D�vid Nordon Arte:
TiTO N� RU� COLEçÃO
histórias contadas nos muros da cidade
A Cane ta d ar
de a d li a e
Rio de Janeiro · RJ
São Conrado
São Conrado é um bairro turístico localizado na Zona Sul da Cidade Maravilhosa. Foi em um de seus muros, literalmente à beira mar, na Praia do Pepino, que o conto A caneta da realidade saiu da ficção, ganhando formas de imagens pelo espaço urbano. A arte foi desenvolvida em parceria com a escola de Surf da Rocinha e o resultado pode ser conferido neste livro.
Os Contos de Fadas,
ou fábulas,
consagrados por abordarem questões culturais e transmitidos de geração para geração são um grande sucesso até hoje. Com o passar dos anos, porém, têm o desafio de tornarem-se atuais. Por isso, deixe de lado o que quer que já tenha ouvido falar. David Nordon apresenta os personagens como pessoas comuns em situações inusitadas. Aqui, o protagonista poderia ser você ou seus familiares, contando histórias que aconteceram no seu bairro ou na sua escola. O Projeto teve ações nos muros de escolas, ruas e instituições que receberam os grafites sobre as histórias criadas no faz-de-conta! Leia e surpreenda-se com esses Contos de Fadas Urbanos.
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U
m escritor, em sua casa de praia, uma vez sentou-se à mesa, com um caderno novinho em folha e, à sua frente, uma caneta que havia
acabado de ganhar. Nada além dele e sua inspiração.
Estava sozinho, era de noite, a televisão estava desligada, o rádio também. Apenas ele, as estrelas, a lua e o som das ondas quebrando na enseada logo à frente.
Tomou a caneta em suas mãos, destampou-a, suspirou e iniciou a sua história. A caneta era um presente da dona de um antiquário e, supostamente, pertencera a um escritor persa famoso — não se lembrava ele de qual.
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Escreveu sobre um homem que, resfriado, abriu a sua geladeira, espirrou dentro e, pouco depois, enquanto comia sozinho em sua cozinha escura, ouviu barulhos estranhos — era o seu refrigerador, andando em suas rodinhas, espirrando por todos os lados e congelando coisas. Depois, seguiu para um vendedor de cores, que batia de porta em porta, apresentando um quadro gigantesco com 36 milhões de cores — praticamente indistinguíveis umas das outras — entre as quais se podia escolher uma para si, que receberia o seu nome e, a partir de então, seria sua.
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Na última história que escreveu, contou a lenda de um rio que, cruzando pelos desertos da Arábia, trazia a alegria e a desgraça de dezenas de povos perdidos. Ao terminar esta lenda, fechou o caderno novo, tampou a caneta e foi dormir sozinho em sua cama. Ligou a televisão, tanto para fazê-lo companhia como para manter uma iluminação tênue. Eram três horas da manhã, quando ouviu um estrondo na cozinha, seguido de outro e, por fim, de mais um.
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Assustado, levantou-se da cama. Vestido apenas de regata e cueca, pegou sua raquete de tênis e seguiu para o cômodo ao lado, vagarosamente, tentando enxergar algo na parca iluminação. Silêncio. E, repentinamente, outro estrondo! Ele pulou para trás, empunhando a raquete como se fosse uma espada e, por muito pouco, não berrou. Criou coragem e adentrou um pouco mais na sala de comidas e acendeu a luz. No meio do piso, sua geladeira parada, a porta fechada, e algumas partes dos móveis congeladas.
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O que era aquilo? Do nada, o eletrodoméstico moveu-se e, abrindo violentamente a porta, proferiu um
que congelou tudo à sua frente, no caso, a pia. O que diabos era aquilo? Ele tinha de estar sonhando. Era nisso que dava ficar escrevendo besteiras até tarde... 11
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Decidido, voltou para o seu quarto e revirou-se por mais uns minutos na cama até dormir novamente. Acordou pela manhã com alguém batendo à porta. Abriu-a com o rosto amassado de quem dormira pesadamente, ainda vestindo sua regata-pijama.
