiu molemente a mão, e murmurou:
– Adeus! Às sete horas da noite o doutor Claudino, sentado na coberta do Niger, contemplando as ondas esplendidamente iluminadas pelo luar, pensava naquele olhar vago de Tertuliano, naquele adeus terrível, e pedia aos céus que o seu velho camarada não houvesse enlouquecido. Meses depois, a exposição de Paris atordoava-o; mas de vez em quando, lá mesmo, na Galeria das Máquinas, no Palácio das Artes, ou na Torre Eiffel, voltava-lhe ao espírito a lembrança daquela cena desoladora do viúvo rodeado pelos orfãozinhos, e repercutia-lhe dentro d’alma o som daquele adeus pungente e indefinível. Interessava-se muito por Tertuliano. Escreveu-lhe um dia, mas não obteve resposta. Pobre rapaz! viveria ainda? a sua razão teria resistido àquele embate violento? Depois de um ano e quatro meses de ausência, o doutor Claudino voltou da Europa, e sua primeira visita foi para Tertuliano, que morava ainda na mesma casa. Mandaram-no entrar para a sala de jantar. Tertuliano estava sentado numa cadeira, sem dar acordo de si, rodeado pelos filhos, o olhar fixo no mais pequenito, que estava muito esperto, brincando no colo da preta gorda. – Tertuliano? balbuciou o doutor Claudino. O viúvo lançou-lhe um olhar vago, um olhar que nada exprimia; sacudiu molemente a mão, e murmurou: – Adeus. Depois, dir-se-ia que se fizera subitamente a luz no seu espírito embrutecido. Ele ergueu-se de um salto, gritando: – Claudino – e atirou-se nos braços do velho camarada, exclamando entre lágrimas: – Ah! meu amigo! perdi minha mulher!... – Sim, já sei, mas já tinhas tempo de estar mais consolado... Que diabo! Sê homem! Já lá se vão quatorze meses!... – Como quatorze meses? seis dias... – Ora essa! pois não te lembras que acompanhei o enterro de dona Xandoca? – Ah! tu falas da Xandoca... mas há três meses casei-me com outra... a filha do Major Seabra, há seis dias estou viú... ú... vo! E Tertuliano, prorrompendo em soluços, abraçou de novo ao doutor Claudino. <www.dominiopublico.gov.br>
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ARTIGO
O papel do imigrante na evolução do Brasil
O
primeiro recenseamento oficial da população brasileira foi feito durante o Império, em 1872, por ordem de dom Pedro II. O país acabava de sair de uma longa guerra contra o Paraguai e sua população era de 10,112 milhões de habitantes. No final de 1972, isto é, exatamente cem anos depois, 100 milhões de pessoas habitavam o Brasil (segundo estimativas feitas pelo IBGE), como resultado de uma expansão demográfica realmente notável. Para se ter uma ideia precisa da contribuição dada pela imigração estrangeira a este crescimento sem precedentes, deve-se observar toda a evolução demográfica do país ao longo de sua história. A primeira estimativa de importância da população brasileira foi feita por Félix de Contreiras Rodrigues, autor de vários estudos econômicos, que avaliou em 15 000 habitantes a população branca no Brasil em 1550. Nos trinta anos seguintes, com a ocupação de novos territórios, a população cresceu, lentamente, passando a cerca de 57 000 em 1583, segundo estimativa de Pandiá Calógeras (25 000 brancos, 18 000 índios “civilizados” e 14 000 negros “cativos”). No final de seu primeiro século de história, o Brasil apresentava uma população de apenas 100 000 habitantes. Uma das causas desse desenvolvimento populacional relativamente lento foi, sem dúvida, o fato de Portugal, na época, também ser um país pouco povoado. Para termos uma ideia da importância relativa desses números, basta lembrarmo-nos de que, segundo os especialistas, no século XVI, de 2 a 3 milhões de índios povoavam a região correspondente ao atual território brasileiro! Destes, somente uma ínfima minoria havia tido contato com os portugueses. Apenas catorze