texto
Guilherme Santos/ Hiper
hiper Jornalismo da Famecos 5 estrelas no Guia do Estudante
Samuel Maciel/ Hiper
Porto Alegre, agosto/setembro 2010, Ano 12 – Nº 81
Schröder em aula no curso de Jornalismo
Professor da PUCRS é presidente da Fenaj Página 8 Elson Sempé Pedroso/ Hiper
PORTO ALEGRE EM CENA
A CIDADE NO PALCO
Camila, Vinícius e Pedro
Eles chegaram no mercado
Páginas 10 e 11
SET ilumina incertezas na comunicação O 23º SET Universitário, um dos principais eventos de comunicação do Brasil, promovido anualmente pela Famecos/PUCRS, trouxe este ano a inquietação que domina a mídia no mundo: os tempos de incertezas, ou “certezas provisórias”, como definiram os organizadores. Durante três dias, de 21 a 23 de setembro, o tema foi debatido em palestras e oficinas. Luzes surgiram na discussão: as convergências de conteúdos e plataformas, novos formatos na televisão, a cobertura dos grandes eventos esportivos, a igualdade racial na pauta da imprensa, o jornal popular, o real e a ficção na narrativa contemporânea, relações públicas embala as redes sociais, a estimulação dos sentidos, boas idéias na propaganda, inovações, sucesso e ambientes digitais. Centenas de alunos, professores e profissionais participaram do SET, entre eles, os jornalistas Marcelo Canellas e Marcelo Barreto, os publicitários Maurício Mota e Página 6 João Levi, e o escritor Daniel Galera.
Lívia Stumpf/ Hiper
Página 4
Bolívar Abascal Oberto/ Hiper
Ercy Torma preside ARI
Os 75 anos da Associação de Imprensa gaúcha Página 7
Marcelo Barreto, uma das estrelas presentes
eleições
hipersider Por Patricia Jardim e Débora Fogliatto
Exigidos dois documentos Justiça Eleitoral reforça cuidados para evitar fraudes em 2010
Arquivo Pessoal
Astral elevado
Uma japa guria Kana é aluna de intercâmbio que veio do Sul do Japão para o Sul do Brasil. Ela diz que se identifica muito com o Rio Grande do Sul e gosta bastante da cultura local, que é parecida com a da sua cidade. Ela se sente tão bem que já se intitula uma “japa guria” e tem planos de morar em Porto Alegre quando terminar a faculdade no Japão. Infelizmente, a japonesa foi assaltava em uma esquina da avenida Bento Gonçalves. Isso a deixou bastante abalada, principalmente pela perda do dicionário. “Para eles pode não ser nada, mas para mim, meu dicionário é muito precioso”, lamenta Kana. Menos mal que roubaram só a cópia de seus documentos. O susto foi grande, mas nada que a impeça de voltar a Porto Alegre no futuro. “Sinto medo, mas ainda quero voltar e morar aqui!”, declara.
O tédio pode se abater sobre os mineiros que estão há mais de um mês presos em uma mina no Chile. Há três sondas em operação para o envio de produtos básicos, uma para oxigênio e outras duas para alimentos, remédios, produtos de higiene pessoal e mudas de roupa. Uma das sondas é aproveitada pelo governo do Chile para enviar, aos 33 mineiros, objetos de entretenimento, como videogames, DVDs e tocadores de música em MP3. Os aparelhos ajudam a evitar que eles tenham sintomas de depressão. Segundo o ministro da Saúde, Jaime Manalich, cinco mineiros já apresentaram sinais depressivos. Também pretendem aumentar o diâmetro da sonda de 10,2 centímetros para 30,5 e assim enviar objetos maiores.
Promessa à noiva Os mineiros chilenos, mesmo presos e preocupados não deixam de sonhar alto e fazer planos.Um deles enviou, pela sonda, um bilhete à noiva que dizia: “Pode escolher o vestido, quando eu sair daqui iremos nos casar”.
Coisa séria Pela primeira vez, essas autoras enfrentam o desafio de serem responsáveis por uma coluna em um periódico mais sério do que “jornalzinho do colégio”. Esperamos que nossas notas façam alguma diferença no universo de informações que circulam.
Jonathan Heckler/ Hiper
Josemar Riesgo acredita que a internet pode ser um instrumento interessante para debates Por Bruna Suptitz, Isabele Sonda e Fernanda Keller O BRASIL escolhe seu futuro através das eleições – dia 3/10, em primeiro turno e dia 31/10, em segundo, se houver necessidade. Neste ano, o processo democrático no país apresenta mudanças que visam dar mais segurança à votação, como a obrigatoriedade de apresentar o título eleitoral no ato de votar e mais outro documento com foto para confirmar a identidade. Em 2010, a internet tem participação fundamental na divulgação dos candidatos e serve como uma extensão das propagandas na televisão e no rádio, cujo tempo é limitado. Para não ocorrerem abusos, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foi obrigado a criar uma regulamentação para as campanhas eleitorais online. Diferente
* Luciano Alabarse é diretor de teatro e coordenador do Porto Alegre Em Cena.
hiper 2 texto
Porto Alegre, agosto/setembro 2010
Para serem avaliados e figurarem na lista dos “ficha limpa”, os candidatos precisam prestar contas sobre a sua campanha eleitoral, informando a origem do capital obtido e os gastos que foram feitos. Aqueles condenados por um órgão colegiado (por mais de um juiz) ficam impedidos de se candidatar a qualquer cargo, ainda que a causa tenha direito a recurso. Basta o candidato estar envolvido em algum tipo de especulação ou crime político, como abuso de poder público, formação de quadrilha, racismo, tortura, improbidade administrativa, entre outros, para sofrer impedimento. Também ficam impedidos de concorrer postulantes que forem cassados durante o período de seu mandato ou renunciaram para evitar a cassação. Para saber quem teve seu direito cassado pelo Ficha Limpa basta acessar o site do TRE.
DISPUTAM O PALÁCIO PIRATINI
Três perguntas para... Luciano Alabarse* Como surgiu a ideia de criar o Porto Alegre em Cena? O festival foi um pedido do Sindicato dos Artistas ao então prefeito Tarso Genro. O prefeito me chamou e tive três meses para organizar a primeira edição do festival. Dezessete anos depois, Porto Alegre pode ser considerada um pólo importante de teatro e dança no Brasil e na América do Sul? Não há a menor dúvida. As estreias locais atestam isso de modo inconfundível. Como funciona o processo de premiação dos espetáculos locais concorrem? O Troféu Braskem tem um júri formado exclusivamente por jornalistas atuantes nos veículos da Capital. Eles se reúnem em sessão secreta, eu nunca participei de nenhuma, e decidem. São os jurados que podem responder sobre suas decisões. Minha função é que todos assistam a todos os espetáculos para julgarem democraticamente quem merece o prêmio.
dos outros meios de comunicação, é proibida a veiculação de propaganda eleitoral paga, assim como campanhas em sites de pessoas jurídicas ou entidades públicas. Para Josemar Riesgo, assessorchefe da Corregedoria Eleitoral, a internet ainda não é bem explorada pelos promotores de comunicação, podendo se tornar uma ferramenta interessante. “A rede pode ser um poderoso instrumento para promover debates entre os candidatos”, sugere Riesgo, “pois são os próprios organizadores que decidem as regras, diferente dos outros veículos de comunicação.” Outra novidade nessas eleições é a Lei da Ficha Limpa, de autoria do juiz Marlon Reis, que tem como objetivo melhorar o perfil dos candidatos a cargos eletivos do país. A lei torna os critérios de inelegibilidade dos políticos mais rígidos.
Aroldo Medina (PRP)
Humberto Carvalho (PCB)
Pedro Ruas (PSOL)
Formação: Jornalista e major da Brigada
Formação: Procurador de Justiça aposentado.
Formação: Advogado trabalhista.
Militar.
Participação na política: Concorre pela pri-
Participação na política: Ex-presidente
Participação na política: Exerceu a chefia da
meira vez.
regional do PDT e vereador de Porto Alegre
Defesa Civil no Estado (2003/2006), durante
Vice: Nubem Medeiros.
pelo PSOL.
o governo de Germano Rigotto.
Júlio Flores (PSTU)
Vice: Marliane Ferreira dos Santos (PSOL).
Vice: João Carlos Rodrigues (PTC).
Formação: Professor de escola pública.
Tarso Genro (PT)
Carlos Schneider (PMN)
Participação na política: Candidato em várias
Formação: Advogado.
Formação: Contabilista e advogado.
eleições.
Participação na política: Exerceu o cargo de
Participação na política: Concorre pela pri-
Vice: Vera Rosane (PSTU).
prefeito de Porto Alegre por duas vezes, ex-
meira vez.
José Guterres (PRTB)
deputado federal, ministro da Educação, da
Vice: Maximiliano Andrade (PMN).
Formação: Professor.
Justiça e das Relações Institucionais durante
José Fogaça (PMDB)
Participação na política: Candidato a vereador
o governo de Lula.
Formação: Advogado e professor de Literatura
em Sapucaia do Sul em 2004.
Vice: Beto Grill (PSB).
e de Direito Constitucional na FARGS. Foi
Vice: Sueli Domingues
Yeda Crusius (PSDB) Formação: Economista e professora uni-
também apresentador de televisão e rádio. Participação na política: Prefeito de Porto
Montserrat Martins (PV)
versitária.
Alegre (2005 a 2010), senador (1987 a 2002),
Formação: Médico.
Participação na política: Governadora do RS
deputado federal (1982 a 1986) e deputado
Participação na política: Concorre pela pri-
(desde 2007), foi ministra do Planejamento e
estadual (1978 a 1982).
meira vez.
deputada federal.
Vice: Pompeo de Matos (PDT).
Vice: Luis Carlos Evangelista (PV).
