Jornal do Vestibulando - 1532

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Jornal do Vestibulando

ENSINO, INFORMAÇÃO E CULTURA

JORNAL ETAPA – 2017 • DE 01/06 A 14/06

CURSO – MEDICINA/USP

Dois anos de cursinho e duas grandes escolhas – Engenharia/Unicamp e Medicina/USP. Rafael Franco Ignácio, em 2010, fez Etapa Valinhos. Entrou em Engenharia na Unicamp. Formou-se em 2015 e resolveu dar uma reviravolta na vida, voltando ao cursinho para, aos 26 anos, entrar em Medicina na USP. Decidiu mudar porque, com Medicina, espera poder ajudar as pessoas. De 2016 destaca que foi o ano em que recuperou o gosto de aprender. “Reaprendi a gostar de aprender. Na verdade, tomei gosto pelo conhecimento”.

Rafael Franco Ignácio Em 2016 – Etapa Em 2017 – Medicina/USP

JV – Você se formou no Ensino Médio em 2009 em Jundiaí. Fez cursinho em Valinhos em 2010, em 2011 entrou em Engenharia de Computação na Unicamp e graduou-se em 2015. Em vez de ir para o mercado de trabalho, voltou para o cursinho e hoje é aluno de Medicina na Pinheiros. Por que essa mudança? Rafael – No Ensino Médio eu gostava muito de Matemática e Física e entrei em Engenharia de Computação na Unicamp pelo gosto por Exatas. A Engenharia é maravilhosa, proporciona atividades incríveis, mas no fim não estava me completando. Com o tempo vi que não era com o que eu queria trabalhar. Para mim faltava mais contato humano. Estava quase entrando no mercado de trabalho quando decidi mudar de carreira.

E como chegou à escolha de Medicina? Escolhi Medicina porque a área de saúde em geral proporciona o contato humano que eu buscava. No Ensino Médio eu tinha um bloqueio, não queria nada nessa área. Mas no primeiro semestre de 2015 eu tive um problema de saúde e com isso entrei em contato com vários profissionais muito bons, médicos, enfermeiros e todo o pessoal que me ajudou naquele período. Isso me abriu um horizonte novo. Caiu o bloqueio. E escolhi Medicina e não outra área de saúde porque ela tem um caráter investigativo que eu acho legal. Você tem de descobrir o que o paciente tem.

ta, acordar todo dia motivado para o seu trabalho”. Eles embarcaram comigo nessa mudança.

No ano passado, ao voltar para o cursinho, qual era sua expectativa em relação aos vestibulares? Medicina é a carreira mais concorrida. Eu estava tranquilo, sem preocupação com a concorrência. Eu já tinha passado por esse processo e sabia que teria de estudar. Sabia que eu tinha nas mãos as ferramentas para fazer o meu melhor.

Como era seu método de estudo? Na maioria das tardes eu ficava no cursinho porque é um ambiente que incentiva a estudar. Só ia embora para Jundiaí por volta de 6 e meia da tarde. Eu estudava a matéria do dia. Na parte de Exatas, como não tinha tanta dificuldade – fiquei cinco anos vendo bastante Exatas –, eu fazia os exercícios bem rapidamente. O exercício em que tinha mais dificuldade, fazia com mais calma. Em História e Geografia, a parte de Humanas, eu precisava de mais tempo. Lia bastante as apostilas, resolvia os exercícios e fazia resumos, que me ajudavam muito a lembrar dos pontos das matérias.

Como você estudava Biologia? Estudava bastante e fazia fichas de resumos. Eu comprei uma lousa e coloquei no meu quarto. Quando estava com bastante dificuldade em assuntos de Humanas ou de Biologia, eu esquematizava a aula para mim e conseguia entender melhor. A lousa me ajudou bastante.

Qual foi a reação de seus familiares a essa decisão?

Em quais matérias você tinha mais dificuldades?

Foi a melhor possível. Eles me apoiaram, falaram: “Realmente você tem que fazer o que gos-

História, Geografia, Biologia foram matérias em que eu tive que dar um gás a mais. E mesmo

ARTIGO

ENTREVISTA

Rafael Franco Ignácio CONTO A desejada das gentes – Machado de Assis

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A arte medieval e a arte renascentista

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POIS É, POESIA

Alberto de Oliveira (1857-1937)

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algumas partes de Exatas, como Análise Combinatória em Matemática e Óptica em Física, exigiram mais dedicação.

Você treinava Redação? Eu tentava fazer uma por semana, às vezes duas. Quando não conseguia, eu no mínimo elencava argumentos, fazia um esquema de como abordar aquele tema. Redação era minha nota um pouco mais baixa. Eu comecei até bem o ano, depois fui oscilando, C mais, C menos, por aí, mas acabei o ano mais seguro para fazer as redações.

Quantos acertos você conseguia nos simulados da Fuvest? Entre 75 e 80. Teve um em que fui muito bem, fiz 81.

Você teve alguma dificuldade maior durante o ano? A maior dificuldade era dosar meu ritmo de estudo. Na outra vez que fiz o cursinho aqui, em 2010, no começo do ano eu estudei muito e no fim estava um pouco desgastado. Fui aprovado, mas fiquei muito cansado. No ano passado eu fiquei atento para não passar dos limites. Dosei o esforço ao longo do ano e cheguei menos cansado nos vestibulares.

Você fez Reforço? Fiz o Reforço para Medicina

Como foram suas aulas do RPM? Elas eram mais focadas em exercícios, deixando você mais em contato com as provas mesmo. O professor olha o exercício com você e lhe dá um caminho mais interessante para resolvê-lo. Pela repetição dos exercícios você acaba ganhando repertório de resolução.