vilas foram criadas em todo o Brasil naquele século, a maioria delas numa estreita faixa litorânea. São Paulo de Piratininga, por exemplo, era a mais avançada “boca de sertão” do território paulista, pois suas outras vilas quinhentistas encontravam-se no litoral: São Vicente, Santos, Itanhaém e Cananeia. A descoberta de ouro e diamantes pelos bandeirantes provocou enormes modificações na estrutura demográfica do país, com o deslocamento maciço de pessoas de todas as regiões para Minas, Goiás e Mato Grosso. Cerca de um quinto da população participou dessas migrações internas, que levaram o homem branco a povoar, pela primeira vez, o coração da América do Sul, facilitando o contato, a mistura e a fusão de populações até então isoladas. O país possuía cerca de 184 000 habitantes em 1660 e passou, com o impulso recebido durante
o ciclo da mineração, a 1,5 milhão em 1750. Haviam sido criadas 38 novas vilas durante o seiscentismo e um número ainda maior no correr do século XVIII. Em 1776, ano da Declaração de Independência das colônias norte-americanas, Adam Smith se referia ao Brasil (em A riqueza das nações) como sendo a colônia da América com população de raça branca mais numerosa, avaliada em 4 milhões pelo conde de Linhares, em 1808. Foi neste ano que se iniciaram as imigrações modernas para o Brasil, a partir do decreto de 25 de novembro, com o qual dom João VI preparara a instalação dos primeiros colonos. Desde essa data, a entrada de estrangeiros no país torna-se livre, mas a imigração permanece insignificante durante toda a primeira metade do século XIX. Em 1808 chegam 1 500 famílias de açorianos para o Rio Grande do Sul; em 1819 cem famílias suíças do cantão de Friburgo são instaladas na fazenda do Morro Queimado, atual Nova Friburgo, estado do Rio. Foi a primeira colônia de imigrantes não portugueses. Após a Independência, dom Pedro I continua essa política de colonização, trazendo alemães para o Rio Grande do Sul, em 1824, e para o Paraná, em 1827. Em 1828, 140 prussianos são enviados para Pernambuco e, em 1829, é formada a colônia alemã de Santo Amaro, na província de São Paulo. Neste mesmo ano tem início a colonização alemã na província de Santa Catarina, com a fundação da colônia São Pedro Alcântara. O mesmo se dá no Espírito Santo, onde a influência dos alemães deixará profundas marcas. Uma lei de 19 de dezembro de 1830 suprimiu os créditos à colonização, que diminuiu consideravelmente nos anos que se seguiram à abdicação de Pedro I. Seu filho criará, anos depois, novas colônias em diversos pontos do país, mas, no seu conjunto, podemos afirmar que a imigração durante os primeiros cinquenta anos do século XIX foi insignificante, não tendo atingido sequer 12 000 imigrantes, na sua maioria suíços e alemães. De fins do século XVIII até 1850, o aumento da população brasileira se deu num ritmo bastante lento, justamente num período em que, no resto do mundo, o crescimento populacional entrava numa fase de grande expansão. O número de habitantes da Europa quase dobrou nesses cinquenta anos, e o dos Estados Unidos, quase igual ao do Brasil no início do século, já era quatro vezes maior em 1872 (42 milhões). Foram necessários 350 anos para que a população brasileira se elevasse a 7 milhões, tendo sido formada, até essa data, essencialmente pelas contribuições indígena, portuguesa e africana. Em
1850 foi suprimido o tráfico de escravos que, durante três séculos, trouxe para o Brasil cerca de 3,5 milhões de pessoas de várias regiões do continente africano (de acordo com Roberto Simonsen e Maurício Goulart). Nesta época, inicia-se uma nova fase de imigrações que, durante cem anos, trará cerca de 5,5 milhões de imigrantes de diferentes nacionalidades, dos quais, 4 milhões se fixarão definitivamente.
