Plano
5 DE ABRIL DE 2011 Ano 9 · Edição 91 · R$ 5,30
BRASÍLIA BR w w w. p l a n o b r a s i l i a . c o m . b r
EDITORA
Veganismo A revolução que começa no prato
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MESA REDONDA Chico Vigilante VIDA MODERNA Cuidados na terceira idade PONTO DE VISTA Evandro Garla
Capa
Por: Maíra Elluké | Fotos: Victor Hugo Bomfim e Divulgação
Atitude Verde Pensar duas vezes antes de escolher o que vai colocar no carrinho do supermercado pode parecer questão de gosto, mas para os praticantes do veganismo é uma questão de princípio. A filosofia se baseia em excluir o consumo de qualquer produto que promova o sofrimento animal. Para os vegans, o movimento é mais do que um estilo de vida. É uma forma responsável de fazer parte do mundo.
S
eja por questões éticas, sociais ou ambientais, o fato é que o número de brasileiros que começam a pensar em seu papel por um mundo melhor é cada vez maior. Parte dessa parcela da população atribui sua responsabilidade social aos produtos que consomem diariamente. É o caminho escolhido pelos adeptos ao veganismo ou vegetarismo estrito, que têm por principal objetivo proteger os animais em diversos aspectos. Além de não comerem carne, os veganos rejeitam qualquer produto que explore animais. Nada de couro, mel, penas, lã, seda, peles ou cosméticos de marcas que utilizem bichos em testes. Para Sônia Felipe, fundadora da Sociedade Vegana - organização pacifista que trabalha pela difusão dos direitos animais e ao modo de vida vegano – adotar esse estilo de vida é uma responsabilidade social. “Acreditamos no princípio da igualdade entre espécies e que somente por meio da educação ocorre a reflexão, o questionamento e a transformação”, destaca. Com esse mesmo eixo de pensamento, o grupo vegetariano “Revolução da Colher” divulga em todo país suas ações individuais para chegar a um resultado coletivo expressivo. “O mundo é movido pelas pessoas e se elas querem um mundo melhor é preciso começar a mudança. O país ganha muito mais se tirar de vez a carne do prato em vez de fazer greve, política ou caridade”, declara Luis Fabiano Celestrino, idealizador da organização. Criado em meados da década de 40, na Inglaterra, pelo britânico Donald Watson, o movimento vegan, ou vegano, vem ganhando cada vez mais espaço na sociedade brasileira. Os adeptos dessa vertente do vegetarianismo abolem o consumo de qualquer alimento, vestimenta e todo tipo de produto de origem animal, além de defender o direito dos animais e buscarem uma vida mais sustentável. “É um conjunto de valores e de práticas políticas. É a identidade social ética do vegetariano politizado”, afirma o assistente social Jonas Freitas, 28 anos, que vive o veganismo há cerca de oito anos. Ele conta que se recusa a comprar algum produto de couro e boicota empresas que praticam ostensivamente a exploração animal, pois acredita que essas atitudes fazem com que se sinta livre. “Chegamos a um nível de dependência humana para produtos e derivados animais tão grande que em alguns casos não existem alternativas viáveis. Ou a libertação é completa ou então não existe”, revela. Ao ser questionado sobre o motivo de sua escolha, o assistente social é enfático. “Eu escolhi esse caminho por-
