ID: 51309306
13-12-2013 | Ípsilon
Hello Évora
Tiragem: 38013
Pág: 6
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Semanal
Área: 27,18 x 31,48 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 1 de 10
Um centro cultural que propõe inscrever Évora nos circuitos internacionais das artes plásticas. Outro que quer levar a arte contemporânea a Castelo Branco. Um ícone vermelho em Miranda do Corvo. Três propostas culturais no interior do país abrem as portas contra a crise.
Isabel Salema
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Semanal
Área: 27,45 x 31,82 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 2 de 10 BARBARA RAQUEL MOREIRA
13-12-2013 | Ípsilon
Pág: 7
Na paisagem da crise Num município do interior com 13 mil habitantes há um surpreendente investimento em contraciclo: a Casa das Artes de Miranda do Corvo. Tem enchido o auditório todos os fins-de-semana, enquanto o seu edifício vermelho vai sendo elogiado nas revistas e sites internacionais de arquitectura. E em Castelo Branco, 39 mil habitantes, há uma nave de zinco e madeira a pairar na paisagem: um Centro de Cultura Contemporânea em cuja construção a autarquia investiu seis milhões de euros.
Situado no centro histórico, mesmo ao lado do Templo Romano de Diana, de frente para o Museu de Évora e para a Sé, o Fórum Eugénio de Almeida tem uma posição privilegiada na cidade
— Hey, stranger! — ... — I know you are there. — ... — Helloooooooo!… A voz não pára de nos chamar enquanto subimos a escadaria e os nossos passos ressoam nos degraus de granito. É uma versão sonora e contemporânea das figuras de convite dos azulejos antigos que deram durante séculos as boas-vindas aos visitantes nas entradas dos palácios, é uma videoinstalação do artista norte-americano Tony Oursler. O monólogo de mais de 11 minutos vem de dentro de um baú, onde descobrimos um dos bonecos de Oursler, animado através de uma projecção. É uma cara, que vira e revira os olhos, enquanto nos interpela com tom angustiado, demasiado humano. A comissária brasileira Claudia Giannetti, que organiza a exposição de media art inaugurada no novo Fórum Eugénio de Almeida, em Évora, quis que a peça fosse uma surpresa para o visitante. “Essa personagem se dirige directamente ao espectador e o chama. Mas está prisioneira dentro dessa arca e é uma figura com um certo dramatismo. Tem o sentido metafórico de uma pessoa que está prisioneira e que chama a atenção do espectador, mas na verdade o espectador não pode reagir. É uma maneira emblemática de tratar essa situação física num
ADRIÀ GOULA
ID: 51309306
Tiragem: 38013
espaço como este que foi o Palácio da Inquisição.” — All those people can’t be wrong... Esta é já a segunda exposição que o Fórum Eugénio de Almeida organiza desde que abriu em Julho as portas com uma exposição inaugural chamada, exactamente, Portas Abertas. É um novo e ambicioso projecto da Fundação Eugénio de Almeida, instituição 100% privada que tem o vinho como coração financeiro e que se propõe fazer regularmente em Évora exposições de arte contemporânea. Agora, desde o final de Novembro, o novo fórum tem uma exposição mais lúdica, intitulada Inter[in]venção, claramente dirigida a um público mais alargado e que consegue trazer ao Alentejo a colecção do ZKM – Centro para as Artes e Media de Karlsruhe, mostrando trabalhos históricos de media art, uma área da arte contemporânea que não é assim tão comum poder ver-se em Portugal. Situado no centro histórico, mesmo ao lado do Templo Romano de Diana, de frente para o Museu de Évora e para a Sé, o fórum tem uma posição privilegiada na cidade que é há 27 anos património mundial e ocupa um edifício que não pode deixar de ser uma responsabilidade programar: foi aqui que o rei de Portugal anunciou em 1536 a criação da Inquisição portuguesa. O Palácio da Inquisição, amplamente remodela-
