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Jornal do Vestibulando
ENSINO, INFORMAÇÃO E CULTURA
JORNAL ETAPA – 2017 • DE 16/06 A 28/06
CURSO – ENG. MECATRÔNICA/USP
“Sempre foquei mais nas matérias em que tinha dificuldade.” Erick Jooji Gushiken fez o Extensivo e entrou na Engenharia Mecatrônica da Poli. Tomou cuidado com História, Português e Geografia, nas quais não tinha a mesma facilidade que em Exatas. Isso, como ele acredita, foi a base de sua boa colocação na Fuvest. Na Mecatrônica, pensa em especialização para a área de Biomedicina, com a criação de robôs para cirurgias. Para se aprimorar nessa área pretende o duplo diploma na École Polytechnique, na França.
Erick Jooji Gushiken Em 2016: Etapa Em 2017: Eng. Mecatrônica – USP
JV – Quando e por que você decidiu fazer Engenharia? Erick – Sempre gostei da área de Exatas, sempre soube que seria Engenharia, mas a ênfase em Mecatrônica foi no 3o ano do Ensino Médio.
Além da Fuvest, você prestou outros vestibulares? Eu prestei Unicamp, Enem e outras particulares. Pelo Enem manifestei interesse por vaga na Universidade Federal do ABC e no Instituto Federal da Zona Norte.
Como você conheceu o Etapa e veio estudar aqui?
as anotações das aulas e depois fazia os exercícios. Em Exatas eu fazia exercícios com menor intensidade, para ir lembrando.
fazendo não eram adequadas e aí os plantonistas ajudaram bastante.
E Biologia, como estudava? Como em Exatas, eu ia direto para os exercícios.
Eu tentava fazer pelo menos uma a cada 15 dias. Focava mais na Fuvest, as do Enem eu fazia só nos simulados.
Então você se preparou para a Poli dando mais ênfase às matérias de Humanas?
Você fez Reforço?
Sim, sobretudo Português. O pessoal fala que a nota média de Redação na Poli é sempre baixa, então eu tentei usar isso como um diferencial.
Como eram as aulas do Reforço?
Você estudava quanto tempo por dia?
Meu irmão, que estudou aqui, está no 4 ano da Poli. Vários amigos do meu colégio também vieram fazer o cursinho.
Das 2 e meia da tarde até 9, 10 horas da noite.
Onde você estudava?
Ah, sim, percebi que fazendo pausa entre as matérias eu rendia muito mais. Então, toda vez que terminava um tópico eu parava uns 10 minutos. E voltava.
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No Liceu de Artes e Ofícios. Eu me formei em 2015 e prestei Fuvest direto, mas não fui bem, fiz 55 pontos na 1a fase. O corte foi 60. No ano passado fiz o cursinho.
Ao vir para o Etapa, como você estava em relação às suas chances de entrar na Poli?
Você conseguia manter a concentração durante todo esse período ou dava pausas?
Estudando em casa, como fazia quando tinha dúvidas?
Vir estudar no Etapa me deixou mais confiante.
Normalmente eu procurava pela resolução on-line dos exercícios.
Como era seu método de estudo?
O Plantão Virtual?
Eu gostava de estudar em casa. Tentava estudar a matéria do dia. Mas sempre foquei mais nas matérias em que tinha dificuldade: História, Português e Geografia. Olhava o caderno com
É, o Plantão Virtual. Exercício eu preferia olhar on-line. Mas quando era Redação eu ficava no cursinho à tarde para corrigir no Plantão de Dúvidas. Eu vi que muitas coisas que estava
ENTREVISTA
Erick Jooji Gushiken CONTO
Vestida de preto – Mário de Andrade
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ENTRE PARÊNTESIS
Promoção de sorvetes
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ARTIGO Guia on-line apresenta aves da Caatinga brasileira
Guimarães Rosa: poeta dos sertões, criador de língua
Fiz o de Engenharia. O RPE. Sábado de manhã. No Reforço a gente tinha exercícios mais complicados e o professor demorava mais explicando. Eu achava isso melhor.
Nos simulados, em que faixas de notas você ficava? A maioria era C mais. Às vezes tirava um B.
Para a Poli, o que você achava do seu desempenho? O pessoal sempre fala que é bom estar em B e C mais. Como Mecatrônica é uma Engenharia um pouco mais disputada, eu tentava chegar no B, sempre estudando mais.
Você leu as obras literárias indicadas como obrigatórias pela Fuvest? Sim. A maioria dos livros eu já tinha lido no 3o ano do Ensino Médio, no ano passado faltavam três ou quatro livros, os que tinham entrado na lista de um ano para o outro. Eu comprei os livros e fui lendo. Também li os resumos e vim às palestras sobre os livros.
SOBRE AS PALAVRAS
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Pagar o mico SERVIÇO DE VESTIBULAR
Inscrições
POIS É, POESIA
Casimiro de Abreu (1839-1860)
Com que frequência você treinava Redação?
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CURSO – ENG. MECATRÔNICA/USP
Para você, qual foi a importância das palestras? Para mim era meio difícil analisar os livros. Por mais que soubesse o enredo, às vezes não captava as intenções do autor. As palestras clareavam muito.
Você tinha alguma atividade para dar uma espairecida? Eu gosto muito de música, então antes de dormir eu ouvia um pouco. Também no ônibus eu ouvia música para relaxar.
O que você fez nas férias? Eu parei uma semana e na outra comecei a fazer os exercícios que tinha deixado para trás. Não consegui puxar todos, mas reduzi.
Na primeira vez que prestou Fuvest você fez 55 pontos na 1a fase. Qual foi sua pontuação na Fuvest 2017? No ano passado eu tive 68 acertos. A nota de corte na Engenharia da Poli caiu de 60 para 55. Quando saiu o corte eu vi que estava 13 pontos acima. O pessoal sempre falava que acima de 10 pontos é bom. Mas antes de sair o resultado da Fuvest eu não estava feliz. Pensava que só tinha 8 pontos acima do corte e que faltava mais para ir em vantagem para a 2a fase.
Para a 2a fase mudou alguma coisa no seu método de estudo? Sim, no exercício escrito é muito difícil saber se você escreveu da forma correta, então procurei focar não na quantidade, mas na qualidade. Tentava fazer a explicação de forma mais correta, tentava organizar bem no caso dos cálculos de Física, Química e Matemática. Algo muito bom foi a Análise Dimensional, foi maravilhoso para organizar de forma correta. Também peguei para resolver cinco provas anteriores da Fuvest.