SERVIÇO DE VESTIBULAR

Inscrições

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CURSO – MEDICINA/USP

Você leu as obras obrigatórias da Fuvest? Li quatro das nove obras da Fuvest. Mas li todos os resumos e fui a todas as palestras.

Em que as palestras foram úteis para você?

No terceiro dia foi a prova de matérias prioritárias para a Pinheiros: Física, Química e Biologia. Qual foi sua nota? A mesma do segundo dia, 87,5.

De modo semelhante ao RPM, as palestras me deram um olhar mais direcionado para o conhecimento das obras. A leitura é uma coisa muito ampla, que pode abrir um leque para muitas interpretações, e muitas vezes o vestibular exige uma coisa mais focada. Na Fuvest caiu uma questão crucial que realmente foi algo dado na palestra. Na hora, ao ver a questão, lembrei que o professor tinha falado coisa muito parecida.

Era o que você esperava?

O que você fez nas férias de julho?

Como soube de sua aprovação?

Eu fiz um retiro de meditação de dez dias em Santana do Parnaíba para cuidar de minha parte psicológica e fiquei com minha família. Em relação ao cursinho, a única coisa que fiz foi organizar um pouco minha agenda e meus materiais, passei alguma coisa a limpo. Não foi exatamente um estudo.

Você abriu mão de alguma atividade para se preparar melhor para os vestibulares? Saí um pouco menos com os amigos, mas não abri mão de tudo. Não abri mão de exercício físico. No começo do ano eu fazia academia todo dia, no fim do ano fazia duas vezes por semana. Fiz natação também o ano todo. Isso foi muito bom, me ajudava bastante. O exercício físico é uma ajuda para o psicológico. Eu me apoiava em um tripé: o intelectual, o físico e o psicológico. Foi bem equilibrado.

Na 1a fase da Fuvest, quantos pontos você fez? 73.

O que achou desse resultado? Eu saí de lá abalado. Foi uma prova muito difícil, tanto que derrubou em quatro pontos a nota de corte, de 73 para 69. Sem essa queda, minha nota estava no limite, em cima do corte do ano anterior. Com a queda, fiquei mais tranquilo para a 2a fase.

Para a 2a fase você mudou sua forma de estudo? Eu me preocupei mais com a dissertação nas respostas. Principalmente nas questões de Humanas e em Biologia é muito importante construir uma boa resposta. Eu me preocupava mais em colocar as respostas de forma clara. E procurava reunir o maior número de conceitos que eu conseguisse relacionados ao assunto.

Qual foi sua nota no primeiro dia da 2a fase, na prova com questões de Português e Redação? Tirei 69,5 na prova. Na Redação, 60. Foi meu pior dia. Redação e Português sempre foram minhas dificuldades. Mas a nota de Redação me deixou feliz porque foi algo que construí no ano passado.

No segundo dia, na prova geral, tirou quanto? Fui bem, 87,5.

Em Biologia eu tive uma dificuldade, mas em Física e Química consegui notas altas. Eu fiz a prova tranquilo, redigi bem as respostas.

Na escala de zero a 1 000, qual foi sua pontuação na Fuvest? 814.

E sua classificação na carreira? 103. Eu estava sozinho em casa, meu pai estava trabalhando, minha mãe e minha irmã tinham saído. Abri o site da Fuvest e depois de várias tentativas consegui lentamente baixar a lista, página por página. E meu nome começa com R. Quando chegou no R, comecei a comemorar. Aí esperei a letra V e vi o nome de minha irmã, Vitória, que fez o cursinho comigo. Ela é bem mais nova que eu, tem 18 anos e eu 26. A gente estudou junto, foi bem legal. Comemorei por nós dois.

Ela passou em quê? Engenharia de Alimentos.

Você já conhecia a Pinheiros? A Cidade Universitária? Só conhecia por vídeo, nunca tinha ido à Pinheiros nem à Cidade Universitária. Fui conhecer no dia da matrícula.

Como foi esse dia? Fui com meu pai. Foi uma recepção bem calorosa, os veteranos, o pessoal da Atlética, do Centro Acadêmico receberam bem a gente. É um mundo novo. Entrar nesse mundo é bem gratificante. Mesmo já tendo passado por uma universidade, é uma coisa bem feliz.

Como foi a semana de recepção? Foi muito boa, com várias atividades para mostrar como é o ambiente na faculdade. Teve gincana, brincadeiras, futebol de salão. Foi uma recepção muito boa.

A Pinheiros tem muitas entidades. Você já se interessou por alguma? Achei legal a Atlética e comecei a dar aulas no cursinho popular que eles têm, o MedEnsina. Estou treinando vários esportes (futebol, handebol e natação), porque tem uma competição de calouros de Medicina.

Que matérias você tem neste primeiro semestre? O currículo é novo, está em seu terceiro ano. Foram criadas as unidades curriculares, que agregam as disciplinas. Os conteúdos são dados de forma integrada. Neste momento estou com duas unidades curriculares. Uma é de Introdução à Medicina, com aspectos gerais da Medicina, e mostra o lado de humanização. Estou vendo também Fundamentos da Medicina, com a introdução de Bioquímica, de Fisiologia de Membranas e Biologia Celular. Vai começar outra Unidade Curricular, com Fundamentos da Pesquisa Científica na Medicina.

A alteração do currículo tornou o curso mais interessante para os calouros? É um caminho que eu acho muito interessante. É um currículo bem alinhado com a Medicina internacional. Foi bem desenhado nesse sentido. Mas toda mudança é um pouco difícil. Assim como nós estamos aprendendo as disciplinas, os professores estão aprendendo a ministrar as disciplinas de uma maneira diferente.