“O fórum tem uma carga histórica importante e com a qual temos não só de conviver mas de trabalhar. Para um curador, é um desafio trabalhar com um espaço desses porque ele não é neutro” do com um projecto do arquitecto Fernando Sequeira Mendes, é o espaço mais bem conservado em Portugal das instalações de um tribunal do Santo Ofício, instituição que perseguiu, torturou e matou durante quase 300 anos. “O fórum, esse novo centro dedicado à arte contemporânea, tem evidentemente uma carga histórica importante e com a qual temos não só de conviver mas também de trabalhar. Um bom
13-12-2013 | Ípsilon
Pág: 8
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Semanal
Área: 27,09 x 32,24 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 3 de 10
ENRIC VIVES-RUBIO
ID: 51309306
Tiragem: 38013
ENRIC VIVES-RUBIO
exemplo nesta exposição são algumas obras que estão instaladas em alguns espaços emblemáticos.” Na Sala do Tribunal, onde conversamos com Claudia Giannetti, com o seu tecto em caixotão onde se adivinham na penumbra as armas da Inquisição, está a obra sonora de Bernd Lintermann, Julia Gerlach e Peter Weibel, o director do ZKM, que deu uma conferência em Évora no dia da última inauguração e que é co-curador da exposição. Num espaço absolutamente silencioso, faznos visualizar, de iPads na mão e auscultadores na cabeça, a forma que tem o som através do mecanismo da realidade aumentada. “O silêncio sempre é uma forma de limpar um espaço. De uma certa forma, o lugar é absolutamente silencioso, mas está cheio de som e música através do dispositivo da realidade aumentada.” No Cubículo do Inquisidor, há uma obra de 1985 de Bruce Nauman, Good Boy Bad Boy, que marca o regresso deste artista norte-americano à produção videográfica depois de uma paragem de mais de uma década. Um homem negro jovem e uma mulher branca mais velha recitam as mesmas 100 frases: “We have sex. We love. We hate. You hate... I am a good boy. You are a good boy. You are good boys.” A sequência é a mesma, mas a entoação dos actores diverge e aos poucos a sincronia desaparece. “É uma obra onde o artista trabalha a impossibilidade da comunicação, a impossibilidade das relações pessoais”, diz a comissária. É também uma obra sobre racismo. Devolver um espaço com estas características históricas à cidade e ao país, com esta carga negativa, não parece fácil. “Para um curador, é um desafio trabalhar com um espaço desses porque ele não é neutro. É muito único também. Todos os espaços de arte contemporânea que foram construídos novos são espaços que têm uma tendência à neutralidade. Esse é um espaço positivo para as novas tendências da arte contemporânea, que são tendências muito críticas.” Maria do Céu Ramos, secretáriageral da fundação e que dá a cara pelo projecto, diz-nos numa primeira visita que fizemos ao espaço em Setembro, enquanto decorria a exposição Portas Abertas, que se deu um passo de gigante com a abertura novo fórum. “Não é um passo... É um salto muito grande.” Têm agora 1200 metros quadrados para exposições, enquanto o espaço antigo do fórum disponibilizava apenas 230
A instalação interactiva de Christa Sommerer & Laurent Mignonneau é uma das primeiras obras que investiga uma forma não convencional de estabelecer um interface, que neste caso são as plantas
Bubble (1998-2000), instalação de Kiyoshi Furukava e Wolfgang Münch, permite às crianças (ou adultos) brincarem, em tempo real, com uma simulação de bolas de sabão que surgem num ecrã
Maria do Céu Ramos, secretáriageral da fundação, diz que Évora “é uma espécie de bela adormecida”: “É uma cidade magnífica mas que precisa de um beijo para despertar
metros. “O fórum antigo ficou integrado neste conjunto, até porque tem uma valência que é o auditório.” Foi um investimento de 3,6 milhões de euros, com uma comparticipação de 80% dos fundos estruturais da União Europeia. Céu Ramos, que foi secretária de Estado da Juventude num dos governos de Cavaco Silva, ficou muito contente pela maneira como o jornal espanhol El País captou o projecto: “Em tempos de crise, cultura”, titulou. “Nós tínhamos muita consciência do potencial do projecto, do risco. Muito a noção, com muito realismo, do contexto de dificuldade em que nos encontramos. Portanto, a gestão, o esforço, a inventiva, a comedição. Dentro do espírito inaugural e de arranque,
temos reacções muito positivas”, continua a secretária-geral. Depois, “é um caminho a construir”.