No primeiro dia da 2a fase da Fuvest, prova de Português e Redação, você tirou quanto? Tirei 63,75 em Português e 70 na Redação. Fiquei feliz com o resultado, da Redação principalmente.
E no segundo dia, que é a prova geral, com 16 questões de sete matérias? Foi a minha melhor nota, 84,38. Acho que estudar bastante as matérias em que eu tinha mais dificuldade me ajudou bastante.
No terceiro dia, com Matemática, Física e Química, matérias prioritárias para Engenharia na Poli, qual foi sua nota? Foi 77,08. A maior dificuldade foi em Matemática, nas outras matérias eu acho que fui bem, mas Matemática pegou bastante, principalmente pelo espaço e pelo tempo. Foi complicado.
O que achou de suas notas na 2a fase? Nossa, foi uma maravilha. Eu achava que se passasse ia ser raspando, mas acho que tive um resultado muito bom.
Na escala de zero a 1 000, qual foi sua pontuação na Fuvest? 751,9.
E a classificação na carreira? 183 de 880 na Poli.
Como é que você soube de sua aprovação na Fuvest? Eu estava com a minha mãe em casa. Vi meu nome na lista e vim para o Etapa. Eu tinha combinado com o pessoal de ver em casa e de vir para o cursinho se a gente passasse.
Como foi a comemoração no Etapa? Foi bem legal. Aqui já conhecemos veteranos da Poli. Com alguns deles eu falo até hoje.
Você já conhecia a Poli, a Cidade Universitária? Já tinha ido lá algumas vezes, na Feira de Profissões. Conhecia também pelo que meu irmão falava.
Como foi na matrícula e na semana de recepção? No dia da matrícula teve o barro, mas foi muito legal. A organização dos centros acadêmicos é bem interessante para inserir o pessoal que está chegando. Tem bastante festa, bastante apoio para saber como você vai fazer as coisas.
Que matérias você tem neste primeiro semestre? Cálculo, Álgebra Linear, Física, tem matéria de Projeto, que é PCC (Projeto de Construção Civil), tem Materiais, Computação – eu estou aprendendo a programar em Python (linguagem de programação) – e tem Química. São sete matérias.
De qual você está gostando mais? Estou gostando mais de Cálculo e de Álgebra Linear. Sobretudo Álgebra Linear, acho uma matéria interessante.
Em qual matéria você está tendo mais dificuldade? Física. Pelo menos neste início ainda é um pouco matéria da Fuvest, só que a forma de escrever é diferente e isso que complica um pouco. Se fosse para resolver como é na Fuvest até que seria fácil. Mas a representação é algo muito complicado.
Você está fazendo alguma atividade extracurricular? Por enquanto, não. Até como dica do meu irmão eu foquei só nas matérias, porque a inserção lá é muito difícil em termos de tempo. Eu tenho aulas em tempo integral. Mas há muitas opções de esportes e de grupos de extensão, que eu pretendo fazer no segundo semestre ou no ano que vem. Também penso em estágio no IPT, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas, e no duplo diploma, em que você faz três anos de Poli, dois anos fora e mais um aqui. Você estende sua graduação em um ano, mas acho que isso é irrelevante, o importante é a experiência. Estou me preparando para isso.
Desde agora? Sim, porque tem entrevista na língua do país que você quer e também tem que ter uma média boa.
Você está pensando em participar de alguma instituição na Poli? Estou pensando em fazer grupo de extensão ou a Thunderatz, equipe de Robótica da Poli, que é bem voltada para Mecatrônica. Ou algo dirigido para empresas, que é a Poli Júnior. São planos.
Você tem ideia do que pretende seguir na Engenharia Mecatrônica? Eu quero aproveitar algumas áreas mais específicas, como Biomedicina, que é fazer robôs para cirurgias etc. No duplo diploma, na École Polytechnique, na França, tem algo bem mais específico para essa área.
Na parte humana, o que você destaca na Poli? Acho que a Poli é bem interessante porque ela junta pessoas dos mais diversos lugares. Tem gente, por exemplo, que era de escola pública e está se esforçando pra caramba; tem bastante gente de Minas Gerais. Eu acho legal a diversidade da faculdade. E acho que o recebimento do calouro é muito bom, há vontade de ajudar por parte dos veteranos.
Já terminando o primeiro semestre da Poli, você acha que fez a escolha certa? Eu acho que fiz a escolha certa. Estou muito feliz com o curso. Apesar de ser difícil, é algo que me agrada bastante.
Como você avalia o ano passado, seu estudo no cursinho e a entrada na USP? O estudo na Poli é muito mais pesado, mas é diferente. Por mais que a matéria seja complicada, é algo de que eu gosto, então acho que fica mais fácil, ainda que seja cansativo. É uma pressão diferente estudar para o vestibular, você tem de aprender matérias como História e Geografia, o que se torna algo muito difícil se não gostar tanto, como no meu caso. A pressão é principalmente de você mesmo. E, às vezes, por mais que estude, você não consegue passar, mas acho que isso é válido para a vida, aprender a lidar com a frustração.
O que você pode dizer a quem está nesse caso, prestou vestibular, não foi aprovado e vai tentar de novo? Deixar de fazer a faculdade não pode ser uma opção. Não passar não significa desistir. A faculdade é muito importante. Tem que continuar correndo atrás desse sonho. Quem está mesmo disposto a entrar numa faculdade de qualidade tem que se empenhar ao máximo. Às vezes vai ser difícil, mas depois a gente vê o quanto é maravilhoso ter passado no vestibular.
Hoje você acha que está diferente de quando começou no cursinho? Sim, estou muito melhor em questão de auto conhecimento e autoconfiança. Antes eu tinha uma questão de não confiar no meu conhecimento. E é muito importante a autoconfiança. Aprendi isso não sendo aprovado no primeiro vestibular e me dando mais um ano aqui para conseguir entrar na Poli. Para mim, essa experiência pessoal no cursinho foi muito importante.
