A POÉTICA NA PRÁTICA DE UM PEDAGOGO: EXPERIÊNICA SOBRE APRENDER ARTES VISUAIS ATRAVÉS DA PINTURA

Page 1

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA CENTRO DE ARTES – CEART PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS - PPGAV

FÁBIO WOSNIAK

A POÉTICA NA PRÁTICA DE UM PEDAGOGO: EXPERIÊNCIA SOBRE APRENDER ARTES VISUAIS ATRAVÉS DA PINTURA.

FLORIANÓPOLIS 2015

1


FÁBIO WOSNIAK

A POÉTICA NA PRÁTICA DE UM PEDAGOGO: EXPERIÊNCIA SOBRE APRENDER ARTES VISUAIS ATRAVÉS DA PINTURA.

Dissertação apresentada ao Curso de PósGraduação em Artes Visuais na Linha de Pesquisa de Ensino de Artes Visuais, da Universidade do Estado de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Artes Visuais. Orientadora: Profa. Dra. Jociele Lampert

FLORIANÓPOLIS 2015

2


FÁBIO WOSNIAK A POÉTICA NA PRÁTICA DE UM PEDAGOGO: EXPERIÊNCIA SOBRE APRENDER ARTES VISUAIS ATRAVÉS DA PINTURA. Dissertação apresentada ao Curso do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Artes Visuais na Linha de Pesquisa de Ensino de Artes Visuais. Banca Examinadora: Orientadora:

Membros:

_____________________________ Profa. Dra. Jociele Lampert CEART/PPGAV/UDESC

____________________________________ Prof. Dr. Fábio José Rodrigues da Costa URCA/Juazeiro do Norte ____________________________________ Profa. Dra. Maria Lúcia Batezat Duarte CEART/PPGAV/UDESC ____________________________________ Profa. Dra. Lucimar Bello Frange USP/PUC/SP Florianópolis, 21 de julho de 2015.

3


Para Carlos Wosniak, Nila Maria Wosniak, Carlos H. Wosniak e Felipe Wosniak. Minha famĂ­lia.

4


AGRADECIMENTOS

À Profa. Dra. Jociele Lampert, pela orientação primorosa e por acreditar em meu projeto de pesquisa. Ao Prof. Dr. Fábio José Rodrigues da Costa, pela amizade, carinho e estímulo durante o período do Mestrado. À

Profa.

Dra.

Lucimar

Bello,

pelos

encaminhamentos

poéticos

e

o

Compartrilhamento de saberes-sabores. À Profa. Dra. Maria Lúcia Batezat Duarte, pelas aprendizagens sobre o rigor científico. À CAPES, pela concessão da bolsa que viabilizou meus estudos. Ao

Programa

de

Pós-Graduação

em

Artes

Visuais

PPGAV/UDESC,

pela

oportunidade de realização do Curso de Mestrado. Aos mestrandos, orientandos da Profa. Dra. Jociele Lampert, pelo carinho e companheirismo. Aos

meus

amigos

que

pacientemente

acreditaram

desde

o

início

na

importância desta etapa de minha vida.

5


Resumo Dissertação de Mestrado Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais - Linha de Pesquisa Ensino de Artes Visuais Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC Autor: Fábio Wosniak Orientadora Professora Dra. Jociele Lampert A POÉTICA NA PRÁTICA DE UM PEDAGOGO: EXPERIÊNICA SOBRE APRENDER ARTES VISUAIS ATRAVÉS DA PINTURA A Dissertação de Mestrado apresenta o percurso da experiência de um pedagogo acerca da aprendizagem em Artes Visuais. A pesquisa foi desenvolvida na Linha de Ensino de Artes Visuais e objetivou investigar como é desenvolvida a aprendizagem em Artes Visuais através da pintura. Os estudos foram elaborados em pesquisas de campo e na atuação prática-poética no Grupo de Estudos “Estúdio de Pintura Apotheke”. Inicialmente, alunos egressos dos Cursos de Licenciatura em Pedagogia foram escolhidos como sujeitos da pesquisa. Porém, no decorrer da investigação, centrou-se os estudos na compreensão de como o autor, Licenciado em Pedagogia, apreendia e tecia relações entre as práticas artísticas e a Educação. O estudo desta Dissertação encontra na teoria da experiência cunhada por John Dewey (2010) o suporte para subsidiar uma aprendizagem em Artes Visuais através da consumação. Segundo o filósofo norte-americano, “em toda experiência integral (...) há início, desenvolvimento e consumação” (DEWEY, 2010, p. 139). Esta consumação não é a conclusão de um trabalho estético-artístico, mas uma possibilidade da emersão de outras experiências. Assim, este trabalho, pautado na filosofia da experiência de John Dewey, confere às Artes Visuais, ou aos Arte/Educadores, a possibilidade de reflexão sobre sua prática docente e, principalmente, sobre o modo como a articulam com sua prática poética.

6


Palavras-chave: Artes Visuais, Experiência, Educação.

7


ABSTRACT Master's Thesis Graduate Program in Visual Arts Line of Research - Visual Arts Education Santa Catarina State University - UDESC Author: Fabio Wosniak Coordinator: Professor Jociele Lampert, PhD POETICS IN THE PRACTICE OF A PEDAGOGUE: THE EXPERIENCE OF LEARNING VISUAL ARTS THROUGH PAINTING Master's Thesis presents the journey of a pedagogue’s experience of learning Visual Arts. The research was developed within the Visual Arts Education Line of Research and aimed at investigating how learning is developed in Visual Arts through painting. The studies were carried out as field research and poetic practice performance in the Study Group “Apotheke Painting Studio”. Initially, graduates of BSc courses in Pedagogy were chosen as subjects of this research. However, during the investigation, the study was focused on understanding how the author – graduated in Pedagogy - apprehended and wove relationships between artistic practices and Education. The study of this dissertation relies on the theory of experience coined by John Dewey (2010) to support learning in Visual Arts through consummation. According to the American philosopher, "every whole experience (...) has a beginning, development, and consummation” (Dewey, 2010, p. 139) 1 . This consummation is not the conclusion of an aesthetic-artistic work, but a possibility of other 1

Free translation by the author

8


experiences emerging by means of this potential work. This study, based on John Dewey’s philosophy of experience, allows the Visual Arts, or ArtEducators, to reflect on their teaching practice and especially on how they articulate it with their poetic practice. Keywords: Visual Arts, Experience, Education.

9


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1- Fábio Wosniak. Espirais, 2014. Monotipia com tinta óleo. 30 x 50 cm...................................................................... 14 Figura 2 - Fábio Wosniak. Sem título, 2014. Caneta nanquim. 29 x 21 cm..... 23 Figura 3 - Fotografia do autor, 2014. Sem dimensão definida................ 24 Figura 4 - Fábio Wosniak. Sem título, 2014. Lápis grafite sobre papael. Sem dimensão definida.......................................................... 26 Figura 5 - Fábio Wosniak. Fragmentos de Anotações do diário do autor, 2014. 28 Figura 6 - Fábio Wosniak. Mancha, 2014. Óleo sobre papel, 29 x 21 cm....... 30 Figura 7 - Fotografias do autor. Sem dimensão definida, 2014............... 32 Figura 8 - Fábio Wosniak. Sem título, 2014. Tinta nanquim sobre papel vegetal. 20 x 20 cm........................................................ 40 Figura 9 - Fábio Wosniak. Sem título, 2014. Monotipia à óleo, caneta esferográfica e caneta nanquim. 29 x 21 cm................................. 71 Figura 10 - Giacometti.................................................... 129 Figura 11 - Fabio Wosniak. Sem título, 2014. Monotipia com tinta óleo. Sem dimensão definida......................................................... 134 Figura 12 - Fabio Wosniak. Sem título,2015. Papel Fabriano, água, nanquim e acrílica vermelha.13 x 15 cm.............................................. 140 Figura 13 - Fabio Wosniak. Sem título,2015. Papel Fabriano, água e nanquim. 13 x 15 cm................................................................ 141 Figura 14 - Fabio Wosniak. Sem título,2015. Papel Fabriano, água e gouache verde. 15 x 15 cm......................................................... 141 Figura 15 – Fabio Wosniak. Sem título,2015. Papel Fabriano, água e gouache vermelha.10 x 15 cm....................................................... 142 Figura 16 - Fabio Wosniak. Sem título,2015. Papel Fabriano, água e gouache verde.10 x 15 cm........................ 142file:///F:/ dissertacao_fabio .docx - _Toc423327303

10


Figura 17 - Fabio Wosniak. Sem título,2015. Monotipia com tinta óleo sobre papel A4.................................................................. 146 Figura 18 - Fabio Wosniak. Sem título,2015. Monotipia com tinta óleo sobre papel sumie.20 x 25 cm.................................................... 147 Figura 19 - Fabio Wosniak. Sem título,2015.Lápis de cor,lápis dermatográfico e caneta sobre papel vegetal.............................................. 150 Figura 20 - Fabio Wosniak. Sem título,2015.giz oleoso, lápis dermartográfico sobre papel vegetal.21 x 29............................................... 151 Figura 21 - Fabio Wosniak. Sem título,2015.Lápis de cor, caneta sobre papel vegetal.21 x 29 cm........................................................ 151 Figura 22 - Fabio Wosniak. Sem título,2015.Encáustica sobre MDF,20 x 15 cm .......................................................................... 154 Figura 23 - Fabio Wosniak. Sem título,2015.Encáustica sobre MDF,20 x 15 cm .......................................................................... 155 Figura 24 - Fabio Wosniak. Sem título, 2015. Acreílico sobre papel vegetal. 21 x 29 cm................................................................ 156 Figura 25 - Fabio Wosniak. Mapa 1,2014. Monotipia com tinta óleo sobre papel Sumie. 50 x 30 cm......................................................... 157

