Fabio Lopez // Janeiro de 2010 Entrevista concedida a jornalista Keira Chang da edição chinesa da revista Computer Arts, em matéria especial sobre o design gráfico brasileiro.
Por favor, fale de sua atuação profissional e de seu envolvimento com a tipografia. Eu trabalho como designer freelancer em projetos de identidade corporativa, estampas para empresas de moda e tipografia. Gosto de experimentar novas fontes digitais nos meus trabalhos, mas também procuro dar vida nova para as antigas – através de aplicações inusitadas ou pequenas alterações que realizo para meu uso pessoal. A maioria dos meus projetos de design conta com alguma solução tipográfica customizada, e isso acaba fazendo com que meu portfólio tenha um aspecto personalizado. Há cerca de três anos eu montei um curso de tipografia chamado ‘Typofreaks’, e a experiência de realizar atividades práticas com os alunos tem sido bem interessante. No ano passado eu terminei um mestrado e agora estou buscando equilibrar trabalhos profissionais, projetos pessoais e pesquisa.
lettering criado para Redley (marca carioca de moda), exemplo de uso visual da tipografia.
Qual sua fonte favorita? Por quê? Como eu estudo e aprecio a tipografia por uma ótica muito ampla, não tenho apenas uma ou duas fontes favoritas, mas diversos projetos que identifico como referências de categoria. Dentro de cada categoria uma ou outra fonte acaba se destacando – às vezes por um detalhe especial, às vezes por uma aplicação que tenha sido marcante. Mas para não fugir do desafio da pergunta, vou mencionar dois trabalhos que primam por excelência: a família tipográfica Scala, do typedesigner holandês Martin Majoor, e a tradicional Gill Sans, criada por Eric Gill ainda em 1929. A Scala é uma fonte muito versátil e elegante, caracterizada por um acabamento firme e bastante particular que permite a aplicação tanto em textos longos como em títulos. Já a Gill Sans constitui uma interessante interpretação tipográfica do modelo caligráfico humanista, e quando bem impressa em corpos pequenos torna-se uma pequena jóia pra ser admirada.
fonte Colonia, família de texto com sete variantes.
Como fazer para que uma tipografia se pareça menos com texto e se torne mais ‘visual’? Não existe uma fórmula mágica, mas algumas dicas podem dar origem a experiências bem interessantes: a idéia central é afastar o texto do universo visual que caracteriza a tipografia. Para isso você pode simplesmente deformar os padrões habituais de leitura ou evitar características como a regularidade, a repetição, o alinhamento, e o preenchimento uniforme dos caracteres. Você também pode associar ao texto recursos gráficos inusitados à escrita, como volume, textura e transparência, ou ainda interferir no desenho das letras alterando detalhes, soldando letras e eliminando áreas vazias no interior da palavra. Tudo isso interfere na legibilidade do texto, mas se isso não for muito importante, tudo bem. Com esses recursos você torna a palavra uma imagem, e consegue uma solução bastante visual e expressiva.
fonte Futura Renew, versão não-comercial da Futura criada para uso pessoal.
E como aplicar esses recursos gráficos - volume, textura e transparência - na tipografia? Esses recursos geralmente são implementados tanto através do uso das cores, como através de alterações no preenchimento e no contorno vetorial dos caracteres. O objetivo é criar uma interação maior entre a tipografia e os outros elementos do trabalho, como o fundo, imagens, e outras letras.
lettering usando a Futura Renew, simulando ferrugem.
Muitos typedesigners são influenciados pela Pop Art, Art Deco, Retro Art… Que movimento artístico mais influencia seu trabalho? Trabalhando com tipografia é importante conhecer muito da história da arte, o que faz com que diversos movimentos e estilos exerçam grande influência tanto na escolha quanto na criação de novas fontes digitais. Entretanto, basear a criação em um estilo específico pode limitar demais o uso da tipografia, e isso não seria muito interessante. Aqui no Brasil as principais escolas de design foram inspiradas na experiência da Bauhaus, e os princípios modernistas do racionalismo europeu ainda servem como bases para o ensino do design. Como a minha geração se formou no auge do pós-modernismo, nós também temos a ruptura e a contestação como ferramentas de trabalho. Eu fico ali no meio do caminho, tentando criar uma bagunça organizada, ou uma organização bagunçada.
duas artes para camisetas da Redley.
