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Jornal do Vestibulando
ENSINO, INFORMAÇÃO E CULTURA
JORNAL ETAPA – 2017 • DE 23/03 A 05/04
CURSO – ENGENHARIA DE PRODUÇÃO
No ano anterior, o corte foi 60 pontos e ele fez um acima. Agora, com o corte caindo a 55, ele subiu para 72! Daniel Harada Lemes entrou na Poli, em Engenharia de Produção. No ano anterior, ao terminar o Ensino Médio, prestou Fuvest direto e não passou. Dessa vez seu desempenho subiu muito. Ele conseguiu 17 pontos acima do corte e notas também boas na 2a fase. Nesta entrevista ele fala de sua preparação.
Daniel Harada Lemes Em 2016: Etapa Em 2017: Engenharia de Produção – USP
JV – Além da Fuvest, você prestou outros vestibulares?
No ano anterior você prestou Fuvest direto do 3o ano. Como foi seu desempenho?
Daniel – Só o Enem.
Passei para a 2a fase, mas na classificação geral eu fiquei bem para trás.
Você entrou na Poli pelo Enem ou pela Fuvest? Pela Fuvest. Pelo Enem eu coloquei UFABC para Ciência e Tecnologia e UFSCar para Produção. Passei também.
Quando você escolheu Engenharia de Produção como carreira? o
Foi no 2 ano do Ensino Médio. Na época, todo mundo começou a se preocupar um pouco mais com o que ia cursar. Fui a um workshop na Feira de Profissões da USP e acabei gostando de Produção.
Como conheceu o Etapa e veio estudar aqui? Alguns amigos já tinham feito Etapa e algumas amigas iam fazer o cursinho no ano passado. Minhas amigas entraram de manhã e eu à tarde.
Como foi sua opção pelo período da tarde? Você tinha atividade no período da manhã? Eu trabalhava com meu pai de manhã, das 8 horas ao meio-dia. Ele tem uma loja virtual. Era coisa de computador. Depois vinha para cá, tinha aula a partir das 2 horas da tarde. Eu saía às 6 e meia, chegava em casa por volta de 7 e meia e estudava de 8 e meia até as 11 horas, sem parar.
ENTREVISTA
Daniel Harada Lemes
CONTO
Gennaro – Álvares de Azevedo
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Ao começar no cursinho você estava confiante em suas possibilidades de entrar na Poli? Estava confiante. Como no ano anterior eu tinha conseguido ir para a 2a fase da Fuvest, achei que se me dedicasse, estudasse, fizesse o melhor, eu conseguiria passar.
Em que matéria você usava mais o Plantão de Dúvidas? Utilizava mais em Redação e Matemática. Às vezes, Física também.
Você usou também o Plantão Virtual? Sim, na parte de Física.
Como você organizava seu estudo?
Como era o Reforço para Engenharia?
Eu procurava estudar a matéria do dia e dava prioridade para as minhas específicas: Matemática, Física e Química. Só que eu tentava pegar um pouco de cada matéria, porque todas são importantes para passar. Na 1a fase não tem específica e no segundo dia da 2a fase tem tudo. Algumas coisas eu acabava atrasando um pouco, mas pelo menos até a Revisão eu sempre li a teoria nas apostilas.
No RPE você tem basicamente exercícios. Isso é bom porque os professores explicam e dão a resolução.
No fim de semana você estudava também?
Acertava sempre 70 e alguma coisa. Nos simulados do Enem eu ficava sempre no C mais, B também.
Eu fazia o RPE. Fazia os simulados no sábado. No domingo eu estudava um período – à tarde e às vezes à noite. Tentava pegar o que não tinha conseguido fazer durante a semana. Também descansava bastante.
Em quais matérias você tinha mais dificuldade? Em História e Geografia. Eu gosto de História e Geografia, mas você precisa lembrar
ARTIGO Projeções sugerem que estiagem no Nordeste poderá ser mais severa
Teatro Grego
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de muito detalhe. Tem muita coisa, principalmente em Geografia do Mundo – África e Oriente Médio, que tinha visto pouquíssimo na escola.
Nos simulados, em que faixas você ficava? Nos simulados eu ia bem, ficava em torno de B. Tirei vários A, alguns C mais também.
Em número de acertos, como você ficava nos simulados da Fuvest?
Em Redação, quais eram seus resultados? Na primeira eu fiquei no D, fui péssimo. Mas depois fiquei em C mais, cheguei até a ter um ou dois B, mas foi só.
Com que frequência você fazia redação? No começo do ano eu fazia redação quase toda semana. Depois das férias eu me per-
POIS É, POESIA
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Luís Vaz de Camões
SERVIÇO DE VESTIBULAR
Inscrições
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CURSO – ENGENHARIA DE PRODUÇÃO
di um pouco, mas ainda fazia uma a cada duas, três semanas. No geral, fiz todas que tinha que entregar. As dos simulados eu fazia todas também.
Na Redação, você tirou quanto?
Como foi sua classificação na Poli?
740.
Na classificação geral passei com folga, fiquei em 279.
Como você utilizava os simulados em seus estudos?
Às vezes eu andava um pouco de bicicleta. Era mais no final de semana.
Eu gostava muito de fazer os simulados para ter uma ideia de como estava indo e também para dar um ânimo. Quando vai bem, você vê que está no caminho certo. Eu refazia alguns exercícios de Exatas mais difíceis que tinha errado. História e Geografia eu não refazia, só lia. Ler História e Geografia foi o que eu mais fiz para estudar essas matérias.
Além de estudar você tinha alguma atividade?
Você teve que abrir mão de alguma atividade para se preparar para o vestibular? Até o 3o ano eu saía bastante. Gostava muito de ir a festas, essas coisas. Continuei indo a uma ou outra, só que diminuí bastante a frequência. Ia uma, duas vezes por mês. Também umas duas vezes por mês eu ia ao cinema, gosto muito, é mais leve que festa.
Você leu os livros indicados como obrigatórios pela Fuvest?
Na 1a fase da Fuvest 2017, quantos pontos você fez?
Sim, só faltou Claro enigma. Eu lia no metrô. Na ida e na volta, eu ficava lendo os livros.
Fiz 72. Mais ou menos o que eu tirava nos simulados.
Você assistiu às palestras sobre as obras literárias?
O corte na Engenharia foi 55, você ficou 17 pontos acima...
Assisti a todas. Quando você lê sozinho tem muita coisa que não entende direito. Nas palestras eles explicam muito bem, destacando os pontos principais.
O corte no ano anterior foi 60, baixou para 55 este ano.