11


Sumário APRESENTAÇÃO............................................................... 14 PERGUNTAS.................................................................. 24 CAPÍTULO I Poiesis: Reflexões de um Pedagogo-aprendiz em Artes Visuais....................................................................25 POIESIS.................................................................... 26 Pista Um. (o trabalho dos artistas)........................................ 28 Pista dois.(poética)....................................................... 30 Pista Três.(fazer/pensar).................................................. 32 Encontro com a teoria...................................................... 40 Experiencio as Artes Visuais............................................... 45 Pistas sobre ensinar/aprender Artes Visuais................................ 54 CAPÍTULO II - Substâncias expressivas da processualidade: aprender Artes Visuais ...................................................................59 Objetivos.................................................................. 60 METODOLOGIA: Os caminhos da pesquisa....................................... 61 O Caminho metodológico: de um saber-fazer ao fazer-saber-ser............... 71 O planejamento para o campo................................................ 84 Ensaio visual: Processualidade dos dados................................... 90 O contexto e os sujeitos da pesquisa....................................... 96 CAPÍTULO III CONTEXTURAS POÉTICAS ............................................................................. ..........................99 Contextura I: Sobre a Experiência Estética na obra de John Dewey.......... 100 Contextura II: Cartografias de uma experiência consumatória em Artes Visuais. .......................................................................... 119 Desassossego poético...................................................... 134 “Desenhos evaporados”..................................................... 140

12


Manchas................................................................... 145 "Desenhos para não ver" ..........................................................................150 Mapas..................................................................... 154 CONSIDERAÇÕES FINAIS: Como acabar o que não findou?....................... 160 Referências bibliográficas............................................... 1666

13


APRESENTAÇÃO

Toda a arte envolve órgãos físicos (...) e, no entanto, ela ultrapassa as meras competências técnicas que estes órgãos exigem. Ela envolve uma ideia, um pensamento, uma interpretação espiritual das coisas e, no entanto, apesar disto é mais do que qualquer uma destas ideias por si própria. Consiste numa união entre o pensamento e o instrumento de expressão. John Dewey Figura 1- Fábio Wosniak. Espirais, 2014. Monotipia com tinta óleo. 30 x 50 cm

14


A epígrafe que elegi para abrir estes escritos foi retirada do livro A Escola e a Sociedade: A Criança e o Currículo, de John Dewey, publicado pela Editora Relógio d’Água (2002), e remete ao percurso desta pesquisa – um estudo sobre e em Artes Visuais da perspectiva de um Pedagogo que, durante a sua Graduação, começou a questionar o lugar e o espaço das Artes Visuais na formação de graduandos em Pedagogia. Dewey nos revela que toda Arte envolve os órgãos físicos, mas o que o autor parece nos esclarecer é que as Artes estão para além do corpo físico. A Arte é mais do que uma ideia acerca das coisas, ela é resultado da relação Sujeito-Mundo

e

é,

segundo

o

filósofo,

união

entre

o

pensamento

e

o

instrumento de expressão (DEWEY, 2002). Em outras obras de John Dewey, o autor aprofunda suas reflexões sobre o campo das Artes, explicando que não existe dicotomias entre o fazer e o pensar Artes. É essa união entre fazer e pensar Artes Visuais que esta Dissertação investiga, em parte. Um trabalho que necessita de muito fôlego e visibilidade, pois mergulha em lugares profundos, onde a visão torna-se turva e o oxigênio parece não existir. Tudo parecia ganhar luminosidade e ar com a descoberta de um método, esse

caráter

cientifico

que

pretende

tudo

explicar

e

de

tudo

dar

cabo.

Todavia, no decorrer da pesquisa, foi possível compreender que nada é simples e que certezas não existem, embora haja um caminho, descobertas, aberturas

15


para outras possibilidades e transformações - que ocorrem, especificamente no meu caso, mais no pesquisador que no seu objeto de pesquisa. Lembro-me

claramente

da

epígrafe

que

Bachelard

(1988)

utilizou

na

introdução do livro A Poética do Devaneio, de 1988: “Método, Método, que queres de mim? Bem sabes que comi do fruto do inconsciente.” Essa epígrafe utilizada por Bachelard é uma citação do poeta francês Laforgue (1860-1887). Transcrevi a epígrafe utilizada por Bachelard precisamente por revelar como às vezes me senti (e ainda me sinto), diante de uma pesquisa. Especialmente porque

esta

pesquisa

entrelaça-se

com

uma

estrutura

objetiva,

com

os

processos criativos do próprio autor: buscar respostas que levem a outras perguntas. Ideia, pensamento, e interpretação espiritual necessitam estar encarnados

na

minha

cotidianidade,

exercitados

incansavelmente

em

minha

prática como pesquisador em Artes Visuais, assim como ditos e revelados na elaboração desta dissertação. Diante do desafio, me permiti mergulhar, como fazem os “ciganos do mar” - homens da cultura Bajau, que vivem em barcos na Malásia e mergulham sem equipamentos a profundidades de até 25 metros para caçar. Este é um exemplo de sobrevivência criativa, que exige do homem toda a sua capacidade para encontrar uma maneira harmoniosa de sobreviver com a natureza, ou em meio a ela. Acredito que todo pesquisador comprometido com a Arte/Educação tem

16


um pouco, ou muito, dos homens Bajau. Mergulhamos com nossas dúvidas, sem proteção, em uma natureza que pode mudar a qualquer hora – assim como o mar. O Outro é sempre uma surpresa, é impossível saber tudo sobre ele. O que parece possível é encontrar pistas, caminhos que provoquem experimentações e, a partir daí, refletir sobre, e construir, uma metodologia. Essa, se não for decifrada

pelo

pesquisador,

nos

devora

pesquisar

sobre

aprender

Artes

Visuais é sempre um mergulho no desconhecido. Por esse motivo, selecionei a citação de John Dewey sobre Arte e a epígrafe que abre a introdução do livro A Poética do Devaneio de Bachelard, para revelar por onde começam os caminhos e as reflexões sobre aprender Artes Visuais na Pós-Graduação. Não pretendo estabelecer nenhuma relação entre Dewey e Bachelard, a relação existente neste primeiro momento é a do pesquisador com os “ciganos do

mar”,

destemida

o

aventurar-se

de

nutrir

a

no

desconhecido,

existência

das

buscar

inúmeras

uma

forma

dúvidas

criativa

no

campo

e da

Arte/Educação. A poética na prática de um pedagogo: experiência sobre aprender Artes

Visuais

percurso

foi

através

da

pintura

desenvolvendo-se

de

é

uma forma

pesquisa

em

Artes

compartilhada.

Visuais Muitas

cujo

trocas

aconteceram durante o processo da pesquisa. Andarilhei por muitos lugares, livros, imagens, congressos, conversas... É um trabalho que apresenta duas faces: uma extremamente pretensiosa, e outra pouco rebuscada. Mas nenhuma

17


adivinhação é apresentada nesta pesquisa, as previsões constantes aqui se resumem ao desejo de tecer linhas que reflitam um percurso de experiências de um pedagogo no Mestrado em Artes Visuais – essa é uma das faces, quem sabe a que se volta para trás, de trazer um desejo na bagagem. A face voltada para frente é aquela pretensiosa, por saber da existência de uma pesquisa que exige descrição, análise dos processos de criação, e revelações sobre uma experiência de aprender Artes Visuais. A poética na prática de um pedagogo: experiência sobre aprender Artes Visuais através da pintura é o resultado de uma experiência singular no campo das Artes Visuais. Talvez se torne um trabalho que desperte o desejo dos jovens egressos dos Cursos de Pedagogia e esclareça que aprender Artes Visuais é construir significados. Sobretudo, talvez ofereça a esses futuros profissionais da Educação a compreensão, como afirma Dewey (2010), de que a Arte é “a maior realização intelectual da história da humanidade”. Sessenta e três anos após a morte de John Dewey (1859-1952), o filósofo norte-americano vem despertando nos pesquisadores interesse em seus estudos sobre filosofia, sociologia, artes e educação. Seus livros estão pulsantes nas

mãos

de

leitores,

principalmente

dos

seus

discípulos.

Dentre

eles,

destaco especialmente Ana Mae Barbosa, cuja obra é uma bússola para minhas investigações. Os trabalhos de Ana Mae Barbosa sustentam os pensamentos acerca da

18


relação

entre

Artes

Visuais

e

Educação.

A

autora

ancorou

sua

tese

de

Doutorado no pensamento filosófico do autor norte-americano, atualizando o pensamento

deweyiano

voltado

para

a

Arte/Educação.

Ao

lado

de

Ana

Mae

Barbosa, Eisner (1972), também inclui os estudos de Dewey em seus escritos sobre Arte/Educação. Em consonância com o pensamento da primeira, Eisner adverte, refletindo sobre o pensamento de Dewey, que

[a] arte é uma experiência que vivifica a vida; ajuda o organismo em crescimento a se dar conta de que está vivo; provoca sentimentos tão elevados que pode chegar a identificar esta experiência como evento único em sua vida. (EISNER, 1972, p. 5)

Arte

como

Experiência

foi

o

último

livro

escrito

por

John

Dewey,

publicado nos Estados Unidos em 1934. Sua publicação no Brasil ocorreu no ano de 2010 pela Editora Martins Fontes. É uma obra, como comenta o autor no prefácio, que nasce no inverno e segue até a primavera do ano de 1931. Os escritos do livro foram resultado de conferências que o filósofo proferiu na Universidade de Harvard sobre o tema Filosofia da Arte. É exclusivamente essa obra de Dewey a escolhida para encontrar caminhos que revelem uma nova perspectiva sobre o tema desta pesquisa. Mas antes, vale lembrar que Dewey foi precursor inspirador das reformas de um ensino centrado na criança. Assim, o autor não apenas refletiu sobre uma Filosofia da Arte pautada na experiência, mas pensou também em uma Educação que necessitava

19


rever seu conjunto teórico - o autor adverte para uma Educação que tenha como base uma teoria da experiência. Alinhado a esse pensamento teórico de Dewey sobre Arte, Educação e Experiência, teço a tríade da pesquisa. É na tentativa de confluir esses três conceitos,

Artes

Dissertação.