Bela adormecida O edifício é propriedade da Fundação Eugénio de Almeida e foi nos anos 1960 adaptado para ser o Instituto Superior Económico e Social de Évora, uma faculdade privada dirigida pelos jesuítas “que ensinava Economia, Gestão e Sociologia, coisas vanguardistas na época”, comenta Maria do Céu Ramos. “A Universidade de Évora ainda estava extinta e o aparecimento do instituto na década de 60 significou a retoma do ensino superior em Évora.” Depois do 25 de Abril, o palácio passou para o Estado, tendo sido cedido gratuitamente à universida-
de durante muitos anos, e depois de uma “negociação complicada” regressou à fundação. Há cinco anos, quando começaram a pensar neste projecto, pediram-no de volta à universidade e durante um ano ou dois fizeram alguns projectos para o testar. Foi aqui que em 2008 abriu a exposição Antologia Experimental do fotógrafo José Manuel Rodrigues. “Procurámos fazer a modulação do espaço, a navegação dos circuitos com essas experiências. Mas isto tudo é natural.” Por exemplo, nos dois pisos superiores do edifício, o corredor que permite navegar por fora das salas já existia. “E todas as salas são autonomizáveis.” O chão de todos os espaços é de mutene, uma madeira exótica. Da janela de uma delas, vê-se o Templo de Diana entrar por ali adentro — é uma perspectiva única e avassaladora. O novo fórum surgiu no âmbito do programa Acrópole XXI para regenerar o centro histórico de Évora. Havia outros dez parceiros no programa, entre eles a Câmara Municipal de Évora, que encomendou um projecto de reabilitação do espaço urbano ao arquitecto João Luís Carrilho da Graça e que ainda não foi executado. “O grande objectivo era regenerar o centro histórico, acentuando a sua dimensão artística, cultural, patrimonial.” “A estrutura que o edifício tem presta-se naturalmente a ser um equipamento cultural. A sua carga
ID: 51309306
13-12-2013 | Ípsilon
Tiragem: 38013
Pág: 9
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Semanal
Área: 27,45 x 32,11 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 4 de 10
A arte sob a condição dos novos media A novidade implícita no conceito e nas experiências da media art, da qual Peter Weibel é o mais importante teorizador, tornou-se a regra da arte contemporânea que, por isso, pode ser dita pós-media. Por António Guerreiro histórica é apenas uma inspiração para ultrapassarmos um contexto negativo com uma missão humanista, de inspiração cristã, ao serviço da comunidade, que é a identidade da Fundação Eugénio de Almeida”, continua Céu Ramos. Criada em 1963 pelo benemérito Vasco Maria Eugénio de Almeida, tem o cónego Eduardo Pereira da Silva como actual presidente do conselho de administração, que é também presidente e deão do Cabido da Sé de Évora. “Houve grandes intervenções aqui, uma dos anos 60, a escada e o átrio são desse tempo. Havia algumas opções, como reverter para uma intervenção anterior a essa época, mas a escolha do arquitecto foi conservar a estrutura como está, até porque serve bem a função de centro cultural. Quisemos respeitar a identidade do edifício, valorizar muito a relação do interior com o exterior e dotá-lo da tecnologia para a função, luz, ar condicionado, controlo de humidade, temperatura.” Maria do Céu Ramos diz que Évora “é uma espécie de bela adormecida”: “É uma cidade magnífica mas que precisa de um beijo para despertar. A missão de contribuir para o desenvolvimento local