CONTO
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Vestida de preto Mário de Andrade
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anto andam agora preocupados em definir o conto que não sei bem si o que vou contar é conto ou não, sei que é verdade. Minha impressão é que tenho amado sempre... Depois do amor grande por mim que brotou aos três anos e durou até os cinco mais ou menos, logo o meu amor se dirigiu para uma espécie de prima longínqua que frequentava a nossa casa. Como se vê, jamais sofri do complexo de Édipo, graças a Deus. Toda a minha vida, mamãe e eu fomos muito bons amigos, sem nada de amores perigosos. Maria foi o meu primeiro amor. Não ha via nada entre nós, está claro, ela como eu nos seus cinco anos apenas, mas não sei que divina melancolia nos tomava, si acaso nos achávamos juntos e sozinhos. A voz baixa va de tom, e principalmente as palavras é que se tornavam mais raras, muito simples. Uma ternura imensa, firme e reconhecida, não exigindo nenhum gesto. Aquilo aliás durava pouco, porque logo a criançada chegava. Mas tínhamos então uma raiva impensada dos manos e dos primos, sem pre exteriorizada em palavras ou modos de irritação. Amor apenas sensível naquele instinto de estarmos sós. E só mais tarde, já pelos nove ou dez anos, é que lhe dei nosso único beijo, foi maravilhoso. Si a criançada estava toda junta naquela casa sem jardim da Tia Ve lha, era fatal brincarmos de família, porque assim Tia Velha evitava correrias e estra gos. Brinquedo aliás que nos interessava muito, apesar da idade já avançada para ele. Mas é que na casa de Tia Velha tinha muitos quartos, de forma que casávamos rápido, só de boca, sem nenhum daque les cerimoniais de mentira que dantes nos interessavam tanto, e cada par fugia logo, indo viver no seu quarto. Os milhores in teresses infantis do brinquedo, fazer comi dinha, amamentar bonecas, pagar visitas, isso nós deixávamos com generosidade apressada para os menores. Íamos para os nossos quartos e ficávamos vivendo lá. O que os outros faziam, não sei. Eu, isto é, eu com Maria, não fazíamos nada. Eu adora va principalmente era ficar assim sozinho com ela, sabendo várias safadezas já mas sem tentar nenhuma. Havia, não havia não, mas sempre como que havia um pe rigo iminente que ajuntava o seu crime à intimidade daquela solidão. Era suavíssi mo e assustador. Maria fez uns gestos, disse algumas pa lavras. Era o aniversário de alguém, não lembro mais, o quarto em que estávamos fora convertido em dispensa, cômodas e ar mários cheinhos de pratos de doces para o chá que vinha logo. Mas quem se lembrasse de tocar naqueles doces, no geral secos, fá
ceis de disfarçar qualquer roubo! estávamos longe disso. O que nos deliciava era mesmo a grave solidão. Nisto os olhos de Maria caíram sobre o travesseiro sem fronha que estava sobre uma cesta de roupa suja a um canto. E a mi nha esposa teve uma invenção que eu tam bém estava longe de não ter. Desde a entra da no quarto eu concentrara todos os meus instintos na existência daquele travesseiro, o travesseiro cresceu como um danado den tro de mim e virou crime. Crime não, “pe cado” que é como se dizia naqueles tempos cristãos... E por causa disto eu conseguira não pensar até ali, no travesseiro. – Já é tarde, vamos dormir – Maria falou. Fiquei estarrecido, olhando com uns fa bulosos olhos de imploração para o traves seiro quentinho, mas quem disse travessei ro ter piedade de mim. Maria, essa estava simples de mais para me olhar e surpreen der os efeitos do convite: olhou em torno e afinal, vasculhando na cesta de roupa suja, tirou de lá uma toalha de banho muito quentinha que estendeu sobre o assoalho. Pôs o travesseiro no lugar da cabeceira, cer rou as venezianas da janela sobre a tarde, e depois deitou, arranjando o vestido pra não amassar. Mas eu é que nunca havia de pôr a ca beça naquele restico de travesseiro que ela deixou pra mim, me dando as costas. Res tico sim, apesar do travesseiro ser grande. Mas imaginem numa cabeleira explodin do, os famosos cabelos assustados de Ma ria, citação obrigatória e orgulho de famí lia. Tia Velha, muito ciumenta por causa duma neta preferida que ela imaginava deusa, era a única a pôr defeito nos cabe los de Maria. – Você não vem dormir também? – ela perguntou com fragor, interrompendo o meu silêncio trágico. – Já vou – que eu disse – estou conferin do a conta do armazém. Fui me aproximando incomparavel mente sem vontade, sentei no chão toman do cuidado em siquer to car no vestido, puxa! também o vestido dela estava com pletamente assustado, que dificuldade! Pus a cara no travesseiro sem a menor in tenção de. Mas os cabelos de Maria, assim era pior, tocavam de leve no meu nariz, eu podia espirrar, marido não espirra. Senti, pressenti que espirrar seria muito ridículo, havia de ser um espirrão enorme, os outros escutavam lá da sala de visita longínqua, e daí é que o nosso segredo se desvendava todinho. Fui afundando o rosto naquela cabe leira e veio a noite, sinão os cabelos (mas juro que eram cabelos macios) me machu cavam os olhos. Depois que não vi nada,
ficou fácil continuar enterrando a cara, a cara toda, a alma, a vida, naqueles cabelos, que maravilha! até que o meu nariz tocou num pescocinho roliço. Então fui empur rando os meus lábios, tinha uns bonitos lábios grossos, nem eram lábios, era beiço, minha boca foi ficando encanudada até que encontrou o pescocinho roliço. Será que ela dorme de verdade?... Me ajeitei muito sem-cerimônia, mulherzinha! e en tão beijei. Quem falou que este mundo é ruim! só recordar... Beijei Maria, rapazes! eu nem sabia beijar, está claro, só beijava mamãe, boca fazendo bulha, contacto sem nenhum calor sensual. Maria, só um leve entregar-se, uma le víssima inclinação pra trás me fez sentir que Maria estava comigo em nosso amor. Nada mais houve. Não, nada mais houve. Du rasse aquilo uma noite grande, nada mais haveria porque é engraçado como a perfei ção fixa a gente. O beijo me deixara com pletamente puro, sem minhas curiosidades nem desejos de mais nada, adeus pecado e adeus escuridão! Se fizera em meu cérebro uma enorme luz branca, meu ombro bem que doía no chão, mas a luz era violenta mente branca, proibindo pensar, imaginar, agir. Beijando. Tia Velha, nunca eu gostei de Tia Velha, abriu a porta com um espanto barulhento. Percebi muito bem, pelos olhos dela, que o que estávamos fazendo era completamente feio. – Levantem!... Vou contar pra sua mãe, Juca! Mas eu, levantando com a lealdade mais cínica deste mundo! – Tia Velha me dá um doce? Tia Velha – eu sempre detestei Tia Ve lha, o tipo da bondade Berlitz, injusta, sem método – pois Tia Velha teve a malvadeza de escorrer por mim todo um olhar que só alguns anos mais tarde pude compreender inteiramente. Naquele instante, eu estava só pensando em disfarçar, fingindo uma ino cência que poucos segundos antes era real. – Vamos! saiam do quarto! Fomos saindo muito mudos, numa bru ta vergonha, acompanhados de Tia Velha e os pratos que ela viera buscar para a mesa de chá. O estranhíssimo é que principiou, nesse acordar à força provocado por Tia Velha, uma indiferença inexplicável de Maria por mim. Mais que indiferença, frieza viva, quase antipatia. Nesse mesmo chá inda achou jeito de me maltratar diante de todos, fiquei zonzo. Dez, treze, quatorze anos... Quinze anos. Foi então o insulto que julguei defi nitivo. Eu estava fazendo um ginásio sem gosto, muito arrastado, cheio de revoltas