Visuais-Educação-Experiência,

que

traço

as

linhas

desta

Assim sendo, o objeto de estudo é interpretar e compreender a

articulação entre o fazer-pensar estético-artístico e sua relevância para a Educação. Como

licenciado

investigação

da

em

relação

Pedagogia, das

Artes

minha Visuais

primeira com

o

ideia

Curso

repousava

na

Graduação

em

de

Pedagogia. Embora tenha sido um processo difícil, a ideia foi abandonada, tendo em vista a falta de clareza que permeava os meus estudos. Até porque os debates sobre a relevância das Artes Visuais na Licenciatura em Pedagogia vem acontecendo desde a década de oitenta nos Congressos da Federação de ArteEducadores do Brasil. Assim, falar na relevância das Artes para a Graduação em Pedagogia não seria encontrar uma resposta para o que eu buscava. Após andarilhar, conversar e ler muito, encontrei outro caminho. O que interessa, de

fato,

é

compreender

como

pode

ser

possível

uma

pesquisa

em

Arte

na

Educação, ou seja: Como construir uma pesquisa no percurso da criação, a partir de procedimentos utilizados por artistas? Trata-se de pensar a pesquisa sob a perspectiva de (re)inventar modos de

20


leitura para esses índices de pensamentos em processo, em vez de encontrar respostas absolutas e finais. A confusão que pode emergir de uma pesquisa que parte

do

processo

criativo

para

a

escrita

objetiva

é

muito

porosa.

As

imagens, ou seja, o trabalho estético-artístico, não é um ilustrador do processo, mas a pesquisa em si. Salles (2006, p. 15) lembra que os “instrumentais teóricos devem ser convocados de acordo com as necessidades do andamento das reflexões, para que os

documentos

dos

artistas

não

se

transformem

em

meras

ilustrações

das

teorias”. Daí a utilização da teoria da experiência cunhada por Dewey para pensar tanto as Artes Visuais quanto a Educação. A filosofia da experiência de Dewey instaura um novo paradigma ao unir o fazer

ao

pensar,

o

pensamento

em

oposição

lugar

ao

pensamento

das

essências. Dewey vincula as Artes às experiências concretas. Para o filósofo:

A tarefa da filosofia da arte é restabelecer a continuidade entre, de um lado, as formas refinadas e intensificadas de experiência que são as obras de arte e, de outro, os eventos, atos e sofrimentos do cotidiano universalmente reconhecidos como constitutivos da experiência. (DEWEY, 2010, p. 70)

Como

criar

uma

pesquisa

em

Artes

Visuais,

sendo

que

me

graduei

em

Pedagogia sem nunca ter experienciado a minha poética na linguagem pictórica? É isso que me pergunto a todo instante. Assim, encontrei na obra de John

21


Dewey,

Arte

como

Experiência

(2010),

e

no

Grupo

de

Estudos

“Estúdio

de

Pintura Apotheke” subsídios para experimentar e dissertar acerca das minhas inquietações sobre a relação Artes Visuais – Pedagogia – Educação. Nesta Dissertação, faço uso da dinamicidade da criação artística, em seus momentos de fluxos constantes, de lugares para repouso do pensamento, de flexibilidade, mobilidade - comum à plasticidade na elaboração de uma obra e para a experiência singular geradora de toda essa processualidade.

Agora, resta responder a pergunta: como fazê-lo?

22


Figura 2 - Fábio Wosniak. Sem título, 2014. Caneta nanquim. 29 x 21 cm

23


PERGUNTAS

No decorrer da minha pesquisa, desejei muito, e perguntei muito também. Mas foi necessário fazer escolhas, e assim escolhi investigar:

-

Para

um

pedagogo,

como

é

aprender

Artes

Visuais? - Para um pedagogo, como é experimentar suas investigações

a

respeito

da

Educação

através

de

procedimentos utilizados por artistas?

Figura 3 - Fotografia do autor, 2014. Sem dimensão definida.

24


CAPÍTULO I – POIESIS: REFLEXŌES DE UM PEDAGOGOAPRENDIZ EM ARTES VISUAIS.

25


POIESIS

Pensar, ainda assim, é agir. Fernando Pessoa.

Figura 4 - Fábio Wosniak. Sem título, 2014. Lápis grafite sobre papael. Sem dimensão definida.

26


Poiesis

origina-se

do

termo

poiéo–(do

grego

fabricar,

executar,

confeccionar), e traduz-se por fabricação, confecção, preparação, produção. “Todavia, um produzir que dá forma, um fabricar que engendra, uma criação que organiza, ordena e instaura uma realidade nova, um ser” (NUNES, 1989, p. 20). Para definir o objeto desta pesquisa, três pistas foram fundamentais para possibilitar os primeiros esboços de um estudo sobre o processo de criação pautado numa filosofia da experiência. Pensar essas pistas comporta um agir, um olhar com sabedoria, uma intenção interpretante, onde cada pista se desdobra em várias perguntas, em outras pistas, pistas-caminhos, pistasinterrogações,

pistas-investigantes...

etimológico

Língua

da

Portuguesa,

A

palavra,

significa

segundo

“vestígio,

o

dicionário

encalço,

procura”

(CUNHA, 2010, p. 501). Ainda segundo Houaiss, “pista” está relacionada à ideia de “vestígio, rastro, indicação, orientação (...)” (HOUAISS, 2011, p. 729). Nesse sentido, a palavra “pistas”, nesta pesquisa, revela o vestígio da experimentação, a procura do significado através da experiência singular em Artes Visuais; o rastro deixado por cada leitura ou conversa, que indica um percurso e orienta o desafio de pensar nas Artes Visuais a tríade Artes Visuais, Pedagogia e Educação através da experiência singular em estudos sobre pintura.

27


Pista Um. (o trabalho dos artistas)

O Ser é o que exige de nós criação para que dele tenhamos experiência. Merleau-Ponty

Figura 5 - Fábio Wosniak. Fragmentos de Anotações do diário do autor, 2014.

28


Esta

pista

remete

diretamente

ao

modo

como

se

pode

construir

um

pensamento, ou levantar problemas, acerca da forma como se aprende Artes Visuais além da simples leitura teórica, mas através da prática das Artes Visuais e da observação das obras de outros artistas, bem como de seus escritos e seus diários. Como afirma Dewey (2010, p. 167), “pensar diretamente em termos de cores, tons ou imagens é uma operação tecnicamente diferente de pensar em palavras”. Para pensar desta maneira é necessário construir um conhecimento acerca da produção artística, levando em conta desde a produção de uma obra de Arte ou uma experiência em Artes Visuais, até a forma como se monta uma exposição. Nesta

pista,

considero

que

o

trabalho

do

artista

não

consiste

exclusivamente da imersão no ateliê. Neste momento da pesquisa, descubro que o artista é um observador do mundo. O artista cria novas possibilidades através do seu pensar/fazer, que por sua vez articulam-se a novas formas de visibilidade

do

pensamento

e

implicam

em

novas

formas

de

construir

conhecimento.

29


Pista dois.(poética)

A poética, como queria um dar a um dar a cheirar, um mais que palavra ao

Paul Eluard, é ver. E também: dar a ouvir e, tudo, um dar a tato do outro. Carlos Skliar

Figura 6 - Fábio Wosniak. Mancha, 2014. Óleo sobre papel, 29 x 21 cm

30


Foi o poeta, com a sua poesia, que me permitiu metaforizar e mergulhar nos sentidos das palavras – as palavras da poesia são imagens. Como nos ensina

Bachelard

(1988,

p.

4),

“diante

das

imagens

que

os

poetas

nos

oferecem, diante das imagens que nós mesmos nunca poderíamos imaginar, essa ingenuidade de maravilhamento é inteiramente natural”.

Sendo assim, a poesia

propiciou este estudo, no sentido de refletir e dialogar com uma atitude criadora, de conferir sentido às coisas com palavras e imagens – palavra e imagem, neste trabalho, tornam-se uma coisa só. Como transformar palavras em imagens? Ou melhor, como pensar uma escrita criativa? Para

compreender

o

significado

dos

produtos

artísticos,

temos

de

esquecê-los por algum tempo, virar-lhes as costas e recorrer às forças e condições comuns da experiência que normalmente não consideramos estéticas. É preciso chegar à teoria por meio de um desvio. É que a teoria diz respeito à compreensão,

ao

discernimento,

não

sem

exclamação

e

sem

o

estímulo

da

explosão afetiva comumente chamada de apreciação.

31


Pista Três.(fazer/pensar)

Tomando em sua mão algumas sobras do mundo, o homem pode inventar um novo mundo que é todo dele. A arte começa pela transmutação e continua pela metamorfose.

Focillon

Figura 7 - Fotografias do autor. Sem dimensão definida, 2014.

