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Jornal do Vestibulando
ENSINO, INFORMAÇÃO E CULTURA
JORNAL ETAPA – 2017 • DE 31/08 A 13/09
CURSO – MEDICINA/USP
Ao sair do Ensino Médio: “Não consigo nem fazer 40 pontos na Fuvest, como vou passar em Medicina?” Guilherme Keichi Nakandakare hoje está na Pinheiros. Tentou anteriormente Engenharia e Psicologia, mas veio para o cursinho decidido a tentar Medicina. Aqui ele fala de suas dúvidas na escolha de carreira e como se preparou para os vestibulares mais concorridos do país, superando dificuldades. Ele recorda que, ao completar o Ensino Médio, tinha ideia que Medicina nunca seria possível para ele.
Guilherme Keichi Nakandakare Em 2016: Etapa Em 2017: Medicina – USP
JV – Além da Fuvest, você prestou outros vestibulares para Medicina? Guilherme – Prestei Unifesp, Unesp, Unicamp e o Enem. Fui aprovado em todas. Pelo Enem, na UFSCar.
Você se formou quando no Ensino Médio? Em 2013, na Etec Júlio de Mesquita. Junto, fiz curso técnico no Senai. Depois, trabalhei du rante um ano em metalurgia. Quando começou a crise industrial, fui demitido. Antes, eu tinha prestado vestibular para Engenharia na UFABC e fui aprovado. Também consegui virar instrutor no Senai. Fiquei no Senai durante um tempo.
Em 2014 você entrou em Engenharia, em 2015 estudou Psicologia. Então, em 2016 veio se preparar para entrar em Medicina. Por que essas mudanças? Quando entrei na UFABC eu ainda não tinha 18 anos. Era um momento em que eu tinha de fa zer alguma coisa da minha vida, mas em termos de carreira não sabia nem por onde começar.
Você teve dúvidas se era Engenharia o que realmente queria? Justamente. Por isso fiz alguns testes vocacio nais, consultei psicóloga para tentar me nor tear. No final da dinâmica com a psicóloga so braram duas opções: Psicologia ou Psiquiatria. Optei por Psicologia.
Você prestou para Psicologia em 2015? Isso, entrei mas só ficava pensando no emprego que iria ter. Pensei também no lado financeiro.
Como veio o interesse por Medicina? Nunca tinha cogitado Medicina, que é o cur so mais concorrido. Eu lembro que quando saí do Ensino Médio pensei: “Nossa, Medici
CONTO
Será o Benedito! – Mário de Andrade
das aulas, estudava umas 6, 7 horas por dia. Até terminar tudo eram 7, 8 horas da noite.
Como você começou o ano aqui no cursi nho? Estava confiante?
Português não era seu forte. Nessa área, como ficava em Redação?
Minhas notas, quando eu passei em Psicolo gia, não foram tão baixas. Passei numa posição razoável. Entrei no Etapa com a ideia de estu dar, fazer tudo certinho. Falei: “Vou estudar fir me, talvez eu cresça e quem sabe consigo uma vaga”. Mas, quando chegava no cursinho, me preocupava: “Caramba, será que eu vou saber tudo isso mesmo?”
Como era seu método de estudo? Meu método era esse: “Quanto mais exercí cios fizer, melhor eu vou ficar”. Tentava zerar tudo, tudo. Eu trazia um monte de folhas de rascunho e ia fazendo as coisas.
Você fazia a matéria do dia? Do dia mesmo. Se errasse exercícios, tentava refazer.
Quando surgiam dúvidas, como resolvia? Ia no professor, se fosse algo bem específico ou se fosse exercício. Ou, às 7 horas da noite, ia ao Plantão de Dúvidas.
Na Revisão, você ficava até que horas? Na Revisão eu sempre trazia provas anteriores da Fuvest. Fazia a prova inteira, corrigia, tirava as dúvidas. Chegava em torno das 9 horas da manhã, assistia às aulas que eu queria e à tar de pegava exercícios da apostila. No total, além
ARTIGO
ENTREVISTA
Guilherme Keichi Nakandakare
na nunca, não vai ser para mim. Não consigo nem fazer 40 pontos na Fuvest, como vou passar em Medicina?” Por mais que a Etec seja melhor que outras instituições de ensi no público, ainda assim era algo defasado. Agora, depois de um bom tempo, estou na Pinheiros.
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A Semana de 22
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Qual matéria você achava que era seu pon to fraco? Biologia. Eu não ia mal, mas em relação ao pa drão eu não ia muito bem. Também Português.
Eu gostava de escrever. O que me tranquilizava um pouco era: “Beleza, se não vou conseguir fazer bem as 10 questões de Literatura e Gra mática, na Redação vou compensar um pouco”.
Como você treinava Redação? No começo, quando as matérias estavam um pouco mais tranquilas, eu conseguia fazer duas redações por semana. Em junho essa quanti dade já tinha caído para três ou duas no mês. Depois tentei fazer quatro no mês até terminar de prestar todos os vestibulares. Em dezembro voltei para duas redações por semana.
Como você ia nos simulados? No começo do ano oscilava entre A e B nas pro vas de múltipla escolha. Nas escritas, C mais e B. Em junho eu acabei caindo para C mais, bateu a preocupação: “Talvez eu não esteja fa zendo alguma coisa direito”. Eu tinha que tentar subir de novo para A.
No segundo semestre voltou a A e B? Sim. Fui voltando aos poucos. O último simula do eu consegui fechar na faixa A.
Em simulados da 1a fase da Fuvest, quantos pontos você fazia? Costumava fazer entre 75 e 80. Mas cheguei a fazer 68.
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CURSO – MEDICINA/USP
Qual a importância do simulado para quem vai prestar o vestibular? O simulado era um jeito de eu me avaliar no mês. Como ele abordava mais as matérias da apostila, eu fazia as contas: “Será que estudei realmente tudo que teve neste mês, de um jeito decente?” Via sempre o que tinha erra do: ”Isto aqui eu tenho que reestudar”. Procu rava corrigir minhas falhas.
Ao longo do ano, especialmente com seus resultados nos simulados, você conseguiu manter o ânimo? Eu nunca vi o cursinho como algo que fosse um período de latência. Sempre via que esta va progredindo, melhorando. No meio do ano, quando minhas notas começaram a cair para a faixa C mais, perguntei: “O que está acon tecendo?” Foi nesse período que peguei mais pesado para conseguir voltar para a faixa A.
Você leu as obras indicadas pela Fuvest como obrigatórias?
O corte no ano anterior tinha sido 73. O que achou de sua pontuação, dois pontos abai xo da nota de corte de 2016? Eu fui para a prova achando que daria para fazer uns 75 pontos. Tranquilo. Era o que eu fazia nos simulados. Esse foi um dos momen tos difíceis, esperar a nota de corte. Que afi nal caiu 4 pontos – para 69.
Da 1a para a 2a fase, como ficou seu estudo? Tinha que continuar a revisar. Imprimi pro vas antigas e fiz todas as 2a fases possíveis. Cheguei a fazer umas 10 provas da Fuvest. Da Unifesp peguei uma, da Vunesp peguei uma, da Unicamp também.