O que você fez nas férias de julho? Como estava meio atrasado nas apostilas, tentei colocar um pouco em dia. Mas estudei só uns quatro dias e aí resolvi descansar. Fui para a casa dos meus tios que moram na praia. Foi bom esse descanso. Isso me preparou para o que estava por vir.
Você falou que estava animado no começo do cursinho. Conseguiu manter esse pique ao longo do ano? Animado sempre não, mas me mantive bem focado. Mesmo quando cansado, não perdia o foco. Você não pode desistir, não pode ter um “já chega”. Tem que continuar estudando.
Quando bateu mais forte esse cansaço?
Como você estudou na Revisão Final?
Eu estava em casa. Tinha colocado o despertador para 9h40 porque o resultado saía às 10 horas. Às 9h50 desliguei meu celular, não queria falar com ninguém. Sentei no meu quarto escuro, sozinho, e fiquei esperando pelo computador a lista. Quando vi meu nome, liguei o celular de novo e falei com minha irmã, que estava muito animada, com meu pai, minha mãe, minha amiga que passou também. E vim para o Etapa.
O que sentiu ao ver seu nome na lista? Fiquei muito feliz. Foi um alívio ao mesmo tempo. Ver que todo o ano valeu a pena. Quando vi também que era Engenharia de Produção, nossa!
Você já conhecia a Poli? Eu visitei a Poli quando estava no 3o ano, com uns amigos, mas foi um pouco superficial.
No final do ano eu parei de trabalhar. Tinha combinado com o meu pai que quando chegasse o vestibular eu ia parar. Na Revisão Final eu vim bastante. Nos estudos, fiz os exercícios dissertativos. Peguei o molde da folha de respostas na 2a fase, separei o espaço certinho para dar a resposta e escrevia direitinho a resolução, como escreveria nas provas.
E agora o que você conheceu da faculdade?
Você mudou seu modo de estudo para a 2a fase?
Você já se interessou em fazer parte de algum desses grupos?
Comecei a estudar mais as específicas. Além das questões da Fuvest que os professores davam, eu fazia todas que eles falavam que seria bom resolver, não importava a faculdade. Na aula, o que eles passavam eu fazia.
Foi mais ou menos em setembro, por aí. Mas assim que fiz o Enem eu voltei mais animado. Pensei: “Já fui para um vestibular, agora falta pouco”. E continuei estudando, não parei, não.
No primeiro dia da 2a fase tem a Redação, que era uma prova que preocupava você. Como você foi?
Quais eram suas expectativas?
Na prova geral do segundo dia, com 16 questões, você tirou quanto?
Como fui bem no Enem, resolvi continuar, dando um gás a mais. Eu precisava ir muito bem na 1a fase da Fuvest. No ano anterior eu passei só por um ponto para a 2a fase. Agora eu queria passar com 10 pontos acima do corte.
Como ficou sabendo da sua aprovação?
Eu fui bem em Redação. Esperava tirar em torno de 70, tirei 72.
Tirei 71,88.
E no terceiro dia, das matérias prioritárias para Engenharia? 81,26.
Quantas questões você acertou no Enem?
Na escala de zero a 1 000, qual foi sua pontuação?
Acho que 144 de 180 questões.
735,3.
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Conheci só a parte de Produção. Fizeram um tour. A gente passou pelo Poliglota, que é a escola de idiomas que tem lá, mostraram a Atlética, falaram um pouco do cursinho do Grêmio, e conhecemos o Centro Acadêmico.
Gostei bastante do Centro Acadêmico, tem os gestores, tem a parte social e tem a Poli Júnior, que eu quero ver.
Na matrícula teve trote? Teve. Na verdade, no dia em que saiu a lista tinha um pessoal da Poli aqui no Etapa. Eles já me pintaram e cortaram meu cabelo. Lá pintaram outra vez.
Foi tudo tranquilo? Foi. Eu acabei não entrando na parte da lama, eles não obrigam você a fazer nada. Tinha também o comitê antiopressão. É o pessoal que, qualquer coisa, você pode falar com eles e eles ajudam no que for necessário.
Que dicas você pode dar ao pessoal que pretende prestar vestibular para a Poli? Acho que é organizar os estudos e não menosprezar nenhuma parte, porque tudo é importante para o vestibular. Dedicando-se, você consegue o que quer.
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CONTO
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Gennaro Álvares de Azevedo Meurs ou tue...*
(Corneille)
–G
ennaro, dormes, ou embebes-te no sabor do último trago do vinho, da última fumaça do teu cachimbo? – Não: quando contavas tua história, lembrava-me uma folha da vida, folha seca e avermelhada como as do outono, e que o vento varreu. – Uma história? – Sim: é uma das minhas histórias. Sabes, Bertram, eu sou pintor... É uma lembrança triste essa que vou revelar, porque é a história de um velho e de duas mulheres, belas como duas visões de luz. Godofredo Walsh era um desses velhos sublimes, em cujas cabeças as cãs1 semelham o diadema prateado do gênio. Velho já, casara em segundas núpcias com uma beleza de vinte anos. Godofredo era pintor: diziam uns que este casamento fora um amor artístico por aquela beleza romana2, como que feita ao molde das belezas antigas; outros criam-no compaixão pela pobre moça que vivia de servir de modelo. O fato é que ele a queria como filha – como Laura, a filha única de seu primeiro casamento – Laura, corada como uma rosa e loira como um anjo. Eu era nesse tempo moço: era aprendiz de pintura em casa de Godofredo. Eu era lindo então; que trinta anos lá vão, que ainda os cabelos e as faces me não haviam desbotado como nesses longos quarenta e dois anos de vida! Eu era aquele tipo de mancebo ainda puro do ressumbrar3 infantil, pensativo e melancólico como Rafael se retratou, no quadro da galeria Barberini. Eu tinha quase a idade da mulher do mestre. Nauza tinha vinte e eu tinha dezoito anos. Amei-a; mas meu amor era puro como meus sonhos de dezoito anos. Nauza também me amava: era um sentir tão puro! era uma emoção solitária e perfumosa como as primaveras cheias de flores e de brisas que nos embalavam aos céus da Itália. Como eu o disse, o mestre tinha uma filha chamada Laura. Era uma moça pálida, de cabelos castanhos e olhos azulados; sua tez era branca, só às vezes, quando o pejo4 a incendia, duas rosas lhe avermelhavam a face e se lhe destacavam no fundo de mármore. Laura parecia querer-me como a um irmão. Seus risos, seus beijos de criança de quinze anos eram só para mim. À noite, quando eu ia deitar-me, ao passar pelo corredor escuro com minha lâmpada, uma sombra me apagava a luz e um beijo me pousava nas faces, nas trevas. Muitas noites foi assim. (*) Tradução: “Morre ou mata...”