32


Além de aprender sobre as coisas da Educação, ou melhor, as coisas da Arte/Educação,

“ilustrando”

o

olho,

ou

seja,

descobrindo

a

partir

do

fazer/pensar Artes Visuais que existe um ver para além do olho físico, que “ver, perceber, é mais do que reconhecer” (DEWEY, 2010, p. 91), tornou-se essencial a este trabalho aprender Artes Visuais com quem a produz no/para o mundo – o artista. Isso significa que foi necessário apreender a pesquisa da mesma maneira como um artista produz a sua obra. E como isso se deu? Compreendi que a criação da obra que nasce do artista, como afirma Kandinsky (1996), repousa em algo misterioso, enigmático e místico. Para ele:

A pintura é uma arte, e a arte, em seu conjunto, não é uma criação sem finalidade que cai no vazio. É uma força cujo objetivo deve se desenvolver e apurar a alma humana (...). É a única linguagem que fala à alma e a única que ela pode entender. Aí encontra, sob a única forma suscetível de ser assinalada por ela, o pão cotidiano de que tem necessidade (...) É sempre nas épocas em que a alma humana vive mais intensamente que a arte torna-se mais viva, porque a arte e a alma se compenetram e se aperfeiçoam mutuamente. (KANDINSKY, 1996, P. 126-127)

Quando Kandinsky mostra que a Arte é uma força que apura a alma, sou motivado a entender que a Arte é o que dá sentido aos nossos desejos, na maioria das vezes, e é capaz de garantir, de certa maneira, uma explicação sobre a nossa existência no mundo.

33


Para confirmar essa maneira de conceber a Arte e a produção artística, confirmo minhas reflexões, com base na filosofia da experiência e da Arte como experiência de John Dewey (2010). Segundo o filósofo:

A existência da Arte (...) é a prova de que o homem usa os materiais e as energias da natureza com a intenção de ampliar sua própria vida, e de que o faz de acordo com a estrutura de seu organismo (...). A arte é a prova viva e concreta de que o homem é capaz de restabelecer, conscientemente e, portanto, no plano do significado, a união entre sentido, necessidade, impulso e ação que é característica do ser vivo. A intervenção da consciência acrescenta a regulação, a capacidade de seleção e a reordenação. Por isso, diversifica as artes de maneiras infindáveis. Mas a sua intervenção também leva, com o tempo, à ideia da arte como ideia consciente – a maior realização intelectual na história da humanidade. (DEWEY, 2010, p. 93)

O trabalho intelectual e o trabalho artístico aproximam-se de, ou até mesmo se tornam, um objeto estético-artístico, quando os termos se fundem diretamente com o que se está produzindo. Para Dewey, o pensador usufrui de seu momento estético quando suas ideias

ganham

“vida”

nos

significados

coletivos

dos

objetos.

Em

contrapartida, o artista desenvolve seu pensamento à medida que trabalha; ou seja,

o

artista

pensa

produzindo,

dando

forma

e

conteúdo

aos

seus

encontrar

essa

questionamentos (DEWEY, 2010). O

desafio

deste

trabalho,

na

sua

forma

escrita,

é

habilidade de pensar, de esbarrar na experiência, mesmo compreendendo que a

34


experiência estética é o resultado da incompletude da vida. Utilizo-me das “reverberações murmuradas” de Dewey (2010) para aproximá-las das explicações que Eisner (1972) nos oferece sobre a necessidade de ensinar e aprender Artes Visuais. Para Eisner:

El arte sirve al hombre no solo por hacer accesible lo inefable y visionario, sino que funciona también como um modo de activar nuestra sensibilidade; El arte oferece El material temático a través del cual puedem nuestras potencialidades humanas. (EISNER, 1972, p. 10)

Nessa maneira de experienciar uma pesquisa em Artes Visuais no contexto da

Educação,

respostas

às

as

redes

perguntas

de

conhecimentos

que

permeiam

o

estabelecidas trabalho

para

alcançar

aproximam-se

mais

as das

“reverberações murmuradas” do que das respostas encerradas. É certo que seja mais

possível

criar

metáforas

visuais

do

que

respostas

prontas

(EISNER,

1972). É a isto que se destina o futuro deste trabalho: não encontrar respostas finitas, prontas, ou seja, aquelas das quais se nutre a pesquisa cognitiva realista, que aprisiona o leitor em um conjunto de informações concluídas, prontas para serem consumidas. Mas pelo contrário, o compromisso assumido neste trabalho é o de pensar certo. Afinal, esta é a concepção de Educação presente nessas linhas: a Escola deve ser o lugar de ensinar a pensar certo.

35


Pensar certo não é transferir conhecimento, como nos lembra os escritos de Paulo Freire. No caso do ensino/aprendizagem em Artes Visuais, não é ensinar um monte de técnicas - essa atitude do docente significaria reduzir o exercício educativo, ou seja, o seu caráter formador (FREIRE, 2011). Pensar certo, nas palavras de Freire (2011, p. 35) “demanda profundidade e não superficialidade na compreensão e interpretação dos fatos”. Também por isso utilizei a metáfora dos “ciganos do mar”: é preciso chegar no mais profundo para

vir

a

conhecer

o

que

ainda

é

desconhecido,

daí

compreender

para

descrever e comunicar ou anunciar a novidade (FREIRE, 2011; SALLES, 2006). Encontro em Rui Canário (2006) muita aproximação com Paulo Freire (2011) e John Dewey (2002), na medida em que esses três autores formam uma rede de saberes que torna possível construir uma concepção de Educação onde as Artes Visuais têm um papel relevante. Passo agora a tecer uma “costura” entre os escritos desses três autores para formular a concepção de Educação desta Dissertação:

A escola deve “superar a forma de transferir do ensinar para o aprender, o eixo central das nossas preocupações. Significa considerar a experiência de quem aprende como o principal recurso para a sua formação (...) ou seja, centrar o conhecimento em um processo de Pesquisa (...) aprendizagem coletiva. (CANÁRIO, 2006, p. 18-19) A educação não é um processo de adaptação do indivíduo à sociedade. O homem deve transformar a realidade para ser mais (...) o ímpeto de criar nasce da inconclusão do homem. A educação é mais autêntica quanto mais

36


desenvolve este ímpeto de criar. É necessário darmos oportunidades para que os educandos sejam eles mesmos. (FREIRE, 2011, p. 38-41) A escola deveria ser um todo orgânico ao invés de partes isoladas. Na escola ideal deveriam existir espaços que potencializasse a flexibilidade das diversas áreas do conhecimento, ou seja, a escola deveria ter um plano de unidade (...) a unidade da educação dissipa-se e as matérias de estudo tornam-se centrífugas (...) a única forma de unir as partes do sistema é unir cada uma dela a vida”. (DEWEY, 2002, p. 67-68)

A escola, na perspectiva desses três autores, deve ser o lugar onde o sujeito potencializa as suas experiências a partir do momento que conhece a cultura em que está inserido. Essa é a tomada de consciência: quando a cultura, a história, e os valores são experimentados de forma dialética e democrática. Homens e mulheres são seres de relação, o domínio do conhecimento da produção

cultural

da

humanidade

torna

esses

homens

e

mulheres

mais

conscientes da sua existência no mundo. Nessa perspectiva, “existir é, assim, um modo de vida que é próprio ao ser capaz de transformar, de produzir, de decidir, de criar, de recriar, de comunicar-se” (FREIRE, 2011, p. 108). Tudo isso só é possível dentro de uma escola que possibilita aos seus estudantes ser, ou seja, estar atuantes, ter voz; tornarem-se sujeitos com a consciência de que a escola é o lugar onde se aprende a aprender. Aprender é um trabalho que o sujeito realiza sobre si próprio. Esse trabalho,

que

envolve

a

aprendizagem,

exige

ciclos

de

experimentações,

37


conexões com informações, até que de fato seja caracterizado o conhecimento. Para

chegar

até

o

conhecimento,

é

necessário

que

haja

interrogação,

a

curiosidade que compreende o ciclo natural de cada pessoa. Aprendemos a partir da autoformação, da heteroformação e da ecoformação (CANÁRIO, 2006). Para os três autores, o processo de aprendizagem acontece de forma singular. Tomarei a liberdade de colocar esses conceitos, não com a intenção de inverter nenhuma ordem, ou de inventar uma outra teoria, mas para compor

uma

rede

significante

própria

que

me

ajudará

a

pensar

a

minha

aprendizagem e minha experiência no campo das Artes Visuais. A heteroformação é o meio social, as nossas relações com os outros, a nossa relação com o mundo (contexto). Aqui recorto e começo a pensar na relação entre a experiência estética, o contato com as Artes Visuais, as obras, os materiais, as conversas com artistas, as leituras sobre Artes Visuais. Autoformação

é

o

que

“se

acomoda”

dos

saberes

da

heteroformação

(apropriação) - quando a poiesis abre espaço para a poética. É quando o texto, a imagem e até a conversa sobre a pesquisa ganha um corpo, uma forma, uma presença no mundo. A ecoformação é a aprendizagem pelo contexto, quando a união entre a heteroformação e a autoformação se unificam, se tornam experiência singular, estão

no

mundo

e

abrem

possibilidades

para

novos

saberes.

Esses

três

38


conceitos sobre aprendizagem podem ser bem reforçados à luz do pensamento de Ana Mae Barbosa (2005) sobre a relevância do ensino da Arte:

A arte na educação, como expressão pessoal e como cultura, é um importante instrumento para a identificação cultural e o desenvolvimento individual. Através da arte, é possível desenvolver a percepção e a imaginação, aprender a realidade do meio ambiente, desenvolver a capacidade crítica e assim analisar a realidade percebida, pela criatividade, de modo a mudar de alguma forma a realidade que foi analisada. (BARBOSA, 2005, p. 292)

Vivenciar pensar

nesses

essa

experiência,

sujeitos,

refletir

propiciar como

cada

aos

estudantes

docente

antes

articula

sua

mesmo

de

própria

prática poética e como as Artes Visuais estão presentes nas suas vidas conforme

a

filosofia

deweyiana,

é

impossível

proporcionar

experiências

singulares em Artes Visuais para os estudantes sem que seus professores tenham passado por uma experiência significativa no próprio campo das Artes.