Fiz meio a meio. Descansei uma semana e na outra semana estudei um pouco. Não foi um estudo como fazia aqui, em que eu chegava às 7 e 15 da manhã e ia até 9, 10 horas da noite.
Como você voltou para o segundo semes tre de aulas? Voltei com gás mesmo. Até o período da Re visão eu tinha que dar o gás ao máximo para tentar corrigir tudo que tinha perdido no co meço do ano.
Tinha alguma atividade para espairecer? Eu costumava jogar futebol, mas era algo bem eventual, uma vez por mês, só para brincar.
Em qual faculdade você achava que tinha mais chance de entrar? Eu estava mais confiante com o Enem.
Você se preocupava mais com a 1a ou com a 2a fase da Fuvest? a
Você lembra qual foi a nota na Redação? Acho que foi 7. Não lembro.
E a classificação? Nos outros vestibulares que prestou, quais foram os resultados? Na Unicamp eu passei na 2a chamada. Na Unifesp fiquei em 14o, acho. Na UFSCar pe guei o 1o lugar dos cotistas. Da Vunesp não faço ideia. Foi a última que saiu, já estava ma triculado na Pinheiros.
No Enem, quantas questões você acertou? Fiz 151.
E na Redação? Tirei 900 na Redação do Enem.
Como você ficou sabendo de sua aprova ção na Pinheiros? Estava com uns amigos na Starbucks aqui do Paraíso, a gente tinha acabado de vol tar de uma viagem, estava comemorando porque tinha saído a Unifesp. Depois saiu a Pinheiros.
Como foi o seu primeiro contato com a Pinheiros? Não teve trote, foi algo mais amistoso. A recep ção foi bem tranquila, não teve aquela zoeira que a gente esperava.
Com relação às aulas, que matérias você teve no primeiro semestre? Tive Bioquímica, Histologia, Anatomia Geral. O que eles estão tentando fazer é dar bas tante matéria no sentido de humanização, no sentido mais social, para a gente não perder esse lado mais humano.
Você já teve contato com paciente?
Eu me preocupei menos com a 1 fase, o que acabou sendo um erro, porque quase não consegui ir para a 2a fase.
Não. Não vi nada disso.
Quantos pontos você fez na 1a fase da Fuvest?
Anatomia. Tem uma lá que é DIC, Discussão Integrada de Casos. A gente chega a ir à sala de autópsias.
Fiz 71.
Na Pinheiros há diversas atividades além das aulas. O que você está fazendo lá agora? Decidi participar mais da Atlética. Aproveitar mais, tirar o sedentarismo de cena. Entrei em vários esportes no começo, a gente participa da Intermédica, da InterUSP. Eu fiquei mesmo no jiu-jítsu e no tênis de mesa. Já ocupa bastante tempo do período em que não estou na graduação.
Foi 130 e alguma coisa.
Você descansou nas férias?
Histologia. Você tem que decorar tudo.
No primeiro dia, 7. No segundo, 8,5. No ter ceiro dia, 8,9.
Como você aproveitou as palestras de Lite ratura?
Um pouco antes das férias.
Qual matéria foi a mais complicada no pri meiro semestre?
Você voltou a jogar futebol?
A nota geral?
Qual foi a época mais pesada para você?
Eles pegam as matérias que a gente está ten do e tentam mostrar a função delas na área médica, nos casos.
Quais foram suas notas na 2a fase da Fuvest?
Como prestei Fuvest no passado, eu já tinha lido mais da metade. Variaram duas ou três obras apenas. Eu peguei essas para ler.
Ao ler a obra eu ficava interessado mais na his tória, no que acontecia. Não ficava analisando por que o autor dizia isso e aquilo, como des crevia, não relacionava com o período literário. Lia o mais rápido possível porque a leitura fica meio tediosa se a gente não entende bem al guns tipos de textos, como poesia. As pales tras serviam justamente para ligar os pontos que ficavam ausentes na leitura. Eram meio que complemento da leitura.
DIC é uma multimatéria?
De que matéria você mais gostou no pri meiro semestre?
Você pretende ingressar em alguma liga? Gostaria de ver a Liga da Depressão e tam bém a da Acupuntura, que eu acho uma área interessante. Tem matéria optativa de Acu puntura também.
Que especialidade você pretende seguir na Medicina? Agora acho que é interessante aprender um pouco de tudo, saber o que é cada coisa, e só depois decidir. Não vou deixar nada fechado. Vou fazer as coisas da melhor maneira e ver do que eu gosto no final.
Que dicas você pode dar a quem quer Me dicina e vai prestar vestibular neste ano, sobre como aproveitar melhor os estudos nesta reta final? Você vem se preparando desde o início e ago ra é hora de corrigir um pouco os defeitos para chegar no vestibular confiante.
Para quem já fez outro ano no cursinho e está aqui de novo, o que você pode dizer? Depois que entrei na Pinheiros eu vi que real mente valeu a pena tudo que estudei. Faria tudo de novo. Parece que foram alguns dias que eu fiquei aqui no Etapa. Agora a minha vida inteira vai ser lá.
Você acha que está diferente do que era ao vir estudar no cursinho? Com certeza. A gente acaba amadurecendo bastante aqui no cursinho. Não é um lugar em que eu tinha de tirar nota para passar de ano. Não, eu tinha que tirar nota porque eu queria uma coisa diferente para minha vida.
Você tem saudade de alguma coisa de seu tempo no Etapa? Com certeza. Foi cansativo, mas não foi uma época chata. Os professores aqui são sensa cionais.
O que você tira de lição dessa experiência? Acho que, se a gente tem uma meta, vale a pena estudar o máximo que dá, se esforçar, porque no fundo todo mundo é capaz de con seguir o que quer. Você usa sua capacidade muito mais do que acha que tem. A gente é muito mais do que pensamos que somos.
CONTO
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Será o Benedito! Mário de Andrade
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primeira vez que me encontrei com Benedito, foi no dia mesmo da minha chegada na Fazenda Larga, que tirava o nome das suas enormes pastagens. O negrinho era quase só pernas, nos seus treze anos de carreiras livres pelo campo, e enquanto eu conversava com os campeiros, ficara ali, de lado, imóvel, me olhando com admiração. Achando graça nele, de repente o encarei fixamente, voltando-me para o lado em que ele se guardava do excesso de minha presença. Isso, Benedito estremeceu, ainda quis me olhar, mas não pôde aguentar a comoção. Mistura de malícia e de entusiasmo no olhar, ainda levou a mão à boca, na esperança talvez de esconder as palavras que lhe escapavam sem querer: – O hôme da cidade, chi!... Deu uma risada quase histérica, estalada insopitavelmente dos seus sonhos insatisfeitos, desatou a correr pelo caminho, macaco-aranha, num mexe-mexe aflito de pernas, seis, oito pernas, nem sei quantas, até desaparecer por detrás das mangueiras grossas do pomar.
