SUSTENTABILIDADE
Produção de carne Impacto ambiental A atividade é a principal responsável por alterações nas paisagens naturais do Brasil; a criação de gado é responsável pelo desmatamento de 93% da Mata Atlântica, 80% da Caatinga, 50% do Cerrado e 18% da Amazônia por Marly Winckler*
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impacto ambiental causado pela criação de quantidades exorbitantes de animais para suprir (e estimular) a demanda por carne é colossal. Só no Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, em 2006, já eram criados, anualmente, cerca de 200 milhões de bovinos e cerca de 1 bilhão de frangos, galinhas, suínos etc.
Há mais bois do que gente no nosso país, gerando enormes impactos, pois esses animais precisam se alimentar, beber água e ocupar áreas extensas e, por isso, produzem grandes quantidades de dejetos e gases de efeito estufa entre outras coisas. Criar animais para gerar alimento é uma forma muito ineficiente de utilização dos recursos. A indústria da carne é responsável por mais de metade da água consumida para todos os fins. Cada quilograma de carne de gado, gerado em sistema de confinamento, deixa para trás de 7 a 9 litros de excrementos, que não têm como ser absorvidos pela terra e não seria também econômico. A fome no mundo é uma realidade dolorosa, persistente e desnecessária. No momento, existe terra, energia e água suficiente para alimentar bem mais que o dobro da população humana. Contudo, quase metade da colheita mundial de grãos é destinada aos animais. Mais de 1 bilhão de pessoas em todo o mundo estão subnutridas. Nossos hábitos alimentares estão estreitamente ligados a um quadro de miséria, subnutrição e fome. Estão ligados também a um enorme desperdício, à degradação sem precedentes do meio ambiente e a um enorme sofrimento por parte dos animais. A ONU produziu um relatório chamado Feed versus food no qual conclui que 39% das terras do mundo são utilizadas
para criar animais. Outros 47% são usados para alimentar pessoas. Estamos usando nossa terra para alimentar animais quando 2.700 milhões de pessoas gastam mais da metade de seu dinheiro em comida. Dos 850 milhões de hectares do Brasil, a pecuária ocupa cerca de 220 milhões de hectares (cerca de 25%). A atividade é a principal responsável por alterações nas paisagens naturais do Brasil. A criação de gado é responsável pelo desmatamento de 93% da Mata Atlântica, 80% da Caatinga, 50% do Cerrado e 18% da Amazônia1. Desmatamento Segundo Carlos Minc, exministro do Meio Ambiente, dos quase 20% de floresta amazônica já destruída, 80% se deve à ocupação pela pecuária extensiva. Essa destruição ocorreu mais significativamente nos últimos 40 anos. Até 1970, menos de 2% havia sido desmatado. Trinta anos mais tarde, 20% (cerca Dos 20% de floresta amazônica destruída, de 750 mil km2/100 milhões de 80% se deve à hectares) está desmatado. ocupação pela pecuária.
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A área ocupada pela pecuária crescerá para 300 milhões de hectares em 30 anos e isso será o fim a da floresta amazônica e do Cerrado
A floresta amazônica detém a maior biodiversidade do planeta, com mais de 1/4 de todas as espécies vivas em apenas 5% da superfície da terra. Estamos destruindo essa riqueza imensa sem nem ao menos conhecê-la. A área ocupada pela pecuária crescerá para 300 milhões de hectares e o gado para 400 milhões de cabeças em 25 a 30 anos, se nada for feito – e isso será praticamente o fim da floresta amazônica e do Cerrado. Há um enorme desperdício na produção da carne. Cereais são desviados do consumo direto (dos pobres) para o consumo indireto (das classes médias) por processálos através de um conversor de proteínas muito ineficiente: o estômago dos animais. Ocorre um “encolhimento” de cereais no processo. As taxas de conversão por equivalentecaloria grão-carne variam de 2:1 para frango a 7:1 para gado confinado2. Na maioria dos países, os cereais são a principal fonte de ingestão de calorias nos lares de baixo poder aquisitivo. Entre as
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de países mais urbanizados estão concentradas em centros urbanos: não é o caso do Brasil. São Paulo e Rio emitem relativamente poucos gases de efeito estufa. São Paulo emite 1,47 per capita3. Rio emite 2,02 per capita. Londres, Nova Iorque, Tóquio, Copenhague etc. emitem 4, 5, 6 vezes mais. Por que o Brasil está então entre os principais emissores de gases de efeito estufa se suas principais cidades emitem relativamente pouco? Devido às emissões da Amazônia. A queimada da floresta amazônica tornou o Brasil um dos dez maiores poluidores. A maioria dos gases de efeito estufa do Brasil, que contribuem para o aquecimento global, vem da fumaça do desflorestamento da Amazônia, para ceder espaço para a pecuária e a monocultura de soja para alimentar porcos, frangos no Brasil, Europa e EUA, não POLUIÇÃO de combustíveis fósseis que O total de emissões no Brasil são os principais culpados na é de 8,2% per capita em tone- maioria dos países4. A água doce do planeta ladas de CO2/ano. As emissões
pessoas de níveis mais altos de renda, as classes médias, os cereais também representam um papel proeminente na dieta. A única diferença é que os cereais são consumidos indiretamente, tendo sido antes convertidos em proteína animal. As mudanças climáticas estão ligadas à derrubada e queimada das florestas para dar lugar ao enorme rebanho criado artificialmente. No relatório A grande sombra da pecuária, a FAO afirma que os gases emitidos pelos excrementos e flatulências, pelo desmatamento para abrir pastagens e na geração de energia gasta no manejo do gado respondem por 18% dos gasesestufa emitidos anualmente no mundo. Segundo este relatório, a pecuária agrava mais o efeito estufa do que o setor de transportes, responsável por 13% das emissões.