e regional é estatutária da fundação. É o nosso primeiro objectivo. Contribuir para esse desenvolvimento é também aumentar a atractividade da cidade.” E as pessoas acham “que Évora precisava de uma coisa com esta envergadura, com essa missão e... com este estatuto”. Claudia Giannetti foi escolhida para curadora do fórum porque tem um currículo internacional e também uma ligação à Universidade de Évora e aos doutoramentos em arte, explica a secretária-geral. Especialista em media art, Giannetti está orgulhosa por ter conseguido trazer ao Alentejo 33 obras da colecção ZKM, dos anos 60 até à actualidade, da videoescultura à videoperformance, da instalação audiovisual à instalação sonora interactiva. Esta exposição, diz Giannetti enquanto nos faz uma visita guiada, demonstra a filosofia pensada para o novo espaço, que quer dar ao espectador algum protagonismo. Chegada de Oldenburg no início da semana da inauguração, onde é directora do Edith-Russ-Haus for Media Art, centro dedicado à arte e tecnologia, afirma que para isso obras de media art são excepcionais: “Permitem a participação activa do público no contexto das obras. É muito importante trazer uma exposição considerada histórica e que inscreve
“O ZKM tem a mais importante colecção de media art do mundo, especialmente media art interactiva” Bernhard Serexhe
SoundARt (2012), de Julia Gerlach, Bernd Lintermann e Peter Weibel, para interagir de iPad na mão e auscultadores na cabeça com um dispositivo de realidade aumentada
ntervenção, a exposição de media art no Fórum Eugénio de Almeida, em Évora, provém da colecção de um instituição – o ZKM de Karlsruhe – que é provavelmente a mais importante da Europa no domínio da investigação dos novos media e da relação da arte com a tecnologia (ZKM é o acrónimo de Zentrum für Kunst und Medientechnologie). O ZKM é também um museu, mas é muito mais do que isso. Desde 1999, dois anos após a abertura do edifício onde está alojado, é dirigido por Peter Weibel, figura maior da media art, quer enquanto artista que esteve ligado às neovanguardas vienenses dos anos 60 e 70 do século passado, quer como teórico dos media e comissário de exposições importantíssimas, não apenas no ZKM, mas em toda a Europa. Este austríaco, nascido em Odessa, em 1944, estudou literatura, medicina, lógica, filosofia e cinema. A sua pertença à civilização do Danúbio e não à do Reno (como diria Claudio Magris)
I
ENRIC VIVES-RUBIO
emerge claramente nas suas intervenções artísticas com incidência crítica em dois planos: crítica da arte como linguagem (na esteira, portanto da crítica da linguagem, que encontramos na filosofia e na literatura austríacas do século XX, de Wittgenstein a Ingeborg Bachmann) e crítica da representação. Sirva de exemplo uma obra de 1970, “A representação [ou figuração: Abbildung] é um crime”, título que retomava, alterando-o, um célebre manifesto do arquitecto vienense Adolf Loos. Mas Weibel não está sozinho, faz parte de uma importante constelação filosófica de Karlsruhe, em cuja Escola Superior de História de Arte e Teoria dos Media são professores três figuras importantíssimas, de renome internacional: Peter Sloterdijk (que presidiu aos destinos da Escola durante largos anos, enquanto reitor), Boris Groys (também filósofo, linguista, estudioso das vanguardas russas, autor de Estaline, Obra de Arte Total) e Hans Belting (já jubilado). Sloterdijk, Groys e Weibel constituem uma