***
Nos primeiros dias Benedito fugiu de mim. Só lá pelas horas da tarde, quando eu me deixava ficar na varanda da casa-grande, gozando essa tristeza sem motivo das nossas tardes paulistas, o negrinho trepava na cerca do mangueirão que defrontava o terraço, uns trinta passos além, e ficava, só pernas, me olhando sempre, decorando os meus gestos, às vezes sorrindo para mim. Uma feita, em que eu me esforçava por prender a rédea do meu cavalo numa das argolas do mangueirão com o laço tradicional, o negrinho saiu não sei de onde, me olhou nas minhas ignorâncias de praceano, e não se conteve: – Mas será o Benedito! Não é assim, moço!
Pegou na rédea e deu o laço com uma presteza serelepe. Depois me olhou irônico e superior. Pedi para ele me ensinar o laço, fabriquei um desajeitamento muito grande, e assim principiou uma camaradagem que durou meu mês de férias.
***
Pouco aprendi com o Benedito, embora ele fosse muito sabido das coisas rurais. O que guardei mais dele foi essa curiosa exclamação, “Será o Benedito!”, com que ele arrematava todas as suas surpresas diante do que eu lhe contava da cidade. Porque o negrinho não me deixava aprender com ele, ele é que aprendia comigo todas as coisas da cidade, a cidade que era a única obsessão da sua vida. Tamanho entusiasmo, tamanho ardor ele punha em devorar meus contos, que às vezes eu me surpreendia exagerando um bocado, para não dizer que mentindo. Então eu me envergonhava de mim, voltava às mais perfeitas realidades, e metia a boca na cidade, mostrava o quanto ela era ruim e devorava os homens. “Qual, Benedito, a cidade não presta, não. E depois tem a tuberculose que...” – O que é isso?... – É uma doença, Benedito, uma doença horrível, que vai comendo o peito da gente por dentro, a gente não pode mais respirar e morre em três tempos. – Será o Benedito... E ele recuava um pouco, talvez imaginando que eu fosse a própria tuberculose que o ia matar. Mas logo se esquecia da tuberculose, só alguns minutos de mutismo e melancolia, e voltava a perguntar coisas sobre os arranha-céus, os “chauffeurs” (queria ser “chauffeur”...), os cantores de rádio (queria ser cantor de rádio...), e o presidente da Repú-
blica (não sei se queria ser presidente da República). Em troca disso, Benedito me mostrava os dentes do seu riso extasiado, uns dentes escandalosos, grandes e perfeitos, onde as violentas nuvens de setembro se refletiam, numa brancura sem par. Nas vésperas de minha partida, Benedito veio numa corrida e me pôs nas mãos um chumaço de papéis velhos. Eram cartões postais usados, recortes de jornais, tudo fotografias de São Paulo e do Rio, que ele colecionava. Pela sujeira e amassado em que estavam, era fácil perceber que aquelas imagens eram a única Bíblia, a exclusiva cartilha do negrinho. Então ele me pediu que o levasse comigo para a enorme cidade. Lembrei-lhe os pais, não se amolou; lembrei-lhe as brincadeiras livres da roça, não se amolou; lembrei-lhe a tuberculose, ficou muito sério. Ele que reparasse, era forte mas magrinho e a tuberculose se metia principalmente com os meninos magrinhos. Ele precisava ficar no campo, que assim a tuberculose não o mataria. Benedito pensou, pensou. Murmurou muito baixinho: – Morrer não quero, não sinhô... Eu fico. E seus olhos enevoados numa profunda melancolia se estenderam pelo plano aberto dos pastos, foram dizer um adeus à cidade invisível, lá longe, com seus “chauffeurs”, seus cantores de rádio, e o presidente da República. Desistiu da cidade e eu parti. Uns quinze dias depois, na obrigatória carta de resposta à minha obrigatória carta de agradecimentos, o dono da fazenda me contava que Benedito tinha morrido de um coice de burro bravo que o pegara pela nuca. Não pude me conter: “Mas será o Benedito!...”. E é o remorso comovido que me faz celebrá-lo aqui. São Paulo, 2a quinzena de outubro de 1939, (n. 145).
Texto extraído do livro Será o Benedito!, Editora da PUC-SP, Editora Giordano Ltda. e Agência Estado Ltda. São Paulo, 1992, p. 66, uma colaboração de João Antônio Bührer e seus “Arquivos lmpagáveis”.
ARTIGO
A Semana de 22 Telê Porto Ancona Lopez
1917 – O choque e a descoberta
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ano de 1917 foi o momento em que surgiram discussões e se aglomera ram os germes que, mais tarde, resul tariam em propostas de renovação e na Sema na de Arte Moderna. Esses resultados futuros, felizmente, envolveram ambições maiores que a atualização estética do Brasil, enquanto pura pesquisa formal. Há uma tentativa de obter uma apreensão crítica de nossa realidade, ao
menos em uma das linhas que se definirão de pois: a do nacionalismo crítico. O surto industrial paulista tem início em 1917, mas a cidade permanece culturalmente atra sada em relação ao Rio de Janeiro, centro do saber acadêmico. Com o incremento da imi gração, sobretudo italiana, os trabalhadores de São Paulo começam a tomar consciência de sua situação, surgindo as primeiras greves de cunho anarcossindicalista. A realidade, po rém, é que as capitais brasileiras viviam de
sobras de acontecimentos europeus, inter pretando-os na medida de suas possibilida des, não se aprofundando no conhecimento das contradições que os provocavam. Essas contradições, a Europa já as descobrira há bem mais de meio século e continuadamente as estudava e explorava, porque estava cultu ralmente preparada. Em São Paulo, nesse momento, recém-vindo da Europa, Oswald de Andrade não manifestava grandes preocupações sociais. Viera impregna
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ARTIGO
do apenas de ecos do Futurismo, “aragem de modernidade”, decorrente da difusão das ideias de Marinetti (o criador do Futurismo na Itália). Futurismo – a vanguarda que causava maior agitação na Europa – para os brasileiros, desconhecedores de seu projeto estético, técnico ou ideológico, é apenas uma palavra que denota quebra das convenções aceitas. Chega a sofrer generalização grosseira (caos, absurdo), justo porque, embora mera palavra, ameaçava os valores estabelecidos. A imigração italiana até 1917, embora por tadora de uma certa consciência política, so nhadoramente anarquista, conservava-se aqui presa à tradição artística do Classicismo, em bora na Itália, no início do Futurismo, o pro letariado tivesse sido defensor de Marinetti e leitor da revista futurista Lacerba. Todos os ecos das novas propostas esté ticas que chegam da Europa são desdenha dos pela intelectualidade oficial. E note-se: as chamadas vanguardas artísticas, realmente comprometidas com a contemporaneidade, já existiam ativamente desde 1906, ou mesmo bem antes, com o Expressionismo, o Cubis mo e o Futurismo. Já haviam surgido