Uma manhã – eu dormia ainda – o mestre saíra e Nauza fora à igreja, quando Laura entrou no meu quarto e fechou a porta: deitou-se ao meu lado. Acordei nos braços dela. O fogo de meus dezoito anos, a primavera virginal de uma beleza ainda inocente, o seio seminu de uma donzela a bater sobre o meu, isso tudo ao despertar dos sonhos alvos da madrugada, me enlouqueceu... Todas as manhãs Laura vinha a meu quarto... Três meses passaram assim. Um dia entrou ela no meu quarto e disse-me: – Gennaro, estou desonrada para sempre,... A princípio eu quis-me iludir, já não o posso, estou de esperanças...5 Um raio que me caísse aos pés não me assustaria tanto. – É preciso que cases comigo, que me peças ao meu pai, ouves, Gennaro? Eu calei-me. – Não me amas então? Calei-me ainda. – Oh! Gennaro! Gennaro! E caiu no meu ombro desfeita em soluços. Carreguei-a assim fria e fora de si para seu quarto. Nunca mais tornou a falar-me em casamento. Que havia de eu fazer? contar tudo ao pai e pedi-la em casamento? fora uma loucura... Ele me mataria e a ela: ou pelo menos me expulsaria de sua casa... E Nauza? cada vez eu a amava mais. Era uma luta terrível essa que se travava entre o dever e o amor, e entre o dever e o remorso. Laura não me falara mais. Seu sorriso era frio: cada dia tornava-se mais pálida, mas a gravidez não crescia, antes mais nenhum sinal se lhe notava... O velho levava as noites passeando no escuro. Já não pintava. Vendo a filha que morria aos sons secretos de uma harmonia de morte, que empalidecia cada vez mais, o misérrimo arrancava as cãs. Eu contudo não esquecera Nauza, nem ela se esquecia de mim. Meu amor era sempre o mesmo: eram sempre noites de esperança e de sede que me banhavam de lágrimas o travesseiro. Só às vezes sombra de um remorso me passava, mas a imagem dela dissipava todas essas névoas... Uma noite... foi horrível... vieram chamar-me: Laura morria. Na febre murmurava meu nome e palavras que ninguém podia reter, tão apressadas e confusas lhe soavam. Entrei no quarto dela: a doente conheceu-me. Ergueu-se branca, com a face úmida de um suor copioso, chamou-me. Sentei-me junto do leito dela. Apertou minha mão nas suas mãos frias e murmurou em meus ouvidos: – Gennaro, eu te perdoo, eu te perdoo tudo... Eras um infame... Morrerei... Fui uma
louca... Morrerei... por tua causa... teu filho... o meu... vou vê-lo ainda... mas no céu... meu filho que matei... antes de nascer... Deu um grito, estendeu convulsivamente os braços como para repelir uma ideia, passou a mão pelos lábios como para enxugar as últimas gotas de uma bebida, estorceu-se no leito, lívida, fria, banhada de suor gelado e arquejou... Era o último suspiro. Um ano todo se passou assim para mim. O velho parecia endoidecido. Todas as noites fechava-se no quarto onde morrera Laura: levava aí a noite toda em solidão. Dormia? ah que não! Longas horas eu o escutei no silêncio arfar com ânsia, outras vezes afogar-se em soluços. Depois tudo emudecia: o silêncio durava horas; o quarto era escuro; e depois as passadas pesadas do mestre se ouviam pelo quarto, mas vacilantes como de um bêbado que cambaleia. Uma noite eu disse a Nauza que a amava: ajoelhei-me junto dela, beijei-lhe as mãos, reguei seu colo de lágrimas. Ela voltou a face: eu cri que era desdém, ergui-me. – Então, Nauza, tu me não amas, disse eu. Ela permanecia com o rosto voltado. – Adeus, pois; perdoai-me se vos ofendi; meu amor é uma loucura, minha vida é uma desesperança – o que me resta? Adeus, irei longe, longe daqui... talvez então eu possa chorar sem remorso... Tomei-lhe a mão e beijei-a. Ela deixou sua mão nos meus lábios. Quando ergui a cabeça, eu a vi: ela estava debulhada em lágrimas. – Nauza! Nauza! uma palavra, tu me amas? Tudo o mais foi um sonho: a lua passava entre os vidros da janela aberta, batia nela: nunca eu a vira tão pura e divina! E as noites que o mestre passava soluçando no leito vazio de sua filha, eu as passava no leito dele, nos braços de Nauza. Uma noite houve um fato pasmoso. O mestre veio ao leito de Nauza. Gemia e chorava aquela voz cavernosa e rouca: tomou-me pelo braço com força, acordou-me e levou-me de rasto ao quarto de Laura... Atirou-me ao chão: fechou a porta. Uma lâmpada estava acesa no quarto defronte de um painel. Ergueu o lençol que o cobria. – Era Laura moribunda! E eu, macilento como ela, tremia como um condenado. A moça com seus lábios pálidos murmurava no meu ouvido... Eu tremi de ver meu semblante tão lívido na tela e lembrei-me que naquele dia ao sair do quarto da morta, no espelho dela que estava ainda pendurado à janela, eu me horrorizara de ver-me cadavérico... Um tremor, um calafrio se apoderou de mim. Ajoelhei-me e chorei lágrimas ardentes.