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Um homem gorducho, de paletó marrom e chapéu verde, prontamente lhe estendeu uma tapeçaria interminável com milhões de quadradinhos coloridos. Cada um deles tinha uma cor distinta, muitos já com nomes escritos abaixo e outros com os dizeres:
“Eu posso ser sua” — Gostaríamos de lhe apresentar a maior inovação da atualidade — anunciou — as cores! Hoje em dia, existem mais de 36 milhões de cores e, entre elas, pelo menos 27 milhões que não possuem nome. Ainda. 14
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— Você pode ser o feliz proprietário de uma cor, que não só vai ter o seu nome como, toda vez que alguém a utilizar, terá que pagar direitos autorais a ninguém menos, ninguém mais do que você! — Mas o que é que eu iria fazer com uma cor? — perguntou o escritor, achando aquilo uma coincidência estranha demais. — Ora, dezenas de coisas. Imagine se um dia você quer pintar a sua casa e diz “Vou pintar de azul Eduardo! Ou então de vermelho Joana”! Ou um pintor faz uma tela com um roxo violento e um verde limão e diz: a odisseia de Homero e Perséfone!
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— Pelo amor de Deus!
Ouvindo aquilo, ambos correram para a cozinha, por onde o refrigerador deslizava, congelando tudo Ă sua volta.
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— Ora, nós temos esta cor de gelo! Foi bastante popular entre os esquimós, mas como era difícil ver uma coloração deste exato tom no Polo Norte, eles sempre preferiram outros... Já que este parece ser bastante comum aqui nesta cidade, creio que não seria de todo mal... — Para o lado! — berrou. Mas não adiantou: a geladeira espirrou e congelou o vendedor. Do lado de fora, o furor das ondas parecia ter aumentado por todos os lados.
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O homem foi até a varanda que dava para o mar; as ondas estavam normais, como de costume. Em seguida, correu para a varanda oposta, de onde vinha o barulho. Um enorme rio havia se formado no meio da cidade e avançava cada vez mais rápido em direção a ele, inundando tudo ao seu redor. — Ai, meu Deus! — exclamou.
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Sem hesitar, correu para a cozinha, pegou o seu vidro extra grande de pimenta do reino, arrastou a geladeira como pôde até a varanda e, encarando o rio, que vinha com fúria total contra ele, respirou fundo e prendeu a respiração. Abriu a porta do eletrodoméstico, destampou o pote e arremessou todo o seu conteúdo lá dentro, antes de fechar. Ouviu-se um...
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O rio congelou-se a sua frente, graças à geladeira espirrante, que ainda continuou, por mais duas horas, espirrando contra tudo que tinha direito, transformando a cidade praiana em uma espécie de era glacial. O importante, porém, era que ele estava salvo. Agora, só faltava cuidar de uma coisa... Correu para o quarto e tomou em suas mãos a caneta que pertencera a um escritor persa. Que tipo de coisa era aquela, que tornava real tudo o que era imaginário?
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As leis do bom-senso mandavam que ele quebrasse a caneta, tocasse fogo nela e nunca mais pensasse nisso, uma vez que um objeto daquele era perigoso. Por outro lado, a sua alma de escritor lhe dizia que aquilo era tudo que um autor poderia sonhar... Um objeto que tornava as suas palavras reais... Pegou a sua caixa dourada, onde a caneta viera guardada, e com reverência depositou-a em seu interior aveludado e rubro. Iria guardá-la para outra ocasião.
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Sua mente retorcia-se nas infinitas possibilidades que sua imaginação conseguia criar. E era tudo uma questão de pôr em palavras... O homem realmente começou a rir malignamente, mas não conseguiu ir muito longe, pois logo a geladeira estava à sua frente, espirrando como louca. E lá permaneceu o escritor, congelado em uma pedra de gelo, sabe-se lá por quanto tempo...
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Alberto Serrano, o “Tito”, é artista e quadrinista mais conhecido por seu trabalho de street art, o “Tito na Rua”. Seu projeto Quadrinhos de Rua, histórias sequenciais feitas em graffiti nas ruas, é lido
diariamente por milhares de pessoas. A revista Time Out o colocou entre os Top 5 Graphic Novels do Brasil. A história de Zé Ninguém, um herói sem teto e seu cão tem causado curiosidade pelo mundo todo.
Premiado com 2 projetos no I Programa de Fomento à Cultura da Prefeitura do Rio, atualmente trabalha na publicação de um livro e um grande mural.