39


Encontro com a teoria

A experiência consciente do indivíduo singular é uma corrente muito curta e não se mede até seu fim. Nietzsche

Figura 8 - Fábio Wosniak. Sem título, 2014. Tinta nanquim sobre papel vegetal. 20 x 20 cm

40


Foi durante os encontros de orientação que entrei em contato com a filosofia da experiência de John Dewey (2010). Nas primeiras reuniões, quando ainda

dava

os

primeiros

passos

da

pesquisa

e

após

um

estudo

de

campo

realizado na Universidade Regional do Cariri (Juazeiro do Norte) juntamente com o Prof. Dr. Fábio Rodrigues 2 , houve um “despertar”, instigado por ele, para

que

eu

vislumbrasse

a

minha

pesquisa

a

partir

do

meu

percurso

de

formação. Após retornar dessa viagem trazendo essas experiências de Juazeiro do Norte para a minha orientadora, a Profa. Dra. Jociele Lampert, ela sugeriu a leitura do livro Arte como Experiência de John Dewey (2010).

2

Coordenador do DINTER Artes UFMG-URCA (2013-2016), Chefe do Departamento de Artes Visuais, Líder do Grupo de Pesquisa Ensino da Arte em Contextos Contemporâneos - GPEACC/CNPq, Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Ensino da Arte - NEPEA, Representante do Brasil no Consejo Latinoamericano de Educación por el Arte - CLEA, Diretor de Relações Internacionais da Federação dos Arte/Educadores do Brasil - FAEB, Membro da Rede Iberoamericana de Educação Artística - RIAEA, Membro associado da Federação dos Arte/Educadores do Brasil - FAEB. Membro associado da International Society for Education through Art - InSea. Doutor em Artes Visuais pela Universidad de Sevilla - US/España (2007), Mestre em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE (1999), Aperfeiçoamento em Aprendizagem da Arte e Cultura Contemporânea pela Universidade de São Paulo - USP (2000), Graduado em História pela Universidade Federal de Pernambuco (1995). Atualmente, é professor Associado da Universidade Regional do Cariri/Departamento de Artes Visuais/Curso de Licenciatura em Artes Visuais. Pró-Reitor de Extensão (2011-2012). Diretor do Centro de Artes Reitora Violeta Arraes Gervaiseau da URCA (2008-2011). Fonte: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4702955Z0. Acesso em 07 nov. 2014.

41


A

proposta

de

John

Dewey

(1859-1952)

é

elaborar

uma

teoria

da

experiência na Educação, ou seja, uma Filosofia da Experiência. Nela, o autor norte-americano considera relevante considerar os fatores sociais, culturais e individuais. John Dewey é filósofo, foi responsável pela teoria da Escola Nova. Suas ideias estão amplamente divulgadas em seus livros. Dentre eles, destaco Arte como Experiência, na sua primeira edição publicada em português pela Editora Martins Fontes em 2010, e Experiência e Educação, editado pela segunda vez com o selo da Editora Vozes, em 2011. Esses são os dois livros que

mais

interessam

a

esta

pesquisa.

Outros

títulos

do

autor

incluem

Democracia e Educação, de 1916, e Como Pensamos, de 1910. Dewey, em seus escritos, destaca os problemas da sociedade industrial moderna, assim como as instâncias do humano diante dos progressos frente ao modelo social e econômico capitalista. Para o filósofo, a educação tal como se

apresenta,

em

seu

formato

tradicional,

não

faz

outra

coisa

senão

“transmitir” conhecimentos às novas gerações – esses, formulados de forma genérica,

transformados

em

um

conjunto

de

informações

e

de

habilidades

elaborados no passado (DEWEY, 2011). Nesta perspectiva, a concepção de aprendizagem, apresentada no modelo tradicional, é aquela em que os estudantes apenas “consomem” os conhecimentos das gerações anteriores, sem nenhuma ação crítico-reflexiva. Essa constitui uma das principais críticas à educação encontradas nos escritos de John

42


Dewey. A partir da observação cuidadosa da sociedade de sua época, Dewey passa a defender uma educação pela experiência. O conceito de experiência é central no pensamento deweyiano. O autor explica que “experiência e educação não são diretamente equivalentes uma a outra” (DEWEY, 2011, p. 27). E continua:

(...) dentre todas as incertezas, existe um quadro de referência permanente: de que há uma conexão orgânica entre educação e experiência pessoal, ou seja, de que a nova Filosofia da Educação está comprometida com algum tipo de filosofia empírica e experimental. Porém, experiência e experimento não são ideias autoexplicativas. Ao contrário, seus significados são parte de um problema a ser explorado. Para saber o significado de empirismo, precisamos compreender o que é experiência. (DEWEY, 2011, p. 26)

É

isso

que

interessa

a

esta

pesquisa,

mergulhar

no

conceito

de

experiência promulgado por John Dewey, e a pergunta incessante nesta pesquisa é:

como

pensar/articular

uma

experiência,

ou

seja,

como

um

Graduado

em

Pedagogia aprende Artes Visuais? Não

pretendendo

esclarecer

o

que

aqui

seria

esgotar

aprender

o

conceito

na/pela

de

experiência,

experiência,

segundo

mas

para

Dewey,

é

relevante trazer o conceito nas palavras do próprio autor:

‘Aprender da experiência’ é fazer associações retrospectivas e prospectivas entre aquilo que fazemos às coisas e aquilo que em consequência essas coisas nos fazem gozar ou sofrer. Em tais condições a

43


ação torna-se uma tentativa; experimentar-se o mundo para saber como ele é. O que se sofre em consequência torna-se instrução – isto é, a descoberta das relações entre as coisas. (DEWEY, 1959, p. 153).

É a partir desses estudos, de como aprendemos a partir das experiências, que

interessa

Pedagogia.

a

Assim,

interlocução não

se

entre

trata

de

as

Artes

realizar

Visuais uma

e

pesquisa

a

Graduação para

pensar

em a

inserção das Artes Visuais na Pedagogia, para que os futuros profissionais possam desenvolver projetos, tomando como princípio os conceitos das Artes Visuais. É preciso ir além, ou seja, “aprender da experiência” é se permitir uma vivência estético-artístico na área das Artes Visuais que possibilitará pensar o lugar e o espaço dessa área de conhecimento na formação do Pedagogo.

44


Experiencio as Artes Visuais

No primeiro semestre de 2014, surge o convite para participar do Grupo de Estudos “Estúdio de Pintura Apotheke” 3 . O Grupo Apotheke, nasce do desejo da Profa. Dra. Jociele Lampert de apreender as Artes Visuais no campo da Educação. A professora fundou o Grupo de Estudos Estúdio de Pintura Apotheke com o objetivo de abraçar as suas pesquisas e inserir seus orientandos no universo das Artes Visuais e da Arte/Educação com estudos sobre Arte/Educação por

meio

da

pintura,

bem

como

no

universo

da

produção

artística

do

artista/professor/pesquisador. O grupo apresenta dois eixos em sua metodologia: o eixo prático e o eixo teórico. É relevante salientar que o Grupo não acredita na dicotomização entre prática e teoria, e os eixos são criados para fins didáticos. Sendo assim,

no

compartilhem

eixo seus

prático,

é

trabalhos

previsto realizados

que em

os

participantes

seus

estúdios.

realizem Ainda

e

assim,

3

A palavra tem origem grega no substantivo apotheke, que designava armazéns do porto de Atenas na Grécia Clássica. Também de origem germânica, remonta à palavra botica, boticário ou farmácia. A escolha por esta nomenclatura decorre da percepção da botica como lugar de laboratório, de um labor experimental. Isso se aproxima da proposta do grupo a ser constituído, tendo a pintura como eixo norteador para o processo artístico e considerando o campo ampliado e os possíveis desdobramentos para o pensamento plástico-pictórico. Fonte: Projeto de Pesquisa: “Arte Educação pela pintura: a produção artística do artista professor”.

45


trabalhos coletivos são realizados semanalmente com técnicas e pesquisa em pintura. Nesse mesmo eixo estão previstas saídas de estudo e pesquisa de campo: pintura ao ar livre; visitação a ateliês de artistas e, por fim, a realização de mostras, seminários, oficinas e publicações. No

eixo

teórico,

os

participantes

realizam

leituras

e

reflexões

específicas sobre os temas trazidos pela Coordenadora. É neste eixo que os registros acerca dos processos pictóricos dos participantes são realizados, assim como os registros das ideias que emergem do estudo das técnicas. Por fim, este eixo é responsável pela organização das publicações do Grupo. Venho de uma formação cujo currículo não possui nada parecido com o que tenho experimentado e descoberto nos encontros do Grupo de Estudos “Estúdio de Pintura Apotheke”. Digo “experimentado” e “descoberto” porque o grupo mantém seus encontros semanais regulares, e os relatos que trarei aqui estão pautados em 31 encontros. Como recebi a ideia de participar de um Grupo de Estudos pela pintura? Tendo

em

vista

a

minha

formação

como

pedagogo

que

até

o

momento

experimentava Artes Visuais exclusivamente como apreciador, ou apenas leitor de

teorias

da

Arte/Educação,

me

vi

assustado.

No

entanto,

esse

susto

desapareceu rapidamente. Ao longo dos encontros percebi o que me fazia estar presente no grupo e experimentar tantas técnicas que se encontram longe de fazer parte de qualquer componente curricular de uma Graduação de Pedagogia.

46


Tive

experiências

estéticas,

estava

e

estou

em

constante

estado

de

experimentação estético-artística. O que tanto vasculho nos livros – o que é experienciar

Artes

Visuais?