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CONTO
Confessei tudo: parecia-me que era ela quem o mandava, que era Laura que se erguia dentre os lençóis do seu leito e me acendia o remorso, e no remorso me rasgava o peito. Por Deus! que foi uma agonia! No outro dia o mestre conversou comigo friamente. Lamentou a falta de sua filha – mas sem uma lágrima: sobre o passado da noite, nem palavra. Todas as noites era a mesma tortura, todos os dias a mesma frieza. O mestre era sonâmbulo... E pois eu não me cri perdido... Contudo, lembrei-me que uma noite, quando eu saía do quarto de Laura com o mestre, no escuro vira uma roupa branca passar-me por perto, roçaram-me uns cabelos soltos e nas lájeas6 do corredor estalavam umas passadas tímidas de pés nus... Era Nauza que tudo vira e tudo ouvira, que acordara e sentira minha falta no leito, que ouvira esses soluços e gemidos e correra para ver... Uma noite, depois da ceia, o mestre Walsh tomou sua capa e uma lanterna, e chamou-me para acompanhá-lo. Tinha de sair fora da cidade e não queria ir só. Saímos juntos: a noite era escura e fria. O outono desfolhara as árvores e os primeiros sopros do inverno rugiam nas folhas secas do chão. Caminhamos juntos muito tempo: cada vez mais nos entranhávamos pelas montanhas, cada vez o caminho era mais solitário. O velho parou. Era na fralda de uma montanha. À direita o rochedo se abriu num trilho: à esquerda as pedras soltas por nossos pés a cada passada se despegavam e rolavam pelo despenhadeiro e, instantes depois, se ouvia um som como de água onde cai um peso... A noite era escuríssima. Apenas a lanterna alumiava o caminho tortuoso que seguíamos. O velho lançou os olhos à escuridão do abismo e riu-se. – Espera-me aí, disse ele, já venho. Godofredo tomou a lanterna e seguiu para o cume da montanha: eu sentei-me no caminho à sua espera: vi aquela luz ora perder-se, ora reaparecer entre os arvoredos nos ziguezagues do caminho. Por fim vi-a parar. O velho bateu à porta de uma cabana: a porta abriu-se. Entrou. O que aí se passou nem o sei: quando a porta abriu-se de novo uma mulher lívida e desgrenhada7 apareceu com um facho na mão. A porta fechou-se. Alguns minutos depois o mestre estava comigo. O velho assentou a lanterna num rochedo, despiu a capa e disse-me: – Gennaro, quero contar-te uma história. É um crime, quero que sejas juiz dele. Um velho era casado com uma moça bela. De outras núpcias tinha uma filha bela também. Um aprendiz – um miserável que ele erguera da poeira, como o vento às vezes ergue uma folha, mas que ele podia reduzir a ela quando quisesse... Eu estremeci, os olhares do velho pareciam ferir-me. – Nunca ouviste essa história, meu bom Gennaro?
– Nunca, disse eu a custo e tremendo. – Pois bem, esse infame desonrou o pobre velho, traiu-o como Judas ao Cristo. – Mestre, perdão! – Perdão! – e perdoou o malvado ao pobre coração do velho? – Piedade! – E teve ele dó da virgem, da desonrada, da infanticida? – Ah! gritei. – Que tens? conheces o criminoso? A voz de escárnio dele me abafava. – Vês, pois, Gennaro, disse ele mudando de tom, se houvesse um castigo pior que a morte, eu to daria. Olha esse despenhadeiro! É medonho! se o visses de dia, teus olhos se escureceriam e aí rolarias talvez de vertigem! É um túmulo seguro; e guardará o segredo, como um peito o punhal. Só os corvos irão lá ver-te, só os corvos e os vermes. E pois, se tens ainda no coração maldito um remorso, reza tua última oração, mas que seja breve. O algoz8 espera a vítima, a hiena tem fome de cadáver... Eu estava ali pendente junto à morte. Tinha só a escolher o suicídio ou ser assassinado. Matar o velho era impossível. Uma luta entre mim e ele fora insana9. Ele era robusto, a sua estatura alta, seus braços musculosos me quebrariam como o vendaval rebenta um ramo seco. Demais, ele estava armado. Eu... eu era uma criança débil: ao meu primeiro passo ele me arrojaria da pedra em cujas bordas eu estava... só me restaria morrer com ele, arrastá-lo na minha queda. Mas para quê? E curvei-me no abismo: tudo era negro, o vento lá gemia embaixo nos ramos desnuados, nas urzes, nos espinhais ressequidos, e a torrente lá chocalhava no fundo escumando nas pedras. Eu tive medo. Orações, ameaças, tudo seria debalde. – Estou pronto, disse. O velho riu-se: infernal era aquele rir dos seus lábios estalados de febre. Só vi aquele riso... Depois foi uma vertigem... o ar que sufocava, um peso que me arrastava, como naqueles pesadelos em que se cai de uma torre e se fica preso ainda pela mão, mas a mão cansa, fraqueia, sua, esfria... Era horrível: ramo a ramo, folha por folha os arbustos me estalavam nas mãos, as raízes secas que saíam pelo despenhadeiro estalavam sob meu peso e meu peito sangrava nos espinhais. A queda era muito rápida... De repente não senti mais nada... Quando acordei estava junto a uma cabana de camponeses que me tinham apanhado junto da torrente, preso nos ramos de uma azinheira gigantesca que assombrava o rio. Era depois de um dia e uma noite de delírios que eu acordara. Logo que sarei, uma ideia me veio: ir ter com o mestre. Ao ver-me salvo assim daquela morte horrível, pode ser que se apiedasse de mim, que me perdoasse, e então eu seria seu escravo, seu cão, tudo o que houvesse mais abjeto10 num homem que se humilha – tudo! – contanto que ele me per-
doasse. Viver com aquele remorso me parecia impossível. Parti pois: no caminho topei um punhal. Ergui-o: era o do mestre. Veio-me então uma ideia de vingança e de soberba. Ele quisera matar-me, ele tinha rido à minha agonia, e eu havia ir chorar-lhe ainda aos pés para ele repelir-me ainda, cuspir-me nas faces e amanhã procurar outra vingança mais segura?... Eu humilhar-me quando ele me tinha abatido! Os cabelos me arrepiaram na cabeça, e suor frio me rolava pelo rosto. Quando cheguei à casa do mestre, achei-a fechada. Bati... não abriram. O jardim da casa dava para a rua: saltei o muro: tudo estava deserto e as portas que davam para ele estavam também fechadas. Uma delas era fraca: com pouco esforço arrombei-a. Ao estrondo da porta que caiu, só o eco respondeu nas salas. Todas as janelas estavam fechadas e contudo era dia claro fora. Tudo estava escuro; nem uma lamparina acesa. Caminhei tateando até a sala do pintor. Cheguei lá, abri as janelas e a luz do dia derramou-se na sala deserta. Cheguei então ao quarto de Nauza, abri a porta e um bafo pestilento corria daí. O raio da luz bateu em uma mesa. Junto estava uma forma de mulher com a face na mesa e os cabelos caídos: atirado numa poltrona um vulto coberto com um capote. Entre eles um copo onde se depositara um resíduo polvilhento11. Ao pé estava um frasco vazio. Depois eu o soube – a velha da cabana era uma mulher que vendia veneno e fora ela decerto que o vendera, porque o pó branco do copo parecia sê-lo... Ergui os cabelos da mulher, levantei-lhe a cabeça... Era Nauza, mas Nauza cadáver, já desbotada pela podridão. Não era aquela estátua alvíssima de outrora, as faces macias e o colo de neve... Era um corpo amarelo... Levantei uma ponta da capa do outro: o corpo caído de bruços com a cabeça para baixo; ressoou no pavimento o estalo do crânio... Era o velho!... morto também, roxo e apodrecido!... Eu o vi: da boca lhe corria uma escuma esverdeada. Extraído de: Noite na taverna, Ed. Núcleo, 1993.