Vice: Berfran Rosado (PPS).
eleições Isabela Sander/ Hiper
Impressão digital reconhece eleitor de Canoas A segurança do sistema eleitoral para votação. Segundo Daniel na hora de votar também é uma Wobeto, secretário de Tecnologia preocupação este ano. Pensando da Informação do TRE-RS, não há nisso, o Tribunal Superior Eleitoral expectativa de atraso. Para quem ainda vai votar por adotou o uso de urnas biométricas em alguns municípios do país. meio do título, a segurança também No Rio Grande do Sul, a cidade estará mais rigorosa em 2010. Ao contrário dos pleitos escolhida para usar a o eleitor biométrica é Canoas. “A Procuradoria anteriores, só poderá votar apreCom nova tecnologia, Regional sentando o título de o aparelho reconhece eleitor e um docuo eleitor por meio da Eleitoral já com foto. Tais impressão digital. recebeu centenas mento medidas facilitam o Nos testes ocorride denúncias, reconhecimento do dos em 21 de agosto, algumas urnas depor telefone e eleitor e evitam que vote no lugar moraram na leitura por nosso site da alguém de outra pessoa. das digitais e preocuinternet.” O procurador reparam quem particigional eleitoral do Rio pava da simulação. Os voluntários achavam que se Grande do Sul, Carlos Augusto da ocorresse a mesma situação no dia Silva Cazarré, acredita que, de um das eleições, filas seriam formadas modo geral, os candidatos estão e atrasariam o processo, podendo comprometidos com as novas ultrapassar às 17h, tempo limite exigências da lei. Contudo, diaria-
mente são recebidas pelo Ministério Púbico denúncias de irregularidades praticadas pelos candidatos. “A Procuradoria Regional Eleitoral já recebeu centenas de denúncias, por telefone e por nosso site da internet (www.prers.mpf.gov.br). A maioria relata casos de propaganda eleitoral irregular. Muitos expedientes ainda estão em andamento, mas já foram ajuizadas mais de 40 representações desde o início do período eleitoral”, revela Cazarré. Quando ocorre alguma irregularidade em época de eleição, os prazos são curtos. O julgamento deve se acontecer com rapidez. Segundo o procurador, muitas vezes a Justiça Eleitoral decide em caráter de liminar, a fim de impedir que a conduta irregular continue sendo executada. Contudo, cada julgamento depende da particularidade do caso, podendo variar entre 24 horas e três dias. Jonathan Heckler/ Hiper
Secretário de Tecnologia do TRE-RS, Daniel Wobeto, confia na eficiência do sistema
ARTIGO
Novos eleitores estiveram diante dos candidatos na PUCRS
Jovens cobram educação e segurança em debate Por Pedro Henrique Tavares A tão almejada interação dos políticos com jovens teve alguns obstáculos superados. Foi o que o Diretoria Kzuka, uma sabatina reunindo oito candidatos ao Palácio Piratini, proporcionou a estudantes de 16 a 21 anos no Salão de Atos da PUCRS. Os adolescentes ficaram frente a frente com os concorrentes ao governo do estado e mostraram consciência política e social. Realizado no dia 10 de setembro, o evento teve a presença de Aroldo Medina (PRP), Carlos Schneider (PMN), Ivan Pinheiro (PCB), José Fogaça (PMDB), Júlio Flores (PSTU), Montserrat Martins (PV), Pedro Ruas (PSOL) e Tarso Genro (PT). A governadora Yeda Crusius não compareceu. Os concorrentes ao mais importante cargo executivo do estado foram cerceados por adolescentes ávidos pela resolução dos problemas que mais atormentam a faixa etária: educação e segurança. Os jovens mostraram que política se faz para todas as idades e exige uma linguagem universal. A estudante Larissa Ely, de 16 anos, reve-
lou que não vai votar nesta eleição, no entanto salientou a importância de estabelecer uma consciência política. “Quero ter uma noção do que se passa no Rio Grande do Sul, saber o qual a realidade política do estado”, observou. Quem vai votar na eleição de 3 de outubro teve oportunidade de escolher a melhor opção. O grande número de candidatos presentes possibilitou uma intensa gama de opiniões. Segundo Thomaz Zandonotto, de 16 anos, é importante prestar atenção nos pontos de contraste. “É fundamental visualizar as diferentes opiniões, saber qual a diferença na fala de cada candidato”, argumentou. Não houve nenhum embate entre os políticos, o que tornou o clima ameno e possibilitou um melhor esclarecimento das dúvidas. O estudante Heitor Américo, de 17 anos, confidenciou que as respostas dos postulantes a governador lhe fizeram formular uma opinião. “Agora ficou tudo mais claro para mim, já tenho condições de decidir em quem votar”, assegurou na saída do Salão de Atos.
Vêm aí os cacarecos 2010 Arquivo Pessoal
Por Daniela Boldrini A FAUNA toda está à solta e decidida a ficar. Mais do que isso, eles querem seu voto. As eleições de 2010 trazem um leque de opções de candidatos bizarros. Humoristas, cantores, jogadores, nem todos com promessas e novos ideais, mas em comum a ideia de conquistar vaga na política através da fama. Francisco Everaldo Oliveira Silva, o Tiririca (PR), humorista e cantor de sucesso na década de 90, disputa uma vaga na Câmara Federal por São Paulo. Debochado, usa o slogan “Vote no Tiririca,
pior que tá não fica” e afirmou que não sabe o que faz um deputado federal e que “de cabeça, assim” não consegue pensar em nenhuma proposta. Jeferson Camillo (PP), por outro lado, tem a sua frase: “Experimente algo novo. Com certeza, você vai gostar”, um bordão que acompanha uma série de propagandas que fazem apologia ao sexo em pleno hilário eleitoral, como diz José Simão. Como se não bastasse, a modelo Mulher Pêra (PTN), Suellen Aline Mendes Silva, também se candidatou, mas para deputada federal e ganhou as recomendações do
senador Eduardo Suplicy (PT). Sua ficha de inscrição no TSE indica seu grau de instrução: lê e escreve. Uau! O mínimo, caro leitor, você já tem. Mas a disputa está concorrida e não para por aí. Tatiana dos Santos Lourenço, a Tati Quebra Barraco (PTC), está nessa briga e honrando seu bordão de funk “sou feia, mas tô na moda”. Afinal, está na moda se candidatar. Cacareco era um rinoceronte do zoológico de São Paulo que, em 1958, recebeu 100 mil votos para vereador e que provavelmente soaria menos absurdo nos dias de hoje. Entre os famosos do esporte, Popó
(PRB), do boxe, Romário (PSB) e Vampeta (PTB), do futebol; Kiko do KLB (DEM), Reginaldo Rossi (PTB) e Netinho (PCdoB), todos da música. E ainda tem gente do pomar: a Mulher Melão (PHS) e a Mulher Pêra. O rinoceronte, que tanto sucesso fez há 52 anos, criaria uma categoria à parte. As propagandas eleitorais insistem para o eleitor votar com consciência. Mas o que isso significa, exatamente? Escolher um ex-jogador de futebol, uma mulher fruta ou um cantor que já não está mais nas paradas de sucesso? A tarefa não é fácil.