Hoje, qual é sua maior motivação para cursar Medicina? O que você espera da Medicina? Espero conseguir ser um bom médico e realmente ajudar as pessoas, não só dando o remédio, mas humanizando o tratamento, conversando com os pacientes de maneira bem afetiva. Pelo pouco que já aprendi, a saúde é muito mais dar o cuidado à pessoa. Quero dar esse cuidado para o maior número de pes­ soas. Isso me motiva bastante.

Você já tem ideia da área que pretende seguir? Eu gosto muito da Psiquiatria. Vou buscar ver se realmente permaneço interessado por ela ao longo do curso. Todas as áreas têm muito a evoluir, mas essa me parece uma área em constante desenvolvimento. Acho bem legal.

O que você pode dizer aos atuais alunos do cursinho para que aproveitem da melhor forma possível a preparação para os vestibulares? Autoconhecimento é importante. Devem reconhecer quando não estão sabendo, ter humildade e falar: “Beleza, vou estudar isto”. Se acharem que já sabem, devem conferir se realmente estão sabendo. É muito importante também dosar o ritmo de estudo para chegar nas provas nas melhores condições – bem no conhecimento, bem psicologicamente.

Você tem saudade do que viveu no ano passado? Tenho saudade dos amigos que fiz, dos plantonistas – alguns até viraram amigos. Não tenho saudade da correria do dia a dia, das viagens diárias para ir de Jundiaí ao cursinho e para voltar para casa. Hoje eu moro próximo da faculdade, em dez minutos de caminhada chego à Pinheiros. Não tenho mais que ficar viajando.

Como ficou marcado o ano passado para você? Eu recuperei o gosto de aprender. Reaprendi a gostar de aprender. Na verdade, tomei gosto pelo conhecimento. Deixou de existir o confronto entre gostar ou não gostar de uma matéria, como era antes. Eu realmente gostei de tudo que estava aprendendo. O ano ficou marcado por esse encontro com o conhecimento.

O que levou você a gostar do aprendizado? Talvez um pouco mais de maturidade. Quando mais novo, a gente fica querendo se definir – sou de Exatas, sou de Humanas. E pode acabar criando bloqueios, como o que tive com a área de Saúde. Esse bloqueio só estava atrapalhando. No fim das contas, todas as áreas de conhecimento têm valor. Eu fiquei feliz por conseguir ver o valor de todas elas no cursinho.


CONTO

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A desejada das gentes Machado de Assis

– Ah

conselheiro, aí começa a falar em verso. – Todos os homens devem ter uma lira no coração, – ou não sejam homens. Que a lira ressoe a toda a hora, nem por qualquer motivo, não o digo eu; mas de longe em longe, e por algumas reminiscências particulares... Sabe por que é que lhe pareço poeta, apesar das Ordenações do Reino e dos cabelos grisalhos? é porque vamos por esta Glória adiante, costeando aqui a Secretaria de Estrangeiros... Lá está o outeiro célebre... Adiante há uma casa... – Vamos andando. – Vamos... Divina Quintília! Todas essas caras que aí passam são outras, mas falam-me daquele tempo, como se fossem as mesmas de outrora; é a lira que ressoa, e a imaginação faz o resto. Divina Quintília! – Chamava-se Quintília? Conheci de vista, quando andava na Escola de Medicina, uma linda moça com esse nome. Diziam que era a mais bela da cidade. – Há de ser a mesma, porque tinha essa fama. Magra e alta? – Isso. Que fim levou? – Morreu em 1859. Vinte de abril. Nunca me há de esquecer esse dia. Vou contar-lhe um caso interessante para mim, e creio que também para o senhor. Olhe, a casa era aquela... Morava com um tio, chefe de esquadra reformado; tinha outra casa no Cosme Velho. Quando conheci Quintília... Que idade pensa que teria, quando a conheci? – Se foi em 1855... – Em 1855. – Devia ter vinte anos. – Tinha trinta. – Trinta? – Trinta anos. Não os parecia, nem era nenhuma inimiga que lhe dava essa idade. Ela própria a confessava e até com afetação. Ao contrário, uma de suas amigas afirmava que Quintília não passava dos vinte e sete; mas como ambas tinham nascido no mesmo dia, dizia isso para diminuir-se a si própria. – Mau, nada de ironias; olhe que a ironia não faz boa cama com a saudade. – Que é a saudade senão uma ironia do tempo e da fortuna? Veja lá; começo a ficar sentencioso. Trinta anos; mas em verdade, não os parecia. Lembra-se bem que era magra e alta; tinha os olhos, como eu então dizia, que pareciam cortados da capa da última noite, mas apesar de noturnos, sem mistérios nem abismos. A voz era brandíssima, um tanto apaulistada, a boca larga, e os dentes, quando ela simplesmente falava, davam-lhe à boca um ar de riso. Ria também, e foram os risos dela, de parceria com os olhos, que me doeram muito durante certo tempo. – Mas se os olhos não tinham mistérios... – Tanto não os tinham que cheguei ao ponto de supor que eram as portas abertas do castelo, e o riso o clarim que chamava os cavaleiros. Já a conhecíamos, eu e o meu companheiro de escritório, o João Nóbrega, ambos principiantes