que acredito na revolução. E é extremamente revolucionário ser vegano”, ressalta. Ativista na ONG Vegan Staff, Jonas acredita que o veganismo é um conjunto de ações diferentes. “Tem a ver diretamente com o cotidiano, com tudo o que eu vivo e faço. Quem ostenta a filosofia vegana tem que se questionar todos os dias”. Entre os pensamentos que guiam a Vegan Staff, está o do filósofo grego Pitágoras: “Enquanto os homens massacrarem os animais, eles se matarão uns aos outros. Aquele que semeia a morte e o sofrimento não pode colher a alegria e o amor”. Apesar de não ter uma central de ativismo num determinado endereço, a ONG conta com ativistas em todo o país. “A Vegan Staff está onde seus militantes estão. Em Brasília nossa rede de contato dá suporte, divulgação e orientação a quem desejar”, detalha Jonas. Para os veganos, animais não existem para o bel-prazer dos humanos. Na visão da filosofia, cada animal é dono de sua própria vida. Tendo assim o direito de não ser tratado como propriedade (cobaia, comida e mercadoria). Dessa maneira, os vegans propõem uma analogia entre especismo, racismo, sexismo e inúmeras outras formas de preconceito e discriminação. Com foco na defesa desses princípios foi que o Coletivo V nasceu. Trata-se de um grupo horizontal e autogestionário, ou seja não há líderes ou hierarquia, dessa forma, há uma participação direta de todos os membros da organização. De acordo com a ativista do movimento Adriany Nascimento, 21 anos, o principal objetivo do coletivo é difundir e desmitificar o veganismo. Além de divulgar os direitos animais e mostrar o impacto ambiental e socioeconômico da indústria da carne. “Queremos mostrar que as possibilidades de se viver sem esses produtos é real. Além disso, o coletivo repudia qualquer tipo de descriminação. Somos a favor da libertação animal e humana”, destaca. Entre inúmeras ações do Coletivo V – formado por cerca de 15 colaboradores – o principal evento realizado pela organização é a Verdurada DF. O movimento com bandas de hardcore e cunho político, sempre traz palestras e oficinas sobre a cultura vegana. “É um modelo já existente, iniciado em São Paulo e que hoje acontece em várias cidades do país”, conta Adriany. Vegetariana desde 2007, a estudante sempre se preocupou em saber a procedência da comida que chegava a seu prato. “Mas por comodismo e ignorância, no sentido de falta de instrução, ainda consumia ovos e lacticínios”, revela. Foi em abril do ano passado que Adriany cortou de vez da sua
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vida o consumo de todos os alimentos e produtos de origem animal. No Brasil, não há dados oficiais sobre o número de seguidores do veganismo. Estima-se que 4% da população brasileira, cerca de 7,6 milhões de pessoas, sejam de vegetarianos, muitos deles, veganos. Dados do Instituto Ipsos de 2009 reforçam ainda que 28% dos brasileiros têm procurado comer menos carne. “Há vários sinais de que esse é um mercado em ascensão, já que é muito claro o crescimento de vegetarianos e veganos no país”, afirma a nutricionista do Instituto Vittá, Deise Lopes. A Sociedade Vegetariana Brasileira é a entidade responsável pela certificação de produtos veganos no Brasil. O selo é entregue ao produtor mediante uma análise rigorosa da cadeia produtiva, com taxas que podem chegar até mil reais - dependendo do porte da empresa.
PORQUE TIRAR A CARNE DO PRATO Há quem concorde com as palavras do ex-beatle Paul McCartney: “Se os matadouros tivessem paredes de vidro todos seriam vegetarianos”. Além do cuidado com a saúde, existem outras inúmeras razões que motivam tantas pessoas a deixar o hábito de comer carne e outros produtos de origem animal para trás. Para o nutrólogo Eric Slywitch são três os motivos, no Brasil, que fazem um indivíduo mudar de postura diante do que consome. “A ética é a primeira.
