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Tempos diferentes

 Adriana Krauss

Dia desses, da sacada do prédio, vi uma cena que me fez parar. Neto, pai e avô em frente à casa conversando. A criança era o centro das atenções e queria do vô _ um velhinho que sempre me pareceu carrancudo - alguns minutos de atenção, entrar no carro e aproveitar a curta viagem do portão até a garagem. As gerações tagarelavam e eu ria sozinha. Sorri porque me dei conta que hoje demonstrar amor é bonito e é permitido, mas não foi sempre assim.

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Cresci com avós bem diferentes desses que vejo hoje. Beijos no rosto e abraços pareciam contra lei e o máximo que eu me aproximava deles era na chegada e na partida do sítio. Podíamos e devíamos dizer: bênção, vó, bênção, vô, já era texto decorado. Tive uma infância feliz, mas meus pais - criados com esse distanciamento afetivo - fizerem o mesmo com os três filhos. Nada de falar de emoções! Dizer eu te amo era só para os casais apaixonados e nos momentos de intimidade.

Lembro que quando dávamos aqueles sustos típicos de criança, como quebrar ou cortar o braço, os cuidados se restringiam à parte física, nunca à emocional, os curativos não vinham acompanhados de carinho e palavras de conforto. Era o sermão que tinha vez, sempre ele. Meus pais certamente me amavam e tenho convicção que

acreditavam que eu sabia disso. Mas hoje, olhando para trás, percebo que eu não me sentia amada.

Não os culpo por nada, apenas uso meu caso como exemplo porque vejo adultos insistindo num padrão que pode ser revisto. No entanto, essa transformação só é possível quando isso nos incomoda, nos deixa inquietos e sedentos por relações mais profundas. Repito uma frase que falei em outro artigo: recebemos o que damos e sentimentos rasos resultam em migalhas de felicidade, nunca em abundância. Quando cresci, escolhi mudar e não esperei por ninguém.

Passei a dar abraços apertados e beijar meus avós. Até hoje os olhos da vó Maria ficam marejados quando nossos braços se encontram depois de meses de distância. Também comecei a dizer eu te amo para meus pais no fim de cada ligação e a reduzir aquela distância afetiva que tanto me incomodava. Minha conclusão? O amor é contagioso, ainda bem! Dia desses minha mãe ligou e na despedida disse eu te amo, sem que eu me declarasse primeiro. Quando desligamos, era minha vez de ficar com os olhos cheios d’água.

Adriana Krauss Apresentadora do RBS TV

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