Netinho, do PC do B
Porto Alegre, agosto/setembro 2010
hiper texto 3
Opinião EDITORIAL
ARTIGO
Uma escola de fotografia Da Redação O ESTÁGIO em jornalismo gráfico proporcionado pelo Hipertexto, na produção e edição de um jornal mensal, permite reflexão sobre conceitos e o aprimoramento de técnicas apresentadas em aula, no Curso de Jornalismo da Famecos, e se sublima quando seus diagramadores, repórteres, editores e fotógrafos, com a formação recebida na faculdade, conquistam espaços no mercado de trabalho. Um dos vetores do Hiper que se consolidou foi o de fotojornalismo. Sob a responsabilidade do professor Elson Sempè Pedroso, tornou-se em uma verdadeira Escola de Fotografia. Três jornalistas, diplomados em 2008 e 2009, foram estrelas do Hipertexto durante a faculdade, assinando fotos nas reportagens. Com o portfólio das publicações embaixo do braço e a chancela de suas capacidades e responsabilidades conferidas pelo professor Sempè, saíram em busca de emprego. O esguio Vinícius Roratto, 24 anos, a suave Camila Domingues e o truculento por opção Pedro Revillion, ambos de 23 anos, hoje são repórteres fotográficos do
Correio do Povo, contratados pelo premiado Ricardo Gusti, também ex-alunos da Famecos. A passagem de Camila pelo curso iniciou em março de 2005. Ainda no primeiro semestre, já era estagiária do Hipertexto, e seu primeiro texto relatou as obras do Camelódromo. Em 2007, voltou para o jornal como fotógrafa e permaneceu como editora até sua formatura, em julho de 2009. Dias antes de defender a monografia, assumiu vaga aberta no Correio. Sua foto mais dramática foi o resgate de um alpinista no cânion de Maquiné, mas considera como maior façanha emplacar na capa a foto de um homem de sunga, na praia. “Só sai mulher”, ri. “Chegaram a me telefonar de madrugada para contar que a foto estava na primeira página.” Frilas foi a porta encontrada pelo Pedro. No ano passado, fotografou a Expointer para O Sul e a Feira do Livro para o Jornal do Comércio. Em novembro, entrou no Correio. Tem feito mais futebol. Inter e Flamengo na chuva, pelo Brasileiro de 2009, foi sua primeira capa. Este ano, quando o Inter conquistou a Libertadores, emplacou de novo. Ele não esquece sua foto mais dramática: a morte de
O horror, o horror*
uma família inteira, cinco pessoas, em acidente na faixa entre Taquara e Gramado. No Hipertexto, Vinícius teve oportunidade de fazer reportagens fotográficas de futebol e política. Cobriu a vitória do Inter de 8 a 1 sobre o Juventude, na conquista do Campeonato Gaúcho de 2007, e conseguiu a imagem do contido José Fogaça “comemorando alegremente” a reeleição a prefeito de Porto Alegre, no comitê do PMDB, em outubro de 2008. Após a formatura, trabalhou como freelancer do Diário Gaúcho durante seis meses e em junho foi contratado pelo Correio do Povo. Na chegada dos animais para a Expointer 2010, meteu sua primeira capa. Os três novos fotógrafos da imprensa gaúcha não cansam de elogiar o professor Sempè. “É maravilhoso”, resume Camila. “Para mim, é como se fosse um pai, me pegou pela mão e me fez repórter fotográfico”, emociona-se o durão Pedro. “Quando entrei no estágio, ele disse: sairão daqui prontos para o mercado, e cumpriu.” Vinícius lembra das aulas: “Fotografar a esmo não serve, precisamos desenvolver a capacidade de bater fotos informativas.” Elson Sempé Pedroso/Hiper
Pedro, Vinícius e Camila eram fotógráfos do Hiper e foram contratados pelo Correio do Povo
texto
hiper
Jornal mensal dos alunos do Curso de Jornalismo da Faculdade de Comunicação Social (Famecos), da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Avenida Ipiranga 6681, Jardim Botânico, Porto Alegre, RS, Brasil. Site: http:// www.pucrs.br/ famecos/ hipertexto/ 045/ index.php Reitor: Ir. Joaquim Clotet Vice-reitor: Ir. Evilázio Teixeira Diretora da Famecos: Mágda Cunha
4 texto
hiper
capaz de julgar o que é bom e o que não é para os “bárbaros” do Oriente Médio? Seria ele um apreciador das teorias em voga na Europa do século XIX, que defendiam a nobre missão do homem branco de levar a civilização aos “povos atrasados”? São perguntas que não querem calar. Em meio a loas à DePor Guilherme Dal Sasso mocracia, esquece de citar que em A Guerra do Iraque não foi cor- momento algum o povo iraquiano reta e não foi bem-sucedida. Digo foi consultado sobre querer ou não isto do ponto de vista humanitário, a guerra. Tampouco se desejava ou e em resposta ao artigo Guerra em não ter seu território ocupado por nossos tempos, de Tomás Adam, tropas estrangeiras e o banho de publicado na edição de junho/ sangue durante sete anos de nãojulho do Hipertexto. Para aqueles escolha. O entusiasta econômico-beque não tiveram a oportunidade de lê-lo, basta saber que se trata licista passa longe dos temas de uma defesa incondicional da in- humanos intrínsecos a qualquer vasão norte-americana ao Iraque, conflito. A fim de defender sua e o (in)consequente conflito que furada tese, o apologista do caos passa longe da perdurou sete anos. Não é possível “Em meio a loas à autodeterminação dos povos, transcrever aqui tudo que já foi dito Democracia, esquece as Convenções de citar que em de Genebra e Diem prol da paz, pois não são poucas as momento algum o reitos Humanos. Não é apenas um obras humanas que povo iraquiano foi manifesto a favisam expor o absurconsultado sobre vor do genocídio, do da guerra. Tammas também uma bém não são poucas querer ou não a peça de louvor ao as personalidades guerra.” Deus Mercado. que se dedicaram Além das inclia narrar as atrocidades cometidas pelo homem, a nações de direita que trespassam fim deste nunca repeti-las. Mes- o texto, a intrépida retórica visa mo assim, a história se repete, e legitimar o sacrilégio humano com traz junto de si a morte, o luto, a dados econômicos. Os órfãos e as viúvas, os refugiados e os mutilatragédia. No entanto, o que motiva este dos, e quem sabe até mesmo os texto não é o repúdio à guerra em defuntos devem estar muito consi, mas sim o artigo do Adam, uma tentes por saber da mais nova taxa ode à carnificina travestida de de inflação! As mães americanas que perderam seus filhos também cântico de louvor à democracia. Curioso o conceito de democracia devem estar saltitando de alegria do autor. Será que este acredita em pelo sucesso da fábrica do Sr. Alcontos de fada e se dispõe a enxer- Beldawi. O manifesto belicista do gar nas tropas norte-americanas a colega é um deboche às reações encarnação d’O Grande Paladino ao horror. da Liberdade? Ou prefere simplesmente ver-se como Arauto do * em resposta ao artigo “Guerra Mundo Civilizado (que é como o em nossos tempos”, de Tomás articulista se refere ao Ocidente), Adam. How many ears must one man have before he can hear people cry? How many deaths will it take ‘till he knows that too many people have died? Bob Dylan
Apoio cultural: Zero Hora. Impressão: Pioneiro, Caxias do Sul. Tiragem 5.000 Coordenador de Jornalismo: Vitor Necchi Produção dos Laboratórios de Jornalismo Gráfico e de Fotografia. Professores Responsáveis: Celso Schröder, Elson Sempé Pedroso, Ivone Cassol, Juan Domingues, Luiz Adolfo Lino de Souza e Tibério Vargas Ramos. Estagiários matriculados e voluntários Edição e diagramação: Fernanda Grabauska, Leonardo Pietrowski, Luísa Silveira e Marja Camargo.
Porto Alegre, agosto/setembro 2010
Editores de Fotografia: Bolívar Abascal Oberto, Bruno Todeschini e Lívia Stumpf. Redação: André Vitor Pasquali, Bruna Suptitz, Brunna Weissheimer, Cairo Fontana, Carolina Beidacki, Caroline Michaelsen, Clareana Ferreira, Daniela Boldrini, Fernanda Keller, Fernando Severo, Gabriela Sitta, Júlia Magalhães, Marco Antônio de Souza, Mariana Soares, Natália Otto, Patrícia Jardim, Pedro Henrique Tavares, Rafael Sanchez, Sabrina Ribas, Suzy Scarton e Walter Ferrera. Repórteres Fotográficos: Aya Kishimoto,
Bolívar Oberto, Bruno Todeschini, Camila Cunha, Daniela Grimberg, Daniela Kalicheski, Fábio Henrique Gonçalves, Felipe Dalla Valle, Gabriel Ludwig, Gabrielle Toson, Guilherme Santos, Isabella Sander, Jéssica Barbosa, Jonathan Heckler, Julia Ramos, Júlia Tarragó, Lívia Auler, Lívia Stumpf, Luiza Lorentz, Mariana Amaro, Mariana Fontoura, Mauricio Krahn, Maria Helena Sponchiado, Nicole Pandolfo, Pedro Sampaio, Raquel Damo, Samuel Maciel, Thiago Couto, Vanessa Freitas e Vivian Lengler.
Tradição
Fotos Gustavo Schwetz/ Especial Hiper
Gaúcho celebra farrapos com churrasco e música Acampamento Farroupilha celebra o 20 de Setembro, mas muitos não compreendem o passado rio-grandense Guillherme Santos/Hiper
Por Julia Finamor e Schariane Kozak
A bandeira do MTST desfraldada ao lado da piscina
Congresso dos sem-teto em hotel quatro estrelas Por Gustavo Schwetz, Olinda PORTO DE GALINHAS e os subúrbios recifenses: com certeza, um bom exemplo das diferenças gritantes presentes em território pernambucano. Entretanto, há outras situações, mais sutis, mas igualmente preocupantes, envolvendo os cidadãos do estado nordestino. Wagner Bernardo: garoto sorridente, morador de Olinda, cidade histórica, atração turística. Aos 10 anos, começou a trabalhar pela Associação dos Condutores Nativos de Olinda. Sua função: guiar os turistas pelos locais da cidade onde a história segue viva. A inteligência do menino e a sua persistência impressionam. Ao perceber um veículo com placa de outra cidade, insiste em conversar com os turistas, que o ignoram e seguem o seu caminho até o próximo semáforo. Wagner acompanha, correndo. Tenta a comunicação novamente. Os turistas desistem, baixam o vidro e o garoto começa a sua aula de história. Mar Hotel: localizado praticamente à beira-mar de Recife, o hotel quatro estrelas recebeu uma convenção entre os dias 26 e 29 de agosto. Trezentos membros do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto), hospedaram-se com o objetivo de discutirem a
reforma urbana, escolherem seus novos líderes que comandarão o movimento nos próximos dois anos, e elegerem os representantes de Pernambuco no Congresso Nacional do movimento, evento que acontecerá em Minas Gerais. Os integrantes do MTST usufruíram dos luxos do hotel durante os quatro dias. Os gastos foram patrocinados pelo Ministério das Cidades. Entre uma passeata e outra, uma palestra e outra, podiam-se observar os participantes na piscina, nas mesas de sinuca e em seus aposentos, descansando. Wagner, assim como os idealistas, é de origem humilde. Hoje, aos 13 anos, divide a sua vida entre os estudos e o trabalho. Metade do que ganha, 25 a 30 reais por grupo de turistas, contribui para as despesas de sua família. A outra metade é direcionada para a associação em que trabalha. Os membros do MTST organizam convenções e passeatas. Presenteados com os quatro dias de estada em um lugar luxuoso, frequentado pela alta sociedade, os sem-tetos vivem a utopia de que a bandeira da reforma urbana possa garantir a eles um lugar como aquele para morar. Enquanto esse dia não chega, o pequeno Wagner corre atrás dos turistas para ganhar algum dinheiro, real, e ajudar na sobrevivência de sua família.