tríade iconoclasta que agita frequentemente – e às vezes de maneira provocatória - as águas mornas da vida intelectual alemã (veja-se, por exemplo, a violenta polémica, nunca encerrada, entre Sloterdijk e os actuais representantes da Escola de Frankfurt, em especial Habermas). Virtualidade, media digitais, interactividade: a conjunção destes três factores, e as novas possibilidades que eles abrem tanto no plano técnico como no conceptual, definem aquilo que Weibel teorizou como media art e realizou enquanto director artístico da Ars Electronica, o primeiro festival dedicado a estas práticas artísticas. A diferença entre media art e o filme e a fotografia reside no facto de estes não serem interactivos. Na intervenção teórica de Weibel, o museu, o mercado da arte e o estatuto do espectador são instâncias às quais a media art coloca fundas interrogações. A circulação da media art, sublinha Weibel, mesmo quando se trata de obras de artistas tão importantes como Bill Viola e Bruce Nauman, faz-se sobretudo pelas bienais, mas não pelos museus (que, diz Weibel, agem como parte do mercado). Importante é também verificar o seguinte: a desmaterialização da arte, que tinha servido de manifesto para a arte conceptual,
ganha aqui um sentido diferente. Autor da mais importante reflexão teórica sobre a media art, Weibel introduziu num textomanifesto, publicado no catálogo de uma exposição dedicada à arte austríaca contemporâna na Neue Galerie de Graz, em 2005, a ideia de uma “condição pós-media” (“Postmediale Kondition”), onde é fácil perceber a alusão à “condition postmoderne”, definida por JeanFrançois Lyotard num livro de 1979. A noção de pós-media, com um sentido um pouco diferente, foi utilizada por Guattari, no início dos anos 90, referindo-se, com ela, à época das novas tecnologias da informação que sucedeu à época dos mass media. E Rosalinda Krauss também se serviu desse termos, num texto de 1999, fazendo recuar a Broodthaers (1924-1976) – imagine-se! – o início da condição pós-media. Sob esta condição, diz Weibel, a media art já não existe enquanto campo distinto, na medida em que os novos media ganharam carácter de evidência e tornaram-se elementos imprescindíveis, uma espécie de caixa de utensílios de que os artistas se servem com desenvoltura. Os novos media, escreve Weibel, “não são apenas um ramo novo na árvore da arte, mas transformaram a própria arte”. E transformaram também o modo como passámos olhar os velhos media artísticos. Estes tomaram consciência de si próprios, da sua especificidade. Em tom incisivo, Weibel concluía que “o impacto dos media é universal e, por isso, toda a arte se tornou pós-media [Postmediale]”. Esta condição define-se por duas fases: em primeiro lugar, dá-se uma equivalência dos media; em segundo lugar, pratica-se uma espécie de mestiçagem: o vídeo cruza-se com o cinema, o cinema gera-se a partir da literatura, a escultura alimenta-se da fotografia e do vídeo. E todos extraem vida do digital, que se tornou o medium universal que coloca o espectador numa condição nova, baseada na participação. Sob a condição “postmediale”, a separação entre arte contemporânea (categoria que, como sabemos, também está sujeita a interrogação) e experimentação artística a partir dos novos media foi superada tanto na teoria como nas obras de arte. O ZKM, enquanto museu e centro de investigação dos novos media, é uma instituição pioneira nessa superação.