A nutricionista Deise Lopes
Banir a carne do cardápio ajuda a proteger o sistema cardiovascular por combater a hipertensão A busca por ser mais saudável e ter mais qualidade de vida, a segunda. A terceira é a causa ambiental. Muitos se preocupam com os impactos que a produção de carne traz ao meio ambiente”, revela. Além do respeito à vida animal, aspectos ambientais reforçam o discurso vegano. A lógica é simplesmente matemática. “Cada quilo de soja consome em média cerca de 2 mil litros de água. Por outro lado, para produzir cada quilo de carne bovina são necessários cerca de 43 mil litros de água”, detalha Eric Slywitch. Praticante de uma dieta vegana crua, o médico que também é autor
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de dois livros sobre o assunto, “Alimentação sem Carne” e “Virei vegetariano e agora?” deixou de consumir alimentos de origem animal, aos 14 anos, por influência de seus professores de artes marciais. Hoje, com 35 anos, ele trabalha para disseminar a cultura vegana pelo Brasil, além de promover cursos e oficinas sobre o assunto. Para ele, banir a carne do cardápio ajuda a proteger o sistema cardiovascular por combater a hipertensão. A dieta vegana, por ser rica em fibras e pobre em gorduras, proporciona baixos índices do colesterol ruim (LDL) e de glicemia. “Uma dieta sem carnes é, de fato, mais saudável. Mas deve-se buscar um equilíbrio entre legumes e frutas, além de abusar das proteínas que é encontrada em outros alimentos”, garante o nutrólogo. Os números mostram que a população brasileira é por costume – e não por natureza – carnívora. Em 2010 os brasileiros consumiram cerca de 16,8 milhões de toneladas de carnes bovina, suína e de frango, de acordo os números da Assessoria de Gestão Estratégica do Ministério da Agricultura. Mesmo com alta no preço, o consumo de carne bovina per capita no Brasil atingiu 37,5 quilos em 2010. Isto representa uma alta de 5,1% em relação a 2009. O crescimento se dá mesmo com a elevação dos preços em 38,7% no varejo, e 32,9% para o consumidor. Somando-se as carnes de frango, bovina e suína, o consumo per capita chegou a 98,5 quilos, contra 97 quilos em 2009. Ainda de acordo com os números, a tendência é de um aumento de 1,5% para 2011. De acordo com a nutricionista Deise Lopes, os números traduzem uma realidade que deve ser transformada. É preciso balancear
os cardápios de forma mais saudável. “O fato é que hoje se consome muito mais carne do que é realmente necessário. Há muitos outros alimentos nutritivos que deveriam ser mais consumidos”, pondera. “Para aqueles que desejam cortar a carne do cardápio é preciso mudar de forma gradativa a alimentação”, completa a nutricionista. “Nenhum radicalismo funciona. Para começar é preciso cortar os alimentos indesejados aos poucos, assim o organismo se acostuma mais facilmente”, informa.
CARDÁPIO VEGAN No auge da adolescência, com 16 anos, a psicóloga por formação, mas culinarista vegana por paixão, Marina Corbucci, hoje com 26, decidiu parar de consumir carne depois de receber informativos sobre o assunto num show de rock. Mal sabia ela que o veganismo iria conquistá-la de vez. Hoje, quase 11 anos depois da mudança de vida, Marina se prepara para realizar um sonho – ter um estabelecimento especializado em receitas veganas. A criatividade é o carro chefe do Café Corbucci, que promete alcançar um público carente de boas opções alimentícias exclusivamente vegans. Previsto para ser aberto em meados de abril, o Café nasceu da necessidade que Marina sentia ao procurar um local para comer na cidade. “São poucos os lugares veganos para comer com qualidade em Brasília. O diferencial é esse”, declara. Já a técnica em nutrição e expert em cozinha vegana Nathalia Soares, 19 anos, mais conhecida como “Chubby Vegan” faz sucesso na internet ao divulgar em redes sociais receitas livres de matéria-prima de origem animal. Ao optar por não consumir nenhum produto vindo de animais desde os 16 anos, ela revela que o começo foi fácil – ao contrário da maioria. “Para mim foi bastante tranquilo porque tive a ajuda de um amigo na época que era vegano e me apresentou muitos ingredientes e lugares. Além de muitas dicas”, conta. Apesar de ter passado pela fase de adaptação na alimentação, desde que adotou o estilo de vida, Nathalia diz que várias áreas de sua vida foram afetadas. “O que teve mais impacto foi com a minha família, que até hoje não se conforma muito bem com isso”, declara. Entre as receitas que tiveram boa aceitação, Nathalia destacou o sorvete de chocomenta e as barrinhas de coco. A estudante Adriany Nascimento, do Coletivo V
As receitas veganas de Nathalia Soares fazem sucesso na web
A culinária vegana conquistou Marina Corbucci
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