VOCABULÁRIO (1) cabelos brancos. (2) alusão à escultura romana, herdeira da grega, em que o homem é representado com proporções equilibradas e linhas harmoniosas, corpo de formas perfeitas. (3) o mesmo que ressumar, revelar, mostrar. (4) pudor, timidez, vergonha. (5) diz-se da mulher quando grávida. (6) o mesmo que lajes. (7) despenteada, com os cabelos revoltos, emaranhados. (8) carrasco. (9) (fig.) excessiva, árdua. (10) desprezível, vil, imundo. (11) poeirento.
ARTIGO
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Projeções sugerem que estiagem no Nordeste poderá ser mais severa Peter Moon
A
seca atual que aflige o Nordeste iniciou em 2012 e se intensificou desde então. Ela já dura cinco anos e é considerada a mais severa em várias décadas. A intensidade e a persistência da atual estiagem podem ser indícios de que os extremos da variabilidade climática já começaram a cobrar a sua fatura no Nordeste brasileiro. E a conta pode aumentar se esses extremos passarem a ser mais frequentes e intensos em cenários de mudanças climáticas nas próximas décadas. “As projeções de clima geradas pelos modelos climáticos sugerem que, daqui para a frente, as estiagens mais severas e prolongadas tenderão a ser a regra, não mais a exceção, porém a incerteza de ter este cenário futuro ainda existe”, afirma o hidrologista e meteorologista José Antonio Marengo, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) em Cachoeira Paulista, no interior de São Paulo. Estas são algumas das conclusões do artigo “Drought in Northeast Brazil – past, present, and future”, publicado em Theoretical and Applied Climatology, assinado por Marengo e pelos meteorologistas Roger Rodrigues Torres, da Universidade Federal de Itajubá, e Lincoln Muniz Alves, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A pesquisa utilizou a ferramenta PULSE-Brazil (Platform for Understanding Long-term Sustainability of Ecosystems), desenvolvida no âmbito do projeto Impact of Climate Extremes on Ecosystem and Human Health in Brazil (PULSE-Brazil), apoiado pela Fapesp e pelo Natural Environment Research Council (NERC), do Reino Unido. Os pesquisadores basearam o estudo em projeções climáticas estimadas a partir da aplicação ao Nordeste dos modelos climáticos globais do 5o Relatório de Avaliação (AR5) do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), de 2014. A seca é um fenômeno natural no Nordeste. Há relatos da sua incidência desde o século 16, ou seja, desde o início da colonização do país. O clima hoje é semiárido, mas no futuro poderá não ser mais. Em outras palavras, o sertão pode se tornar uma zona árida e favorecer um processo de desertificação na região, afirma Marengo. A época das chuvas no Nordeste acontece entre os meses de março e maio. É nesse período que a precipitação fornece a água que irá ser armazenada nos milhares de cisternas espalhadas pela região, água guardada pelos pequenos agricultores para os meses de estiagem.
Atualmente, durante os meses chuvosos não chove todos os dias. Há intervalos sem precipitação que duram de cinco a seis dias. O que as projeções indicam é que, durante o período chuvoso, esses intervalos “secos” tenderão a ser mais numerosos e mais longos. No futuro, os “veranicos” poderão se estender por até 40 dias. Ou seja, a quantidade de precipitação nos meses chuvosos tenderá a ser menor do que a atual. Isso irá impactar diretamente na quantidade de água que poderá ser armazenada no solo e nas cisternas. Menos dias de chuva se traduzem em menos água nas cisternas e no solo que tende a ressecar, com prejuízo para a vegetação do semiárido, adaptada a um volume sazonal de chuvas que se torna mais deficiente. De acordo com as projeções, menos chuva significa também dias mais quentes. Esse é um processo que já vem acontecendo há muito tempo. De acordo com Marengo, as projeções passadas indicam que a temperatura média no Nordeste já aumentou 0,8 grau centígrado entre 1900 e 2000. Foram feitas projeções para estimar as alterações no índice de chuvas e nas temperaturas médias do Nordeste tanto ao longo do século 20 quanto até o final do século 21. O aquecimento vai aumentar. Na melhor das hipóteses, as projeções apontam para uma elevação nas temperaturas médias de outros 2 graus centígrados até 2040, o que poderia também estar acompanhado de períodos secos mais intensos e longos. No pior dos cenários, o aumento das temperaturas prosseguirá até pelo menos o fim do século 21. Isso fará com que, em 2100,
as temperaturas nordestinas sejam em média até 4,4 graus superiores às atuais. Nestas condições, se medidas governamentais sérias e imediatas não forem tomadas para, por exemplo, conter os desmatamentos, o sertão pode virar um grande deserto, alerta Marengo. “As decisões da COP-21 de Paris em relação à redução nas emissões de gases de efeito estufa em todo o mundo poderiam ajudar a reduzir o aquecimento a níveis inferiores a 2 oC nas próximas décadas, e isso poderia amenizar os impactos do aquecimento global, pois com aquecimento projetado de 4,4 oC até 2100 na região podem trazer consequências desastrosas para a população do Nordeste”, diz Marengo. Com menos chuvas e mais calor ao longo do ano, a vegetação típica da caatinga tenderá a ser gradualmente substituída pelas cactáceas, que são vegetação típica de desertos. O impacto disso para a agricultura, principalmente a familiar e de subsistência, será incomensurável. O Nordeste ocupa 18% do território nacional. Ali vivem 53 milhões de pessoas. Segundo Marengo, o semiárido nordestino já é a região seca mais densamente povoa da do planeta, com 34 habitantes por quilômetro quadrado. As mudanças climáticas cobrarão do Nordeste um preço salgado. Será inevitável? “Hoje só temos uma certeza”, diz o pesquisador. “A de que no futuro os períodos de seca serão mais longos e mais quentes.” Extraído de: Agência FAPESP – Divulgando a cultura científica, set./2016.