na advocacia, e íntimos como ninguém mais; mas nunca nos lembrou namorá-la. Ela andava então no galarim; era bela, rica, elegante, e da primeira roda. Mas um dia, no antigo Teatro Provisório entre dois atos dos Puritanos, estando eu num corredor, ouvi um grupo de moços que falavam dela, como de uma fortaleza inexpugnável. Dous confessaram haver tentado alguma cousa, mas sem fruto; e todos pasmavam do celibato da moça que lhes parecia sem explicação. E chalaceavam: um dizia que era promessa até ver se engordava primeiro; outro que estava esperando a segunda mocidade do tio para casar com ele; outro que provavelmente encomendara algum anjo ao porteiro do céu; trivialidades que me aborreceram muito, e da parte dos que confessavam tê-la cortejado ou amado, achei que era uma grosseria sem nome. No que eles estavam todos de acordo é que ela era extraordinariamente bela; aí foram entusiastas e sinceros. – Oh! ainda me lembro!... era muito bonita. – No dia seguinte, ao chegar ao escritório, entre duas causas que não vinham, contei ao Nóbrega a conversação da véspera. Nóbrega riu-se do caso, refletiu, e depois de dar alguns passos, parou diante de mim, olhando, calado. – Aposto que a namoras? perguntei-lhe. – Não, disse ele; nem tu? Pois lembrou-me uma cousa: vamos tentar o assalto à fortaleza? Que perdemos com isso? Nada; ou ela nos põe na rua, e já podemos esperá-lo, ou aceita um de nós, e tanto melhor para o outro que verá o seu amigo feliz. – Estás falando sério? – Muito sério. – Nóbrega acrescentou que não era só a beleza dela que a fazia atraente. Note que ele tinha a presunção de ser espírito prático, mas era principalmente um sonhador que vivia lendo e construindo aparelhos sociais e políticos. Segundo ele, os tais rapazes do teatro evitavam falar dos bens da moça, que eram um dos feitiços dela, e uma das causas prováveis da desconsolação de uns e dos sarcasmos de todos. E dizia-me: – Escuta, nem divinizar o dinheiro, nem também bani-lo; não vamos crer que ele dá tudo, mas reconheçamos que dá alguma cousa e até muita cousa, – este relógio, por exemplo. Combatamos pela nossa Quintília, minha ou tua, mas provavelmente minha, porque sou mais bonito que tu. – Conselheiro, a confissão é grave; foi assim brincando...? – Foi assim brincando, cheirando ainda aos bancos da academia, que nos metemos em negócio de tanta ponderação, que podia acabar em nada, mas deu muito de si. Era um começo estouvado, quase um passatempo de crianças, sem a nota da sinceridade; mas o homem põe e a espécie dispõe. Conhecíamo-la, posto não tivéssemos encontros frequentes; uma vez que nos dispusemos a uma ação comum, entrou um elemento novo na nossa vida, e dentro de um mês estávamos brigados. – Brigados? – Ou quase. Não tínhamos contado com ela, que nos enfeitiçou a ambos, violentamente. Em algumas semanas já pouco falávamos de Quintília, e com indiferença; tratávamos

de enganar um ao outro e dissimular o que sentía­mos. Foi assim que as nossas relações se dissolveram, ao fim de seis meses, sem ódio, nem luta, nem demonstração externa, porque ainda nos falávamos, onde o acaso nos reunia; mas já então tínhamos banca separada. – Começo a ver uma pontinha do drama... – Tragédia, diga tragédia; porque daí a pouco tempo, ou por desengano verbal que ela lhe desse, ou por desespero de vencer, Nóbrega deixou-me só em campo. Arranjou uma nomeação de juiz municipal lá para os sertões da Bahia, onde definhou e morreu antes de acabar o quatriênio. E juro-lhe que não foi o inculcado espírito prático de Nóbrega que o separou de mim; ele, que tanto falara das vantagens do dinheiro, morreu apaixonado como um simples Werther. – Menos a pistola. – Também o veneno mata; e o amor de Quintília podia dizer-se alguma cousa parecido com isso; foi o que o matou, e o que ainda hoje me dói... Mas, vejo pelo seu dito que o estou aborrecendo... – Pelo amor de Deus. Juro-lhe que não; foi uma graçola que me escapou. Vamos adiante, conselheiro; ficou só em campo. – Quintília não deixava ninguém estar só em campo, – não digo por ela, mas pelos outros. Muitos vinham ali tomar um cálix de esperanças, e iam cear a outra parte. Ela não favorecia a um mais que a outro; mas era lhana, graciosa e tinha essa espécie de olhos derramados que não foram feitos para homens ciumentos. Tive ciúmes amargos e, às vezes, terríveis. Todo argueiro me parecia um cavaleiro, e todo cavaleiro um diabo. Afinal acostumei-me a ver que eram passageiros de um dia. Outros me metiam mais medo, eram os que vinham dentro da luva das amigas. Creio que houve duas ou três negociações dessas, mas sem resultado. Quintília declarou que nada faria sem consultar o tio, e o tio aconselhou a recusa, – cousa que ela sabia de antemão. O bom velho não gostava nunca da visita de homens, com receio de que a sobrinha escolhesse algum e casasse. Estava tão acostumado a trazê-la ao pé de si, como uma muleta da velha alma aleijada, que temia perdê-la inteiramente. – Não seria essa a causa da isenção sistemática da moça? – Vai ver que não. – O que noto é que o senhor era mais teimoso que os outros... – ... Iludido, a princípio, porque no meio de tantas candidaturas malogradas, Quintília preferia-me a todos os outros homens, e conversava comigo mais largamente e mais intimamente, a tal ponto que chegou a correr que nos casávamos. – Mas conversavam de quê? – De tudo o que ela não conversava com os outros; e era de fazer pasmar que uma pessoa tão amiga de bailes e passeios, de valsar e rir, fosse comigo tão severa e grave, tão diferente do que costumava ou parecia ser. – A razão é clara; achava a sua conversação menos insossa que a dos outros homens.