O que difere uma fonte de texto de uma fonte display? Existem vários tipos de leitura, assim como vários tipos de leitores e diferentes suportes para uma mensagem escrita. Muitas fontes são projetadas para ser utilizadas em situações específicas, o que lhes garante um bom desempenho. Fontes de texto, por exemplo, são projetadas especialmente para leituras contínuas e velozes, e devem ser resistentes a severas reduções. Por conta disso, apresentam uma estrutura simplificada e poucas novidades em relação aos padrões habituais de leitura. Já as fontes display são aquelas destinadas a peças gráficas com personalidade mais marcante, geralmente aplicadas em um contexto de leitura que permite ao leitor mais tempo para a apreensão de detalhes e características menos usuais. Tradicionalmente são projetos mais simples de serem executados, com menos limitações técnicas e exigências.
fonte FL Ductus, experiência display.
O que você considera a coisa mais importante em relação ao uso da tipografia? Acho que o mais importante em qualquer trabalho é sempre a adequação: compreender bem o tipo de projeto que está sendo desenvolvido e propor uma solução tipográfica adequada para determinado contexto de uso. Acredito que a escolha tipográfica deva sempre refletir as características do briefing do projeto, e não apenas uma vontade pessoal ou uma tendência de mercado.
letterings criados para Redley, para serem impressos em camiseta.
Como você descreveria seu estilo de trabalho? O meu interesse pelo universo da tipografia faz com que alguns trabalhos de design apresentem como característica comum uma síntese gráfica muito marcante. De tempos em tempos, entretanto, eu gosto de reunir e analisar meus trabalhos com o objetivo de identificar características que se repitam excessivamente. A ideia é justamente evitar que minhas criações acabem resumidas a um padrão muito previsível e recorrente, ou a um estilo muito particular. Procuro conservar apenas qualidades mais gerais como a simplicidade, o equilíbrio e um acabamento técnico refinado, evitando que valores pessoais sejam colocados acima das questões do projeto. Limitar as soluções apresentadas no portfólio também pode limitar as oportunidades de trabalho, e induz seus clientes a esperar de você sempre a mesma resposta.
fonte Giovanna, para títulos e textos curtos.
E como equilibrar aspectos comerciais e artísticos em um trabalho de tipografia? Mais uma vez, creio ser uma questão de adequação. Se o objetivo de um determinado projeto é corresponder a uma expectativa de consumo ampla ou conservadora, é importante trabalhar com soluções consideradas mais acessíveis ou ‘comerciais’. Mas isso não diminui o desafio: responder criativamente a uma expectativa comercial pode ser bastante estimulante e ainda mais difícil. Por outro lado, quando a idéia central é gerar uma impressão inusitada e surpreendente, propor algo fora dos padrões acaba sendo o mais indicado. Nesses casos, a pureza artística presente em um trabalho mais autoral cai como uma luva, e pode ser algo bem comercial também – por que não?
fonte FL Minimals, dingbat com ilustrações criadas para Redley.
Qual a situação atual do design gráfico brasileiro? Nos últimos anos no Brasil o design gráfico tem conquistado mais respeito e visibilidade, e isso tem melhorado a situação profissional de maneira geral. Na área da tipografia, especificamente, ainda estamos muito atrasados em relação aos grandes centros de excelência, mas de 10 anos para cá a situação melhorou e já aponta um futuro diferente e promissor. Com a melhoria gradual da economia, as pessoas têm investido mais em equipamentos, programas e fontes digitais, e isso tem aquecido o mercado de trabalho e valorizado a tipografia como uma importante área de conhecimento. Por conta disso, muitos estudantes têm procurado investir em cursos complementares fazendo do ensino da tipografia uma boa oportunidade de trabalho também. Ainda sinto falta no Brasil de bons cursos técnicos, publicações especializadas e eventos relacionados ao design - que poderiam melhorar o intercâmbio com profissionais de outros países e ainda gerar mais interesse sobre nossa produção.
duas artes para camisetas da Redley.
