um conto de natal
Onze da noite, vinte e quatro de dezembro. Avenida Brasil, Rio de Janeiro. Sete canas da migésima nona estão prestando desserviço, putos da vida. Batista (AB+) tem a idéia: armar uma dura, fazer milzinho pra cada um e fumar um baseado pra relaxar. É natal. O fuzil quebrado da cenografia ficou com Almeida (O+) de novo. É a segunda vez na semana, o sujeito tem estrela. Nada ali é novidade, só a tabela. Alguém resolveu inflacionar o IPVA vencido e baixar o penêu careca – semana passada foi foda tanta lamentação. O cenário é tranqüilo e a dinâmica natural: carro velho encosta, carro suspeito passa, cara de mal e grosseria. Festa na Patamo quando o magrelinha da Chevete quis bancar o camarada e deixou mais do que devia.
De repente alguma coisa aponta na seletiva... Apreensão. – Putaquepariu, que merda é aquela vindo ali, Alencar??? Alencar (O-) saca uma arma prateada e se dirige pro meio da pista. Nunca viu uma porra dessa em doze anos de corrupç... de corporação. – Encosta! Encosta!! Nervosismo. De dentro do trenó, o velho treme. Com gestos lentos, coloca as duas mãos à vista enquanto três dos canas se aproximam com olhar desconfiado. – Pra fora... Vamo! O velho ajeita a bota e desce do veículo com dificuldade. – Habilitação e documento. Transitando em alta velocidade na faixa exclusiva, veículo sem identificação... você tá bem enrolado, vovô. O velho não tem documentos, nunca precisou. Assustado, resolve amolecer o coração do policial do mesmo jeito que faz com crianças malcriadas e bebês de colo. Abre um largo sorriso, estufa o peito e cacareja: – HO, HO, H... Antes de terminar leva um tapa na cara. – Velho maconheiro, tá achando que eu tô de sacanagem? Batista tenta controlar Alencar. Tudo armado, vai fazer o papel do bonzinho. – Meu senhor, você não está colaborando. Meu parceiro é um camarada meio estourado e não tá aqui de brincadeira. Se você quiser eu posso te ajudar nessa parada, mas você vai ter que me ajudar também... O velho tem a pele alva como a neve, e sua face ainda exibe o afago que levou na maçã esquerda do rosto. Sente que pode confiar no guarda – qualquer coisa que mantenha Alencar afastado. Almeida se aproxima, resolve dar uma olhada nas muambas do velho. Entre guirlandas e tapewares repletos de rabanada, descobre uma grande sacola vermelha, abarrotada de caixotes – todos sem exceção forrados com papéis coloridos e fitas de decoração suspeita. Saca uma faca de caça, de estimação. Sem pestanejar trespassa o caixote em diagonal e descobre um carrinho do corpo de bombeiros (o da polícia estava na caixa do lado, mas essa não é uma noite feliz). Um estalo. A ficha caiu... – Batista, o coroa é sacoleiro. Pergunta cadê a nota fiscal dessa porra. – Tem nota aí, vovô? Papai Noel leva às mãos a cabeça, mas não pensa em dizer mais nada.
De dentro da viatura, Silva comemora baixinho: – Opa! Contrabando é um conto... Um conto de natal.
Fabio Lopez, dezembro de 2007.