13-12-2013 | Ípsilon
Pág: 10
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Semanal
Área: 27,24 x 31,48 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 5 de 10
ENRIC VIVES-RUBIO
ID: 51309306
Tiragem: 38013
do catálogo —, Bernhard Serexhe, curador-chefe do ZKM, recua até à fundação do museu em 1989 para explicar que começaram a coleccionar media art desde o final dos anos 80. “Também significa que o ZKM tem a mais importante colecção de media art do mundo, especialmente media art interactiva. O conceito desta exposição foi mostrar a história da media art desde os anos 60.” E como é que a media art, a invenção de novos media, mudou o mundo da arte? “Temos de considerar que em qualquer período as pessoas e os artistas se apropriaram de novos instrumentos para se expressarem. Durante os anos 60, nós temos a expressão de ideias mais participativas e democráticas no mundo da arte, onde o utilizador, o observador, é parte da própria obra de arte e isto tornou-se possível especialmente com a arte digital, com a arte que é processada por computadores. Desde os anos 80, temos computadores para uso pessoal dos artistas. Isto foi apropriado e mudou imediatamente a forma como as pessoas comunicam. Desde 1990, temos a Internet e a arte espalhou-se de um ponto para muitos outros pontos diferentes. Os artistas estão hoje a ligar pessoas de uma maneira diferente do que fizeram.” A exposição termina com um selecção de 14 obras emblemáticas de cinema experimental, entre as quais Tango (1980), de Zbigniew Rybczynski, Óscar de melhor curta de animação, mas também obras de Pipilotti Rist ou Robert Wilson. Algumas podem ser vistas num serviço de vídeo on demand através de monitores instalados na última sala. Em ano de inauguração, o fórum teve cerca de 400 mil euros para programar. Para o próximo ano, terá 242 mil. São verbas confortáveis à escala nacional, comparáveis à de instituições que programam arte contemporânea nos grandes centros urbanos. Claudia Giannetti vai comissariar em 2014 uma exposição do fotógra-
fo brasileiro Carlos Fadon Vicente, que será a sua primeira retrospectiva na Europa. Outra das exposições já agendadas para 2014 será comissariada por Delfim Sardo, um dos mais conhecidos curadores portugueses. Sardo explica-nos ao telefone que espaços de arte contemporânea fora de Lisboa e do Porto são fundamentais para haver uma cena artística. “Um panorama artístico tem de ser construído também com instituições que cooperam e fazem circular projectos, que fazem projectos próprios e que constituem uma rede de possibilidades de trabalho para os artistas e para a formação de públicos. Não é possível pensar que os artistas que estão cá sediados possam ir construindo os seus percursos só com as instituições como Serralves, o Centro de Arte Moderna, a Culturgest, o Museu Berardo, etc., e que isso constitui um panorama de consumo artístico em Portugal. É interessantíssimo que haja centros desta envergadura e com esta capacidade, nomeadamente no Alentejo.” Sobre a escala do novo Fórum Eugénio de Almeida, Delfim Sardo compara os 1200 metros quadrados com as áreas expositivas do Museu do Chiado, dizendo que devem ser equivalentes. “É uma comparação interessante porque o Museu do Chiado é o nosso museu nacional de arte contemporânea. Permite fazer projectos com uma grande envergadura e ter mais de uma linha de programação a ser desenvolvida em simultâneo.” A exposição que prepara para 2014, Tão Alto Quanto os Olhos Alcançam, respondendo a um desafio que lhe foi proposto, explora a relação entre a arte contemporânea e a transcendência e terá a colaboração do escultor José Pedro Croft na instalação da exposição. “É um tema muito pouco pensado no universo da arte contemporânea, mas de facto existem muitos artistas a pensar e a trabalhar questões que lidam com a transcendência.”
O repto é cruzar peças contemporâneas com o espólio da Diocese de Beja, espalhado por igrejas e capelas entre Évora e Beja. A transcendência, sublinha, não é um problema exclusivo da religiosidade. “Há muitos artistas que têm um ponto de vista completamente agnóstico mas que tratam questões de transcendência de uma maneira permanente e muito vincada no seu trabalho.” Problemas como a morte, o outro, o sentido da vida. Com artistas nacionais e internacionais, Delfim Sardo vai fazer algumas encomendas para a exposição.