Uma complexa rede de bancos A importância desse movimento populacional não deve ser subestimada nem exagerada. Do ponto de vista puramente quantitativo, a maioria dos autores é unânime em afirmar que, embora o processo imigratório para o Brasil tenha sido importante, o país não pode ser considerado como uma região de grande imigração comparado a outros países de grande imigração. Do ponto de vista qualitativo, porém, os imigrantes trouxeram contribuições cuja importância nem sequer foi avaliada, ainda, em toda sua extensão. Fazendo-se um estudo comparado da imigração intercontinental durante o século XIX e primeira metade do século XX, constata-se que cerca de 56 milhões de imigrantes entraram na América neste período, dos quais 40 milhões nos Estados Unidos. Até a Primeira Guerra Mundial, 60% dos imigrantes iam para os Estados Unidos, 17,5% para a Argentina, 9,7% para o Canadá e apenas 5,7% para o Brasil. Mesmo após 1924, quando o governo americano fechou em parte as portas do país à imigração, a porcentagem dos que entraram no Brasil continuou relativamente baixa (8,5%), enquanto na Argentina ela se elevava a 20,4% e no Canadá, a 11,4%. O fato de o trabalho escravo ter sido mantido no Brasil até 1888, sem dúvida, prejudicou o desenvolvimento da imigração de trabalhadores livres. O governo imperial brasileiro, por outro lado, também dificultou inúmeras vezes o desenvolvimento da imigração para o Brasil ao favorecer o tráfico negreiro. Em 1837, por exemplo, o futuro Marquês de Olinda abandona os primeiros ensaios de colonização feitos por dom Pedro I e adota uma política favorável à escravatura: 400 000 africanos entram em nosso país durante a minoridade de dom Pedro II. Ao lado deste fator, outros, não menos importantes, frearam o desenvolvimento da imigração. Entre eles, a dificuldade de acesso à propriedade da terra, num país onde as grandes explorações agrícolas concentravam-se nas mãos de poucas famílias.
ARTIGO Se até 1850 o crescimento de nossa população foi relativamente lento, a partir desta data a situação se modifica radicalmente. O café, que já era cultivado no Brasil desde o século XVIII, entra em rápida expansão a partir da terceira década do século XIX. Uma série de circunstâncias favoráveis (preços altos no mercado mundial; praga nos cafeeiros do Ceilão, nosso principal concorrente; etc.) faz com que sua cultura se estenda rapidamente pela Província do Rio de Janeiro, no início, e de São Paulo, em seguida. Por volta de 1850, as plantações já cobriam quase todo o vale do Paraíba e já avançavam pelo interior, em direção a Campinas, Limeira e Rio Claro. Em 1854 o café já representava 54% do valor total de nossas exportações, passando a 65% em 1885. Nossa balança comercial, deficitária na primeira metade do século, torna-se positiva a partir de 1861, e assim permanece durante várias décadas. Essa expansão do café provoca mudanças consideráveis em todos os setores da vida econômica e social do sudeste brasileiro, proporcionando um desenvolvimento de tipo capitalista, que combinava em si as formas mais primitivas de produção com a última palavra da tecnologia e da ciência da época. As estradas de ferro acompanhavam o avanço dos cafezais. Em 1864 o país possuía apenas 475 quilômetros de vias férreas. Em 1870 elas já se estendiam por 1 000 quilômetros, passando a 9 500 no ano da Proclamação da República. Assim como o trem, também o telégrafo se desenvolveu. A minúscula rede telegráfica de 1864 (187 quilômetros), atingiu os 19 000 em 1889. Na medida em que os vapores de casco de ferro passaram a seguir as rotas marítimas do Atlântico sul, o transporte tornou-se mais barato e regular, e o sistema comercial foi se tornando cada vez mais eficiente. Grandes casas importadoras foram fundadas. Com a instalação dos primeiros cabos submarinos, o número de bancos aumenta consideravelmente. São Paulo e Rio de Janeiro, no final do século, já se achavam envolvidos num emaranhado complexo de bancos ingleses, alemães, franceses, suíços, italianos e americanos. O Brasil passava a viver a era do capital financeiro internacional.