manifes tos, obras apoiadas em projetos e trabalhos que as desvendavam criticamente. No Brasil vivia-se nostalgicamente a “novidade” do ul trapassado: Decadentismo e Penumbrismo, caminhos capazes de se casar, na poesia, com a continuação de nosso Simbolismo. Imagine-se, pois, o impacto da exposição dos quadros de Anita Malfatti em São Paulo, em dezembro de 1917. O espanto ante uma concepção expressionista da Arte, aqui jogada sem qualquer bússola capaz de fornecer da dos para identificação ou compreensão. Em São Paulo havia jovens sequiosos de contemporaneidade que, no campo da Litera tura, a confundiam com soluções meramente pós-simbolistas. Oswald de Andrade faz críti cas em O Pirralho, periódico satírico, e aplau de tudo o que lhe soa como renovação. Sua passagem pela Europa o leva a tentar uma percepção de tempo psicológico e mesmo de simultaneísmo nos primeiros capítulos das Memórias sentimentais de João Miramar, que aparecem em O Pirralho, em 1917, com ilus tração de Di Cavalcanti. Menotti del Picchia é sucesso graças ao poema regionalista “Juca Mulato”. Conhecidos, aceitos e aplaudidos de certa forma, são Menotti e Guilherme de Almeida, que não feriam fundo os cânones do gosto “parnasiano’’ vigente. Além disso, são to dos filhos da burguesia, exceção feita a Menotti, e não estão preocupados em criticá-la. Voltemos à exposição de Anita. Lá vão ter Oswald, o sequioso e rebelde à moda boêmia, Menotti, o consagrado, Guilherme de Almeida, o que comovia, e Mário de Andrade, o estu dioso, ainda desligado de grupos. Mário se apresenta como “o poeta Mário Sobral”; na primeira visita, mimoseia os quadros com a reação habitual do público: uma sonora garga lhada (depoimento da pintora). Depois, volta muitas vezes em visitas de aprendizagem. Na revista Tempo Brasileiro (n. 26-27; 1971), o crítico e teórico A. Rosenfeld deixa clara a importância dos choques produzidos pela arte que renova. Seu aspecto mais consequente não é o es cândalo que lesa os mitos do establishment,
seu valor é proporcionar a visão de novas rea lidades, mostrar “aspectos da realidade exte rior ou interior a uma luz renovada, estranha, surpreendente, fazendo com que vejamos e aprendamos o que geralmente nos escapa de vido ao esgotamento da sensibilidade, gasta pela rotina e pelo hábito”.
dos a entender a “modernidade”. Sua primeira tomada de posição é a defesa de Anita, feita por Oswald de Andrade no Jornal do Comércio (11 de janeiro de 1918). Construída com a busca de elogios precisos, deixa claro que tanto o crítico como o artista estavam preo cupados em captar a realidade de forma mais livre e mais profunda. Oswald não consegue, porém, teorizar sobre o assunto. Em 1942, Mário de Andrade, fazendo o ba lanço das primeiras lutas modernistas, mostra a dimensão “Descoberta”, no choque de 1917. “A pré-consciência, primeiro, e em seguida a convicção de uma arte nova, de um espírito novo desde pelo menos seis anos” (refere-se à Semana, em 1922) “viera se difundindo no (...) sentimento de um grupinho de intelectuais paulistas. De primeiro foi um fenômeno es tritamente sentimental, uma intuição divina tória, um (...) estado de poesia. Com efeito: educados na plástica ‘histórica’, sabendo quando muito da existência dos impressionis tas principais, ignorando Cézanne, o que nos levou a aderir incondicionalmente à exposição de Anita Malfatti, que em plena guerra vinha nos mostrar quadros expressionistas e cubis tas? Parece absurdo, mas aqueles quadros fo ram a revelação (grifo do autor). E, ilhados na enchente de escândalo que tomara a cidade, delirávamos de êxtase diante de quadros que se chamavam O homem amarelo, a Estudanta russa, a Mulher de cabelos verdes.” (Movimento modernista.)
1917 – As pesquisas de Mário de Andrade
Na exposição de 1917, a ousadia de concepções como O homem amarelo (acima) causa espanto e incompreensão. E é em torno da defesa de Anita (anterior) que ocorrerá a primeira tomada de posição dos jovens decididos a entender a modernidade.
Apliquemos essa ideia à exposição de Anita Malfatti. O choque-escândalo é a sensação que Lobato transmite ao criticar a arte da pintora: São Paulo, torpedeada dentro de suas viseiras, pergunta com ele: é paranoia ou mistificação? (“A propósito da Exposição Malfatti”, O Estado de S. Paulo, 20 de dezembro de 1917.). Para noia, para Monteiro Lobato, não significa seu reconhecimento da loucura como potencial de criação, explorado pelo Expressionismo e entendido pelo Dadaísmo. No texto, nota-se que, ainda que “de ouvir falar”, o crítico sabia da existência do “Futurismo, Cubismo, Impressio nismo e ‘tutti quanti’”. Mas desconhecia as pro postas, tomando-os como “outros tantos ra mos da arte caricatural”. Paranoia, para ele, é o rótulo reprovador que esconde seu fechamento para o novo e defende seu medo de compreen der a ousadia de concepções como O homem amarelo. Seu discurso, de bom polemista que sempre foi, aqui não consegue as tonalidades de humor que o tornam mais persuasivo; é o sarcasmo áspero, irritado, mas aflito. O choque-repensar = partida para o conhe cimento, é a união do grupo de jovens resolvi
É preciso que se permaneça ainda um ins tante em 1917, para que se possa entender, na primeira obra poética de Mário de Andrade, suas pesquisas e sua ânsia de modernidade. Sob o pseudônimo de “Mário Sobral” pu blicara, pouco antes da exposição de Anita, Há uma gota de sangue em cada poema, poesia considerada pela crítica como “arroja da” ou “cheia de impropriedades e exageros, sem falar em versos frouxos e rimas defeituo sas, que afeiam, por toda a parte, as estrofes (...), etc.”. (Crítica não assinada, sem localiza ção de jornal, dos recortes de M. de Andrade.) O que a crítica condenava, em 1917, é justa mente as inovações pelas quais tateia o jovem Mário, numa obra a que mais tarde chamaria de “imatura”. Expressões como: “perfume vermelho”, “pios que voam mudos e frios”, vis tas como absurdos, são apenas alguns exem plos de sua exploração de sinestesias (trans ferências de sentidos), que marca todo o livro, e que descobrira como solução ao gosto do consagrado Verhaeren, poeta belga influente entre os modernistas europeus. Quanto aos “versos frouxos”, verifica-se sua preocupação em definir uma Arte poéti ca e em conhecer novas ideias sobre versifi cação. Lê simbolistas ou pós-simbolistas, como Gustave Kahn e Francis Jammes, e descobre concepções opostas às do Parna sianismo brasileiro: o cotidiano como temáti ca e vocabulário, o verso livre. Permite-se até recorrer à onomatopeia, não só como solução de rima, mas para transmitir, na sonoridade do poema “Inverno”, as sensações do ver e do ou vir, dentro da desolação da guerra.