ARTIGO
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Teatro Grego
A estrutura do Teatro
Marie-Lan Nguyen/Creative Commons
Inicialmente, o teatro contava com um ator que se modificava utilizando máscaras. Existia um coro e o diálogo – no princípio, raro – era travado. Posteriormente foram anexadas as máscaras femininas, o que tornava um pouco mais aberta a possibilidade de contato com o humano, e, consequentemente, ampliava as dimensões da trama. Foram introduzidos o se-
Os grandes trágicos 1. Ésquilo Nasceu perto de Atenas, cerca de 525 a.C. Militar, lutou contra os persas na Ásia Menor e participou de várias outras batalhas. Como teatrólogo, é considerado o “pai da tragédia grega”. Reformulou os modelos do drama, acrescentando mais um ator (antes se apresentava somente Busto de Ésquilo. um ator, que dialogava com o coro ou corifeu – chefe do coro); dessa forma, centrou o interesse nos atores, reduzindo a função do coro. São atribuídas a ele inúmeras outras modificações, entre elas a introdução da cor nas máscaras, a adoção dos coturnos (sandálias de sola alta que davam maior estatura, servindo para destacar o herói) e as túnicas de mangas largas. Trabalha, sobretudo, os mitos e o destino da coletividade, mas valoriza o indivíduo, sendo Prometeu o símbolo da condição humana. Morreu em 456 a.C., na Sicília. Autor de dezenas de peças, sendo que sete sobreviveram integralmente.
Obras: As suplicantes, Prometeu acorrentado, Os persas, Os sete contra Tebas e a trilogia Oréstia (Agamenon, As coéforas e As eumênidas). Prometeu acorrentado – Tragédia de pouca ação, tem por trama a evolução dos deuses em cumprimento da lei das necessidades. No início, Prometeu é levado pela Força e pela Violência a uma montanha do Cáucaso e lá é amarrado pelo deus ferreiro Hefaísto, que cumpre sua tarefa a contragosto. Quando só, Prometeu dirige-se à Natureza e sobretudo à mãe Têmis ou Terra. O acorrentado possui o dom da previsão e sabia que, se levasse o fogo aos homens, estaria condenado. Mesmo assim, desafiou Zeus (Júpiter) por ter piedade dos homens. Contudo, suportará o fado, seguro do conhecimento de que a Necessidade ou Destino acabará por encerrar sua luta com Zeus e o redimirá do tormento. Logo ao assumir o poder, Zeus pretendia exterminar a humanidade e substituí-Ia por outra população, no entanto, Prometeu tinha outros planos. Primeiro libertou os homens do medo da morte, depois ofereceu-lhes o fogo que, mais tarde, os libertou do temor, tornando-os capazes de criar ferramentas. Oceano (ancião) covardemente lhe indica o caminho da submissão, e Prometeu desdenha os conselhos do ancião. Deixado a sós com as ninfas do mar, o titã expõe com maiores detalhes seu método para salvar a humanidade por meio da arte e da ciência. Ele daria aos homens a Memória. Entra Io em cena, outra vítima dos deuses olímpicos. A donzela é arrastada de um país para outro por uma mosca enviada por Hera (esposa ciumenta de Zeus). Prometeu conta à jovem que Zeus não é eterno. Se ele esposar uma terrena, nascerá uma criança que o destronará. Nesse momento, Hermes (mensageiro) chega com ordens de descobrir o segredo; como Prometeu permanece quieto, Zeus lança mão da força. Raios e trovões são atirados do céu. O final da peça não esgota o mito de Prometeu, fixa o deus destemido e silencioso.
O Teatro na Grécia O teatro grego parece ter origem no culto a Dionísio (deus da orgia, do vinho, da embriaguez e do entusiasmo). As lamentações pela morte do deus eram expressas por seres que representavam as forças instintivas da natureza (sátiros) e eram acompanhadas de vozerios na ressurreição do mesmo deus. Esses rituais – conhecidos como ditirambos – eram repletos de danças, acompanhados de movimentos dramáticos. Sacrificar um animal (geralmente um bode), ou amarrar e espancar um escravo e expulsá-lo da cidade eram, também, traços do ritual. Foi sob a influência dessas evoluções nos rituais que Téspis trabalhou. Seu trabalho foi retomado por outros, Réplica da escultura de entre eles Ésquilo, que estaria destinado a fazer da draDionísio, deus da festa maturgia uma das mais altas aspirações da humanidade e do vinho. Teatro de Dionísio visto do alto da Acrópole, em Atenas, Grécia. ocidental.
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Existem duas formas de entender a origem histórica do teatro. Uma remonta as raízes ao já estruturado teatro grego, e a outra diz que o teatro não é só o produto da cultura, mas a função natural do ser humano. Do segundo ponto de vista, o teatro teria nascido da evolução do homem. O homem traz em si vontades ou necessidades imperiosas que são capazes de formar mágicas e mistificar qualquer momento da existência. Assim, as necessidades – religiosas, lúdicas, amorosas, ou a luta contra o mal, a vontade de adivinhar – tecem a essência do drama. Antes da Grécia, o mundo da magia cria o ator. O sacerdote é o elo entre o representante e o representado do poder oculto e utiliza-se de todas as artimanhas para prender a atenção do espectador. Quando a prática da magia atinge o clã, está iniciado o drama. A evolução do teatro é gradativa. Os primeiros rituais de magia começam a ampliar a trama e as paixões neles contidas. Mas, até que a evolução da cultura humana se tornasse complexa, as formas do drama eram primitivas. Somente na Grécia houve necessidade de ampliar as determinações do drama e lhe dar contornos definidos. Ao atingir a maturidade, o drama faz a primeira transição do ritual para a arte e dá o primeiro passo para a caracterização do conteúdo amplamente humano. Nasce o teatro, que logo passa a ser a arte primeira. Combina a ação dramática com a poesia e pede auxílio à música, à pintura e à escultura, resultando num poderoso órgão para a expressão da experiência e do pensamento humano.
gundo e terceiro atores (que se multiplicavam pelo uso da máscara), aumentaram-se os personagens mudos, e o efeito de multidões foi obtido por meio do coro. Os figurinos foram enriquecidos e a estatura dos atores, pela utilização de solados altos, Máscara teatral profoi aumentada. Houve duzida em mármore a necessidade da casa no século III a.C. de espetáculos – em Atenas, o teatro abrigava mais de vinte mil pessoas – e aprofundaram-se as técnicas de cenografia e os estudos de acústica.