Surge uma nova classe social A rápida expansão do café colocou na ordem do dia a necessidade premente da “importação de braços” para a lavoura. A falta de mão de obra fazia-se sentir desde a supressão do tráfico. Enquanto a colonização tinha sido produto da iniciativa pública, a imigração passa a ser organizada por particulares, com apoio do governo, o que provoca a entrada de 121 000 imigrantes entre 1851 e 1860; 97 000 entre 1861 e 1870; e 219 000 na década seguinte. A partir daí a imigração adquire dimensões consideráveis. Os dados seguintes permitem avaliar sua importância:
Período
Entrada de imigrantes
1881 a 1890
530 000
1891 a 1900
1 129 000
1901 a 1910
671 351
1911 a 1920
717 744
1921 a 1930
840 215
A maior densidade foi atingida nos dez anos que se seguiram à abolição da escravidão. Neste período, 1888/1898, 1,264 milhão de imigrantes entraram no país, isto é, cerca da quarta parte do total da imigração durante os 150 anos de independência do Brasil. Durante a Primeira Guerra Mundial estas entradas diminuíram consideravelmente; os contingentes italiano e, sobretudo, o alemão, foram os mais atingidos. O movimento recomeça, lentamente, por volta de 1920, aumentando de intensidade até a crise econômica mundial de 1929. A partir de 1930 começam as restrições com a nova política de imigração adotada pelo governo Vargas (a qual, apesar de algumas modificações introduzidas em 1945, fez com que a imigração estrangeira fosse reduzida a proporções mínimas até os dias de hoje). É nesta época que se acentuam as migrações internas entre diferentes estados da federação. Assim, pode-se afirmar que os imigrantes estabelecidos no Brasil, a partir de 1850, representam uma contribuição demográfica relativamente importante. Desde 1930, porém, esta contribuição, conforme afirma Paul Hugon, “tornou-se pouco significativa para explicar a extraordinária expansão da população nacional. Esta expansão é quase exclusivamente devida ao movimento natural da população”. Ou seja, é a diferença entre a natalidade e a mortalidade, a balança dos nascimentos e dos óbitos, que explica o crescimento demográfico fabuloso dos últimos anos, assim como suas particularidades e sua intensidade. A contribuição dos imigrantes estrangeiros foi, quantitativamente, um fator secundário dessa expansão, embora de importância transcendental do ponto de vista qualitativo. Como observa o historiador Sérgio Buarque de Hollanda, o emprego de imigrantes europeus na grande lavoura, em lugar de escravos, envolvia uma verdadeira revolução nos métodos de trabalho vigentes no país e, mais que isso, nas concepções predominantes em todo o território do Império acerca do trabalho livre. Um exemplo típico de tais concepções foi o caso dos alemães contratados em 1839 para a construção de pontes e calçadas em Pernambuco: tantas foram as zombarias feitas a esses “escravos brancos” que eles não conseguiram concluir o trabalho iniciado. A colonização havia criado uma nova classe de pequenos médios proprietários agrícolas, principalmente no Espírito Santo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A “importação de braços” para a lavoura do café, por sua vez, criou um proletariado rural importante, a partir de meados do século XIX. Surgiu uma nova classe social, com rei-
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vindicações específicas e um comportamento político próprio. É conhecido o caso da primeira greve realizada por esses operários agrícolas, em Limeira, na colônia Ibicaba, de propriedade do senador Vergueiro, em 1856. De onde vinham esses primeiros imigrantes? No início, da Suíça e da Alemanha. Quantitativamente, porém, a imigração germânica é modesta, vindo em quarto lugar, depois da portuguesa, italiana e espanhola. De 1820 a 1968, 225 000 alemães se estabeleceram no Brasil, o que representa 4,6% do total da imigração neste período. É interessante observar que nem todos os suíços e alemães tinham origem camponesa. J. J. Tschudi, em carta enviada ao Correio Mercantil, no dia 25 de outubro de 1858, observa que, de uma lista de 92 futuros lavradores contratados para as fazendas de café, apenas