ARTIGO vento reza um cantochão... Meio-dia. Um crepúsculo indeciso gira, desde manhã, na paisagem funesta... De noite tempestuou chuva de neve e granizo... Agora, calma paz. Somente o vento continua com seu oou... Primeira edição, São Paulo, Pocai, 1917, p. 13.
Abril Press
A transgressão dos padrões atinge tam bém o obrigatório início de verso com maiús cula. Mário, porém, já encontrava o verso -sequência de frase em Paul Claudel, poeta católico com quem tem afinidade ideológica. Longe de ser uma obra realizada plenamen te, Há uma gota de sangue em cada poema representa um avanço, enquanto possibilida de de pesquisa e de consciência, pois o poeta procurava sair da problemática pessoal ou amo rosa de sua geração, para fazer uma poesia de cunho pacifista, negando o partidarismo dentro da guerra de 14. Mário é então um jovem sério, congregado mariano que colabora em revistas católicas. Partindo de sua concepção do cristia nismo, é-lhe importante encontrar as propostas de fraternidade e participação no sofrimento do mundo na Abadia de Créteuil (poetas cristãos) e no Unanimismo de Jules Romains. Essas tendências procuram unir o avanço da mensa gem ao avanço do código e têm com o poeta brasileiro um mestre comum, Whitman, inova dor no verso e revolucionário. Parece-lhe lícito, pois, ao nível dos sentimentos, a comunhão com uma realidade europeia, que lhe permite escapar à alienação que observa à sua volta. Além disso, ingenuamente, deseja conseguir penetrar na tonalidade épica de Castro Alves.
Oswald de Andrade, um dos iniciadores do Modernismo no Brasil. Óleo de Tarsila do Amaral.
Entretanto, em 1917, Abadia de Créteuil, unanimismo, Claudel, Romains, autores e cor rentes datados dos primeiros anos do século XX significavam uma difusão tardia no Brasil, já que, na Europa, há muito haviam evoluído para outros programas. Pode-se, pois, avaliar o reconhecimento de sua defasagem que deve ter invadido nosso poeta quando da exposição Malfatti. Precisaria estudar mais, atualizar lei turas, e nisso leva vantagem em relação aos
demais futuros modernistas. Conhece bem o passado e o que de imediato antecede o contemporâneo; sabe pesquisar e acredita na necessidade de teorias.
1918/1921 – Arregimentação e propaganda A união do grupo de 1917 seria fecunda. Oswald de Andrade e Menotti del Picchia, pri meiramente, e, logo depois, Mário de Andra de, iniciam a discussão das ideias modernistas na imprensa paulista. Esse é o momento em que Menotti, assinando “Helios”, dá sua grande contribuição ao Modernismo, como constante difusor de princípios e de autores vanguardis tas. No Rio de Janeiro o Modernismo começa a se esboçar; Manuel Bandeira publica Carnaval e Andrade Muricy reconhece o desgaste do Simbolismo e do Parnasianismo. Importante, porém, é a união dos escritores e dos artistas plásticos, em 1920, na revista de São Pau lo, Papel e Tinta. Nesse mesmo ano, Menotti publica no Correio Paulistano sua tradução de Destruzione de Marinetti e firma sua ade são ao Futurismo. Mas, com o conhecimento do Futurismo, vem, para Menotti, a absorção de seus perigos... o que será analisado mais adiante. Por enquanto, cumpre registrar que os modernistas de São Paulo chamavam a si pró prios de “avanguardistas” e não recusavam na imprensa o rótulo de “futuristas” (salvo Mário de Andrade), porque se achavam presos a uma exteriorização pura e simples de modernidade. Em 1921, pensando na proximidade do cen tenário da Independência, os “avanguardistas” sentem necessidade de criar um marco que também os afirme historicamente. A cam panha se intensifica e os modernistas têm a satisfação de ver sua arte aceita, pela primeira vez, quando o escultor Brecheret, membro do grupo, talento descoberto por Oswald e pro clamado por todos, ganha prêmio do governo e é elogiado por Lobato. Importa agora deixar claras as propostas do grupo. A data histórica do Modernismo é 9 de janei ro, Manifesto do Trianon, ou discurso proferido por Oswald de Andrade no banquete que a in telectualidade paulista oferecia a Menotti del Picchia pelo lançamento da edição de luxo de As máscaras. Falando “em nome de meia dúzia de artistas moços de São Paulo”, em estilo “cálido e incon tido”, Oswald, na verdade, de moderno possui apenas as propostas externadas: criação de uma arte que atendesse à multiplicidade e à dinâmica do momento vivido, enquanto elementos exteriores e enquanto conteúdo humano; ataque aos cânones oficiais. Não ex pressa, contudo, contemporaneidade enquan to discurso, texto, pois seu tom polêmico e agressivo escora-se na retórica cansada das hipérboles, das imagens chocantes, mas des gastadas, algumas até lugares-comuns. Seu manifesto, entretanto, representa preo cupação humanista bem maior que uma pro gramação futurista, apesar de alongar-se na apresentação da cidade de São Paulo. Ali, na simultaneidade tentada, consegue narrar as contradições e ultrapassar as descrições da velocidade e do domínio da técnica nos cen tros urbanos, à moda de Marinetti. Desfechado o ataque, é preciso esclarecer continuamente
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os pontos de vista nos jornais e nas revistas. “Helios” (Menotti) mostra a urgência de uma ruptura com o passado artístico e com a depen dência da tradição franco-lusitana, bem como a importância do domínio de formas de cons trução, de técnicas modernas. Seu ataque ao passado nada perdoa: propõe a morte de Peri, símbolo de um Brasil ultrapassado. Nesse momento, então, janeiro de 1921, é que constatamos o aparecimento das ar madilhas ideológicas das vanguardas, de que Mário de Andrade é o único a tomar consciência e pressentir os perigos. Nega a sentença de morte contra Peri em “Cure mos Peri: carta aberta a Menotti del Picchia” (Jornal do Comércio, 31 de janeiro. Recortes M. de Andrade – IEB.). Mostra que o ataque justo contra os regionalistas “caipiristas” estava se deformando e se radicalizando, a ponto de querer reduzir a contribuição vá lida dada pelos românticos ao nacionalismo. E vai mesmo além, revelando uma postura crítica frente à História do Brasil. Seu conhe cimento de obras de etnografia, ou sua leitura de depoimentos do século XVI, permitem que aponte com serenidade as distorções de ufa nismo que já apareciam