também está sofrendo grandes impactos pela indústria da carne, tanto no consumo, quanto na contaminação. Os dejetos gerados pela imensa quantidade de animais criados em espaços pequenos/limitados (100% dos frangos e suínos são criados em regime de confinamento) são outra fonte de contaminação das águas e do ambiente em geral, um problema de difícil solução. A explosão da população de animais resultou numa explosão também dos dejetos fecais, grandes poluidores da água. CONSUMO AUMENTA Como a economia mundial está crescendo, também cresce o consumo mundial de carne. O crescimento da renda em países como Índia e China vem acompanhado do aumento do consumo de carne. A média de consumo per capita no mundo industrializado é de 80 quilos de carne anuais, nos países em desenvolvimento é de cerca de 30 quilos. De acordo com a FAO, a produção mundial de carne está projetada para dobrar de 229 milhões de toneladas em 1999/2001 para 465 milhões de toneladas em 2050, e a produção de leite está calculada para aumentar de 580 para 1043 milhões de toneladas. Todos os países que produzem carne irão aumentar a pressão sobre os recursos *Marly Winckler é presidente da Sociedade Vegetariana Brasileira (http://www.svb.org.br)
terrestres. A FAO estima que cerca de 20% do planeta está sendo degradado por pastagens animais e, o aumento da procura por carne, significa um aumento da procura para a alimentação animal, já que grande parte da produção mundial de cereais é fornecida aos animais e não ao homem. “O gado é hoje um dos fatores que mais contribui para os problemas ambientais mais graves da atualidade. São necessárias ações urgentes para remediar esta situação”, afirmou Henning Steinfeld, chefe da FAO para a questão e principal autor do relatório A grande sombra da pecuária. O documento tem mais de 400 páginas e se “debruça” não apenas sobre o impacto da atividade no efeito estufa, mas também fala da poluição da água e do encolhimento de florestas, com a respectiva perda de biodiversidade, para ampliar a pecuária. De acordo com a FAO, a pecuária está entre as três principais causas de qualquer problema ambiental significativo, incluindo a degradação da terra, mudanças climáticas e poluição do ar, escassez e contaminação de água e perda de biodiversidade.
Até 1970, impactos ambientais, de enormenos de 2% da mes benefícios para a saúde e amazônia havia da questão ética de se criar anisido desmatado, mais em condições que geram trinta anos enormes sofrimentos, a opção depois, 20% - ou 100 milhões de pela alimentação vegetariana hectares - estão se torna ainda mais crucial. São tantos os benefícios da dieta como nas imagens acima vegetariana que só porque nossa sociedade está “mergulhada até o pescoço” nesse hábito tão prejudicial é que não consegue perceber o quanto todos ganhariam caso mudássemos nossa alimentação. Além da "pegada ecológica", a “pegada social” desse modelo de produção e consumo em que a carne ocupa papel de destaque também é nefasta. Exclusão social, concentração de terra e renda, destruição da agricultura familiar, índios, agrotóxicos etc. MINIMIZAR O e outros fatores entram nessa IMPACTO AMBIENTAL Neste contexto de grandes equação.
1. João Meireles Filho , Carnaval ou a Amazônia sem carne. 2. The “New” Food-Feed Competition - P.A. Yotopoulos - FAO 3 . Toneladas de CO2/ano 4. Axel Bugge – Reuters Orgânicos em Revista 55