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CONTO

– Obrigado; era mais profunda a causa da diferença, e a diferença ia-se acentuando com os tempos. Quando a vida cá embaixo a aborrecia muito, ia para o Cosme Velho, e ali as nossas conversações eram mais frequentes e compridas. Não lhe posso dizer, nem o senhor compreenderia nada, o que foram as horas que ali passei, incorporando na minha vida toda a vida que jorrava dela. Muitas vezes quis dizer-lhe o que sentia, mas as palavras tinham medo e ficavam no coração. Escrevi cartas sobre cartas; todas me pareciam frias, difusas, ou inchadas de estilo. Demais, ela não dava ensejo a nada; tinha um ar de velha amiga. No princípio de 1857 adoeceu meu pai em Itaboraí; corri a vê-lo, achei-o moribundo. Este fato reteve-me fora da Corte uns quatro meses. Voltei pelos fins de maio. Quintília recebeu-me triste da minha tristeza, e vi claramente que o meu luto passara aos olhos dela... – Mas que era isso senão amor? – Assim o cri, e dispus a minha vida para desposá-la. Nisto, adoeceu o tio gravemente. Quintília não ficava só, se ele morresse, porque, além dos muitos parentes espalhados que tinha, morava com ela agora, na casa da Rua do Catete, uma prima, D. Ana, viúva; mas, é certo que a afeição principal ia-se embora e nessa transição da vida presente à vida ulterior podia eu alcançar o que desejava. A moléstia do tio foi breve; ajudada da velhice, levou-o em duas semanas. Digo-lhe aqui que a morte dele lembrou-me a de meu pai, e a dor que então senti foi quase a mesma. Quintília viu-me padecer, compreendeu o duplo motivo, e, segundo me disse depois, estimou a coincidência do golpe, uma vez que tínhamos de o receber sem falta e tão breve. A palavra pareceu-me um convite matrimonial; dois meses depois cuidei de pedi-la em casamento. D. Ana ficara morando com ela e estavam no Cosme Velho. Fui ali, achei-as juntas no terraço, que ficava perto da montanha. Eram quatro horas da tarde de um domingo. D. Ana, que nos presumia namorados, deixou-nos o campo livre. – Enfim! – No terraço, lugar solitário, e posso dizer agreste, proferi a primeira palavra. O meu plano era justamente precipitar tudo, com medo de que, cinco minutos de conversa me tirassem as forças. Ainda assim, não sabe o que me custou; custaria menos uma batalha, e juro-lhe que não nasci para guerras. Mas aquela mulher magrinha e delicada impunha-se-me, como nenhuma outra, antes e depois... – E então? – Quintília adivinhara, pelo transtorno do meu rosto, o que lhe ia pedir, e deixou-me falar para preparar a resposta. A resposta foi interrogativa e negativa. Casar para quê? Era melhor que ficássemos amigos como dantes. Respondi-lhe que a amizade era, em mim, desde muito, a simples sentinela do amor; não podendo mais contê-lo, deixou que ele saísse. Quintília sorriu da metáfora, o que me doeu, e sem razão; ela, vendo o efeito, fez-se outra vez séria e tratou de persuadir-me de que era melhor não casar. – Estou velha, disse ela; vou em trinta e três anos. – Mas se eu a amo assim mesmo, repliquei, e disse-lhe uma porção de cousas, que não poderia repetir agora. Quintília refletiu um instante; depois insistiu nas relações de amizade; disse que, posto que mais moço que ela, tinha a gravidade

de um homem mais velho, e inspirava-lhe confiança como nenhum outro. Desesperançado, dei algumas passadas, depois sentei-me outra vez e narrei-lhe tudo. Ao saber da minha briga com o amigo e companheiro da academia, e a separação em que ficamos, sentiu-se, não sei se diga, magoada ou irritada. Censurou-nos a ambos, não valia a pena que chegássemos a tal ponto. – A senhora diz isso, porque não sente a mesma cousa. – Mas então é um delírio? – Creio que sim; o que lhe afianço é que ainda agora, se fosse necessário, separar-me-ia dele uma e cem vezes; e creio poder afirmar-lhe que ele faria a mesma cousa. Aqui olhou ela espantada para mim, como se olha para uma pessoa cujas faculdades parecem transtornadas; depois abanou a cabeça, e repetiu que fora um erro; não valia a pena. – Fiquemos amigos, disse-me, estendendo a mão. – É impossível; pede-me cousa superior às minhas forças, nunca poderei ver na senhora uma simples amiga; não desejo impor-lhe nada; dir-lhe-ei até que nem mais insisto, porque não aceitaria outra resposta agora. Trocamos ainda algumas palavras, e retirei-me... Veja a minha mão. – Treme-lhe ainda... – E não lhe contei tudo. Não lhe digo aqui os aborrecimentos que tive, nem a dor e o despeito que me ficaram. Estava arrependido, zangado, devia ter provocado aquele desengano desde as primeiras semanas; mas a culpa foi da esperança, que é uma planta daninha, que me comeu o lugar de outras plantas melhores. No fim de cinco dias saí para Itaboraí, onde me chamaram alguns interesses do inventário de meu pai. Quando voltei, três semanas depois, achei em casa uma carta de Quintília. – Oh! – Abri-a alvoroçadamente: datava de quatro dias. Era longa; aludia aos últimos sucessos, e dizia cousas meigas e graves. Quintília afirmava ter esperado por mim todos os dias, não cuidando que eu levasse o egoísmo até não voltar lá mais, por isso escrevia-me, pedindo que fizesse dos meus sentimentos pessoais e sem eco uma página de história acabada; que ficasse só o amigo, e lá fosse ver a sua amiga. E concluía com estas singulares palavras: “Quer uma garantia? Juro-lhe que não casarei nunca.” Compreendi que um vínculo de simpatia moral nos ligava um ao outro; com a diferença que o que era em mim paixão específica, era nela uma simples eleição de caráter. Éramos dois sócios, que entravam no comércio da vida com diferente capital: eu, tudo o que possuía; ela, quase um óbolo. Respondi à carta dela nesse sentido; e declarei que era tal a minha obediên­cia e o meu amor, que cedia, mas de má vontade, porque, depois do que se passara entre nós, ia sentir-me humilhado. Risquei a palavra ridículo, já escrita, para poder ir vê-la sem este vexame; bastava o outro. – Aposto que seguiu atrás da carta? É o que eu faria, porque essa moça, ou eu me engano ou estava morta por casar com o senhor. – Deixe a sua fisiologia usual; este caso é particularíssimo. – Deixe-me adivinhar o resto; o juramento era um anzol místico; depois, o senhor, que o recebera, podia desobrigá-la dele, uma vez que aproveitasse com a absolvição. Mas, enfim, correu à casa dela.