em Menotti. Ensina, então, a seu “dileto companheiro de armas”, não sem ironia: “E eu ainda poder-lhe-ia adiantar, que nas tabas, ‘arrasadas na aurora da conquista pela galhardia dos lusitanos’, muita imoralidade deslavada e decadência brotou ao roçar des sa mesma ínclita gente de que disse em lindo frasear: ‘homens que traziam consigo a bravu ra dos soldados de Ourique e uma civilização que se podia expandir pelos sonhos e reali zações da Escola de Sagres’. Mas V., na sua loira visão de poeta, chega até a negar que os índios tenham contribuído para a formação da nossa sub-raça, ou das nossas sub-raças!!...” O importante era “curar Peri”, integrar o re gional no nacional e enxergar o Brasil. O artigo consegue construir, através das citações de “Helios”, o desmascaramento de uma visão fu turista de grandeza e poderio. Lembre-se que, em 1919, a Itália já era fascista e que Marinetti fazia a apologia da conquista e da guerra, derra mando nas massas textos capazes de inflamá -las e desenvolver a falsa consciência de seu destino. Por essa razão, os futuristas mais con sequentes o desertavam; Marinetti aliava-se a Mussolini. Ideias de Menotti, sobre a demolição do passado e afirmação “duma raça formidável, que quer espalhar suas forças em cem cam pos de atividade violenta e nova”, são respondi das por Mário de Andrade, que já anuncia uma consciência capaz de sentir a necessidade de união entre o projeto estético e o projeto ideo lógico: “Somos um povo como muitos outros, quiçá inferior a muitos outros, sem por enquan to termos mostrado qualidades excepcionais”. E continua, mostrando a importância de assu mir a nacionalidade, de ver o “Peri sincero” que haviam sido Vicente do Salvador, Gonçalves Dias, Machado de Assis, o Aleijadinho (ataca do por Menotti), Chagas, enfim, todos aqueles que haviam se inclinado para a absorção de seu país, tentando expressar sua linguagem. Assu mir a nacionalidade é caminho unido à pesqui sa da modernidade, que se nutre de estéticas estrangeiras, mas que não esquece a lição do
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passado. Urgia, pois, curar Peri. E, concluímos, pensando no tom entre didático e irônico do artigo: curar Menotti! Se as polêmicas entre os modernistas na época atraíam o público, hoje valem para medir o alcance de suas propostas. Ainda em 1921, uma outra discussão traz novamente à cena as ideias de Mário. É sua resposta à apresen tação pública de Pauliceia desvairada (poemas até então apenas do conhecimento de ami gos) feita por Oswald de Andrade no artigo “O meu poeta futurista”. Ali, Oswald descrevera a vida e a personalidade do poeta, apresentara a obra e transcrevera o poema “Tu”, onde apa rece a ligação afetiva do poeta com a cidade e a constatação de suas dualidades. O poema, quanto à temática, nada tem de futurista. Usa apenas a liberdade de escolha das palavras e da pontuação, mas Oswald exclama: “Bendito esse futurismo paulista, que surge companhei ro de jornada dos que aqui gastam os nervos e o coração na luta brutal, na luta americana, bandeirantemente!” Brasileiro, nessa época, falando em “americana” está querendo mos trar sua captação do mundo técnico, de uma vida atualizada. Miramar aplica seu rótulo usual de campanha, mas Mário de Andrade o recusa publicamente no mesmo jornal. “Futurista?!” é o nome do artigo (6 de junho) que firma seu respeito pelo passado e seu estudo continuado da arte do passado e do presente. Sua impor tância maior está em reconhecer as conquistas técnicas (formais) do Futurismo, mas nega suas propostas ideológicas por não condizerem com sua posição de católico. Além disso, joga a dú vida: até que ponto seria consequente o Futu rismo, “que futuro endireita” e qual o conheci mento real que tinham dele os brasileiros? O final do artigo marca uma das influências que lhe haviam pesado na composição de Pauliceia desvairada e que ficaria clara no Prefácio interessantíssimo: o Dadaísmo. Assim é porque Mário rebela-se contra o rótulo “futu rista”, ou qualquer rótulo; prefere ser chamado de louco a ser amarrado a qualquer escola. E Dadá é a corrente antiescola, pró-liberdade absoluta do artista. As discussões entre os modernistas não rompiam, então, seus elos de amizade, e, afora as divergências reais, a publicidade fazia parte da estratégia de luta. Mário conhecia de antemão a existência do artigo de Oswald, dis cordava, mas acreditou na eficácia de sua divul gação. Sai realmente da obscuridade ao herdar de Oswald sua coluna no Jornal do Comércio, onde publica a série de sete artigos “Mestres do passado” (agosto-setembro, 1921) onde analisa o papel negativo do Parnasianismo, que sufocara em nossa literatura a liberdade de criação do Romantismo. Fica, assim, dife renciado passado positivo de passado negati vo, por aquele que, com conhecimento de cau sa, desvenda para aniquilar. Mário polemiza, mas seu discurso evoluiu bastante em direção a uma expressão mais moderna e despojada. É irônico, agressivo, porém não mais retórico e redundante. Usa palavras simples do cotidia no, que adquirem tonalidade de humor ao lado do discurso-paródia dos parnasianos, de que lança mão quando deseja mostrar a hipertrofia do artefazer não precedido pela criação livre. O sétimo texto emprega formas musicais para deixar estabelecidos seus valores: “Prelúdio,
coral e fuga”, título da peça musical de César Franck. No “prelúdio”, a síntese racional e cui dadosa das ideias, no “coral”, a maldição eter na aos Mestres do Passado e, na “fuga”, sua independência e solidão, ligadas ao riso e à blague, atitude dadá. Abril Press
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em profundidade (ajuda o “trânsito”), mas cujo exagero pode, inclusive, alienar quem a vive. Essas categorias são aplicáveis ao Modernismo na Literatura, quando na programação encon tramos textos que atingem a contemporanei dade na escritura e na mensagem e textos que desejam atingi-la, mas que permanecem na re tórica do passado ou que se transformam em Kitsch (fenômeno cultural que se utiliza basica mente do exagero e da opulência gratuitos).
Graça Aranha: “A emoção estética na Arte Moderna”
Capa de Di Cavalcanti para o catálogo da Exposição de Artes Plásticas da Semana de Arte Moderna.