Nas areias de SÃo Conrado A Coleção Contos de Fadas Urbanos é composta por seis histórias, ilustradas em três comunidades do Rio de Janeiro e três de São Paulo. Foram muitas pessoas, instituições locais e artistas envolvidos e interessados em incentivar a leitura e a vivência de cada um dos livros! Este conto foi realizado na Praia do Pepino, em São Conrado, Rio de Janeiro (RJ), em parceria com a escola de surf da Rocinha. Numa tarde de quarta-feira, realizamos uma oficina em que fizemos a leitura dramática do texto, e um jogo de dados de contação de histórias foi usado para
despertar a criatividade dos envolvidos. No domingo da pintura do livro-vivo, muitas atividades paralelas aconteceram na praia. Um livro-vivo são imagens e histórias em espaços urbanos. Fazem com que pessoas participem desta narrativa e possam (re)contá-las e vivê-las no seu dia a dia. Além disso, uma linda tenda foi armada na areia, oficinas de Ioga, danças e trabalhos manuais foram realizados e a criação de uma biblioteca livre durante o dia do evento.
DAVID NORDON | autor Começou a escrever pequenos jornais aos 9 anos e seu primeiro livro veio aos 14 anos. Desde então, não parou mais. Hoje já passa de uma dúzia de livros publicados. Equilibra sua profissão de médico com seu hobby — uma "hob-
bissão" — de romancear crônicas, contar romances, cronicar contos e trançar rimas — os limeriques, seus favoritos! Por seu trabalho literário, David já ganhou o 2º lugar do 5º Concurso Literário Ben Gurion (2010).
Gabriele VALENTE | co-criadora Empreendedora social, artista-educadora da alegria, animadora de redes, idealizadora do movimento Liberte seus Sonhos e engajada na construção de novos paradigmas para a educação.
MARIANA FARCETTA | co-criadora Artista-educadora, movida pelo desejo de viver um mundo mais humano, colorido e menos excludente. Desde 2004, atua nas áreas da educação e saúde, tendo a arte como instrumento interdisciplinar para novas relações e saberes.
Editora Evoluir Título Original
A caneta da realidade
Autor
David Nordon
Coordenação editorial
Chico Maciel, Fernando Monteiro e Flávia Bastos
Produção
Gabriele Valente e Mariana Farcetta
Arte (graffitis)
Gelson, Salvador, Ayco Daki, Bruno Pastore, Lucio do Nascimento
Ilustrações
Profª Juliane Karin Pfersich e alunos da sexta série da EMEF Leonardo Villas Boas
Parceiro
CITA (Cantinho de Integração de Todas as Artes)
Fotografias
Marina B. Valença
Projeto gráfico
Gisela Dias e Chico Maciel
Diagramação
Gisela Dias
Letterings e capa
Fernanda Machado e Guilherme Reis Machado
Revisão de texto
Lilian Rochael
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Nordon, David A caneta da realidade / David Nordon. — São Paulo : Evoluir, 2014. — (Coleção contos de fadas urbanos) Vários ilustradores. ISBN 978-85-8142-051-6 14-12043 CDD-028.5 Índice para catálogo sistemático: 1. Contos : Literatura infantojuvenil 2. Contos : Literatura juvenil
028.5 028.5
Este livro atende às normas do acordo ortográfico em vigor desde janeiro de 2009.
Evoluir Cultural · FBF Cultural Ltda. Tel: (11) 3816-2121 · evoluir@evoluircultural.com.br www.evoluircultural.com.br · facebook.com/evoluircultural Rua Aspicuelta, 329 · Vila Madalena, São Paulo-SP · CEP 05433-010
Papel capa Papel miolo Fonte Edição Tiragem Impressão
Diamond telado 180g/m2 sobre papelão 18 Offset 120g/m2 Duper OT, LunchBox e Whitney 1ª edição, novembro de 2014 1.200 (segunda impressão, maio de 2015) XXX
Esta obra é licenciada sob uma Licença Creative Commons 4.0 Internacional que permite que você faça cópias e até gere obras derivadas, desde que não as use com fins comerciais e que sempre as compartilhe sob a mesma licença.
O livro traz uma ficção divertida sobre a caneta que transforma seu texto em realidade. Ela que pertenceu a um escritor persa do século passado, transforma histórias inusitadas em realidade, como a do homem que, resfriado, abriu sua geladeira, espirrou nela e pouco depois começou a ouvir barulhos estranhos. Imaginem a cena e divirtam-se com esse conto.
projeto
realização
contosdefadasurbanos.com.br