treze já tinham se dedicado anteriormente à agricultura. Dos restantes, 42 eram operários de fábrica, seis sapateiros, quatro carpinteiros, nove alfaiates, três soldados, dois pedreiros, dois ferreiros, dois vidraceiros, dois tanoeiros, dois músicos ambulantes, um jornaleiro, um confeiteiro, um pintor, um serrador e um mestre-escola. Os portugueses, únicos imigrantes europeus durante a colônia, praticamente deixam de vir para o Brasil nos primeiros quarenta anos que se seguiram à independência. A imigração portuguesa recomeça, porém, a partir de 1853, chegando a ser a mais importante, ao lado da italiana, antes do final do século. Entre 1884 e 1930, 1,204 milhão de portugueses se estabelecem no Brasil, o que representa 29% do total da imigração neste período. Os italianos chegam em grande quantidade a partir da abolição da escravatura. Até essa data já haviam entrado 180 000, mas é nos anos seguintes que esta imigração assume grandes proporções. Entre 1888 e 1898, o movimento foi intenso, com a chegada de 820 000 italianos (em média de 82 000 por ano), o que representa 61% da imigração total naquela década. O movimento decresce um pouco, mas continua importante até a guerra de 1914. Entre 1820 e 1968, 1,211 milhão de italianos aqui se estabeleceram, o que representa 30% do total da imigração. Enquanto os portugueses se estabeleciam em todo o território nacional, os italianos davam preferência aos estados do Sul e do Sudeste. Entre 1887 e 1945, 88% dos italianos que entraram no Brasil se fixaram no estado de São Paulo, espalhando-se por quase todos os seus 270 municípios, exceto dois. A maioria, porém, se concentrava no município da capital, na zona de Piracicaba e de Campinas. Seguem-se as regiões de Marília, Ribeirão Preto e Monte Aprazível. Taquaritinga possuía a porcentagem mais elevada, com 6,3% de italianos no total de sua população; Santo André e São Paulo: 5,7%, cada um. A imigração espanhola é o terceiro grupo, por sua importância quantitativa, representando 12,5% do total da imigração. Entre 1820 e 1968, 694 000 pessoas vieram da Espanha para o Brasil, fixando-se também, de prefe-
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ARTIGO
Acima, Hospedaria ou Hotel dos Imigrantes, construído durante a administração do conde de Parnaíba, presidente da província de São Paulo, ainda no tempo do Império. Esta Hospedaria, assim como a Agência Oficial de Colonização e Trabalho, era mantida pelo governo brasileiro para dar assistência àqueles que procuravam se fixar em suas terras. Um inspetor, que falava a língua original dos imigrantes, recebia-os quando eles aportavam, oferecendo, em nome do governo, a hospitalidade do Estado, e dirigindo-os depois, às acomodações temporárias.
rência, nos estados de São Paulo (67,7%), Rio de Janeiro, Minas e Rio Grande do Sul. Em 1908 chega a Santos o navio Kasato Maru, trazendo a bordo 781 imigrantes japoneses. O Japão, nessa época, já era um país de forte emigração. Com o final do feudalismo e o início da era Meiji (1868), o país se industrializara e se modernizara rapidamente, mas o desenvolvimento de sua economia não era suficiente para absorver o excedente de mão de obra, fruto de uma expansão demográfica acentuada. No Brasil, a corrente imigratória japonesa é fraca até 1919, assumindo grande importância entre 1925 e 1935. Do seu início até 1968, 233 487 japoneses entraram no Brasil, o que representa 3,6% do total da imigração. A maioria se estabeleceu no estado de São Paulo (75%) e no Paraná (18%), e, em proporções mais modestas, em Mato Grosso e no Pará. Ao lado desses grupos principais, entraram no Brasil ainda 920 000 pessoas de diferentes nacionalidades no período 1820/1968 (16% da imigração total). A contribuição eslava foi relativamente importante: 109 502 russos, 47 765 poloneses, 23 125 iugoslavos, estabelecidos, principalmente, no Paraná e no Rio Grande do Sul. A Turquia forneceu 78 574 imigrantes (1,9% do total), a Síria 21 488, a Áustria 86 211, a França 34 094, a Hungria 30 132. É possível citar ainda uma infinidade de nacionalidades, cuja contribuição numérica, entretanto, foi insignificante.