– Não corri; fui dois dias depois. No intervalo, respondeu ela à minha carta com um bilhete carinhoso, que rematava com esta ideia: “não fale de humilhação, onde não houve público.” Fui, voltei uma e mais vezes e restabeleceram-se as nossas relações. Não se falou em nada; ao princípio, custou-me muito parecer o que era dantes; depois, o demônio da esperança veio pousar outra vez no meu coração; e, sem nada exprimir, cuidei que um dia, um dia tarde, ela viesse a casar comigo. E foi essa esperança que me retificou aos meus próprios olhos, na situa­ção em que me achava. Os boatos de nosso casamento correram mundo. Chegaram aos nossos ouvidos; eu negava formalmente e sério; ela dava de ombros e ria. Foi essa fase da nossa vida a mais serena para mim, salvo um incidente curto, um diplomata austríaco ou não sei que, rapagão, elegante, ruivo, olhos grandes e atrativos, e fidalgo ainda por cima. Quintília mostrou-se-lhe tão graciosa, que ele cuidou estar aceito, e tratou de ir adiante. Creio que algum gesto meu, inconsciente, ou então um pouco da percepção fina que o céu lhe dera, levou depressa o desengano à legação austríaca. Pouco depois ela adoeceu; e foi então que a nossa intimidade cresceu de vulto. Ela, enquanto se tratava, resolveu não sair, e isso mesmo lhe disseram os médicos. Lá passava eu muitas horas diariamente. Ou elas tocavam, ou jogávamos os três, ou então lia-se alguma cousa; a maior parte das vezes conversávamos somente. Foi então que a estudei muito; escutando as suas leituras vi que os livros puramente amorosos achava-os incompreensíveis, e, se as paixões aí eram violentas, largava-os com tédio. Não falava assim por ignorante; tinha notícia vaga das paixões; e assistira a algumas alheias. – De que moléstia padecia? – Da espinha. Os médicos diziam que a moléstia não era talvez recente, e ia tocando o ponto melindroso. Chegamos assim a 1859. Desde março desse ano a moléstia agravou-se muito; teve uma pequena parada, mas para os fins do mês chegou ao estado desesperador. Nunca vi depois criatura mais enérgica diante da iminente catástrofe; estava então de uma magreza transparente, quase fluida; ria, ou antes, sorria apenas, e vendo que eu escondia as minhas lágrimas, apertava-me as mãos agradecida. Um dia, estando só com o médico, perguntou-lhe a verdade; ele ia mentir; ela disse-lhe que era inútil, que estava perdida. – Perdida, não, murmurou o médico. – Jura que não estou perdida? – Ele hesitou, ela agradeceu-lho. Uma vez certa que morria, ordenou o que prometera a si mesma. – Casou com o senhor, aposto? – Não me relembre essa triste cerimônia; ou antes, deixe-me relembrá-la, porque me traz algum alento do passado. Não aceitou recusas nem pedidos meus; casou comigo à beira da morte. Foi no dia 18 de abril de 1859. Passei os últimos dois dias, até 20 de abril, ao pé da minha noiva moribunda, e abracei-a pela primeira vez, feita cadáver. – Tudo isso é bem esquisito. – Não sei o que dirá a sua fisiologia. A minha, que é de profano, crê que aquela moça tinha ao casamento uma aversão puramente física. Casou meio defunta, às portas do nada. Chame-lhe monstro, se quer, mas acrescente divino. Extraído de: Várias histórias.