1922 – Semana de Arte Moderna “Mestres do passado” é texto que mostra amadurecimento teórico em nosso Moder nismo, que, como movimento, em 1922 já se ampliou bastante, recebendo a adesão signifi cativa de Graça Aranha, simbolista consagrado que voltava da Europa. O grupo paulista está bastante maior e planeja a Semana de Arte Moderna, oportunidade para exibir o conjunto de sua produção e lançar ao Brasil o convite para uma arte nova. O festival, com duração de uma semana, também contaria com a par ticipação dos modernistas cariocas: Ronald de Carvalho, Manuel Bandeira, Villa-Lobos. Reali zou-se em São Paulo, no Teatro Municipal, de 13 a 18 de fevereiro, compondo-se de três sa raus com apresentação de conferências, leitu ra de poemas, dança e música. Durante toda a semana, esteve aberta ao público, no saguão do teatro, exposição de artes plásticas, com trabalhos de Anita Malfatti, Vicente do Rego Monteiro, Zina Aita, Di Cavalcanti, Harberg, Brecheret, Ferrignac, Antonio Moya. Desta vez o choque pôde ser medido pela reação violenta do público: vaias, gritaria, ver dadeira antitorcida organizada pela mocidade do Largo de São Francisco, legítima cultora da tradição acadêmica. A ela juntou-se, motivos po líticos, uma parcela da colônia italiana que identi ficava Modernismo com Futurismo e fascismo. O aspecto externo do impacto nos en caminha para a necessidade de meditar sobre a programação modernista apresentada em 1922. Dentro dela, pode-se ver o que Paulo Freire diferencia, com muita propriedade: “Trânsito” e “Mudança” (Educação como prática de liberdade). “Trânsito”, ou transformações que partem do próprio âmago das estruturas, nascendo do impulso livre, optando e assumin do o desafio. “Mudança”, ou o que nada altera
Primeira conferência da Semana, orador escolhido para garantir o respeito do público: Graça Aranha. De fato, continua um simbolista que manifesta adesão. Seu discurso, preso à retórica tradicional, à tradição bacharelesca brasileira, com farta adjetivação, pergunta, res ponde. Em seu texto surgem ideias que Mário já explora no Prefácio interessantíssimo. Elas são: Arte desligada do conceito de Beleza, di ferença entre a realidade da Arte e da natureza, liberdade que nasce no mundo subjetivo do homem (em Mário, o inconsciente de Freud). Para Graça, a liberdade se desenvolve, dentro de uma perspectiva de Whitmanismo, como forma de integração no Todo Universal: uma exploração tardia do Unanimismo. Apesar dos circunlóquios, consegue trans mitir com clareza sua posição: “Cada um é livre de criar e manifestar seu sonho, sua fantasia íntima desencadeada de toda a regra, de toda a sanção. O cânon e a lei são substituídos pela liberdade absoluta que nos revela, por entre mil extravagâncias, maravilhas que só a liberdade pode gerar. Ninguém pode dizer com segu rança onde o erro ou a loucura na arte, que é a expressão do estranho mundo subjetivo do homem. O gênio se manifestará livremente e esta independência é uma magnífica fatalidade e contra ela não prevalecerão as academias, as escolas, as arbitrárias regras do bom gosto, e do infecundo bom-senso” (Espírito moderno). Sua adesão não explora, porém, o conhe cimento das vanguardas europeias. Defende o nacionalismo, mas enquanto constatação de nossa característica “tristeza”, partindo depois para a exaltação hiperbólica de nosso desti no. É ufanista, idealizando as capacidades do povo brasileiro e o alcance do Modernismo, “maravilhosa aurora’’ que compreendia, como arte, o Todo Universal. É preciso, porém, deixar claro que o texto de Graça Aranha, enquanto adesão de um sim bolista, é autêntico, guardando sua dignidade como tal. Sua ligação com o grupo paulista duraria pouco e, alguns anos depois, por oca sião do rompimento, Mário de Andrade a veria como um equívoco.
Menotti del Picchia: “Arte Moderna” No segundo sarau da Semana, os ânimos se esquentam com a conferência de Menotti del Picchia, cuja retórica visava despertar a agres sividade. A conferência tem início com a tentativa fingida de destruir a expectativa de subversão existente no público, vinda das co notações de Futurismo. Tenta o impacto de um texto caricatamente futurista: “Pela estrada
ARTIGO cipação da mulher, a real proposta moderniza dora fica encolhida: a arte do aqui e do agora, cônscia de sua precariedade.
Mário de Andrade: “Prefácio interessantíssimo” Alguns poemas de Pauliceia desvairada fo ram apresentados na Semana, mas o Prefácio interessantíssimo, de dezembro de 1921, só viria a público terminada a impressão da obra, em junho de 1922. A História do Modernismo conta que, num intervalo dos saraus da Se mana, Mário teria lido um texto teórico, talvez uma síntese de A escrava que não é Isaura, não o divulgando então. Abril Press
de rodagem da Via Láctea, os automóveis dos planetas correm vertiginosamente. Bela, o Cor deiro do Zodíaco, perseguido pela Ursa Maior, toda dentada de astros. As estrelas tocam o jazz band de luz, ritmando a dança harmônica das esferas. O céu parece um imenso cartaz elétrico, que Deus arrumou no Alto, para fazer o eterno reclamo da sua onipotência e da sua glória”. E continua: “Este é o estilo que de nós esperam os passadistas, para enforcar-nos, um a um, nos finos braços dos assoios das suas vaias. (...) Julgam-nos uns cangaceiros da pro sa, do verso, da escultura, da pintura, da coreo grafia, da música, amotinados na jagunçada do Canudos literário da Pauliceia Desvairada...” “Que engano! Nada mais ordeiro e pacífi co que este bando de vanguarda, liberto do totemismo tradicionalista, atualizado na vida policiada, violenta e americana de hoje”. Mas o bando tão inofensivo deseja o aniquilamento de Homero, Virgílio, Camões... O texto “futurista” não é contestado na continuação da palestra, pois os processos es tilísticos que o compõem: enumeração, hipér bole, redundância prosseguem auxilia dos pela escolha vocabular do óbvio moder no e pela adjetivação, contra a qual Marinetti tanto se batera. Estamos ainda no mundinho retumbante da declamação, em que a “vitória do dicionário” se transformou na saturação de pormenores. Temos, pois, a simplificação mo dernista, o Kitsch que visa ao efeito, que usa de linguagem sem exigências para o entendi mento do público, a arte que já se vê recebida e que, arrogantemente, pré-domina. Umber to Eco, com os teóricos ale mães, entende o Kitsch como o substitutivo e, nessa linha, vemos o texto de Menotti como um mascara mento da inexistência de base teórica capaz de nortear seu pensamento. Nesse instante, Menotti nega o rótulo de futurista, fixando sua “estética” como de rea ção: “individualismo estético a que repugna a jaula de uma escola”. É o programa = ausência de programa, e, no festival, a segunda vez em que se repudiam escolas, atitude dadaísta, cujas raízes estão no Prefácio interessantíssimo de Mário de Andrade. Gramsci distingue dois tipos de ideologia: a historicamente orgânica, necessária a determi nado tipo de estrutura, e a arbitrária, “racio nalista”, gratificante (Antologia). A ideologia gratificante, a “falsa consciência”, no nível do discurso correspondente à “retórica consolató ria” que satisfaz às expectativas do público e de que trata Umberto Eco. Menotti, afirmando em seu programa: “Queremos luz, ar, venti ladores, aeroplanos, reivindicações obreiras, idealismos, motores, chaminés de fábricas, sangue, velocidades, sonho, na nossa Arte! E que o rufo de um automóvel espante da poesia o último deus homérico, que ficou, anacronica mente a dormir e sonhar, na era do jazz band e do cinema, com a flauta dos pastores da Arcá dia e os seios divinos de Helena!”, responde à expectativa de choque e negação do público. Faz profissão de fé em Kitsch futurista, repe tindo pontos de “mestres do passado”, enume rando exterioridades, sendo, mais adiante, ca paz de unir Cubismo, Futurismo e bolchevismo como “ingredientes mágicos da efêmera Alqui mia humana”. Dentro do manifesto hiperbólico, cujo melhor momento é o que trata da eman
Mário de Andrade, principal dirigente do Movi mento Modernista brasileiro. Óleo de Lasar Segall.