Como

proporcionar

essa

experiência

para

educadores e educandos? Vivo a resposta a essas perguntas toda semana. Contudo, clarificar essa experiência

em

palavras

tem

sido

um

exercício.

A

cada

encontro,

muitas

experiências são encarnadas e novas perguntas se incorporam nas anteriores – é um eterno fluxo e refluxo de experimentações. Toda experiência vivenciada nos encontros do Grupo de Estudos “Estúdio de Pintura Apotheke” contribuiu significativamente para que meus registros, ou seja, meus cadernos - que antes de fazer parte do grupo eram apenas registros com palavras - fossem gradualmente poética.

se

transformando

em

registros

mais

próximos

a

uma

prática

Ainda exercito essa prática, ou melhor, aquela mais próxima às

expressões estético-artísticas – formas de pensar com a imaginação, que é a dimensão entre o mundo interno e externo, esse lugar “entre” que enriquece o mundo real, provando a todo instante que a capacidade criadora quer dizer experiência, dotada de onirismo e imaginação (WINNICOTT, 1982; DEWEY, 2010). As experiências estético-artísticas experienciadas no Grupo de Estudos “Estúdio de Pintura Apotheke” colocaram-me em contato, mais uma vez, com os conceitos (2010),

da

mais

arte

como

experiência

especificamente

com

o

defendidos conceito

de

pelo

filósofo

impulsão,

John

anunciado

Dewey pelo

47


autor. Para Dewey (2010, p. 143), impulsão se diferencia de impulso, impulsão “designa um movimento de todo o organismo para fora e para adiante, e dela alguns impulsos especiais são auxiliares”. Diante desse conceito, começo a observar como sou impulsionado pelas experiências do meu processo poético. A partir do momento em que começo a colocar as minhas indagações no espaço estético-poético, desdobram-se outros questionamentos, onde vou procurar as “respostas” no próprio universo das Artes Visuais: cadernos de artistas, exposições, e entrevistas com artistas. As indagações começam a circular na seguinte esfera:

-

Por

que

foi

importante

fazer

registros

dos

meus

processos

estético-

artísticos?

- Como foi compreender a imaginação a partir dos meus exercícios estéticoartísticos?

- Como pensar um projeto de formação pautado na experiência artística para educadores?

Minhas convicções sobre aprender Artes Visuais estavam, a cada encontro, se transformando em indagações distantes de respostas, a priori. Foi então

48


que

meus

cadernos-poiesis

começaram

a

ganhar

novos

formatos,

passando

a

existir como uma extensão do meu pensamento reflexivo-poético. Toda essa impulsão, que ganha forma/conteúdo nos meus cadernos-diários, na forma de mapas, registros rabiscados de meus pensamentos sobre Artes Visuais, Educação, Arte/Educação e a sua relação com a infância, origina um pensamento estético acerca de novas maneiras de pensar um projeto educativo em Artes visuais, onde este projeto esteja articulado à experiência e ao conteúdo específico do campo das Artes Visuais. John Dewey (2010) explica que essa

experiência

resistências ansiosas

que

não

sabe

e

contenções

de

pelos

resultados

e

para

onde

experiências uma

vai

é

resultado

prévias,

pseudossegurança

ou

seja,

gerada

das

nossas

antecipações

pelas

respostas

objetivas (DEWEY, 2010). Para que a junção entre o velho e o novo sejam recriações com potência criativa, o filósofo sugere que esse material antigo seja “ressuscitado” e encontre

novas

situações.

potencializadores,

onde

as

Elas

precisam

atividades

não

ser

asseguradas

esbarrem

em

por

ambientes

obstruções

cegas,

coisas retidas, ou em rotinas inertes. É necessário que o ambiente envolva e reforce as energias da pulsão original com discernimento em objetivos e métodos,

que

se

revestem

em

experiências

significativas

(DEWEY,

2010).

Almeida (2009, p.23-24) tece esse pensamento de forma clara, quando nos diz que:

49


Trabalhar com a experiência requer abordagens não abstratas com foco no existir e fazer cotidianos, e que acolha sua subjetividade, ambiguidade e contraditoriedade. Alcançá-la requer interrogar fatos e certificar-se de que respondam com sua própria voz. (ALMEIDA, 2009, p. 23-24).

Com base nesse trabalho sobre a experiência, revendo a minha prática estética a cada encontro do grupo, fui direcionado a compreender sobre qual estética eu tentava falar, quando compreendi que a estética que experimentava é:

A estética que vem identificar-se com a lógica. Não mais apenas com a ética. Com a lógica também. Ela vem como essência formal de toda prática, é figura do real, é condição essencial da existência no plano das forças visíveis, é a forma, por excelência. (PEREIRA, 2013, p. 128).

Porém, não satisfeito com esta definição, buscava outro conceito que contemplasse

a

estética

mais

inclinada

ao

campo

da

existência

do

que

exclusivamente inserida no campo da lógica. Foi então, em uma segunda leitura deste mesmo livro, que pude observar que o autor partia de um ponto que se encontrava alinhado às minhas experimentações, ou seja, de um sujeito que se faz autor de si - era esse o meu exercício dentro do Grupo de Estudos “Estúdio de Pintura Apotheke” (PEREIRA, 2013). Voltando ao conceito de estética postulado por Pereira (2013), o autor esclarece que uma

50


(...) estética da existência, a vida de autoria de si mesmo (...) quero, com isso, considerar a necessidade de o sujeito operar a partir da consideração de que sua singularidade resulta de uma auto-afirmação como fonte existencial, como uma “máquina autopoiêtica” (...) ou seja, é necessário compreender que os modos de produção de subjetividade são fabricações apropriáveis. O fato de haver um modo hegemônico é, já, a evidência de que há outros modos possíveis. (PEREIRA, 2013, p. 118-119).

Procuro

justamente

esses

outros

modos

possíveis

quando

me

refiro

a

“outras maneiras” de aprender Artes Visuais. Quero dizer, dar voz e corpo para que esses outros modos possíveis surjam como pesquisa. Antes de entrar em contato com o conceito acima, acreditava que essas “outras maneiras” eram apenas pensar um ensino/aprendizagem que contemplasse técnicas em práticas estético-artísticas.

Agora,

vejo

que

é

bem

mais

que

isso.

Outros

modos

possíveis, ou outras maneiras de pensar a aprendizagem em Artes Visuais, e a Arte/Educação,

estão

intimamente

relacionados

ao

flexível-híbrido-fluido

(ROLNIK, 2011). Segundo Rolnik (2011), as Artes Visuais têm o poder de traçar e ressoar cartografias

culturais

contemporâneas,

pois

as

experiências

estéticas

resultantes dessa contemporaneidade partem das inquietações dos sujeitos das experiências, que registram com as suas obras uma arte prêt-a-porter ou obras comprometidas com uma atitude político-poética (ROLNIK, 2010, p. 23). Obras prêt-a-porter, para a autora, são políticas de criação:

51


Extirpada[s] de sua vitalidade político-poética, a força de criação tende então a produzir cartografias a partir do mero consumo de ideias, imagens e gestos prêt-a-porter. A intenção é recompor rapidamente um território de fácil reconhecimento, na ilusão de silenciar as turbulências provocadas pela existência do outro. Produz-se assim uma subjetividade aeróbica portadora de uma flexibilidade a-crítica, adequada ao tipo de mobilidade requisitada pelo capitalismo cognitivo. (ROLNIK, 2010, p. 20-21).

É evidente que uma política da criação dissociada destas produções prêta-porter

mencionadas

por

Suely

Rolnik

(2010)

investem

em

plasticidades

políticas que consideram a fluidez híbrida contemporânea. São a partir das tensões das experiências contemporâneas que se “afirma (...) o poder poético da arte: dar corpo às mutações sensíveis do presente” (ROLNIK, 2010, p. 24). Diante dessas duas maneiras de olhar para o universo do processo artístico resolvi investigar, e com base nessa percepção da fluidez-híbridofluido “mergulhei” no conceito de “outras maneiras de pensar” sobre como elaborar um roteiro de aprendizagem em Arte/Educação. Um projeto educativo em Artes Visuais, onde exista uma política de criação reflexiva, deve estar voltado a pensar em atitudes distantes daquelas que produzirão “subjetividades aeróbicas”. A ideia que emerge dessas leituras e na elaboração de um projeto de aprendizagem em Artes Visuais, pensado por um Pedagogo, pretende:

Apreender o movimento que surge da tensão fecunda entre fluxo e representação: fluxo de intensidades escapando do plano de organização de territórios, desorientando suas cartografias, desestabilizando suas

52


representações e, por sua vez, estancando o fluxo, intensidades, dando-lhe sentido. (ROLNIK, 2011, p. 67).

canalizando

as

Até chegar a essas linhas de pensamento, vivenciei durante o ano de 2014 diversas práticas artístico-estéticas no Estúdio de Pintura Apotheke. Somente mergulhado nessa processualidade pude experienciar um saber-fazer em Artes Visuais ancorado na experiência como fator determinante para uma política da criação significativa. A ideia era a de não promover o pensamento de que as Artes Visuais são exclusivamente um conjunto de técnicas específicas, mas também uma maneira de pensar acerca das coisas do mundo - e, principalmente, uma maneira de saber sobre a minha experiência poética.