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CONTO
íntimas, detestava estudar. Só no desenho e nas composições de português tirava as milhores notas. Vivia nisso: dez nestas matérias, um, zero em todas as outras. E todos os anos era aquela já esperada fatali dade: uma, duas bombas (principalmente em matemáticas) que eu tomava apenas o cuidado de apagar nos exames de segunda época. Gostar, eu continuava gostando muito de Maria, cada vez mais, conscientemente agora. Mas tinha uma quase certeza que ela não podia gostar de mim, quem gostava de mim!... Minha mãe... Sim, mamãe gostava de mim, mas naquele tempo eu chegava a imaginar que era só por obrigação. Papai, esse foi sempre insuportável, incapaz duma carícia. Como incapaz de uma repreensão também. Nem mesmo comigo, a tara da fa mília, ele jamais ralhou. Mas isto é caso pra outro dia. O certo é que, decidido em minha desesperada revolta contra o mundo que me rodeava, sentindo um orgulho de mim que jamais buscava esclarecer, tão absurdo o pressentia, o certo é que eu já principiava me aceitando por um caso perdido, que não adiantava milhorar. Esse ano até fora uma bomba só. Eu entrava na aula do professor particular, quando enxerguei a saparia na varanda e Maria entre os demais. Passei bastante en cabulado, todos em férias, e os livros que eu trazia na mão me denunciando, lembran do a bomba, me achincalhando em minha imperfeição de caso perdido. Esbocei um gesto falsamente alegre de bom-dia, e fui no escritório pegado, esconder os livros na escrivaninha de meu pai. Ia já voltar para o meio de todos, mas Matilde, a peste, a implicante, a deusa estúpida que Tia Velha perdia com suas preferências: – Não caso com bombeado – ela respon deu imediato, numa voz tão feia, mas tão feia, que parei estarrecido. Era a decisão final, não tinha dúvida nenhuma. Maria não gostava mais de mim. Bobo de assim parado, sem fazer um gesto, mal podendo respirar. Aliás um caso recente vinha se ajuntar ao insulto pra decidir de minha sorte. Nós seríamos até pobretões, comparando com a família de Maria, gente que até viajava na Europa. Pois pouco antes, os pais tinham feito um papel bem indecente, se opondo ao casamento duma filha com um rapaz diz -que pobre mas ótimo. Houvera rompimen to de amizade, mal-estar na parentagem toda, o caso virara escândalo mastigado e remastigado nos comentários de hora de jantar. Tudo por causa do dinheiro. Si eu insistisse em gostar de Maria, casar não casava mesmo, que a família dela não havia de me querer. Me passou pela cabeça comprar um bilhete de loteria. “Não caso com bombeado”... Fui abraçando os livros de mansinho, acariciei-os junto ao rosto, pousei a minha boca numa capa, suja de pó suado, retirei a boca sem desgosto. Na quele instante eu não sabia, hoje sei: era o
segundo beijo que eu dava em Maria, últi mo beijo, beijo de despedida, que o cheiro desagradável do papelão confirmou. Estava tudo acabado entre nós dois. Não tive coragem pra voltar à varanda e conversar com... os outros. Estava com uma raiva desprezadora de todos, princi palmente de Matilde. Não, me parecia que já não tinha raiva de ninguém, não valia a pena, nem de Matilde, o insulto partira dela, fora por causa dela, mas eu não tinha raiva dela não, só tristeza, só vazio, não sei... creio que uma vontade de ajoelhar. Ajoelhar sem mais nada, ajoelhar ali junto da escrivaninha e ficar assim, ajoelhar. Afi nal das contas eu era um perdido mesmo, Maria tinha razão, tinha razão, tinha ra zão, que tristeza!... Foi o fim? Agora é que vem o mais es quisito de tudo, ajuntando anos pulados. Acho que até não consigo contar bem claro tudo o que sucedeu. Vamos por ordem: Pus tal firmeza em não amar Maria mais, que nem meus pensamentos me traíram. De resto a mocidade raiava e eu tinha tudo a aprender. Foi espantoso o que se passou em mim. Sem abandonar meu jeito de “perdi do”, o cultivando mesmo, ginásio acabado, eu principiara gostando de estudar. Me ba tera, súbito, aquela vontade irritada de sa ber, me tornara estudiosíssimo. Era mesmo uma impaciência raivosa, que me fazia de vorar bibliotecas, sem nenhuma orientação. Mas brilhava, fazia conferências empoladas em sociedadinhas de rapazes, tinha ideias que assustavam todo o mundo. E todos principiavam maldando que eu era muito inteligente mas perigoso. Maria, por seu lado, parecia uma doida. Namorava com Deus e todo o mundo, aos vinte anos fica noiva de um rapaz bastan te rico, noivado que durou três meses e se desfez de repente, pra dias depois ela ficar noiva de outro, um diplomata riquíssimo, casar em duas semanas com alegria desme dida, rindo muito no altar e partir em busca duma embaixada europeia, com o secretá rio chique seu marido. Às vezes meio tonto com estes aconteci mentos fortes, acompanhados meio de lon ge, eu me recordava do passado, mas era só pra sorrir da nossa infantilidade e devorar numa tarde um livro incompreensível de filosofia. De mais a mais, havia a Rose pra de-noite, e uma linda namoradinha oficial, a Violeta. Meus amigos me chamavam de “jardineiro”, e eu punha na coincidência daquelas duas flores uma força de desti nação fatalizada. Tamanha mesmo que to pando numa livraria com The Gardener de Tagore, comprei o livro e comecei estudan do o inglês com loucura. Mário de Andrade conta num dos seus livros que estudou o alemão por causa duma emboaba tordilha... eu também: meu inglês nasceu duma Viole ta e duma Rose. Não, nasceu de Maria. Foi quando uns cinco anos depois, Maria estava pra voltar pela primeira vez ao Brasil, a mãe dela,