ARTIGO

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A arte medieval e a arte renascentista

1. A experiência espacial do Renascimento se deu dentro de uma mudança estrutural da sociedade europeia (econômica, social e política) e, portanto, está vinculada à representação que os homens daquela época, com aqueles problemas específicos, faziam do mundo. Pode ser uma representação verdadeira do mundo para a sociedade que surgiu no século XV: verdadeira porque corresponde à nova estrutura social e aos novos conhecimentos científicos; verdadeira relativamente à época em que surgiu, e não para toda a humanidade, em todos os tempos e todos os espaços.

to pode estar duas vezes maior do que um outro personagem do quadro não porque este se encontra em segundo plano, mas porque Cristo lhe é superior na hierarquia de valores religiosos. Na pintura renascentista, a representação espacial se estrutura com base nas relações físicas e matemáticas entre objetos e figuras, sem se preocupar com qualquer outra conotação: é, portanto, um espaço quantitativo, que se preocupa em determinar as proporções

e as distâncias entre as figuras e não suas relações morais. Uma das consequências da nova visão foi que os corpos, não tendo mais existência separada enquanto grandezas absolutas, deviam ser coordenados com outros corpos no mesmo campo de visão, numa mesma escala de grandeza: tornou-se necessário quadricular a tela e calcular quase matematicamente a posição e a distância dos corpos representados. Reprodução

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história da arte foi feita até agora em função da ideia de que o Renascimento marca uma aproximação decisiva e definitiva na representação verdadeira do mundo exterior. Essa atitude necessita ser analisada sob dois prismas:

2. A ideia de uma representação verdadeira do mundo exterior implica uma noção de espaço em si, um universo dado de uma vez por todas, sempre o mesmo para o homem de qualquer lugar e qualquer tempo. Ora, esse espaço ideal, que seria simplesmente reinterpretado de diversas maneiras pelos vários movimentos artísticos, não existe. O espaço não é uma rea­lidade em si: é a experiência do homem com o seu meio ambiente, e, nesse sentido, o homem está sempre criando espaços novos, e não simplesmente visualizando de modo diferente o mesmo espaço. Em que consiste basicamente a grande diferença entre a pintura medieval (tanto a gótica quanto a bizantina) e a pintura renascentista? O espaço para a pintura medieval é qualitativo, isto é, as figuras e os objetos se dispõem em função das qualidades que possuem dentro de uma certa simbologia (em geral, simbologia religiosa) e o tamanho é determinado pelo valor da figura, e não pela sua distância física em relação às outras. Assim, Cris-

Simone Martini, Cristo no caminho do calvário, c. 1340.


ARTIGO

Fra Angelico, A anunciação, c. 1440-1450.

vo­cava; a cor na pintura bizantina era emblemática, havia uma cor – tipo para cada figura representada, que também dependia de tradição pictórica, e não de imitação da coloração natural dessa figura. A cor no Renascimento tenta emancipar-se das tradições expressionistas e emblemáticas para aderir plenamente à figura e ao objeto representado: é uma cor que se quer natural.

A bidimensionalidade que havia vi­go­ rado na pintura medieval, isto é, o plano, deixa lugar à tridimensionali­dade – o espaço da tela se torna um espaço ilu­soriamente “real”, pois tem uma terceira dimensão, a da profundidade, conseguida pelas linhas de perspectiva. Os corpos evoluem nesse espaço como corpos pesados, consistentes, quase escultóricos.

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O espaço medieval, que era sucessivo (num mesmo quadro havia vários espaços com grandezas diferentes), deixa lugar a um espaço unitário, regido pelas leis da perspectiva, descobertas nessa mesma época. O tempo na pintura medieval era também plural, isto é, um mesmo quadro tratava de assuntos que se desenrolavam em períodos diferentes; o tempo na pintura renascentista passa a ser unitário, ou seja, a figura representada num momento único de sua ação. Disso decorre que a multiplicidade de ações que aconteciam em tempos e espaços diferentes num quadro medieval desaparece e é substituída por uma só ação acontecendo em um só tempo e num só espaço. O foco visual, que na pintura medieval era sucessivo e plural, isto é, o olho do espectador devia percorrer sucessivamente as várias cenas apresentadas, torna-se único e imediato, pois tudo está subordinado a um tema central, que é captado globalmente num só olhar do espectador. A cor na pintura gótica era geralmen­te expressionista, isto é; não represen­tava a coloração natural do objeto pin­ta­ do, mas os sentimentos que este pro­-

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Andrea Mantegna, S. Tiago conduzido ao suplício, c. 1455. (Desenho à pena) Andrea Mantegna, S. Tiago conduzido ao suplício, c. 1455.


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Sandro Botticelli, O nascimento de Vênus, c. 1480.

Pietro Lorenzetti, O nascimento da virgem, c. 1342.

O século XV foi um período ambivalente, na medida em que os artistas estavam insatisfeitos com as antigas formas de representação, mas ainda não tinham construído um outro sistema coerente de relações espaciais. É chamado Pré-Renascimento por­ que já se prenunciavam as características da pintura do Renascimento. Mas não se deve privilegiar este único aspecto, pois a pintura medieval também

alcançou nesse período grande desenvolvimento; às vezes, no mesmo quadro, os pintores do Pré-Renascimento apresentam características da pintura medieval e daquela que será chamada renascentista. Na Itália e nos Países Baixos do Sul (também chamados Flandres) é que se desenvolvem as pesquisas em torno do novo espaço pictórico. Fonte: Acervo Etapa.

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Finalmente, a estilização das figuras na pintura medieval vai ser substituída pela busca da expressão natural dos corpos na pintura renascentista. O Renascimento propriamente dito co­meça em fins do século XV e continua até metade do século XVI, quando o Maneirismo e o Barroco iniciam o esvaziamento das formas criadas pelos pintores renascentistas e propõem novas relações espaciais.

Hubert van Eyck; Jan van Eyck, Retábulo de Ghent (Adoração do Cordeiro Sagrado), 1430-1432.


POIS É, POESIA

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Alberto de Oliveira (1857-1937) A história de Carmem I

C

armem, como a inspirá-la o mar em frente visse, e a noite a cair calma e estrelada, tangeu, nervosa e apaixonadamente, no dourado salão a harpa dourada. E, aos pausados soluços do instrumento, ia-lhe a alma de moça (como ao vento, sem saber onde vai, folha perdida) ia-lhe a alma num cântico àquela hora fora pela janela, espaço fora, longe da casa, longe desta vida. Mas alguém de repente entra na sala, e em rude voz que lhe feriu o ouvido: – “Para que música?” (é o marido) fala. Não gostava de música o marido.