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Origens do Teatro
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Célia A. N. Passoni
ARTIGO
Nascido provavelmente em 496 a.C., era filho de rico comer ciante de espadas. Desde cedo participou da vida teatral, interpretando papéis femininos (a mulher não tinha acesso ao palco no Teatro Grego). Foi sacerdote e, embora não tivesse predisposição para a política, foi no- Busto de Sófocles. meado duas vezes para a Junta dos Generais que administrava os negócios civis e militares de Atenas. Já velho, uniu-se a uma cortesã, com quem teve um filho. Iofan, seu filho legítimo, temendo que o pai legasse bens para o irmão, moveu uma ação judicial acusando o teatrólogo de senil e incapaz. Levado à presença dos juízes, Sófocles defendeu-se lendo parte da peça Édipo em Colona e foi absolvido. Morreu em 406 a.C., cantando versos de Antígona. Trouxe contribuições fundamentais ao desenvolvimento da tragédia. Suas peças apresentam inovações no campo da cenografia. Reduz o número de integrantes do coro, acrescenta atores. Suas peças têm como tema os mitos simultaneamente divinos e heroicos, sendo que os heróis representam o elo entre o mundo dos homens e dos deuses. A Sófocles pertencem duas das maiores tragédias da literatura dramática mundial: Édipo rei e Antígona, escritas em 442 a.C., em que trabalha dois conflitos básicos, as pretensões rivais do Estado e da consciência individual. Antígona – Tem início quando a jovem entra no palco com um discurso no qual exprime a intenção de enterrar o irmão, embora haja um edito que a proíbe. Depois de discutir com a irmã – Ismena –, corre a fim de prestar ao irmão essa última homenagem. Creonte, sabendo que o morto havia sido enterrado, chama Antígona, que, em vez de fraquejar ante o governante, desafia-o, alegando que as suas leis não eram as dela: “Não fui feita para o ódio e sim para o amor”. Creonte a condena à morte (emparedada em uma caverna e lá abandonada), não ouvindo os rogos da irmã e do próprio filho, Hemon, a quem Antígona era prometida. Sem se arrepender,
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2. Sófocles
mas lamentando o seu destino (era filha de Édipo), a jovem é arrastada para fora de cena. Um coro de senadores também permanece surdo aos apelos, reprovando-a pela audácia. Eles são também Estado. Uma reviravolta processa-se, repentinamente, quando Tirésias – profeta e sacerdote cego – entra em cena e amaldiçoa o ato de Creonte, advertindo-o de que será punido pelos deuses. Embora acredite que Tirésias havia sido subornado, o governante fica perturbado pela profecia do sacerdote. E, embora amargo, submete-se dando ordem para libertar Antígona. A ansiedade o assalta quando percebe seu atraso, e logo são confirmadas as grandes mágoas que o esperam. Antígona preferiu enforcar-se; Hemon, ao ver o corpo da noiva inerte, apunhalou-se; Eurídice, a mãe do rapaz, quando é informada de que perdeu seu único filho, suicida-se. Creonte está destruído e dificilmente conseguirá encontrar qualquer consolo entre os Senadores. Édipo rei – Considerada uma das maiores obras da dramaturgia universal, na qual Sófocles busca desvendar o enigma do destino. O acidente – a morte de Laios – dá-se antes do início da peça. Édipo mata o pai e desposa a própria mãe, Jocasta, sem sabê-lo, e ninguém poderia impedir a consumação da tragédia. Édipo não é culpado, é simplesmente um personagem forte, corajoso, nobre, que busca obstinadamente descobrir a verdade sobre si mesmo. Quando tem início a peça, um grupo de tebanos busca o rei para que afastasse a maldição que está sobre Tebas. Tirésias, o adivinho cego, diz que só será extirpado o mal ao se descobrir quanta desgraça há em volta do rei. Perseverante, vai deduzindo e chegando ao ápice de sua desventura. Édipo foi criado por Políbio e, ouvindo adivinhos do Oráculo dizendo que ele haveria de matar o próprio pai e desposar a mãe, foge atormentado e refugia-se em Tebas, desposando a mulher de Laios, rei tebano assassinado por um desconhecido. Sábio e inteligente, Édipo vai buscar o assassino de Laios e descobre ter sido ele mesmo. Entrementes, ouve de um pastor o relato de sua origem e, finalmente, quando descobre toda a verdade, alucinado, vaza seus olhos para não ver mais as infelicidades que o rodeiam.
na Ásia Menor e depois transferiu-se para a Macedônia, onde se hospedou na corte do rei Arquelau. Morre aí em 406 a.C. A estrutura de suas peças pouco difere daquelas de Ésquilo e Sófocles, escrevendo sobre deuses e heróis da Grécia, refletindo a cultura ateniense de sua época. Introduziu o prólogo – um resumo dos antecedentes, isto é, os acontecimentos que levaram àquele momento trágico. É considerado o autor que humaniza as tragédias, sendo seus personagens homens que agiam e sentiam-se como tal. Escreveu uma centena de peças, das quais conhecemos inteiras um drama satírico – O ciclope – e dezessete tragédias: Alceste, Medeia, Hércules, Os heráclidas, Hipólito coroado, Hécuba, As suplicantes, Andrômaca, As troianas, Íon, Electra, Ifigênia em Táuride, Helena, Orestes, As fenícias, Ifigênia em Áulis e As bacantes. Medeia – Filha do rei Eetes, Medeia é uma princesa que trai seu pai e seu irmão a fim de salvar a vida de Jasão (herói dos Argonautas), com quem se casa. Após anos, já na Grécia, Jasão começa a ficar cansado da mulher e busca outra ligação, mais jovem e mais conveniente politicamente. Quer se casar com a princesa de Corinto e assim se tornar o sucessor do trono. Mas o homem fez seus cálculos sem contar com a esposa. Desprezada, ameaçada de viver no exílio e enlouquecida pelo ciúme, Medeia articula a mais completa vingança. Usando uma veste envenenada, levada pelos seus dois filhos ao palácio real, ela consegue o primeiro trunfo – assassina a princesa e o próprio rei, vítimas dos venenos da mulher. Em seguida, para vingar-se completamente do homem que a humilhou, atrai para si seus dois filhos e os mata.
A Comédia
3. Eurípedes Muito pouco se conhece sobre as origens de Eurípedes. Parece ter nascido em 484 a.C. Foi discípulo de filósofos como Anaxágoras e Protágoras, cujas ideias o influenciaram. Foi também treinado em atividades atléticas, que logo abandonou, preferindo a pintura e a música – Busto de Eurípedes. usando esta para compor a parte cantada de suas tragédias. Sob o governo de Péricles – a quem admirava a ponto de exaltá-lo –, Eurípedes viu Atenas florescer. Acusado pro vavelmente de blasfêmia, foi exilado primeiro
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Após fazer triunfar uma providência moral dos deuses no universo, só restava a Ésquilo fazer com que a vontade deles prevalecesse sobre os homens – volta-se, então, para o drama do homem e começa uma longa série de peças em que trabalha a maldição familiar e a formação do Estado tebano. A maldição começa com Laios, homossexual libertino que rapta um jovem. Pélops, pai do rapaz, amaldiçoa Laios. A maldição realiza-se no mito de Édipo; continua na prole do casamento incestuoso quando os dois filhos de Édipo se matam numa luta obstinada pelo poder. Meditando sobre a primitiva história do homem, repleta de sangue, Ésquilo recusa-se a explicações pré-fabricadas, fazendo registros de parricídios, incestos, fratricídios e conflitos políticos.