queixosa de tamanha ausência, conversan do com mamãe na minha frente, arrancou naquele jeito de gorda desabrida: – Pois é, Maria gostou tanto de você, você não quis!... e agora ela vive longe de nós. Pela terceira vez fiquei estarrecido nes te conto. Percebi tudo num tiro de canhão. Percebi ela doidejando, noivando com um, casando com outro, se atordoando com dinheiro e brilho. Percebi que eu fora uma besta, sim agora que principiava sen do alguém, estudando por mim fora dos ginásios, vibrando em versos que muita gente já considerava. E percebi horroriza do, que Rose! nem Violeta, nem nada! era Maria que eu amava como louco! Maria é que amara sempre, como louco: oh como eu vinha sofrendo a vida inteira, desgraça díssimo, aprendendo a vencer só de raiva, me impondo ao mundo por despique, me superiorizando em mim só por vingança de desesperado. Como é que eu pudera me imaginar feliz, pior: ser feliz, sofrendo daquele jeito! Eu? eu não! era Maria, era exclusivamente Maria toda aquela supe rioridade que estava aparecendo em mim... E tudo aquilo era uma desgraça muito ca chorra mesmo. Pois não andavam falando muito de Maria? Contavam que pintava o sete, ficara célebre com as extravagâncias e aventuras. Estivera pouco antes às portas do divórcio, com um caso escandaloso por demais, com um pintor de nomeada que só pintava efeitos de luz. Maria falada, Maria bêbada, Maria passada de mão em mão, Maria pintada nua... Se dera como que uma transposição de destinos... E tive um pensamento que ao menos me salvou no instante: si o que tinha de útil agora em mim era Maria, si ela estava se transformando no Juca imperfeitíssimo que eu fora, si eu era apenas uma projeção dela, como ela agora apenas uma projeção de mim, si nos trocáramos por um estúpi do engano de amor: mas ao menos que eu ficasse bem ruim, mas bem ruim mesmo outra vez, pra me igualar a ela de novo. Foi a razão da briga com Violeta, impie dosa, e a farra dessa noite – bebedeira tamanha que acabei ficando desacorda do, numa série de vertigens, com médico, escândalo, e choro largo de mamãe com minha irmã. Bom, tinha que visitar Maria, está claro, éramos “gente grande” agora. Quando sou be que ela devia ir a um banquete, pensei comigo: “ótimo, vou hoje logo depois de jantar, não encontro ela e deixo o cartão”. Mas fui cedo demais. Cheguei na casa dos pais dela, seriam nove horas, todos aqueles requififes de gente ricaça, criado que leva cartão numa salva de prata, etc. Os da casa estavam ainda jantando. Me introduziram na saletinha da esquerda, uma espécie de luís-quinze muito sem-vergonha, dourado por inteiro, dando pro hol central. Que fi zesse o favor de esperar, já vinham.
CONTO Contemplando a gravura cor-de-rosa, senti de sopetão que tinha mais alguém na saleta, virei. Maria estava na porta, olhando pra mim, se rindo, toda vestida de preto. Olhem: eu sei que a gente exagera em amor, não insisto. Mas si eu já tive a sensação da vontade de Deus, foi ver Maria assim, toda de preto vestida, fantasticamente mulher. Meu corpo soluçou todinho e tornei a ficar estarrecido. – Ao menos diga boa-noite, Juca... “Boa-noite, Maria, eu vou-me embo ra...” meu desejo era fugir, era ficar e ela ficar mas, sim, sem que nos tocássemos
sequer. Eu sei, eu juro que sei que ela es tava se entregando a mim, me prometendo tudo, me cedendo tudo quanto eu queria, naquele se deixar olhar, sorrindo leve, mãos unidas caindo na frente do corpo, toda vestida de preto. Um segundo, me passou na visão devorá-la numa hora es tilhaçada de quarto de hotel, foi horrível. Porém, não havia dúvida: Maria desper tava em mim os instintos da perfeição. Balbuciei afinal um boa-noite muito indi ferente, e as vozes amontoadas vinham do hol, dos outros que chegavam.
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Foi este o primeiro dos quatro amores eternos que fazem de minha vida uma grave condensação interior. Sou falsa mente um solitário. Quatro amores me acompanham, cuidam de mim, vêm con versar comigo. Nunca mais vi Maria, que ficou pelas Europas, divorciada afinal, hoje dizem que vivendo com um austría co interessado em feiras internacionais. Um aventureiro qualquer. Mas dentro de mim, Maria... bom: acho que vou falar ba nalidade. Extraído de: Contos novos.
(ENTRE PARÊNTESIS)
Promoção de sorvetes Em um determinado verão, uma fábrica de sorvetes trocava 10 palitos de sorvete por 1 sorvete de palito. Que fração do valor do sorvete (sem palito) é o valor do palito?
RESPOSTA
Sejam S o valor do sorvete sem o palito e P o valor do palito. Como 10 palitos nos dão um sorvete com palito, temos: P 1 = S 9 10P = 1(P + S ) + 9P = S +
ARTIGO
Guia on-line apresenta aves da Caatinga brasileira
O
gaviãozinho (Gampsonyx swainsonii), a garça-moura (Ardea cocoi) e o beija-flor-de-veste-preta (Anthracothorax nigricollis) são algumas das 34 espécies de aves identificadas nos últimos quatro anos no Seridó, região na divisa do Rio Grande do Norte com a Paraíba. Considerada uma das regiões mais secas do país, o Seridó abriga 202 espécies de aves, catalogadas agora no Guia de Aves da Estação Ecológica do Seridó, disponível para download. O guia traz o registro fotográfico e uma breve descrição biológica de 102 das 202 espécies. As demais estão organizadas em uma lista por família, nome científico e nome popular. A publicação é resultado do projeto “Dinâmica populacional, demografia e conservação de aves da Estação Ecológica do Seridó” e teve apoio do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). O material foi preparado com o auxílio dos professores da UFRN e
estudantes de ensino médio da rede pública local. O objetivo do trabalho é ampliar o acesso às informações sobre as aves que habitam a região e demonstrar a importância dessas espécies para a preservação da Caatinga,
o único ecossistema exclusivamente brasileiro. Coberta por uma vegetação adaptada ao clima quente e seco, a Caatinga ocupa cerca de 11% do território nacional, distribuída pelos estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Piauí, Sergipe e norte de
Minas Gerais. Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente (MMA) o bioma abriga uma população estimada de 27 milhões de pessoas, a maioria dependente dos recursos naturais desse ecossistema. Além de levar conhecimento aos moradores e estudantes do Seridó, o guia é uma ferramenta para profissionais como biólogos, ecólogos e educadores. Para os organizadores do guia, os pesquisadores Guilherme Toledo-Lima, João Damasceno e Mauro Pichorim, da UFRN, “se as pessoas compreenderem um pouco mais a importância das aves que as cercam, certamente contribuirão para a conservação delas, pois entenderão o papel ambiental que elas desempenham”. As declarações foram concedidas à Agência de Notícias do ICMBio. A Estação Ecológica do Seridó é uma unidade de conservação de proteção integral que fica no município de Serra Negra do Norte, no interior do Rio Grande do Norte, distante 300 km de Natal. Extraído de: Agência FAPESP – Divulgando a cultura científica, mar./2017.