RÉPLICA DAS ESTÂNCIAS gaúchas em meio à arquitetura urbana da capital, o Parque Harmonia é um abrigo da cultura e da história do povo sul-rio-grandense desde a sua inauguração, em 1982. A cada mês de setembro, milhares de gaúchos exibem pelos corredores do Acampamento Farroupilha o lenço vermelho, a bombacha e o chimarrão, e revivem dentro dos piquetes um pouco da rotina bucólica presente nas raízes do seu povo. Entretanto, o ritual que marca o início da Revolução Farroupilha propõe a comemoração de um evento histórico mal interpretado por muitos gaúchos, que se aproximam da tradição apenas por apreço, sem compreender o valor simbólico da celebração. Em meio aos acampados, entre a Ponta da Cadeia e a margem do Arroio Dilúvio, o cheiro de churrasco é um convite para quem passeia pelo local. Centenas de entidades, famílias e Centros de Tradições Gaúchas (CTGs) desfrutam da comida típica ao ritmo dançante da música gaudéria. Os diversos galpões de madeira, o chimarrão nas rodas de amigos, as costelas assadas sobre o chão, os fogões a lenha e os galos que cantam o início do dia encenam a vida campeira que muitos gostariam de ter. Com a cuia na mão, Luiz Antônio Cordeiro Oliva revela que, contagiado pelo
“Leio sobre o Rio Grande do Sul de vez em quando, mas na minha idade é difícil gravar muita coisa”, brinca. Foram as músicas e os costumes que lhe despertaram o orgulho e o amor pelas tradições do sul.
O lado bucólico do parque som da vaneira, buscou no CTG Descendência Farrapa os costumes e valores que acredita serem únicos daqui. “Os gaúchos são diferenciados pela inteligência, pelos sentimentos, pela visão política. Somos pioneiros na agricultura e temos gado na fronteira. Somos privilegiados”, orgulha-se. Além disso, Oliva lamenta que a República Rio Grandense não tenha se consolidado de forma permanente. Segundo ele, a dimensão do Brasil não permite que o governo federal dê a atenção necessária a todos os estados: “Sou separatista”, confessa. Na porta do piquete Para-Boi surge um senhor grisalho, de chapéu, lenço e bombacha, com o aperto de mão firme de um típico campeiro. Seu Elder Fontela de Paula, 80 anos, cresceu em cima do cavalo, em meio à lida campeira. Aproveita a semana de festa e o espaço do seu galpão para oferecer almoços a idosos e crianças carentes - mais uma maneira de vivenciar os valores adquiridos dos antepassados farroupilhas. Fontela conhece pouco sobre a história do estado:
Os críticos Alguns, porém, são mais críticos quanto à trajetória dos farrapos e às comemorações que envolvem o dia 20 de setembro. Zenildo Rodrigues, que há duas décadas largou a vida urbana para se dedicar ao mundo rural, destina suas energias ao trabalho de artesanato em couro. Rodrigues relata que sempre levou a vida inspirado na tradição sulrio-grandense, buscando sua identidade nas músicas, no campo e na história gaúcha, a qual demonstra conhecer por inteiro. Zenildo avalia os milhares de tradicionalistas que celebram o 20 de Setembro no Acampamento Farroupilha. Para ele, algumas pessoas vão ao parque brincar de ser gaúcho, uma vez que festejam o que, supostamente, desconhecem. “Como vamos comemorar uma vitória que não aconteceu e uma guerra onde morreram milhares de pessoas?”, questiona. O gaúcho esclarece que foi uma disputa de interesses e não ideológica, como todos acreditam. Repudia o ideal dos separatistas de emancipar o Rio Grande do Sul: “Manter a união é o certo. Nós queremos viver com respeito a todos”, contrapõe. Guilherme Santos/Hiper
Acampamento parece dia de folga na campanha: o peão apeia no povoado para se divertir Porto Alegre, agosto/setembro 2010
hiper 5 texto
comunicação
Show de ideias no SET Universitário Palestras, debates, oficinas, música e mostra competitiva movimentaram alunos da Famecos
Bruno Todeschini/ Hiper
Por Clareana Kunzler Ferreira A abertura do 23º Set Universitário ampliou os horizontes dos estudantes para uma nova tendência na comunicação. Com o tema Narrativa transmídia: o poder das histórias na era da convergência, o RBS Debates trouxe para falar ao público presente no Centro de Eventos do prédio 41, o publicitário e co-fundador da empresa Os Alquimistas, pioneiro em transmedia storytelling, Maurício Mota. Para explicar o que faz, Mota usou o exemplo do clássico Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll. Segundo ele, ao cair na toca do coelho, Alice entra em uma nova dimensão, repleta de possibilidades. “O que nós fazemos é desenvolver essas tocas de coelhos”, conta. Storytelling indica que eles auxiliam marcas a encontrar e produzir suas histórias. Já o termo transmedia sugere que as histórias sejam contadas através de diferentes plataformas midiáticas. O publicitário enfatizou a importância de seu trabalho ao destacar a história milenar de Xerazade como exemplo do poder de uma narrativa. Como diz a lenda, antes de ser morta pelo rei Xariar, a princesa pediu para contar-lhe uma última história. Somente mexendo com a curiosidade do rei, ela acabou vivendo por mil e uma noites, até convencê-lo de que merecia viver. Para Mota, os contos de Xerazade são os primeiros registros do hiperlink, pois, para permanecer viva, a cada história ela “clicava” sobre personagens, oferecendo detalhes que prolongassem sua narrativa.
Após mais de uma hora de palestra, ilustrada com cases transmidiáticos, que foram de Tropa de Elite a Heroes, Mota passou a dividir o palco com o também publicitário Mauro Dorfman, presidente da Dez Comunicação, e com o jornalista e doutor em comunicação André Pase. Sob mediação de Alice Urbim, jornalista e responsável pela área de entretenimento da RBS TV e da TVCOM, eles deram contribuições à temática e responderam perguntas feitas pela plateia. “Olhando do ponto de vista comercial, que visa conectar as marcas ao seu público, a storytelling é uma evolução natural dos esforços de comunicação, não uma ruptura”, afirma Dorfman. “Hoje não adianta mais colocar um produto ao lado de uma modelo e dizer: comprem!”, conclui. Pase acredita que o papel do transmídia é “saber conectar histórias paralelas, onde uma serve de isca para a outra”. E isso se torna ainda mais importante ao passo em que a audiência está mais exigente e sedenta por novos conteúdos. Ao final, apesar da expectativa em torno do tema, Mota declarou que não existem profissionais preparados no momento para trabalhar com transmedia storytelling. “As faculdades não ensinam os alunos a pensar a comunicação de forma integrada”, sentencia. O publicitário também alertou que chegou a hora de prestar atenção nesse nicho de mercado em expansão. “Vocês tem a oportunidade de estar em um País onde haverão duas plataformas narrativas únicas: a Copa do Mundo e as Olímpiadas”, indicou. Bruno Todeschini/ Hiper
Mota utilizou exemplos que foram de Calypso a Xerazade
hiper 6 texto
Porto Alegre, agosto/setembro 2010
SOM DE MESTRE Por Suzy Scarton O saguão do prédio 7 fervilhou com o show da Banda dos Professores da Famecos, no segundo dia do Set. O grupo, que foi revelação na edição anterior, é composto por Sérgio Stosch e Miguel Neves nos teclados e voz, Vanessa Purper no vocal, Alberto Raguenet no baixo, Elson Sempé no saxofone, Ticiano Paludo, João Guilherme Barone e Zé Carlos nas guitarras, e por Rafael Becker na bateria. A banda animou o público com de hits de Beatles, AC/DC, The Doors e Jimi Hendrix. A apresentação teve participação especial da aluna Caroline Corso de Carvalho.
Banda dos professores faz seu show no saguão Fotos: Lívia Stumpf/ Hiper
Canellas: a grande reportagem na TV
Barreto e a cobertura de eventos esportivos
O olhar do repórter
Bastidores da Copa
Por Bruna Suptitz
Por Brunna Weissheimer e Fernanda Keller
O jornalista Marcelo Canellas, da Rede Globo, iniciou sua palestra apresentando seu principal trabalho na televisão, a série de reportagens Fome, que foi ao ar em 2001, no Jornal Nacional. “A série está completando dez anos. Muitos de vocês provavelmente nem acompanharam ao vivo”, declarou. No no mesmo dia em que foi ao ar, também foi noticiado o aniversário do então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. “A ligação entre os fatos foi contrastante e certamente impactou o telespectador”, comentou. O que faz um fato ser notícia? Com essa pergunta, o jornalista instiga os estudantes a repensar certos conceitos criados em torno do “fato jornalístico”. Canellas foge do senso comum e acredita que, mais importante que o furo, é divulgar em primeira mão com um olhar diferente ao que é comum. “Somente a grande reportagem é capaz de aprofundar temas importantes”, afirma. Assim Canellas cria o antifuro de reportagem. São 23 anos atuando, desde sua formação até o recente projeto Brasileiros, que foi ao ar pela Rede Globo neste ano. Ao ser cobrado, pelos participantes do evento, de publicar um livro sobre suas experiências profissionais, Canellas desconversa, e diz que ficará para mais tarde. Ele se despediu da plateia dizendo que o jornalista é um ser humano livre e pensante. O bom trabalho depende da qualidade do profissional, que jamais pode perder sua capacidade de indignação.