ENRIC VIVES-RUBIO
o fórum num contexto amplamente internacional. Esta colaboração com o ZKM nos situa no contexto absolutamente global e das novas tendências da arte.” Depois do Hello? de Oursler, que é uma obra de 1996, a exposição apresenta logo no início três obras do artista de origem coreana Nam June Paik, um dos primeiros a trabalhar com videoarte e a trazer a televisão para os territórios da arte. A instalação interactiva Participation TV, de 1969, diz a comissária, apresentada num televisor da época, permite através da voz manipular as imagens: “É uma das primeiras obras participativas da videoarte.” Paik consegue em vários dos seus trabalhos manipular os aparelhos de televisão e desconstruir, criticamente, um meio que se tinha tornado um objecto do quotidiano partilhado por todos, mesmo antes de estarem acessíveis os dispositivos de registo de imagem — no mercado americano, isso dá-se em 1965. Ao lado está o trabalho de Shigeko Kubota, que foi mulher de Paik, onde se cita através de uma videoescultura a pintura de Marcel Duchamp Nu Descendo Uma Escada n.º2, nome fundamental da vanguarda conceptual. Mais à frente, encontramos “uma obra seminal” de 1977, o vídeo The Reflecting Pool, em que Bill Viola explora “dois dos seus grandes temas: o tempo e a relação com a passagem da vida”. O corpo de um homem que se atira para um tanque no meio de uma mata é congelado no ponto mais alto do salto, enquanto cá em baixo o espelho de água continua a ondular. Com a manipulação do vídeo analógico, que mais parece um resultado do vídeo digital, esse corpo natureza-morta vai-se fundido com a folhagem até desaparecer. Muito divertida é a videoperformance de Marina Abramovic e Ulay, uma obra de 1977 intitulada Imponderabilia, onde os dois artistas, um homem e uma mulher, nus, virados um para o outro numa entrada estreita de um museu obrigam os visitantes, devido à largura exígua da porta, a roçarem os corpos nus para entrar. A exposição também tem obras que apelam ao público mais novo, como Bubble (1998-2000), instalação de Kiyoshi Furukava e Wolfgang Münch, que permite às crianças (ou adultos) brincarem, em tempo real, com uma simulação de bolas de sabão que surgem num ecrã. Sentado num dos sofás que fazem parte da instalação telemática interactiva de Paul Sermon — em que o público se torna voyeur do seu próprio espectáculo, diz um dos textos
A instalação telemática interactiva de Paul Sermon — em que o público se torna voyeur do seu próprio espectáculo, diz um dos textos do catálogo
Nunca é tarde de mais
O trabalho de Shigeko Kubota, onde se cita através de uma videoescultura a pintura de Marcel Duchamp Nu Descendo Uma Escada n.º2, nome fundamental da vanguarda conceptual
“Não é possível pensar que os artistas possam ir construindo os seus percursos só com as instituições como Serralves, o Centro de Arte Moderna, a Culturgest, o Museu Berardo”, Delfim Sardo
No rés-do-chão do fórum, o fotógrafo Edgar Martins, nascido em Évora em 1977 e radicado em Londres, expõe pela primeira vez na cidade, mostrando a sua conhecida série The Time Machine – O Lugar das Máquinas, trabalho feito durante dois anos nas barragens e centrais eléctricas nacionais. A exposição, inaugurada em 19 de Setembro, mostra três obras inéditas: “Quando me apresentaram a proposta de expor aqui, fiquei bastante sensibilizado porque o mundo em que vivo é um mundo totalmente distinto do Alentejo. A minha família pouco viu das coisas que tenho feito ao longo dos anos. Obviamente que os meus pais sim, mas não os tios, tias, avós, primos… Isto para mim representa uma oportunidade incrível de trazer o trabalho a Évora.” A abertura do fórum, segundo este fotógrafo que tem várias obras em colecções internacionais, só pode potenciar aquilo que se passa numa cidade que tem atravessado vários problemas, como a crise à volta da dívida da câmara. “É importante para o Alentejo, é com certeza importante para a cidade de Évora. Se calhar, já devia existir há mais anos, mas nunca é tarde de mais. O desenvolvimento cultural de uma região pode ajudá-la a vários níveis. Tenho a certeza de que o fórum vai desempenhar esse papel.” Cá fora, não conseguimos evitar comparar as faixas que nas fachadas da praça anunciam as duas exposições do centro histórico: Inter[in] venção, até Março no Fórum Eugénio de Almeida, e [In]temporalidades, até Fevereiro no Museu de Évora. Uma coincidência que nos deixa a pensar noutros “in” como o da palavra “interioridade”. Hello Évora!
Ver mais em Reportagem em vídeo sobre a exposição em publico.pt