Norte-americanos introduzem videiras e o arado Logo após a guerra civil nos Estados Unidos e a abolição da escravidão negra no sul daquele país (1863), vários grupos de imigrantes americanos chegaram ao Brasil em busca de terras e atraídos pelo regime escravista ainda vigente aqui. Inúmeras colônias foram fundadas, com gente vinda do Ala-
bama, Louisiana, Carolina do Sul, Geórgia, Tennessee, Kansas e Texas, antigos fazendeiros ou simples simpatizantes dos confederados. Alguns foram para a região amazônica (Santarém), outros para o litoral sul (Juquiá, Paranaguá), outros para o Rio, Espírito Santo e Bahia. Um dos pioneiros dessa imigração foi o Dr. James McFadden Gaston, que visitou várias regiões do interior paulista – Itu, Porto Feliz, Itapetininga, Rio Claro (onde recebeu auxílio da família Whitaker), indo estabelecer sua colônia, finalmente, em Xiririca (hoje Eldorado). Todas essas tentativas fracassaram. O único núcleo que se manteve foi o de Santa Bárbara, no interior de São Paulo, que conseguiu atrair para lá os demais imigrantes, cerca de 2 000. Desta data até 1939, cerca de 12 000 americanos se fixaram no Brasil. O núcleo de Santa Bárbara d’Oeste deu origem à Vila Americana, hoje simplesmente Americana. Em 1906, quando o secretário de estado americano Elihu Root passou por Vila Americana, encontrou ainda cerca de quinhentos compatriotas e seus filhos paulistas espalhados por 3 léguas da região, cultivando cana-de-açúcar, arroz e principalmente melancia. Foram eles que plantaram as primeiras videiras no estado de São Paulo, segundo F. Goldman, e que difundiram em larga escala o uso do arado. Em fins do século XIX e início do século XX, a imigração de judeus para o Brasil tomou um grande impulso. A maioria deles tinha sido vítima de perseguições na Europa Oriental, iniciadas a partir dos progroms (ou massacres de judeus), que causaram a destruição de comunidades inteiras no sul da Rússia, em 1881. Inúmeras famílias abandonaram aquele país, a Polônia, Ucrânia, Lituânia e Romênia, e emigraram para o Novo Mundo. Com as dificuldades de imigração impostas nos Estados Unidos após a Guerra de 1914/1918, um grande número de judeus vem para o Brasil entre 1920 e 1930.
A maior parte dos que se fixaram em São Paulo concentrou-se no bairro do Bom Retiro e dedicou-se ao comércio. Seus descendentes participam hoje ativamente da vida econômica, cultural e política do país. Finalmente, é preciso assinalar que, embora instalados de início nas fazendas de café, os grandes contingentes de italianos, portugueses, espanhóis e alemães passam a viver também nas pequenas e grandes cidades. Artesãos ou comerciantes, contribuíram poderosamente para o processo de urbanização do país. No interior, os italianos dedicavam-se também a atividades industriais, tendo introduzido uma série de pequenas fábricas de tecidos, massas alimentícias, adubo, cola, chapéus, calçados, peneiras, pregos, seda natural, grande parte delas originadas do artesanato. Todavia, a grande indústria que o parque de São Paulo apresenta hoje não teve origem artesanal, senão em casos esporádicos, como bem assinala M. Diegues Jr. Os imigrantes que se dedicaram ao comércio e à indústria tinham, em geral, origem pequeno-burguesa. São raríssimos os empresários imigrantes que começaram como operários de fábrica ou mascates (Dante Ramenzoni e Nicolau Scarpa são as únicas exceções de destaque). Giovanni Briccola, a primeira fortuna italiana de São Paulo, enriqueceu como agente do Banco de Nápoles e já era engenheiro quando aqui chegou, em 1885. Francisco Matarazzo já era comerciante na Calábria, antes de imigrar, filho de funcionário público. Os outros, a imensa maioria dos imigrantes que enfrentou a dura travessia do Atlântico sonhando com a fortuna do Novo Mundo, iam, em geral, engrossar as fileiras do proletariado brasileiro em formação e enfrentar as duras condições de trabalho, tanto nas fazendas como nas primeiras indústrias aqui criadas. O relatório oficial, preparado em 1901 por F. Bandeira Jr. sobre a indústria de São Paulo, assinalava a presença nas fábricas, de mão de obra constituída por 90% de operários europeus. Em 1913, os italianos representavam quatro quintos do número total de trabalhadores na construção civil na cidade de São Paulo. Repartição, por nacionalidade, dos operários têxteis da cidade de São Paulo, em 1912. Italianos
6 044
Portugueses
824
Sírios
210
Japoneses
13
Brasileiros
1 843
Espanhóis
338
Alemães
50
Outros
862
Total
10 184 Boletim Estadual do Trabalho, 1912.
Extraído de: História do Século 20, Ed. Abril.
POIS É, POESIA
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Mário de Andrade (1893-1945) Poemas da Negra I Não sei por que espírito antigo Ficamos assim impossíveis... A lua chapeia os mangues Donde sai um favor de silêncio E de maré. És uma sombra que apalpo Que nem um cortejo de castas-rainhas. Meus olhos vadiam nas lágrimas. Te vejo coberta de estrelas, Coberta de estrelas, Meu amor! Tua calma agrava o silêncio dos mangues.