As adversidades da cobertura internacional foram os principais pontos abordados por Marcelo Barreto, editor-chefe e âncora do SporTV News, e José Alberto Andrade, repórter da Rádio Gaúcha, na palestra do dia 22, no auditório do prédio 40 da PUCRS. Uma cobertura como a Copa do Mundo de 2010 não é feita só de glamour. Eles frisaram a importância de conhecer o local e da montagem de uma estrutura por parte do veículo de comunicação para os profissionais. Questionado sobre o “clubismo” na profissão, Barreto afirmou que o gosto pelo futebol acontece inicialmente através da paixão por um time, mas que é possível sim trabalhar com isenção. A atuação da jornalista mulher nos esportes, especialmente no futebol, também entrou em pauta. O comentarista do canal SporTV alegou que, em números, a proporção de mulheres na área é a mesma dentro e fora do Brasil. No país, o motivo para reduzida atuação de jornalistas nesse meio é cultural. O homem tem apego às informações esportivas logo na infância, enquanto a mulher adquire interesse mais tarde. Isso gera falta de repertório. No Brasil, esportes que não são futebol, não têm espaço. Segundo Barreto, é falsa a premissa de que mostrar o esporte na televisão vai atrair o interesse do público. “Audiência é dinheiro. Por isso esportes que dão menos audiência acabam tendo pouca visibilidade”, explica Zé Alberto Andrade.
comunicação Bolívar Abascal Oberto/ Hiper
A liturgia do cargo e a solidão de Ercy Torma na presidência da Associação dos Jornalistas, sob o olhar de Alberto André
ARI completa 75 anos em 2010 O nostálgico prédio na escadaria do viaduto guarda a história dos jornalistas Por Gabriela Dal Bosco Sitta EM UMA SALA no oitavo andar do número 915 da avenida Borges de Medeiros, no início da escadaria do viaduto Otávio Rocha, jornalistas se reúnem há mais de 70 anos para mudar o mundo. Reuniões semanais com violões, cerveja e um ideal em comum eram frequentes nos anos 1960 no bar da Associação Riograndense de Imprensa (ARI), que há 75 anos faz defesa do jornalismo e da democracia. Apesar das dificuldades financeiras que enfrenta hoje, a ARI é uma septuagenária de respeito. Com uma história de lutas, a entidade abrigou os embriões das grandes instituições de comunicação social de Porto Alegre. Desde a fundação, em 1935, a ARI trava batalhas contra a censura. No ano da sua criação, os brasileiros enfrentavam um momento conturbado. Intelectuais e escritores foram presos após a Intentona Comunista e o direito à livre expressão ficou prejudicado. Assim, as primeiras iniciativas da Associação incluíram a libertação dos jornalistas detidos e a liberação, na alfândega, do papel importado para a impressão dos periódicos. “Todos os homens têm direito a um lugar ao sol”. A frase do discur-
so de posse do primeiro presidente da entidade, Erico Verissimo, ainda é orgulhosamente repetida por Ercy Pereira Torma, atual dirigente. Para ele, o jornalista representa a sociedade, de forma que não conquista os direitos apenas para si, mas para todo o cidadão. Em 1938, quando Veríssimo já havia deixado a presidência, era iniciado um movimento pela construção de uma sede própria para a Associação, ao menos no papel. Com a doação de um terreno da Avenida Borges de Medeiros pelo então prefeito Loureiro da Silva, as forças se revigoraram. Em 1942, foi obtido um financiamento com o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários, um dos muitos fundos de trabalhadores que formaram o INSS. Depois de alguns anos de construção e dificuldades financeiras, a Casa do Jornalista seria finalmente ocupada em 1944, ainda sem a conclusão total das obras. O edifício tinha quatro apartamentos por andar e dois pavimentos, o sétimo e o oitavo, reservados à Associação. Nas décadas de 60 e 70 funcionou, no quarto andar, a então pujante sucursal do Jornal do Brasil (extinto em 2010) e agências JB e AP, com mais de uma dezena de funcionários e alguns repórteres como Eunice Jacques, Alexandre
Garcia, José Mitchell e Joseph Adam Zukauskas, liderados por Lucídio Castello Branco. Ao longo da sua história, a entidade foi foco de resistência em favor dos direitos humanos no período da ditadura militar, quando jornalistas foram presos, e participou de campanhas comunitárias e culturais. Contribui para criação do Museu de Comunicação Hipólito José da Costa e a restauração do Hotel Majestic, hoje Casa de Cultura Mário Quintana. A Câmara do Livro e o Sindicato dos Jornalistas também nasceram na avenida Borges de Medeiros, esquina rua Fernando Machado. Hoje, para se manter, a Associação conta com a contribuição mensal dos associados e o patrocínio de eventos. São realizadas palestras e seminários. O presidente pretende deixar a casa com as contas em dia. Com idealismo nos olhos, Torma segue crendo no jornalismo. “Eu me vejo muitas vezes sozinho aqui”, ele desabafa, se referindo não apenas à sala que o rodeia, na diretoria da ARI, mas também ao lugar de sonhador que ocupa no jornalismo atual. Às quintas-feiras, depois da reunião semanal, os membros da diretoria sobem ao oitavo andar para conversar. Nos sábados, a partir das 12h, a conversa é transmitida pela Rádio da UFRGS.
O elevador do tempo Ele para bruscamente e as grades azuis se abrem, lentas. O elevador gradeado, hoje repleto de rangidos, transportou nomes célebres do jornalismo no sobe e desce pelos oito andares da Casa de Imprensa em Porto Alegre, sede da ARI. O edifício já teve serviços médicos e odontológicos para associados, quartos de hotel para os jornalistas que vinham do interior do Estado e apartamentos alugados. Ao assumir a presidência em 1996, Ercy Torma recorda que alguns velhos jornalistas ainda moravam no prédio. Pagavam aluguéis simbólicos, algo que hoje seriam apenas R$ 15, calcula. Os inquilinos morreram e o edifício ficou desocupado. Hoje, os antigos apartamentos são alugados como salas comerciais para ampliar a renda mensal. O prédio, deteriorado pela passagem dos anos, tem um ar nostálgico que os móveis do bar, no oitavo andar, os mesmos desde a inauguração, só acentuam. Contudo, nem tudo é saudade. No quarto andar, onde funcionou a sucursal do JB, alunos da UFRGS realizam pesquisas sobre Alberto André, que presidiu a instituição de 1956 a 1990. Um memorial está sendo organizado. Elson Sempé Pedroso/ Hiper
Mágda Cunha e reitor Clotet parabenizam Ercy Torma
Homenagem na PUCRS Os 75 da Associação Riograndense de Imprensa foram homenageados pela Faculdade de Comunicação Social da PUCRS, em 23 de agosto. No auditório da Famecos, estiveram o presidente da ARI, Ercy Torma, o reitor Joaquim Clotet, a pró-reitora de Graduação, professora Solange Medina Ketzer e a diretora Mágda
Rodrigues Cunha. O evento teve também o apoio do Instituto de Pesquisa Delfos. Além da comemoração do aniversário da ARI, a mesma cerimônia teve também a assinatura do termo de doação do acervo de jornais literários do professor Antonio Hohfeldt para a Biblioteca Irmão José Otão.
Porto Alegre, agosto/setembro 2010
hiper 7 texto
comunicação
Professor da Famecos é eleito presidente da Fenaj
COMO ENFRENTAR UM MOMENTO CRÍTICO
Schröder lidera a reafirmação profissional do jornalismo brasileiro
Schröder assumiu a entidade num momento crítico da história do jornalismo. No entanto, acredita em um processo de reafirmação da profissão:
Fotos Samuel Maciel/ Hiper
Por Carolina Beidacki CELSO AUGUSTO SCHRÖDER cresceu em Santo Ângelo, no interior do Rio Grande do Sul, era meio moleque, meio brigão, mas tinha um lado que tentava esconder: o intelectual. Ele vivia às voltas com os livros, sempre aprendendo mais. Mas quando se mudou para Porto Alegre, às portas do vestibular, não tinha tanta confiança na bagagem adquirida na biblioteca de Santo Ângelo. Ele tinha a sensação de que seria “massacrado pela capital, pelas pessoas cosmopolitas que tinham conhecimento”, mas percebeu que estava pronto, que seu nível de leitura superava o de muitos. Ainda indeciso quanto ao rumo de sua carreira profissional, fez um teste vocacional, que era costume na época. O gosto pelo desenho e pela arte, combinados à facilidade em matemática, apontaram para a arquitetura. Ele gostava da ideia de ter uma profissão séria desenhando. Schröder fez dois vestibulares. Na segunda tentativa, foi aprovado para o curso de Arquitetura, na Unisinos, em 1972. Durante a faculdade, fazia jornalismo sem perceber. Escrevia jornais com os amigos, tinha projetos de livros. Logo começou a militar politicamente com amigos. Acreditavam que faziam revolução, que estavam mudando o mundo. O hoje presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) lembra daquela época com certa nostalgia: “Eu era, de alguma maneira, politizado, mas era hippie também. Um hippie muito
peculiar. Não bebia, não fumava e não me drogava. Era ideologicamente hippie”. Quase tudo aconteceu muito rápido na vida do rapaz das Missões. Em meio à militância precoce, se casou jovem e logo aos 22 anos era pai da primeira filha – mais dois filhos viriam depois. Como boa parte da juventude dos conturbados anos 70, Schröder também era influenciado pelo O Pasquim – jornal-ícone da resistência ao regime militar. Ele se identificava com a publicação porque “era desenho, humor e renovação do jornalismo”. Aos poucos, as páginas do Pasquim o afastaram da arquitetura e o aproximaram do jornalismo, especialmente o trabalho de Henfil – cartunista mineiro que tinha um desenho rápido, humor cáustico, crítico e político. E Paulo Francis, grande intelectual da época que publicou O massacre de My Lai. O teor urgente do assunto e o poder de denúncia chamaram a atenção do universitário, que a esta altura já tinha decidido cursar jornalismo, nem chegou a concluir o curso de Arquitetura. Antes de entrar na Famecos, em 1979, Schröder já respirava o ambiente de redação de jornal. Era cartunista da Folha da Manhã. Tinha desenhos publicados em livros e havia participado de exposições de arte. Ao ingressar no prédio 7 da PUCRS, para aprender a diagramar, não se sentiu muito à vontade. Era mais velho e mais experiente que seus colegas de aula. “Eu queria ser, profissionalmente, um jornalista”.
Autoestima “Primeiro temos que reverter esses dez anos de estragos que a descrença e o questionamento causaram. Esquecer essa ideia de que a atividade jornalística pode ser realizada por qualquer pessoa, que é uma ameaça à liberdade de expressão. Isso tudo causou um dano social muito caro. Em segundo lugar, é preciso recuperar a autoestima, a opinião pública e convencer (novamente) a sociedade de que o trabalho do jornalista é importante, sim. E então, consolidar o jornalismo de maneira que ninguém, nem nenhuma organização pública, nunca mais questione a importância da profissão”.