Você pretende mudar alguma coisa em seus próximos projetos? O que pretende fazer? Eu tenho uma experiência muito grande com o universo de criação vetorial, onde uma parte importante da tipografia digital é construída e acontece. Nos meus próximos trabalhos eu gostaria de confrontar o controle dessa ferramenta com as infinitas possibilidades de um trabalho mais artesanal e manufaturado. Diversos recursos manuais ainda não foram satisfatoriamente emulados pelo computador, e constituem soluções muito interessantes para serem ignoradas pelos designers. Eu gostaria de sujar mais a mão, e assim ampliar os recursos de criação agregando mais qualidade ao meu trabalho.
artes criadas para coleção militar da Redley, com letterings e fontes customizadas.
Alguns designers optam pelo minimalismo tipográfico, enquanto outros desenvolvem um trabalho baseado na sobreposição e no acúmulo de elementos. Na sua opinião, qual é a principal tendência para o futuro da tipografia? O uso da tipografia acaba sendo determinado mais pelos consumidores que pelos typedesigners, pois apenas uma parte do mercado trabalha em função de demandas estéticas. A principal tendência no mercado de tipografia digital continua sendo a implementação imediata dos avanços tecnológicos relacionados à área. Geralmente esse movimento tem por objetivo libertar a tipografia de qualquer tipo de limitação técnica, ampliando assim os recursos de composição (formas, glifos e variantes). Mas se eu tivesse que arriscar um palpite, diria que o futuro estético da tipografia está em aproximar cada vez mais o texto da escrita manual, permitindo que o usuário particularize ainda mais sua presença no ambiente digital.
grupo de três fontes étnicas simulando as escritas árabe, tailandesa e tibetana.
Você é um designer intransigente? Qual sua opinião sobre fontes digitais que simulam a escrita manual e outras tecnologias antigas? O que acha dessa tendência de retornar a uma era anterior ao surgimento dos computadores (1980)? Eu não me considero um designer intransigente, e acredito que todas as experiências visuais devam ser exploradas na era digital com o intuito de se ampliar ao máximo as possibilidades de comunicação. A fotocomposição, recurso de impressão tipográfica do período que você mencionou, permitiu ao typedesigner uma liberdade incrível de criação. Essa liberdade foi perdida com o surgimento da tecnologia digital, devido às limitações tecnológicas dos primeiros computadores. É natural que, uma vez superadas essas limitações, tenhamos novamente a realização de algumas velhas experiências - implementadas de maneira atualizada em um contexto muito mais versátil e evoluído. Em 2009, eu concluí minha pesquisa de mestrado onde analisei justamente as fontes digitais de simulação caligráfica. Minha opinião inicial era de que esses projetos simbolizavam o fim da caligrafia na era digital, e sua gradual substituição por modelos sem vida e personalidade. A pesquisa, no entanto me conduziu a outra conclusão. As fontes de simulação caligráfica têm servido para aumentar o interesse pela Caligrafia, e constituem uma forma interativa de registro adaptado ao contexto tecnológico atual.
lettering criado para Redley, usado como identidade visual de coleção.
fonte Anti-gravity, uma display geométrica nascida a partir da Bauhaus (uso pessoal).
Tipografia: não compre, plante.
Fabio Lopez é carioca, designer e mestre pela ESDI, e durante cinco anos trabalhou no departamento de criação da Redley. Desde 1998 desenvolve fontes digitais, algumas apresentadas e premiadas em exposições nacionais e internacionais. Trabalha como freelancer em projetos de identidade, moda e ilustração, e pratica design subversivo nas horas vagas. Em 2007 aprontou uma confusão com o projeto ‘War in Rio’, que lhe valeu 15 minutos de fama e a inimizade da cúpula de segurança do Estado do Rio. Tem um curso de tipografia chamado 'Typofreaks' e dá aula de design gráfico na PUC-Rio. Escreve, fotografa, coleciona selos, corre na lagoa e torce pro mengão.