53


Pistas sobre ensinar/aprender Artes Visuais

Após um ano e meio de imersão em indagações sobre Artes Visuais e Arte/Educação, foi chegada a hora de começar a sistematizar uma ideia acerca de como aprender Artes Visuais. Desde a concepção embrionária e solitária da escrita caminhos

até

os

foram

diálogos sendo

traçados

realizados

com sem

outros perder

pesquisadores de

vista

o

e

teóricos,

objetivo

desta

pesquisa: Como aprender Artes Visuais? Essa

é

a

pergunta

que

vem

adquirindo

formas

à

medida

que

a

minha

experiência compartilhada se estende ao campo da Arte/Educação nos encontros do Grupo de Estudos “Estúdio de Pintura Apotheke”. Pensar a articulação “como um pedagogo aprende Artes Visuais” concentrando a pesquisa em como observar e descrever, ou como no percurso formativo do Mestrado em Artes Visuais, uma experiência significativa em Artes Visuais pode acontecer, é uma tarefa que exige muita atenção e trocas de experiências com outros pesquisadores. A ideia de observar a aprendizagem estética, e principalmente escrever sobre essa experiência a se realizar em um tempo/espaço pensado para se realizar uma

articulação

significativa

entre

fazer

e

pensar

Artes

Visuais,

está

intimamente relacionada ao conceito de que é necessário, durante o percurso da experimentação e da escrita, transcender qualquer inclinação que reduza a

54


experiência

a

uma

representação.

Ou

seja,

o

que

esta

pesquisa

busca

é,

através da experiência prática em Artes Visuais,

(...) produzir interpretações de fenômenos que envolvam a identificação de processos complexos e a compreensão das formas com que indivíduos distintos vêem o mundo a partir de diferentes pontos de vista dentro desses processos. (KINCHELOE, BERRY, 2007, p. 105)

Essa

maneira

de

fazer/pensar

uma

pesquisa

em

Artes

Visuais

está

interessada em entender, não para explicar ou revelar por que é relevante uma experiência “entender”

em

Artes

neste

Visuais.

trabalho,

O

interesse,

significa

uma

neste

caso

possibilidade

específico,

de

mergulhar

o na

experiência e na subjetividade, ou seja, “na geografia dos afetos e, ao mesmo tempo, inventar pontes para fazer a sua travessia: pontes de linguagem” (ROLNIK, 2007, p. 66). A

geografia

encontros

dos

dos

corpos

afetos

que

frente

a

interessa uma

área

a

esta do

pesquisa

é

conhecimento

aquela que

dos

trata,

exclusivamente, da poesia e da metáfora, ou seja, que esbarra o sujeito diante do desconhecido. Como afirma Dewey (2010), “a obra de arte provoca e acentua essa característica de ser um todo e de pertencer ao todo maior e abrangente que é o universo em que vivemos” (DEWEY, 2010, p. 351). Esse todo que a obra de arte alcança, como afirma Dewey, na maioria das vezes pode nos causar um estado de estranhamento, tendo em vista que a Arte

55


Contemporânea está mais próxima das incertezas, do estranhamento, de causar mais dúvidas, do que de encontrar respostas (FRANGE, 2012, p. 38). Tudo

isso

coloca

outra

reflexão:

Como

aprender

em

um

campo

de

conhecimento que apresenta o desafio das incertezas provocadas pelas suas produções? Antes de tentar alcançar uma reflexão para essa indagação, é importante salientar que as Artes Visuais, como afirma Pillar (2012, p. 88), “é

querer

dizer

o

‘indizível’”.

O

indizível,

neste

caso,

é

conferir

atribuições de sentido construídas pelo observador em virtude das referências que esse tem acerca do mundo sensível e de seus interesses no momento. Um

projeto

de

formação

tem

em

seu

“corpo”

exercícios

de

práticas

poético-estéticas enquanto dispositivos que revelam a potência de fazer e pensar,

a

partir

de

uma

produção

estético-artística,

novas

maneiras

de

refletir sobre a Educação, e potencializar a criação, é afirmar que este é um caminho para apreender o novo. São justamente nas incertezas e na geografia dos afetos que novas pistas podem surgir, descortinando os estereótipos acerca do ensinar e aprender Artes Visuais e possibilitando redesenhar percursos, fazer perceber novas forças, potenciais de criação. Os olhares estão voltados mais ao encontro de afecções do que à produção de um sentimento inexplicável. Nesse sentido, afecções são:

56


Encontros de forças que geram novos desenhos nos mapas virtuais (isto é, produzem marcas novas, reacendem marcas dormidas, geram novas figuras) que vão pressionar as figuras estratificadas e levá-las à dissolução, ao desfiguramento, para, logo a seguir, suscitar a constituição de novas figuras, ou seja, modificações nos estratos. (PEREIRA, 2013, p. 28).

Além disso, como a subjetividade não é algo que não possui nenhuma explicação, ou circula no meio das palavras sem nenhum sentido, trabalhar com a subjetividade é trabalhar com “uma noção de limite provisório, um limite que não deve ser impeditivo” (PEREIRA, 2013, p. 44). Por isso, a forma verbal na qual esta pesquisa está ancorada é o gerúndio: encontrando; caminhando; percorrendo; formulando. O que este dispositivo verbal faz é tentar criar diálogos e reflexões sobre a experiência de ensinar/aprender Artes Visuais. Principalmente o de articular

domínios

cognitivos

com

rastros

marcados

pelo

híbrido,

caracterizando o tempo/espaço da aprendizagem - não exclusivamente da técnica pela técnica, mas de aprendizagens-potências voltadas à inventividade de si e da prática reflexiva-poética. Nesta perspectiva, a hibridização está mais próxima da transversalidade do

que

conceito

da

própria

de

Contemporânea

interdisciplinaridade.

polivalência. é

possível

A

diferença

aproximar

os

O

que

consiste saberes

em no

sem

nada fato

se de

aproxima que

na

necessariamente

do

Arte

sermos

57


especialistas

em

tudo,

mas

torna-se

possível

apreender,

dentro

de

cada

especificidade, um conhecimento transversal, híbrido.

Pessoas com suas competências específicas interagem com outras pessoas de diferentes competências e criam, transcendendo cada uma seus próprios limites ou simplesmente estabelecendo diálogos (...) os currículos engessados pelas especialidades já não respondem às interconexões, interpretações e sincretismos gerados por valores culturais mais democráticos e pelas novas tecnologias. (BARBOSA, 2008, p. 24).

O

hibridismo

pode

ser

alcançado

pela

ação

da

transversalidade.

O

hibridismo já transporta a ideia de ações transdisciplinares, onde essas se fundem,

se

misturam

e

se

transformam

em

uma

outra

proposição.

A

Arte

contemporânea não é uma multiplicação de várias linguagens artísticas, mas sim

uma

integração

transversalidade

sem

híbrida

hierarquização causa

uma

das

áreas

consumação

que

do

conhecimento.

proporciona

uma

Essa nova

expressão estético-artística.

58


Capítulo II – Substâncias expressivas da processualidade: aprender Artes Visuais.

59


Objetivos

Os objetivos pretendidos pela pesquisa decorrem da temática e de suas limitações. O principal objetivo foi o de pesquisar como eu, licenciado em Pedagogia,

construo

um

olhar

crítico-estético

em

Artes

Visuais.

Outro

objetivo relevante foi o de investigar como potencializar os conhecimentos em Artes Visuais para pensar a Educação. Especificamente, outros objetivos foram buscados nesse estudo:

Compreender

como

os

conteúdos

de

Artes

Visuais

podem

construir

narrativas para explorar questões relacionadas à Educação Básica; •

Descobrir

o

processo

de

aprender

Artes

Visuais,

praticando

Artes

Visuais; •

Propor experiências estético-artísticas como “laboratório” do olhar.

60


METODOLOGIA: Os caminhos da pesquisa

Os caminhos desta pesquisa levam à incursão a alguns lugares, como o ateliê de pintura da Universidade do Estado de Santa, o Curso de Licenciatura e Bacharelado em Artes Visuais, o Curso de Licenciatura em Pedagogia, viagens a Congressos, exposições. O objetivo desse caminhar é o de compreender como as relações de aprendizagem em Artes Visuais acontecem. Como essa área do conhecimento é recebida em diferentes lugares? Num primeiro momento, sou levado a esses lugares, que permitem a ordem de uma relação de coexistência, como o ateliê de pintura, a sala de aula, o espaço do Museu. Esses lugares são potenciais geradores de espaços, como afirma Certeau: “espaço é o efeito produzido pelas operações que orientam, o circunstanciam, o temporalizam e o levam a funcionar em unidade polivalente de programas conflituais ou de proximidades contratuais” (CERTEAU, 2013, p. 184). Ou seja, como estes lugares passam de lugares para espaços, como é situada a aprendizagem em Artes Visuais, como operam esses sujeitos para organizarem os conhecimentos, quando o trabalho com Artes Visuais proporciona que o lugar se transforme em espaço, ou espaços em lugares - qual a potência geradora de conhecimento presente neste tempo-espaço?