Fotos: Samuel Maciel/Hiper
Schröder assumiu a presidência da Fenaj em agosto Na Famecos, no entanto, descobriu que podia ir além do desenho. Deuse conta que também podia escrever e sabia fazê-lo. Deixou de lado o preconceito inicial e se apaixonou “pela ideia e pela função social do jornalismo”. A política, no entanto, sempre o acompanhou. E para não perder o costume, começou a militar na área do jornalismo e aprendeu a
usá-lo como instrumento de luta pela democracia no país. Seis meses após seu ingresso na militância jornalística já era vice-presidente do Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Sul. Em seguida, assumiu a presidência. Depois de se formar jornalista, ingressou na redação do Correio do Povo e começa a virar sua lente para a vida acadêmica. Em 1986, se tornou professor da PUCRS.
O mediador “A profissão vive um momento crítico não só no Brasil, mas no mundo todo. Na Europa, por exemplo, a discussão mais urgente é de abertura e aceitação de blogs e redes sociais como jornalismo. Essa confusão do jornalismo com as plataformas de comunicação já foi resolvida aqui no Brasil, enquanto lá ainda é pauta de debates calorosos. O jornalismo não foi superado historicamente, com essa quantidade infinita de informação na rede existe uma tendência à entropia e ao caos, e, mais do que nunca, precisa-se de um profissional que faça a mediação disso, que selecione, organize e edite”.
A rotina de viagens e aulas na PUCRS Jornalista atuante na política pública e sindical, Celso Schroder foi eleito presidente da Fenaj em agosto. O primeiro contato que Schröder teve com a Fenaj foi em um congresso em Santa Catarina, em 1992, quando assistiu à apresentação de uma tese sobre a democratização dos meios de comunicação no Brasil, feita por Daniel Herz, Bety Costa e Sérgio Murilo. “Essa tese mudou minha vida”, confessa o jornalista. A
hiper 8 texto
partir daí, trabalhou com Daniel no Sindicato e construiu seu espaço dentro da entidade. Com aproximadamente um mês de presidência, Schroder já teve que se adaptar ao ritmo de trabalho. O professor e presidente se divide entre as aulas e as viagens semanais. Mas não abre mão da dedicação à família, especialmente ao filho mais novo, de nove anos. “Reservo um tempo para o futebol e outras coisas que ele gosta de fazer”, conta.
Porto Alegre, agosto/setembro 2010
O professor divide-se entre os compromissos da Fenaj e as aulas na Famecos
esporte Bolívar Abascal Oberto/Hiper
O libertador colorado Nome, liderança e personalidade de general, o zagueiro Bolívar foi um dos destaques da conquista do bi da América Por Fernando Soares
Zagueiro se prepara para o Mundial Interclubes da Fifa
PRIMEIRO JOGO da final da Copa Libertadores da América. O Internacional empata com o Chivas em 1 a 1 e pressiona em busca do segundo gol. Os mexicanos resistem como podem. Aos 31 minutos do segundo tempo, D’Alessandro lança para Índio, que escora o cruzamento para o meio da área. A bola encontra Bolívar, que mergulha na grama sintética do Estádio Omnilife, em Guadalajara, e acerta um cabeceio certeiro, superando o goleiro adversário. É o gol da vitória. Na semana seguinte, após novo triunfo, Bolívar ergue a taça mais desejada do continente e consuma a libertação da América para o Internacional. A contribuição do General, como é chamado pelos torcedores, na segunda Libertadores obtida pelo colorado não se restringe ao tento decisivo. O zagueiro exerceu um papel chave na reorganização do time após a contratação do técnico Celso Roth, em julho. “A troca de comissão técnica nos ajudou bastante. O Celso Roth chegou e mudou todo o discurso anterior, conseguiu implantar seu método de trabalho e nós acatamos da melhor maneira possível”, afirma Bolívar. As mudanças realizadas por Roth foram além da troca de esquema tático. Com o novo comandante, Bolívar passou a ser o capitão da equipe. A posse da braçadeira, antes pertencente a Guiñazu, ratificou seu status de homem de confiança do
treinador. Em sua segunda passagem pelo clube, Bolívar consolidou-se como a principal liderança do grupo. “Os jogadores aceitam e concordam com o que ele diz”, relata o vice-presidente de futebol do Internacional, Fernando Carvalho. O zagueiro é o porta-voz dos atletas, sendo o intermediário das relações com a direção e o técnico. Quando um atleta necessita de dispensa para tratar assuntos particulares, primeiro ele consulta Bolívar, que comunica aos superiores. Questões como o pagamento de bichos e a redução do tempo de concentração antes dos jogos também passam pelo aval do capitão. Mesmo sendo um dos expoentes do time campeão continental em 2006, foi no retorno do futebol francês, dois anos depois, que a condição de líder foi forjada. “Ele não tinha essa liderança antes. Ele foi crescendo como jogador e pessoa dentro do ambiente”, destaca Carvalho, que o contratou em 2003, quando era presidente. Em um Grenal de juniores, anos antes, um lateral-direito cabeludo havia despertado a atenção do dirigente. Era Bolívar, que atuava na base do Grêmio e era o capitão do time. Na época, a diretoria do tricolor optou por não comprar seus direitos federativos e, após o término do contrato, ele rodou por clubes do interior até parar no Inter, onde se consagrou no futebol e ganhou seus principais títulos. “Pela estrutura do clube e as
condições de trabalho proporcionadas, eu não me vejo jogando em outro lugar. Quando você consegue um status dentro de um clube, você não quer sair. Você rende mais onde todo mundo te admira”, garante Bolívar, que transita pelo Beira-Rio com a desenvoltura de quem está em casa. É uma figura benquista e respeitada por todos no clube, desde funcionários a dirigentes. A admiração é mútua. Antes dos treinos, os jogadores chegam a formar fila para cumprimentar o capitão. Ele recebe um aperto de mão, um abraço e um beijo na face de cada um. “O Bolívar é uma liderança aglutinadora. Os jogadores gostam de estar com ele, não temem sua presença. Alguns líderes geram temeridade, principalmente nos mais jovens”, destaca Carvalho. A fala calma e o sotaque com o “r” carregado entregam as origens interioranas do gaúcho nascido há 30 anos em Santa Cruz do Sul. Líder, mas nunca intransigente. O estilo Bolívar de comandar baseia-se no diálogo e na mobilização do grupo em torno dos objetivos propostos. As constantes brincadeiras fazem com que os mais novos fiquem ao seu redor. Durante os exercícios físicos, colegas e preparadores divertem-se ao escutarem Bolívar narrando as peripécias do filho mais velho, Tales, de 10 anos. Quando o meia Giuliano vê o capitão concedendo uma entrevista na porta do vestiário profissional, com o rosto rijo e falando sério, passa rindo, tentando desconcertá-lo. Bolívar Abascal Oberto/Hiper
O NOME DO PAI Fabian Guedes de nascimento, Bolívar por obra do destino. O nome, assim como a personalidade exibida em campo, é herança do pai, seu maior ídolo. “Fabian não é nome de jogador. Tu vais ser Bolívar, como o teu pai”, sentenciou um treinador, ainda na infância. Ele referiase a Bolívar Modualdo Guedes, ex-lateral do Grêmio nos anos 70 e campeão paulista com a Internacional de Limeira em 1986, registrado desta forma em homenagem ao general Simón Bolívar, caudilho que lutou contra o domínio espanhol na América Latina no início do século XIX e
Memória Grêmio
participou da independência de seis países. O garoto que, no princípio da carreira, assistia às partidas dos grandes clubes na televisão e sonhava com uma oportunidade na Capital, manteve a tradição libertadora do nome. Com lugar cativo na história colorada, Bolívar ainda não se dá por satisfeito: “Eu não quero descansar ainda. Temos o Mundial pela frente e, ano que vem, tem mais uma Libertadores. Tudo o que aconteceu em 2010, eu pretendo retomar em 2011”, promete. Melhor não duvidar da palavra de um General.