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ARTIGO
Guimarães Rosa: poeta dos sertões, criador de língua Para muitos entendidos, o maior livro que se escreveu no Brasil foi Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa. Um monumento, embora de gênero diverso, do nível de Os sertões, de Euclides da Cunha. As outras obras desse escritor-diplomata também o projetam entre os maiores de todos os tempos. Guimarães Rosa foi amigo e confidente de Paulo Dantas, o autor deste artigo. Aqui temos um retrato fascinante não apenas do autor, mas do homem de extraordinárias qualidades. Paulo Dantas
H
á anos, num dia nevoento de novembro, 19, por sinal com a folhinha histórica e patrioticamente a assinalar o Dia da Bandeira, num apartamento perto do Forte de Copacabana, nos “gerais da Guanabara”, João Guimarães Rosa morreu. Estava com 59 anos de idade, e havia, na noite de 16 de novembro de 1967, numa festa de glória, tomado posse, na Academia Brasileira de Letras, da cadeira antes ocupada pelo gaúcho João Neves da Fontoura, do qual havia sido chefe de gabinete no Itamaraty. Já mundialmente famoso, graças a traduções dos seus livros em doze países, a notícia da morte de Guimarães Rosa espalhou-se num luto geral. Um jornal paulista abriu, em página inteira, esta manchete: “Morreu o maior escritor”. Tomara posse na ABL numa quinta-feira e no domingo seguinte, perto do meio-dia, ainda abalado pelas emoções sentidas, foi fulminado por um enfarte.
mundo conhecido como personagens, misturando as melhores coisas vistas e ouvidas”. “O menino é o pai do homem”. Guimarães Rosa, numa confirmação desse ditado, relembra o seu chão de infância e as suas distrações meninas, entre as quais figurava ainda: “armar alçapões para apanhar sanhaços – e depois tornar a soltá-los. Que maravilha! Puxar sabugos de espigas de milho, feito boizinhos de carro, brinquedo saudoso: atrelar um sabugo branco com outro vermelho, e mais uma junta de bois pretos – sabugos enegrecidos ao fogo”.
Rosa, tomado por base o ano de 1956, quando apareceram Grande sertão: veredas e Corpo de baile. Episódios vivos da infância do escritor ainda aparecem, transfigurados, em vários trechos e personagens do seu livro de estreia, Sagarana, contos e novelas, sua obra de feitio mais clássico ou acadêmico, publicada em 1946. O autor estava então no estrangeiro, seguindo a carreira diplomática, também brilhante e destacada, já que Guimarães Rosa falava e escrevia em diversos idiomas, tendo morrido como embaixador, chefiando no Itamaraty a Divisão de Fronteiras. Tinha vocação de linguista, o que concorreu, decisivamente, para a criação de uma língua nova na literatura brasileira, com uma alquimia verbal, que ia além do laboratório, tornando-se uma espécie de metalinguagem poderosa. Pedindo a João Guimarães Rosa, com quem me correspondi íntima e longamente, uma pequena síntese biográfica sua, recebi o “Tempo bom de verdade só seguinte roteiro: “Imagine que o começou com a conquista Guimarães Rosa nasceu em Corde algum isolamento.” disburgo, zona de engorda de Assim perderam as letras nagado, no Vale do Rio das Vecionais contemporâneas o seu lhas; completou estudos e tirou Edições brasileiras de obras de Guimarães Rosa. Romancista e contista, ele criou, além de um mundo seu, uma linguagem nova e riquíssima. maior escritor, o nosso primeiro o curso de Medicina em Belo grande romancista metafísico, Horizonte; clinicou dois anos na autor de Grande sertão: veredas, roça, em Itaguara, na zona oeste E havia o boi de verdade pastando no além de Sagarana, Corpo de baile, Primeiras de Minas; andou em duas revoluções; fez curral ao lado, boi de cupim curvo, pareestórias, Tutameia, etc. concurso para o Itamaraty; foi da Divisão do cendo uma serra talhada, ao crepúsculo. Cerimonial (naquele tempo se chamava do Filho de Floduardo Pinto Rosa e Francisca E havia ainda o voo matinal das maitacas Protocolo); seguiu para Hamburgo, primeiPinto Rosa; nascido aos 28 de junho de de Nhô Augusto. E tantas coisas mais, que ro posto; lá teve um ano e pouco de paz e 1908, João Guimarães Rosa era mineiro. o escritor gravou para sempre nas páginas dois anos e tanto de guerra, bombardeios Menino introspectivo, criado no ar livre dos das suas estórias dos campos gerais de aéreos, o diabo; veio, na troca dos diplomasertões, teve infância melancólica, apesar Minas, principalmente em Miguilim, uma tas... E etc., etc. ” . de cercada do carinho familiar. Era míope novela escrita em lágrimas, durante quinze e gostava de brincar sozinho, estudando os Completando melhor as informações dias e noites, verdadeiro impacto que abre bichos e as plantas, os rios e as matas. pessoais desse descontraído roteiro biográo genial desfile de Corpo de baile, publicado fico, em reportagem literária, informa-nos Daí, desde cedo a sua predileção pela em 1956, em dois grossos volumes. o escritor Renard Perez: “Por ocasião da geografia e pela introspecção. Não gostava Revolução Constitucionalista de 1932, atua de falar da sua infância, e numa das poucas como médico voluntário da Força Pública, vezes que a ela se referiu, declarou-nos: Antes e depois de indo servir no setor do túnel. Encontra-se “Mas, tempo bom de verdade, só começou Guimarães Rosa de novo com o amigo doutor Juscelino, com a conquista de algum isolamento, com Parte da crítica nacional divide a litera e na pequena localidade estreitaram as a segurança de poder fechar-me num quarto tura nossa, de ficção, em dois períodos disrelações de amizade. Trinta e cinco anos e trancar a porta. Deitar no chão e imaginar tintos: antes e depois de João Guimarães depois, ao tomar posse na Academia, estórias, poemas, romances, botando todo
ARTIGO quando recebia o abraço do ex-presidente da República – que fizera parte da mesa – Rosa assim lhe responde ao cumprimento: – ‘Com a mão na pala, meu coronel’”.