II Não sei si estou vivo... Estou morto. Um vento morno que sou eu Faz auras pernambucanas. Rola rola sob as nuvens O aroma das mangas. Se escutam grilos, Cricrido contínuo Saindo dos vidros. Eu me inundo de vossas riquezas! Não sou mais eu! Que indiferença enorme...
III Você é tão suave, Vossos lábios suaves Vagam no meu rosto, Fecham meu ohar. Sol-posto. É a escureza suave Que vem de você, Que se dissolve em mim. Que sono... Eu imaginava Duros vossos lábios, Mas você me ensina A volta ao bem.
Acalanto do Seringueiro Seringueiro brasileiro Na escureza da floresta Seringueiro, dorme. Ponteando o amor eu forcejo Pra cantar uma cantiga
Que faça você dormir. Que dificuldade enorme! Quero cantar e não posso, Quero sentir e não sinto A palavra brasileira Que faça você dormir... Seringueiro, dorme.... Como será a escureza Desse mato-virgem do Acre? Como serão os aromas A macieza ou a aspereza Desse chão que é também meu? Que miséria! Eu não escuto A nota do uirapuru!... Tenho de ver por tabela, Sentir pelo que me contam, Você, seringueiro do Acre, Brasileiro que nem eu. Na escureza da floresta Seringueiro, dorme. Seringueiro, seringueiro, Queria enxergar você... Apalpar você dormindo, Mansamente, não se assuste, Afastando esse cabelo Que escorreu na sua testa. Agumas coisas eu sei... Troncudo você não é. Baixinho, desmerecido, Pálido, Nossa Senhora! Parece que nem tem sangue. Porém cabra resistente Está ali. Sei que não é Bonito nem elegante... Macambúzio, pouca fala, Não boxa, não veste roupa De palm-beach... Enfim não faz Um desperdício de coisas Que dão conforto e alegria. Mas porém é Brasileiro, Brasileiro que nem eu... Fomos nós dois que botamos Pra fora Pedro II... Somos nós dois que devemos Até os olhos da cara Pra esses banqueiros de Londres... Trabalhar nós trabalhamos Porém pra comprar as pérolas Do pescocinho da moça Do deputado Fulano. Companheiro, dorme! Porém nunca nos olhamos
Nem ouvimos e nem nunca Nos ouviremos jamais... Não sabemos nada um do outro, Não nos veremos jamais! Seringueiro, eu não sei nada! E no entanto estou rodeado Dum despotismo de livros, Estes mumbavas que vivem Chupitando vagarentos O meu dinheiro o meu sangue E não dão gosto de amor... Me sinto bem solitário No mutirão de sabença Da minha casa, amolado Por tantos livros geniais, “Sagrados” como se diz... E não sinto os meus patrícios! E não sinto os meus gaúchos! Seringueiro, dorme... E não sinto os seringueiros Que amo de amor infeliz... Nem você pode pensar Que algum outro brasileiro Que seja poeta no sul Ande se preocupando Com o seringueiro dormindo, Desejando pro que dorme O bem da felicidade... Essas coisas pra você Devem ser indiferentes, Duma indiferença enorme... Porém eu sou seu amigo E quero ver si consigo Não passar na sua vida Numa indiferença enorme. Meu desejo e pensamento (... numa indiferença enorme...) Ronda sob as seringueiras (... numa indiferença enorme...) Num amor-de-amigo enorme... Seringueiro, dorme. Num amor-de-amigo enorme Brasileiro, dorme! Brasileiro, dorme. Num amor-de-amigo enorme Brasileiro, dorme. Brasileiro, dorme, Brasileiro... dorme... Brasileiro... dorme...
VOCÊ SABIA QUE...
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... Mona Lisa é a obra de arte mais fotografada no mundo? E que Leonardo da Vinci, seu criador, é considerado a síntese do homem renascentista? Genial pintor, escultor, en genheiro, arquiteto e cientista, Leonardo investigou diversos domínios da ciência e da arte, legando-nos amplas experiências e descobertas que ajudaram a formar o mundo contemporâneo. Como o próprio no me sugere, Leonardo nasceu em Vinci, próximo a Florença, na Itália, em 15 de abril de 1452. Desde cedo se dedicou ao desenho e à pintura, trabalhando com o grande mestre Andréa del Verrocchio por uma década, antes de trilhar seu próprio caminho.