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A Comédia antiga iniciava-se com uma cena de caráter explosivo, passada entre as personagens, na qual eram expostos o cenário e a história. O coro muitas vezes estava fantasiado. No palco, o coro permanecia durante toda a ação, nela participando com muita liberdade. Um ponto alto da comédia era a disputa. Duas personagens, trocando pontos de vista diferentes, discutiam até a derrota de uma delas – em geral com uma corrente de insultos e injúrias. Enquanto os atores se retiravam do palco, o coro dirigia para a plateia um discurso altamente pessoal (parábase), no qual emitia as opiniões do dramaturgo. Algumas vezes criticava figuras importantes que estavam na plateia, chegando a injúrias. Encerrando o discurso, os atores voltavam em cenas curtas e a peça terminava com a representação das consequências da disputa.
Aristófanes Pouco se sabe sobre a vida do comediógrafo. Sabe-se que foi conservador aristocrático que encarava com irritação todas as rupturas com uma Atenas mais antiga e afortunada que ele dificilmente poderia ter conhecido, já que nasceu por volta de 445 a.C. O ímpeto do seu pensamento levou-o a extremos irracionais com seus constantes ataques ao dramaturgo Eurípedes e ao filósofo Sócrates. Obras: As nuvens (em que satiriza os métodos de Sócrates), As vespas e As rãs.
POIS É, POESIA
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Luís Vaz de Camões Alguns sonetos A legres campos, verdes arvoredos,
Q uem diz que Amor é falso ou enganoso, Ligeiro, ingrato, vão, desconhecido, Sem falta lhe terá bem merecido Que lhe seja cruel ou rigoroso.
ue esperais, esperança? – Desespero. – Quem disso a causa foi? – Ua mudança. – Vós, vida, como estais? – Sem esperança. – Que dizeis, coração? – Que muito quero.
Silvestres montes, ásperos penedos, Compostos em concerto desigual: Sabei que, sem licença de meu mal, Já não podeis fazer meus olhos ledos.
Amor é brando, é doce e é piedoso, Quem o contrário diz não seja crido; Seja por cego e apaixonado tido, E aos homens, e inda aos deuses, odioso.
– Que sentis, alma, vós? – Que amor é fero. – E, enfim, como viveis? – Sem confiança. – Quem vos sustenta, logo? – Ua lembrança. – E só nela esperais? – Só nela espero.
E, pois me já não vedes como vistes, Não me alegrem verduras deleitosas Nem águas que correndo alegres veem.
Se males faz Amor, em mi se veem; Em mi mostrando todo o seu rigor, Ao mundo quis mostrar quanto podia,
– Em que podeis parar? – Nisto em que estou. – E em que estais vós? – Em acabar a vida. – E tende-lo por bem? – Amor o quer.
Semearei em vós lembranças tristes, Regando-vos com lágrimas saudosas. E nascerão saudades de meu bem.
Mas todas suas iras são de Amor; Todos estes seus males são um bem, Que eu por todo outro bem não trocaria.
– Quem vos obriga assi? – Saber quem sou. – E quem sois? – Quem de todo está rendida. – A quem rendida estais? – A um só querer.
Claras e frescas águas de cristal, Que em vós os debuxais ao natural, Discorrendo da altura dos rochedos,
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***
–Q
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C orrem turvas as águas deste rio,
Um mover de olhos, brando e piedoso,
Vencido está de Amor O mais que pode ser Sujeita a vos servir e Oferecendo tudo
Meu pensamento Vencida a vida, Instituída, A vosso intento.
Passou o Verão, passou o ardente Estio; Umas cousas por outras se trocaram; Os fementidos Fados já deixaram Do mundo o regimento ou desvario.
Um despejo quieto e vergonhoso, Um repouso gravíssimo e modesto; Uma pura bondade, manifesto Indício da alma, limpo e gracioso;
Contente deste bem, Ou hora em que se viu Mil vezes desejando Outras mil vez renovar
Louva o momento, Tão bem perdida; Assi ferida, Seu perdimento.
Tem o tempo sua ordem já sabida; O mundo, não; mas anda tão confuso, Que parece que dele Deus se esquece.
Um encolhido ousar; uma brandura; Um medo sem ter culpa; um ar sereno; Um longo e obediente sofrimento:
Com esta pretensão A causa que me guia Tão sobrenatural,
Está segura Nesta empresa, Honrosa e alta.
Casos, opiniões, natura e uso Fazem que nos pareça desta vida Que não há nela mais que o que parece.
Esta foi a celeste formosura Da minha Circe, e o mágico veneno Que pôde transformar meu pensamento.
Jurando não querer Votando só por vós Ou ser no vosso amor
Outra ventura, Rara firmeza, Achado em falta.
Que as do céu e as do monte as enturbaram; Os campos florescidos se secaram; Intratável se fez o vale, e frio.
Sem ver de quê; um riso brando e honesto, Quase forçado; um doce e humilde gesto, De qualquer alegria duvidoso;
Extraído de: Sonetos de Camões, Núcleo, 1991.
Biografia Teria nascido em 1524 ou 1525, em Lisboa, Coimbra ou Santarém. Leitor de Homero, Horácio, Virgílio, Ovídio, Petrarca e outros grandes clássicos. Provocou grandes paixões na Corte (infanta D. Maria, filha de D. Manuel; D. Catarina de Ataíde), tendo, por isso, sido desterrado para longe. Em Ceuta (1549), perdeu um olho e regressou para Lisboa. Por causa de uma briga com Gonçalo Borges foi obrigado a servir nas Índias. Em 1556, foi nomeado “provedor-mor dos bens de defuntos e ausentes” em Macau, onde teria escrito parte de Os Lusíadas. Acusado de desviar bens sob sua custódia, foi para Goa defender-se. Seu navio naufragou na foz do Rio Mecon e, como quer a lenda, salvou-se a nado, levando os manuscritos de sua epopeia e, deixando sua companheira Dinamene morrer afogada (“Alma minha gentil que te partiste”). Em 1567, foi preso em Moçambique por causa de dívidas, arrastou uma vida miserável, voltando para Portugal em 1569. Em 1572, publicou Os Lusíadas e recebeu como recompensa uma pensão anual de 15.000 réis. Morreu pobre e abandonado a 10 de junho de 1580.
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