Oficial médico da Força Pública Posteriormente Guimarães Rosa entra no quadro da Força Pública, por concurso. Em 1934, vamos encontrá-lo em Barbacena, como oficial médico do 9o Batalhão de Infantaria. Aí, a vida calma dá-lhe oportunidade para se entregar melhor aos seus livros. Mesmo sem se descuidar da Medicina retorna ao estudo das línguas. Rosa declarou: “Estudava línguas para não me afogar completamente na vida do interior”. Em 1934 veio para o Rio de Janeiro. Enfrentando um concurso no Ministério do Exterior (tirou 2o lugar) ingressa na diplomacia. É desse tempo um livro de versos, Magna, até hoje inédito, que obteve, em 1936, o prêmio de poesia da Academia Brasileira de Letras, com parecer altamente elogioso do poeta paulista Guilherme de Almeida. Como diplomata, Rosa esteve duas vezes em Paris, representando o Brasil em conferências importantes. Andou noutros países da Europa e, em 1967, esteve no México, como delegado brasileiro ao Primeiro Congresso Latino-americano de Escritores, sendo eleito vice-presidente. Na sua folha de serviços diplomáticos, entre outros destaques, merece ser lembrada a sua atuação na chefia do Serviço de Demarcação de Fronteiras nos importantes casos do Pico da Neblina (1965) e das Sete Quedas, no mesmo ano. “Médico da roça”, sofria quando perdia um paciente. Desistiu. Casou-se duas vezes, tendo duas filhas do primeiro matrimônio. Diversas estórias suas têm sido levadas ao cinema, destacando-se, como a de mais fiel adaptação, “A hora e vez de Augusto Matraga”, sob a direção de Roberto Santos. Fisicamente, João Guimarães Rosa, como a sua literatura, era de grande estrutura. Não gostava nem fazia “vida literária”, preferindo antes viver a própria literatura, trabalhando em casa ou nas horas vagas de que dispunha no Itamaraty, nos seus livros bem-elaborados. No fundo, era um tímido que nunca apreciou a vida mundana ou social, a qual foi obrigado a viver por necessidade da sua carreira. Possuía mais amigos noutras rodas, que não de escritores, dando-se muito bem com a gente do povo, a gente simples. Suas viagens aos sertões mineiros para colher material humano para seus livros ficaram célebres e nelas, entre vaqueiros, boiadeiros, jagunços e matutos, fez muitas e inesquecíveis amizades. Principalmen-
te na chamada região do alto Urucuia, um afluente do rio São Francisco, cenário principal do seu Grande sertão: veredas. Viajava acompanhando boiadas e levava, amarrada ao pescoço, uma caderneta de campo, na qual tudo anotava, com lápis afiado. Dormia ao relento e ao pé do fogo, ouvia as narrativas deliciosas dos sertanejos, deles fazendo depois personagens. Identificava-se com o material recolhido, sentindo profunda e intimamente a alma cabocla da nossa gente. Fez isto por diversas vezes, entre os quarenta e os cinquenta anos, o período áureo da sua vida. Aproveitava suas férias para a realização dessas viagens, que soube apreciar mais do que as feitas em terras estrangeiras. Homem do mundo e, sobretudo, do sertão, deste fez o maior painel ou mural literário de todos os tempos, fugindo não só do regional, do folclórico ou do simples documentário geográfico. Dizia que não “escrevia sambas, mas sim, sinfonias”, daí o sentido orquestral, universal, musical da sua obra. Do seu tempo como “médico da roça”, guardou fundas lembranças e sofria quando perdia um cliente. Daí ter abandonado a Medicina, fazendo concurso para o Itamaraty. Em 1952, conheceu o Pantanal do Mato Grosso, de lá trazendo a mais bela reportagem transfigurada já feita sobre essa região desconhecida. Trata-se de O vaqueiro Mariano, que João Guimarães Rosa tencionava ampliar num livro.
Breve relato íntimo Durante um período de mais de dez anos, conheci e convivi com João Guimarães Rosa, na mais profunda intimidade. Amigos fomos; amigos nos carteamos. Chamei-o, sem conhecer, numa carta. Em 1957. Veio a São Paulo, autografou seus livros. Foi homenageado. De corpo presente. Vestido elegantemente como mandava o figurino do Itamaraty, onde era embaixador de carreira, chefe da Divisão de Fronteiras. Brincando inventou uma estória para o porteiro Brás, que sempre me recebia lá, que eu “era um cangaceiro, vindo dos gerais goianos com mais de quarenta mortes nos costados”. O velho Brás me olhava, admirado, com respeito profundo, como que procurando nas minhas roupas simples, vestígios heroicos de tantas mortes imaginárias. Era assim, imaginoso e brincalhão, quando não tinha terríveis depressões. Na intimidade da sua casa, nos gerais da Guanabara, no seu gabinete de trabalho, cercado por aveludados gatos de raça, mostrava-me seus troféus literários. Lia os seus contos, revelava-me seus macetes, mostrando-me sua correspondência (enorme e técnica) com os tradutores. O universo e comando da sua superlinguagem, alada, de rica plumagem. Tudo explicava em verbe-
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tes mágicos. Que era vaidoso, “meninão”, como dizia o Cavalcanti Proença, eu não nego, não. Vivia demais dentro da literatura, que era a sua transvida, tresvariada. Muitas vezes era sádico, castigava-me obrigando a lê-lo em voz alta. – Nem a sua voz de aimoré sergipano estraga a beleza do que escrevo. “Depois tremeiam-se lembranças e contralembranças”. Um dia me pregou um susto danado. Fingiu-se de morto, deitado, vestido de preto, de braços cruzados, enorme no sofá do Itamaraty. “Deus é paciência. O diabo é o contrário.” – Morri, Dantas. Quero o meu “opus” de amor, igual ao que V. escreveu sobre Euclides. Sorríamos. Conversávamos sobre mulheres, molecagens, descontraimentos. Nesses momentos fui uma espécie do seu “psiquiatra popular”, um secretário de ferro, coberto com diademas de luz. Levantava seu moral. Voltava para São Paulo; as cartas se sucediam. Mais de vinte, todas maravilhosas, diferentes, rosianas, que reunidas em volume, com a reportagem da estória da nossa amizade, com o título de Sagarana emotiva (...). Euclidianamente falando defino a obra de João Guimarães Rosa como “um fabuloso fabular de agruras”, contendo no bojo profundas e tremendas ternuras e identificações com a vida sertaneja, que ele soube captar e transmitir ao leitor. Carlos Drummond de Andrade, num poema, classificou-o como um mágico, e Manuel Bandeira, noutro, confirmou a densidade desse mago, em “tudo por tudo” o nosso ficcionista mais profundo. Os ditos de Riobaldo, o grande jagunço que narra a epopeia de Grande sertão: veredas, tornaram-se provérbios populares, transformando-se em epígrafes nas paredes. Aqui mesmo, na redação de História, num quadro, figura este belo dito: “Deus é paciência. O diabo é o contrário”. Sabendo dar a tudo que escrevia aquele inevitável toque metafísico, João Guimarães Rosa era um grande preocupado com os mistérios da criação, com os problemas místicos ou religiosos. Há, em toda a sua obra, um denso sentido fáustico. Espécie de James Joyce, de Cervantes ou de Goethe caboclo, a esses gênios da humanidade foi pela crítica comparado. Mesmo em vida conheceu a glória e, dentro dela, em pleno clima de apoteose, morreu como que fulminado num clarão, com a imprensa e a crítica inteira do Brasil e do estrangeiro tecendo-lhe os maiores louvores, através de análises exaltadas ao fabuloso mundo que soube criar, como escritor realmente de gênio e substância, dos maiores que já tivemos em todos os tempos. Extraído de: revista História, n. 30.