Numa época de intensas disputas políticas, Leonardo permanecia como um artista dos mais qualificados: projetou um palácio para Charles d’Amboise, gover nador francês; esteve sob proteção de Giuliano de Médici, irmão do papa Leão X, época na qual aprofundou suas pesquisas ópticas e matemáticas. Depois da morte de Giuliano, em 1516, Leonardo foi para Amboise, a convite de Francisco I, que o nomeou primeiro-pintor, engenheiro e arquiteto do rei.
Leonardo soube conciliar suas atividades artísticas com serviços, digamos assim, mais pragmáticos. A serviço de Ludovico Sforza, governador de Milão, desenvolveu vários projetos de engenharia militar, realizou estudos hidráulicos sobre os canais da cidade e, como diretor das festas promovidas pela corte, organizou competições, representações e torneios, para muitos dos quais desenhou cenários e figurinos. Além disso, dedicou-se ao estudo da Anatomia, Botânica, Física, Geologia e Matemática. Nesse período, pintou algumas de suas obras-primas, como a primeira versão de A virgem dos rochedos e A última ceia.
Homem vitruviano, 1490, de Leonardo da Vinci. Acompanhado de notas, estabelece proporções humanas.
Leonardo voltou sua curiosidade para todos os campos do saber e da arte, e em cada um deles afirmou seu gênio. Um dos exemplos que ajudam a demonstrar a grandiosidade de Da Vinci é o fato de ele ter realizado pesquisas originais sobre os centros de gravidade – antecipando-se, desse modo, a Galileu. Detentor de uma perspicácia das mais afiadas, Leonardo, a partir do voo dos pássaros, determinou os princípios da construção de um aparelho mais pesado do que o ar, capaz de voar com a ajuda da força do vento. Em seus arquivos encontram-se esboços de um aparelho bastante parecido com o helicóptero moderno e o esquema de uma asa-delta. Como resultado de suas atividades militares, projetou canhões, metralhadoras, carros de combate, pontes móveis e barcos, bem como estudos sobre estratégias de combate, o esquema de um submarino e bombardas (uma espécie de catapulta). Entre outras tantas atividades, como se não fosse o suficiente, antecipou-se aos urbanistas com seus projetos de cidades. Fonte: Nova enciclopédia Barsa.
(ENTRE PARÊNTESIS)
Jardineiro Um jardineiro pretende plantar a metade da área de um canteiro retangular, usando a outra metade para deixar um caminho de largura constante em torno de toda a área plantada. Como determinar a largura desse caminho se o jardineiro só dispõe de um barbante (de comprimento igual ao da diagonal do retângulo) e se ele não pode sair do canteiro?
RESPOSTA
b
a + b !d a + b ! a2 + b2 , ou seja, , = (d é a medida da diagonal). ,= 4 4 a +b −d Como a + b > d ; a − 2, > 0 e b − 2, > 0, o jardineiro deve considerar apenas , = . 4 4, pode ser obtido utilizando-se o fio como compasso (ver figura). Obtido 4,, dobra-se o fio ao meio, duas vezes. Resolvendo a equação, obtemos: Então, o retângulo menor tem dimensões a − 2, e b − 2,. Assim, (a − 2,)(b − 2,) = Sejam , a largura do caminho e a e b as dimensões do retângulo.
a a d−a
ab ab 2 isto é, 4, − 2(a + b), + = 0. 2 2
b−d+a
d−a
SERVIÇO DE VESTIBULAR Centro Universitário São Camilo Período de inscrição: até dia 26 de julho de 2016. Somente via internet. Endereço da faculdade: av. Nazaré, 1501 – Ipiranga – São Paulo – SP – CEP: 04263-200 – Telefone: 0300-017-8585.
Jornal do Vestibulando
Requisito: taxa de R$ 50,00. Cursos e vagas: consultar site www.saocamilo-sp.br Exame: provas agendadas de 1º de junho a 30 de julho de 2016.
Jornal ETAPA, editado por Etapa Ensino e Cultura REDAÇÃO: Rua Vergueiro, 1 987 – CEP 04101-000 – Paraíso – São Paulo – SP JORNALISTA RESPONSÁVEL: Egle M. Gallian – M.T. 15343