Bolívar concede entrevista ao Hipertexto no vestiário do Inter Porto Alegre, agosto/setembro 2010
hiper texto
9
Cultura Lívia Stumpf/ Hiper
Som dos bálcãs abre o Em Cena
Goran Bregovic e sua Wedding & Funerals Band misturam uísque com música cigana, árabe e pop em show Por Cairo Fontana UM QUARTETO DE CORDAS sobe no palco pela esquerda e toca alguns compassos de um tema triste. No primeiro instante de silêncio, um quinteto de sopros entra pela direita ao nível da plateia e responde num tom de alegria. As cordas replicam, os sopros debocham (musicalmente, é claro). De repente, duas cantoras vestidas na tradição bósnia tomam seus lugares, seguidas por cinco cantores entoando um coro. Por fim, o percusionista-cantor se aproxima do centro do palco e cada timbre acha seu lugar, porém nada toma o fôlego final até Goran Bregovic pegar a guitarra e gritar: — Putan! Aí sim, a abertura oficial do 17° Porto Alegre Em Cena toma corpo. Nascido e criado na Bósnia, Bregovic assimila facilmente a mistura de vertentes complexas que existem longe da mídia. O folclore cigano e árabe, muitas vezes misturado com batidas pop e arranjos modernos, é intercalado durante as mais de duas horas e meia de espetáculo apresentado nas noites de 8 e 9 de setembro no Teatro do Bourbon Country. Antes que se perceba, o primeiro e segundo números interpreta-
hiper 10 texto
dos pela Weddings and Funerals dançou bem perto do palco as canOrchestra alegraram o público e ções mais aliadas ao pop, enquanto um pequeno exemplo de como a em outros momentos a contemplareclusa música dos Bálcãs soa foi ção imperava. A iniciativa do POA Em Cena oferecida. Alternando composições que vão desde o som fúnebre a mais em trazer espetáculos diversos não inebriante explosão de danças, falhou na escolha de Bregovic. Pela Goran canta pouco e toca menos, segunda vez no Brasil (a primeira foi mas deixa claro que é o mentor na edição do Em Cena de 2001), ele bebericou uísque de todo instante durante todo o criado no palco. “Nós podemos nos show, tocou um A sabedoria com xilofone com que intercala as apresentar em naturalidade e vozes femininas funerais de um não deixou sua e masculinas político ou de gente orquestra sozijuntamente com nha um minuto um quinteto de comum. Mas não sequer. A escolha sopros poderoso morra. Nosso cachê de instrumentos (mais um grupo é mais alto em tão dissonantes de cordas sutil) quanto violino, torna a experifunerais”, brinca trompete e canto ência de ouviBregovic lírico trouxeram los numa força um senso de ritmais pulsante mo que é tradido que estamos acostumados. Através do vasto ção no seu país de origem, já em solo repertório do líder e compositor de americano se torna novo e exótico. 60 anos, a sensação de estar num As roupas típicas das cantoras e espetáculo para se ouvir ou dançar do quinteto de sopros chamaram muda a cada abertura. Enquanto o a atenção diante do terno branco e contraponto entre poesia e farra se crucifixo no bolso de Bregovic. Coalterna, a plateia reage fisicamente letes negros e sapatos rústicos nos à música. Em mais de uma ocasião, homens e flores típicas na cabeça o público jovem levantou, gritou e das mulheres (também vestidas em
Porto Alegre, agosto/setembro 2010
trajes do Leste Europeu) ajudam a elaborar a sensação de que a cultura inerente ao trabalho da orquestra é fundamental para trazer a realidade deles à nossa. Apesar de todos os integrantes serem de origem bósnia, a demanda de influências que o concerto abrange exige uma forte identificação com as raízes artísticas do grupo. Assim que a canção Kalashnikov termina de debochar do serviço militar e de seus soldados, cinco minutos de palmas e pedidos fazem a orquestra voltar ao palco aos poucos. Primeiro um dueto de flautas piccolo dá o ar de aparente simplicidade que permeia toda a imaginação de Goran. As tubas, as cantoras e a percussão se aconchegam e o impacto contagia a ponto de um fã subir na margem do palco e pular, tentativa frustrada pelos seguranças. Um dos momentos mais envolventes da noite foi quando o lado comediante do compositor veio à tona. Entre frases como “Nós podemos nos apresentar em funerais de um político ou de gente comum. Mas não morra. Nosso cachê é mais alto em funerais”, Bregovic deu espaço para tangos introspectivos como In A Deathcar (“Por favor, não mar-
quem com palmas agora, fico um pouco confuso com elas em músicas lentas”) e uma canção dos tempos da Primeira Guerra Mundial, onde todos eram convidados a cantar junto a única palavra inteligível: artilheria (artilharia em português). Os músicos riem, relaxam e dançam sem timidez, o cômico combina com o ritmo assim como as bebidas fortes que são recomendadas aos que ouvem o gênero. A Sljivovica, uma espécie de conhaque de ameixa, batiza a primeira parte do projeto Alkohol, a ser seguido por Champagne, que será gravado ainda este ano na Europa. Entre as 14 faixas, o destaque fica com Jeremija e Gas Gás, bastante dançantes e que inspiram o espírito soviético da comemoração. Além destas, outras harmonias apareceram, entre elas trechos da ópera Karmen with a Happy End, a liturgia My Heart Has Become Tolerant e Margot, Memories of an Unhappy Queen, sua última obra. Suas trilhas sonoras para filmes e peças de teatro também foram executadas, muitas delas fruto da parceria com o cineasta bósnio Emir Kusturica, que produziu Tempo de Ciganos (1989), Arizona Dream (1992) e Underground (1995).
Guilherme Santos/ Hiper
Da palavra ao silêncio, do corpo à ação
As linguagens no palco Por Natasha Centenaro AS CORTINAS estão abertas. Os atores se preparam para entrar em cena. O teatro está iluminado. Cenário ou ausência deste ocupa o palco. A plateia acomoda-se nos assentos. Apagam-se as luzes. Silêncio. Primeiro ato. Música. Dança. Palavra. Ação. Corpo. Sincronizados em busca do que nos transforma em homens, a linguagem. E foram muitas as linguagens que se manifestaram na 17.ª edição do Porto Alegre em Cena, que reuniu 70 espetáculos, entre internacionais, nacionais e locais durante 20 dias. Prólogo: o ato de representar é tão antigo quanta a própria linguagem verbal. Para Aristóteles, o ser humano tem a necessidade de imitar, como forma de (re)conhecimento e aprendizagem, e as construções miméticas se baseiam nas ações. O ator entra no palco e compõe a tríade essencial do teatro, juntamente com o texto e o público. Desde a Grécia antiga, porém, estes três elementos são acrescidos de outros, tais como cenário, figurino, iluminação, trilha sonora, recursos que constituem a linguagem cênica. Silêncio. A primeira frase vai ser dita. Em Hamelin, a quarta parede é transposta e não existem mais barreiras entre o que o autor quer dizer, como o ator vai falar e a platéia perceber. O texto do espanhol Juan Mayorga propositalmente chama o espectador a conceber o seu espetáculo, e estabelecer os não-limites. Com exceção do Juiz Monteiro, os demais personagens transitam entre a ação, narrar os
Bruno Todeschini/ Hiper
fatos, questionar, indicar o que deveria estar presente como móveis no cenário substituídos por cadeiras e uma mesa, atrás a parede preta. Silêncio. É o próprio personagem que pronuncia a rubrica, apontando o momento de pausa. No movimento de acender e apagar, luminárias auxiliam nos cortes e passagens de cenas. Linguagem cênica. Olhe para o lado. O espetáculo também trouxe a discussão da linguagem verbal, essa que estamos habituados todo o dia, em família, no trabalho, perante a sociedade. Mas e quando não conseguimos nos comunicar? E quando cada um tem a sua linguagem, restrita aos outros? O tema é a pedofilia. Tratado de maneiras diferentes, tanto nessa, que no título faz alusão ao Flautista de Hamelin dos Irmãos Grimm, quanto em Anatomia Frozen, que disseca três narrativas entrelaçadas: um serial killer condenado a prisão perpétua, uma médica psiquiatra que estuda a mente assassina e a mãe de uma das vítimas que vai visitá-lo na prisão. No palco, apenas dois atores, um deles interpreta as duas mulheres, enquanto o outro dá forma ao pedófilo. O estranhamento acontece de imediato, o figurino nada mais é do que um avental branco de açougueiro por cima de uma camisa e cueca samba-canção. O assassino aparece vestido com um saco plástico branco – lixo humano? Toucas de látex na cabeça, botas de abatedouros nos pés, máscara cirúrgica – prontos para assepsia. O texto é deixado de lado para privilegiar a ação em As Troianas – Vozes da Guerra. A tragédia grega de Eurípedes encontra-se com a
situação de flagelo e sofrimento das mulheres judias nos campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial. Quando o perturbador som do vagão de trem alcança o palco, o público se depara com a submissão de Hécuba, Cassandra e as mulheres que cantam para se expressar. Helena é a única que se dirige com palavras a Menelau, agora um comandante do exército nazista. Sem entender o que se quer dizer – os homens falam, mas em alemão e sem legendas – o drama se intensifica nos rostos desamparados. Outra tragédia, esta de Sófocles, presente no nome Antigonas, também surge em outro contexto, na verdade, em quatro situações que colocam as irmãs Antígona e Ismênia na pele de diferentes mulheres, revelando a condição feminina. No cenário, um objeto desencadeia a mudança na narrativa – é uma cama de massagem, um banco para sentar-se, um barco navegando, uma maca de consultório. Do mesmo modo, em Na solidão dos campos de algodão, a ação está centrada em cinco imensas gangorras fixadas lado a lado e que obrigam os dois personagens, o cliente e o vendedor, a movimentarem-se num jogo em que um está em cima e o outro embaixo. A peça foi encenada no Cais do Porto e para o público se reservou o espaço de duas arquibancadas em volta. O que atrapalhou a compreensão dos diálogos consistentes, que eram legítimos solilóquios, foi a utilização pelos atores de microfones. O Porto Alegre em Cena apresenta algumas espécies peculiares
de linguagem. No início, corpos se amontoam em filas para garantir os ingressos. Durante, os mesmos permanecem nas filas para assegurar seus lugares. Depois, relaxados, os corpos tendem a manterem-se juntos para discutir, compartilhar impressões do que se viu, do que se pretende ver, em seguida que acabar aqui e correr acolá para o próximo. Linguagens que independem de língua, pois não existe um idioma oficial, com ou sem legenda, em espanhol ou português, alemão ou francês, inclusive em lituano, o público comparece e lota as salas, seja palco italiano, arena, na rua, ou de improviso. Nesse roteiro contudo, é preciso ressaltar em Coro, ainda falta a cultura do bom espectador, aquele que desliga o celular e todos os aparelhos barulhentos antes de começar. Ainda mais, podem fazer careta para o vizinho que não para de tossir, mexer em bolsa ou abrir
pacotes com guloseimas e comestíveis. Assim sendo, aplausos no final. A pluralidade de linguagens acontece em ressonância com a platéia, eis o ponto forte. É possível escolher entre linguagem corporal, movimento e música em harmonia com as apresentações de dança; linguagem sonora e visual com os shows de música; linguagem verbal e cênica nas peças. Desta vez, a lírica se fez presente com maestria, se pensarmos as representantes da poesia Ana Cristina César e Hilda Hist. A montagem que tinha Paulo José como timoneiro e Ana Kutner como a poeta brilhante que preferiu navegar em outras águas, em Um navio no espaço ou Ana Cristina César, foi a síntese das linguagens que fizeram parte deste festival, desde o verbo, o silêncio, a ação, a imagem, a música, o movimento... o espetáculo. Fecham-se as cortinas. Até o ano que vem.