POIS É, POESIA
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Casimiro de Abreu (1839-1860) Minh’alma é triste
M inh’alma é triste como a rola aflita
Que o bosque acorda desde o alvor da aurora, E em doce arrulo que o soluço imita O morto esposo gemedora chora. E, como a rola que perdeu o esposo, Minh’alma chora as ilusões perdidas, E no seu livro de fanado gozo Relê as folhas que já foram lidas. E como notas de chorosa endeixa Seu pobre canto com a dor desmaia, E seus gemidos são iguais à queixa Que a vaga solta quando beija a praia. Como a criança que banhada em prantos Procura o brinco que levou-lhe o rio, Minh’alma quer ressuscitar nos cantos Um só dos lírios que murchou o estio. Dizem que há, gozos nas mundanas galas, Mas eu não sei em que o prazer consiste. – Ou só no campo, ou no rumor das salas, Não sei porque – mas a minh’alma é triste!
II
M inh’alma é triste como a voz do sino
Carpindo o morto sobre a laje fria; E doce e grave qual no templo um hino, Ou como a prece ao desmaiar do dia.
Se passa um bote com as velas soltas, Minh’alma o segue n’amplidão dos mares; E longas horas acompanha as voltas Das andorinhas recortando os ares.
Oh! quantas vezes a prendi nos braços! Que o diga e fale o laranjal florido! Se mão de ferro espedaçou dois laços Ambos choramos mas num só gemido!
Às vezes, louca, num cismar perdida, Minh’alma triste vai vagando à toa, Bem como a folha que do sul batida Boia nas águas de gentil lagoa!
Dizem que há gozos no viver d’amores, Só eu não sei em que o prazer consiste! – Eu vejo o mundo na estação das flores Tudo sorri – mas a minh’alma é triste!
E como a rola que em sentida queixa O bosque acorda desde o albor da aurora, Minh’alma em notas de chorosa endeixa Lamenta os sonhos que já tive outrora. Dizem que há gozos no correr dos anos!... Só eu não sei em que o prazer consiste. – Pobre ludíbrio de cruéis enganos, Perdi os risos – a minh’alma é triste!
III
M inh’alma é triste como a flor que morre
IV
M inh’alma é triste como o grito agudo Das arapongas no sertão deserto; E como o nauta sobre o mar sanhudo, Longe da praia que julgou tão perto!
A mocidade no sonhar florida Em mim foi beijo de lasciva virgem: – Pulava o sangue e me fervia a vida, Ardendo a fronte em bacanal vertigem.
Pendida à beira do riacho ingrato; Nem beijos dá-lhe a viração que corre, Nem doce canto o sabiá do mato!
De tanto fogo tinha a mente cheia!... No afã da glória me atirei com ânsia... E, perto ou longe, quis beijar a s’reia Que em doce canto me atraiu na infância.
E como a flor que solitária pende Sem ter carícias no voar da brisa, Minh’alma murcha, mas ninguém entende Que a pobrezinha só de amor precisa!
Ai! loucos sonhos de mancebo ardente! Esp’ranças altas... Ei-las já tão rasas!... – Pombo selvagem, quis voar contente... Feriu-me a bala no bater das asas!
Amei outrora com amor bem santo Os negros olhos de gentil donzela, Mas dessa fronte de sublime encanto Outro tirou a virginal capela.
Dizem que há gozos no correr da vida... Só eu não sei em que o prazer consiste! – No amor, na glória, na mundana lida, Foram-se as flores – a minh’alma é triste!
Extraído de: Poesia. Rio de Janeiro: Agir, 1967. Coleção Nossos Clássicos.
SOBRE AS PALAVRAS
Pagar o mico De acordo com o Dicionário Houaiss, a expressão, que significa “passar por um vexame”, é originária do jogo do mico. Cada jogador usa as cartas que retira do monte para formar casais de animais e quem fica com a carta do mico-preto, que não tem par, perde a partida. O perdedor tem que sofrer as consequências, como passar por uma situação embaraçosa, e pagar o mico.
SERVIÇO DE VESTIBULAR Centro Universitário Internacional (Uninter) Período de inscrição: até dia 04 de agosto de 2017. Pessoalmente, por telefone ou via internet. Endereço da faculdade: Rua Francisco Nadolny, 100 – Campina do Siqueira – Curitiba – PR – CEP: 80740-030 – Telefone: 0800-702-0500. Requisito: não há taxa de inscrição.
Cursos e vagas: consultar site www.uninter.com/vestibular Exames: provas agendadas até dia 05 de agosto de 2017.
Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS)
reço da faculdade: Avenida Goiás, 3 400 – Barcelona – São Caetano do Sul – SP – CEP: 09550-051 – Telefone: (11) 4239-3200. Requisito: taxa de R$ 50,00. Cursos e vagas: consultar site www.uscs.edu.br Exame: dia 16 de julho de 2017.
Período de inscrição: até dia 12 de julho de 2017. Pessoalmente ou via internet. Ende-
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