II

S em a harpa, a amiga fiel a quem contava

as suas penas e os seus dissabores, Carmem: – “Não me permitem – suspirava – amar a música: amarei as flores”.

Desce ao jardim. Borboleteia, esvoaça, e violetas e cravos, quando passa, rosas, jasmins, rindo, com as mãos nervosas colhe. Volta, e ante o espelho às tranças [pretas prende os jasmins, os cravos e as violetas prende à cintura, prende ao seio as rosas. E olha, vê-se, revê-se. Quando, ai dela! o mesmo tom de voz aborrecido: – ”Para que flores?” – a surpreende e gela. Não gostava de flores o marido.

III

S em música, sem flores, que seria,

Carmem, de ti, se, em seu poder, que é tanto, como as flores e a música, a poesia não viesse as horas te vestir de encanto? Para Carmem agora a vida é um sonho; Do verso às asas, o país risonho vê da ilusão, entre os dourados climas; lá vai! Que azul de eternos sóis coberto! Tanto é o influxo que tem um livro aberto, um punhado de estrofes e de rimas.

Range, porém, da alcova, a um lado, a porta, e o tom de sempre, austero e desabrido: – ”Para que versos?” – o êxtase lhe corta. Não gostava de versos o marido.

IV

S em poesia, sem música, sem flores,

só e aos vinte anos, quem viver pudera? Mísera Carmem! Já do rosto as cores com o pranto esmaiam, já se desespera. Quando uma vez... Não foi um cavaleiro (como se diz) em seu corcel ligeiro... foi das cousas que amava o amor vencido, vencedor, afinal, que num perfume, Num som, num verso, como outrora um [nume, A arrebatou dos braços do marido. E onde hoje vive, ri, doudeja, salta Carmem, ditosa Carmem, de alegria, pois para ser feliz nada lhe falta: nem música, nem flores, nem poesia. Extraído de: Poesias completas de Alberto de Oliveira, Núcleo Editorial da UERJ, 1978.

SERVIÇO DE VESTIBULAR Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Período de inscrição: até dia 12 de junho de 2017. Via internet. Endereço da faculdade: Rua São Francisco Xavier, 524 – Maracanã – Rio de Janeiro – RJ – CEP: 20550-900 – Telefone: (21) 2334-0000. Requisito: taxa de R$ 60,00. Cursos e vagas: consultar site www.vestibular.uerj.br Exames: dia 16 de julho de 2017 e 17 de setembro de 2017. Leituras obrigatórias: • A hora da estrela – Clarice Lispector. • Dom Casmurro – Machado de Assis. • Ensaio sobre a cegueira – José Saramago. • Morte e vida severina – João Cabral de Melo Neto. • Primeiras estórias – João Guimarães Rosa.

Universidade de Caxias do Sul (UCS) Período de inscrição: até dia 10 de julho de 2017. Pessoalmente ou via internet. Endereço da faculdade: Rua Francisco Getúlio Vargas, 1 130 – Petrópolis – Caxias do Sul – RS – CEP: 95070-560 – Telefone: (54) 3218-2100. Requisito: taxa de R$ 250,00.

Cursos e vagas: consultar site www.ucs.br Exame: dia 16 de julho de 2017.

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Período de inscrição: até dia 05 de junho de 2017. Via internet. Endereço da faculdade: Rua Monte Alegre, 984 – Perdizes – São Paulo – SP – CEP: 05014-901 – Telefone: (11) 3670-8000. Requisito: taxa de R$ 120,00. Cursos e vagas: consultar site www.vestibular.pucsp.br Exame: dia 18 de junho de 2017. Leituras obrigatórias: • A cidade e as serras – Eça de Queirós. • Claro enigma – Carlos Drummond de Andrade. • Iracema – José de Alencar. • Memórias póstumas de Brás Cubas – Machado de Assis. • Sagarana – João Guimarães Rosa.

Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) Período de inscrição: até dia 06 de junho de 2017. Via internet. Endereço da faculdade: Av. Universitária, 1 440 – Setor Leste Universitário, Goiânia – GO – CEP: 74605-010 –

Jornal do Vestibulando

Telefone: (62) 3946-1000. Requisito: taxa de R$ 150,00. Cursos e vagas: consultar site www.pucgoias.edu.br Exame: dia 10 de junho de 2017.

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) Período de inscrição: até dia 18 de junho de 2017. Via internet. Endereço da faculdade: Rua Marquês de São Vicente, 225 – Gávea – Rio de Janeiro – RJ – CEP: 22451-900 – Tele­ fone: (21) 3527-1000. Requisito: taxa de R$ 170,00. Cursos e vagas: consultar site www.puc-rio.br Exame: dia 09 de julho de 2017.

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) Período de inscrição: até dia 4 de junho de 2017. Via internet. Endereço da faculdade: Av. Ipiranga, 6 681 – Partenon – Porto Alegre – RS – CEP: 90619-900 – Telefone: (51) 3320-3557. Requisito: taxa de R$ 100,00. Cursos e vagas: consultar site www.vestibular.pucrs.br Exame: dia 10 de junho de 2017.

Jornal ETAPA, editado por Etapa Ensino e Cultura REDAÇÃO: Rua Vergueiro, 1 987 – CEP 04101-000 – Paraíso – São Paulo – SP


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