Lobão volta a criticar ‘jabá’ cobrado no rádio Por Caroline Michaelsen
Lobão volta às guitarras
A força cênica em Los Padres
Ora rebelde sem causa, ora argumentador ímpar. Lobão alcança os contrastes de ponta a ponta, e seus fãs o acompanham. No dia 1º de setembro, o Opinião abrigou um de seus públicos mais abrangentes, composto por aqueles de cabelo já grisalhos e por outros moicanos que não viram o primeiro disco do cantor ser lançado em 1982. Para uma plateia tão distinta, repertório idem. Lobão usou e abusou da autonomia para a escolha das canções iniciais, como “O Jogo Não Valeu” e “Canos Silenciosos”, mas a segunda parte do show foi um banquete para os presentes mais tietes. Foram emendadas as músicas “Vida
Louca Vida” e “Me Chama”, seus grandes hits. O show foi um passeio pela sua discografia, junto à banda formada por Duda Lima (baixo), Armando Jr (bateria) e André Caccia Bava (guitarra). Em entrevista para o Hipertexto, Lobão falou sobre a indústria fonográfica brasileira e sobre seu disco acústico. Hipertexto: Antes do bis, foi tocada “Rádio Blá” numa versão um pouco mais ácida (a letra foi alterada para “Eu ligo o rádio e jabá, jabá, jabá”, dinheiro pago ilegalmente às rádios para que toquem determinadas músicas). Você tentou combater esse suborno por muito tempo. Há quantas anda essa batalha? Lobão: Sabia que ainda tem gente que não
acredita nisso? Ficam falando que eu tô viajando, que tudo não passa de um grande delírio desse grande maluco que sou. Eu revido questionando: “como uma rádio se sustenta tocando horas de músicas sem propaganda? E como ela tem coragem de repetir uma música dez vezes por dia?”. O jabá não prejudica só a classe artística, mas também a cultura nacional, além de atrofiar a publicidade. Então, a meu pedido, o deputado Fernando Ferro fez a lei da criminalização do jabá em 2007, mas nunca teve ninguém pra fazer pressão. Nunca cobraram tanto jabá quanto agora, prova disso é que só tocam emo e sertanejo. As pessoas têm medo de radioatividade, monóxido de carbono e não sei mais o quê.
Porto Alegre, agosto/setembro 2010
hiper 11 texto
12 ponto final
Crônica Por Suzy Scarton Ao sermos embalados pelo andar nada suave do T9, do T1 ou de qualquer outro T, nossa mente viaja. Vai a muitos lugares em poucos segundos, e em uma tarde qualquer entre tantas outras, tão ordinária quanto ou até mais, fui despertada dos meus devaneios por uma voz desolada que falava ao celular, no lugar em minha frente, contando a alguém seu grande problema daquele dia – ela havia perdido sua senha do Twitter. Simplesmente não lembrava, não conseguia pensar em nada. A senha havia desaparecido do seu cérebro, como se o próprio Dom Cobb e sua equipe de ladrões da mente o tivessem vasculhado a procura dela. O desespero da menina era tão contagiante que eu esqueci meus próprios pensamentos e fui invadida por uma dúvida terrível. Por que, afinal, o Twitter faz
Porto Alegre, agosto/setembro 2010
hipertexto
A vida em 140 caracteres tanto sucesso? E pergunto, desviando-me do óbvio – que é uma ótima fonte de informações instantâneas ou um lugar gratuito para divulgar serviços. Não, quanto a isso, estamos todos esclarecidos. Espanta-me o porquê de nós, pessoas comuns, reles mortais, completamente anônimos, sentirmos necessidade de expor nossos pensamentos e indignações – principalmente Puros pregam vidaindignasem sexo ções – e compartilhá-los com outras pessoas igualmente comuns. E, muitas vezes, com pessoas que não conhecemos. Imagine o seguinte cenário. Muitas pessoas reunidas em uma festa. Festinha, dessas feitas para conversar e esfriar a cabeça em meio a comes e bebes. Enquanto todos confraternizam, há aquele ser que não para de mexer no celular. “Esse sim vai ser alguém na vida”, os outros pensam. “Não se desliga do trabalho nem durante a festa. Que exemplo!” Eis que o pressuposto empregado do mês
está twittando sobre a festa. Esfregando na cara de seus queridos followers como ele é legal por estar em uma festa tão divertida. O motivo pelo qual alguém discorreria sobre a festa antes de ela terminar é um pouco nebuloso. Talvez tenhamos pressa de viver, pressa de ter as memórias registradas, pressa de sermos lidos e notados. Ou talvez a festa esteja realmente um pouco entediante e tweetar parece ser uma ideia mais atraente naquele momento. Outra finalidade para o Twitter é reclamar. Muitas pessoas insatisfeitas se iludem pensando que algo vai mudar por reclamarem que está muito frio, ou muito calor, ou que o ônibus está muito lotado – os twitteiros mais dedicados não esquecem seus 140 caracteres nem dentro do ônibus. O Twitter é apenas mais uma maneira de disfarçar a solidão de um mundo globalizado e cada vez mais interligado e, ao mesmo
tempo, cada vez mais excludente. Contamos aos outros como estamos nos divertindo para que ninguém possa ter a ideia de que sofremos, seja por tédio, por tristeza genuína ou por estarmos em casa em um sábado à noite. Temos a necessidade de nos incluirmos em um mundo pretensiosamente hedonista. Mesmo que talvez nossos apelos fiquem perdidos em meio a tantos outros, mesmo que quem nos segue apenas passe os olhos por aquilo que postamos. Trata-se de um grito silencioso em meio a tantos outros. Reclamamos porque alguém ouvirá. E para esse efeito, nada melhor que o Twitter, que valoriza o agora, interessa-se apenas pelo o que a pessoa faz naquele exato momento, sem se apegar a detalhes. Deixa o passado ser o passado e o futuro permanecer a incógnita com a qual estamos acostumados. Torna público o conto de uma vida brevemente resumida em 140 caracteres. Patrícia Dyonísio/Arquivo
Puros pregam uma juventude sem sexo
Felipe Dalla Valle/ Hiper
A ideia é esperar o amor verdadeiro Por Rafael Marantes JOVENS DE TODAS AS IDADES estão formando um novo grupo. Depois dos hippies, punks, góticos, metaleiros, emos, entre outros, surgem agora os puros. Indo contra a atual corrente de sexo sem compromisso, os puros prometem se casar virgens. Mas a pureza não está em apenas guardar-se para a pessoa certa, é um amplo processo de mudança, começando pelos pensamentos, a maneira como estes veem a sociedade que os cerca. Simbolizando o compromisso assumido com Deus, usam um anel onde se lê 1ª Ts 4:3-4, em referência ao trecho bíblico que trata da pureza, mas jovens dizem que o anel é apenas um objeto para que se lembrem da promessa. Nos Estados Unidos, a ideia de pureza ganhou uma grande mídia quando as estrelas da Disney, como os Jonas Brothers, disseram fazer parte do programa True Love Waits (Verdadeiro Amor Espera), mantido pelo grupo Life Way, ligado à Igreja Batista americana. Outros famosos também esperam a pessoa certa, como as estrelas da Disney, Selena Gomez e Demi Lovato, e a modelo da Victoria’s Secret Adriana Lima. Os fãs brasileiros apoiam, mas poucos seguem os ídolos. O pastor Leandro Devincenzi da Igreja Batista Mont’Serrat, que também é um puro e um dos coordenadores do grupo Amontoado, diz que não é ruim se alguém resolver fazer parte do grupo por moda, mas é preciso que esta pessoa entenda o por quê. E para auxiliar os jovens que querem levar uma vida mais pura, eles realizam um retiro chamado Atitude 434. Neste acampamento fala-se sobre o que é e como levar uma vida pura. É
lá também que recebem o anel. Ao voltar para o que consideram uma despudorada sociedade, os novos puros encontram apoio e ajuda no grupo Amontoado, onde eles falam sobre suas angústias, dúvidas e dificuldades com relação ao estilo vida que escolheram ter. Para auxiliá-los na missão de permanecerem virgens, estes jovens também contam com um mentor, uma pessoa mais velha em quem confiam e que os aconselha, mas sem controlá-los. “O nosso lema é: sozinho, não dá” diz o pastor André Castanheiras. O dia-a-dia dos puros acaba sendo um pouco diferente do que se espera de pessoas entre 13 e 23 anos. Eles evitam assistir à televisão e ouvir rádio, preferindo ler ou baixar músicas que os agrade mais. Eles também evitam ir a boates, optando por fazer festas na casa de amigos. E quando namoram, planejam casamento. Nos Estados Unidos, o ideal de pureza toma grandes proporções. Existem um amplo mercado de objetos com o lema True Love Waits, incluindo aplicativo para iPhone, programas de rádio e bailes. No Brasil, em geral, e em Porto Alegre, em particular, os grupos de puros ainda não têm tanta força, mas não acham que seja impossível que esta ideia vire uma nova revolução sexual. Já a antropóloga Valéria Aydos vê a situação de maneira diferente. Ela crê que não há e não haverá uma revolução de pureza. “Houve uma grande liberação sexual nos últimos tempos. As pessoas começaram a se apaixonar pelo indivíduo e não por rótulos de hétero, homo, bi, pan, ou transexual.” E completa: muitos podem até entrar nessa por moda, mas não será nada que irá mudar o mundo.
Jovens do grupo têm a ajuda de pastores para permanecerem virgens