O Prefácio interessantíssimo, por ter con solidado em 1922 uma programação moder nista, vale como manifesto, inclusive em sua apresentação gráfica, tópicos separados por sinal e apelo direto ao leitor. Mesmo fazendo, em linguagem despojada e através da blague, o manifesto antimanifesto, em “prosa-citada” (verso-versículo), onde não se marcam os li mites da brincadeira e os da seriedade, Mário exige que o leitor participe da montagem de sua teoria poética. Desta forma, consegue um todo coerente, onde, em aparente desordem, está a organicidade. A blague no Prefácio interessantíssimo é um dos elementos do Dadaísmo encontra dos em Pauliceia desvairada; o poeta lera os Sept manifestes de Dada (Sete manifestos de Dadá) em 1921. Ali encontrara títulos e textos em que o escritor Tristan Tzara faz “autogoza ções”, como Proclamação sem pretensão, ou Manifesto do Sr. Antifilósofo, este, em versos. No Brasil, terra onde poucos se importam com prefácios, é propaganda bem-humorada qualifi car-se superlativamente. O prefácio de Mário deseja mostrar a gêne se da Poesia, vendo a Arte como a realidade do artista. A ideia de Desvairismo = negação e afirmação de uma antiescola, como Dadá, não acreditam em manifestos, mas conside ram necessário produzi-los e ultrapassam o próprio fundo anárquico das ideias de Tzara. Mário desenvolve com ironia a “deixa” de Lo
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bato, “paranoia”: sua antiescola é Desvairis mo e seu livro, Pauliceia desvairada. A ironia, tantas vezes usada – por Oswald, Menotti e até por Graça Aranha – para se re ferir à loucura, aqui é apenas o envoltório, pois o Desvairismo tem mais fôlego. Seu autor não toma a loucura como desagregação do ser, mas como força contra o passadismo e os falsos valores. Nota-se que, em “Enfibraturas do Ipi ranga”, ela é a força organizadora de uma cons ciência crítica. Loucura é conduta agressiva de análise, vinda do Expressionismo, como bem descobriu Gilda de Mello e Souza estudando as ideias estéticas de Mário de Andrade. Corres ponde à libertação do poeta de seu consciente abarrotado de formas cansadas e à viagem de exploração do inconsciente, onde está o liris mo. Lá, segundo Epstein, estariam as sines tesias, transferências de sentidos capazes de redimensionar a sensibilidade corroída pela fadiga da vida contemporânea. Cuidando do inconsciente, lança mão das ideias de Freud, de Ribot, mas seu poderoso veículo de infor mações é a revista L’Esprit Nouveau, formada pela união de cubistas e antigos dadaístas. Ali, mostra Maria Helena Grembecki (Mário de Andrade, o Esprit nouveau), descobre a fórmula de Paul Dermée, que lhe proporciona a base de uma poética psicologicizante: “Lirismo + Arte = Poesia”. Vejamos no Prefácio: “A inspiração é fugaz, violenta. Qualquer empecilho a perturba e mesmo emudece. Arte, que, somada a Liris mo, dá Poesia, não consiste em prejudicar a doida carreira do estado Lírico para avisá-lo das pedras e cercas de arame do caminho. Deixe que tropece, caia e se fira. Arte é mandar mais tarde o poema de repetições fastiantes, de sentimentalidades românticas, de pormenores inúteis ou inexpressivos”. Apesar de psicologicizante, não reivindica o irracionalismo, pois atribui à inteligência, ou melhor, à consciência, a tarefa de trabalhar o poema. Ecletismo estético é o caminho que Mário escolhe e que lhe vale como uma verdadeira “antropofagia”, pois assimila o que lhe parece conveniente. É a absorção sequiosa e primei ra da modernidade que busca ajustamentos e fusões, mas que chega, talvez bem cedo, no Brasil, a conclusões importantes. Uma delas é a diferença entre Arte e natureza e seus res pectivos valores. Talvez por indicação de sua amiga Anita Malfatti, em 1918 Mário começa a conhecer a Deutsch Kunst und Dekoration, revista alemã que divulga artistas e textos sobre o Expres sionismo. Em 1920, encontra ali fragmento de Genius de Werringer, “Natureza e Expressio nismo”, em que o Belo é visto como precarie dade e a Arte diferenciada da Natureza, cada qual regida por suas leis. Na revista lê a pesqui sa sobre a deformação da natureza, existente em artistas do passado, e dela lança mão no seu Prefácio, acrescentando suas descobertas: Rafael, Rodin, Beethoven, Machado de Assis. Encontra também a temática do sofrimento, contradições sociais, as cenas do submundo, vendo artistas como Much, Eugen Zak. Essa visão bem se casará com a concepção da ci dade devoradora, contraditória, entendida em Verhaeren. Nota-se, pois, que, em toda a sua caminhada estética, Mário procura unir a cap tação do estético ao ideológico, que leva ao
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humanismo. Por essa razão, apreende apenas as propostas técnicas (palavras em liberdade, pontuação, sinais matemáticos), enfim, o “Ma nifesto Técnico da Literatura Futurista”. Quanto à lição italiana de modernidade, aceita apenas a dos divergentes de Marinetti: Solficci e Folgo re, cultores do lirismo e da individualidade. Já o poeta Maiakóvski e o Cubofuturismo merecem sua integral aprovação. Quanto à solução técnica, procurará re solver a obra poética com auxílio da Música, teorizando sobre verso melódico e verso har mônico, desejando que o poema configure, em sua construção, tempo histórico, tempo psicológico e simultaneidade. A ideia, apesar dos elementos futuristas, remonta ao Simbo
lismo, onde, no Prefácio de Gustave Kahn para Les palais nomades (1897), há uma teoria so bre o verso livre, apoiada nos conceitos de har monia e melodia (obra na biblioteca de Mário). Sob esse aspecto, é importante ressaltar que a poesia, para o autor de Pauliceia desvairada, está intimamente vinculada à sonoridade. Embora o trate de passagem, no Prefácio interessantíssimo afirma-se como um projeto de sua contemporaneidade, não só quanto à busca de base teórica, mas, enquanto percep ção crítica, sobretudo no momento em que de nuncia o conteúdo tecnocrático do Futurismo. Mário consegue detectar esta deforma ção, pois através de suas leituras, conhecia os pontos de divergência ideológica e as rup
turas motivadas pelas adesões políticas de Marinetti. Podia captá-lo como um anti-huma nismo impossível de ser aceito. Estas considerações sobre a crítica de Mário de Andrade à sua época são interessan tes para o nosso momento, pois, em 1972, as comemorações do cinquentenário da Semana de Arte Moderna limitaram-se à louvação que igualou todos os modernistas. Não percebe ram projetos, não diferenciaram os autores realmente modernos, e em estranhamentos deliberados igualaram a visão de Mário e Oswald à visão de Menotti del Picchia. Extraído de: História do século 20, Abril Cultural, v. 3.
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