61


No

ano

de

2006,

quando

eu

concluía

a

Graduação

em

Pedagogia,

a

articulação entre as Artes Visuais e a Pedagogia já me inquietava. Dessas inquietações resultou o meu trabalho de conclusão de curso, onde busquei compreender o espaço museal, com vistas a uma reflexão sobre a Arte/Educação. O lugar e o espaço das Artes Visuais já era presente em minha trajetória de formação como docente. Neste percurso, pude encontrar-me com a Professora Doutora Ana Mae Barbosa (2006) e realizar uma entrevista, com o objetivo de encontrar “caminhos” que me ajudassem a compreender o meu objeto de estudo na época. Dentre as perguntas feitas à professora, quero destacar quatro, que serão norteadoras para esta Dissertação:

Ana Mae Barbosa 1.Pergunta: Como Você define a importância da Arte/Educação na Escola? R: Desde que seja bem levada, bem produzida na escola. Porque a Arte que está por aí nas escolas não serve de nada, você tá colando macarrão em papel, não leva a nada, fazer exercícios de textura, não existe textura nenhuma, é apenas grafismo, isso não tem importância nenhuma. Arte do ponto de vista de expressão e da cultura na Escola é importantíssimo, primeiro para o desenvolvimento da inteligência. A Arte bem levada na escola, bem introduzida faz com que as crianças aprendam melhor as outras disciplinas, porque a Arte desenvolve a inteligência. Esse desenvolvimento intelectual é racional e também emocional, porque o ato de conhecer se constitui de emoção e razão 2.Pergunta: Como a Arte pode contribuir para o processo de ensino/aprendizagem e para a constituição do ser humano? R: Primeiramente, para o processo de ensino-aprendizagem, existe um pesquisador James Catterall, é um metapesquisador, ele vem pesquisando como a Arte influi no ensino e aprendizagem de outras disciplinas, e o autor chegou a localizar 40 pesquisas demonstrando que o teatro desenvolve

62


a capacidade de ensino-aprendizagem da criança, 23 pesquisas comprovando que a música desenvolve a capacidade de aprendizagem da criança e apenas quatro no mesmo sentido em Artes plásticas, mostrando que as Artes Plásticas desenvolvem a capacidade de aprender. Entretanto, ele descobriu em mais de 300 pesquisas que a percepção do espaço, o desenvolvimento da percepção do espaço, leva a uma melhor aprendizagem principalmente das ciências, mas também da linguagem. Se as Artes Visuais desenvolvem a percepção de espaço, portanto também desenvolvem o processo de ensino aprendizagem. Em relação ao desenvolvimento do ser humano, eu não acho que a Arte está aí para deixar as pessoas mais boazinhas, acredito que ela tá aí para deixar as pessoas mais inteligentes. Essa relação de arte com moral é uma relação que foi sendo extremamente corroída ao longo dos anos pelas guerras, etc. 3.Pergunta: Como a senhora avalia o trabalho dos professores de Artes atualmente? R: Eu vejo que não tem sido feito nenhum esforço para atualizar os professores por parte de Secretarias, Ministérios de Educação. Eu não vejo um discurso sobre o ensino de artes, está havendo um silêncio absoluto dos órgãos governamentais. Aconteceu algo no caminho errado no governo passado, houve um empenho em treinar o professor de Artes. Formação de professor não é treinamento, militarismo. O que aconteceu foi que se estabeleceu um currículo nacional e cursos para moldar o professor para usar esse currículo - e isso não funciona, não é assim que o professor desenvolve sua capacidade de ser professor. Eu não conheço nenhuma boa experiência que tenha começado pelo estado de conhecimento em que ele está, pela experiência do professor em sala de aula, e daí então levá-lo a refletir, acrescentar elementos, discutir com ele, apontar novas leituras e fazer com que ele estabeleça outras conexões e, portanto, que ele avance na qualidade de ensinar. O importante é que exista um diálogo em cima da experiência e nunca o treinamento, ou uma cartilha. Nenhuma formação de professor é bem sucedida quando não começa pela sua própria experiência. Aí, se você der subsídios todos são capazes de multiplicar. O que acontece em geral é que o professor ensina Arte da maneira que aprende Arte. A Arte muda constantemente, logo o modo como você ensina Arte e o que ensina tem que modificar com a Arte. 4.Pergunta: o que seria necessário para uma formação mais significativa dos(as) Pedagogos(as) em Arte/Educação?

63


R: Para o professor das primeiras séries do Ensino Fundamental, é necessário que esse profissional conheça as fases do desenvolvimento da criança através da Arte, a expressão livre da criança. Também conhecer as fases de aquisição da imagem, como ela compreende a arte nas diferentes idades. Como a criança se expressa e como recebe a forma de recepção da Arte. Precisaria também fazer arte, para ver o que isso implica, e nunca usar apenas algumas técnicas para ocupar o tempo vago da criança. E também conhecer Arte, ler sobre Arte, ver Arte, a iconografia é a bibliografia do olhar. (Barbosa, Ana Mae. Entrevista concedida a Fábio Wosniak. São Paulo, Outubro de 2006.)

A entrevista, realizada no ano de 2006, ainda é oportuna neste contexto. Destacam-se alguns pontos da entrevista relevantes para o debate em questão sobre como um pedagogo aprende Artes visuais. Como mencionado por Barbosa (2006), torna-se fundamental a formação do futuro pedagogo(a) e o seu conhecimento das fases do desenvolvimento infantil acerca da aquisição da imagem. Além disso, poderia ser objeto de estudo da Pedagogia

esgotar

as

possibilidades

de

compreensão

sobre

como

a

criança

apreende o mundo, tendo como ponto de partida o desenho, o brincar - ou melhor, que os futuros pedagogos(as) sejam conhecedores do que Winnicott (1982) chamou de “o mundo imaginativo da criança”. Outro

ponto

levantado

por

Barbosa

(2006)

durante

a

entrevista

diz

respeito à relação das Artes com as outras áreas do conhecimento. Esse é um debate interessante a ser discutido, tendo em vista que o ensino de Artes Visuais nas escolas está geralmente relacionado a outras disciplinas, tendo

64


as imagens como pano de fundo no processo de ensino e aprendizagem. Porém, quando

outras

disciplinas

apropriam-se

das

imagens

para

ilustrar

um

determinado conhecimento, raramente partem das teorias das Artes Visuais, o que contribui para dinamizar a incompreensão das Artes Visuais como área de conhecimento. Sobre a necessidade das Artes na Escola de Educação Básica, Pillar (2012, p. 78) afirma que:

O papel da Arte na educação está relacionado aos aspectos artísticos e estéticos do conhecimento. Expressar o modo de ver o mundo nas linguagens artísticas, dando forma e colorido ao que, até então, se encontrava no domínio da imaginação, da percepção, é uma das funções da Arte na escola.

O que a autora revela acerca do papel da Arte na Escola encontra os mesmos caminhos que ponderou Ana Mae Barbosa (2006) em entrevista no ano de 2006, quando a professora assinala a importância da Arte/Educação na Escola. Percebo

que

os

avanços

podem

ter

acontecido,

mas

os

debates

sobre

os

equívocos, que insistem em acontecer nas escolas no tocante ao ensino e a aprendizagem em Artes Visuais, permanecem. Outro ponto de intersecção entre a entrevista com Ana Mae e o texto de Analice Dutra Pillar, A educação do olhar no ensino de Arte (2012), acontece quando a autora revela ao leitor que “é necessário compreender como a criança lê essas imagens, o que mais lhe impressiona, como ela interpreta e julga

65


tais imagens” (PILLAR, 2012, p. 83). Como destacado por ambas as professoras no que concerne a aquisição da imagem pela criança, pode-se concluir que é papel do pedagogo(a) buscar, durante a sua formação acadêmica, um espaço onde essa

forma

desassociado interesse

de à

das

conhecimento área Artes

de

Artes

Visuais,

aconteça. Visuais. dentro

Não É

de

acredito

que

imprescindível uma

formação

isso

que em

o

esteja

campo

de

Pedagogia,

se

distancie de compreender essa fase fundamental do desenvolvimento da criança. O ensino de Artes Visuais, na formação docente, deve possibilitar aos futuros profissionais da Educação maneiras como estes docentes entrarão em contato com a sua experiência estética, ou seja, como experimentam a sua própria poética. Como afirma Eça (2011, p. 200):

O saber fragmentado das disciplinas; as competências, as metas, não tem nada de encantador. As salas de aula parecem prisões, os alunos desmotivados, o estado reclama estatísticas que provem que os alunos sabem escrever, contar e memorizar. O professor descobre que a escola é uma máquina de formatação como dizia Foucault, de disciplina e castigo.

A realidade escolar citada pela autora ainda é real nos dias de hoje. Se visitarmos

algumas

escolas,

é

possível

observar

que

existem

regras

extremamente rígidas e nada dialógicas com o tempo/espaço da criança. Ainda nessa relação, volto a citar Eça (2011) para esclarecer sobre o que pode oportunizar a presença da disciplina de Artes Visuais - bem introduzida, ou

66


seja, com um projeto que articule a experiência do aprender Artes Visuais e os

contextos

potencializar

em um

que

estão

estudo

que

inseridas emerja

do

as

Universidades,

encontro

do

pensar

com e

vista

fazer

a

Artes

Visuais, a partir da dimensão poética vivida. Com isso, quero dizer que “através

da

arte

movemos

pensamentos

divergentes

e

convergentes,

inteligências múltiplas, emoções, sentimentos, relações (Eça, 2011, p. 201). Para que isso aconteça, pode ser fundamental que essa concepção de ensino e aprendizagem em Artes Visuais faça parte do repertório docente, e que estes profissionais entendam e explorem a área de conhecimento das Artes Visuais, acreditando que o lugar que elas ocupam no corpo das disciplinas das Escolas de Educação Básica seja um espaço que privilegie um saber em que os estudantes exerçam o conhecimento – de si e das coisas do mundo - através dos processos artísticos. Porém, antes de ‘acreditar’ que isso aconteça nas Escolas de Educação Básica, é necessário oportunizar que todo esse processo de reaprender sobre si e sobre as coisas do mundo seja uma rota a ser percorrida na graduação de Pedagogia.

Não

é

possível

exigir

que

pedagogos

compreendam

os

processos

artísticos-poéticos se nunca vivenciariam este saber-fazer, ou tampouco que estes profissionais construam projetos pedagógicos com as especificidades das Artes

Visuais,

ou

projetos

que

articulem

as

aulas

de

Artes

aos

seus

67


planejamentos,

se

não

se

contempla,

durante

o

Curso

de

Graduação,

uma

disciplina que oportunize essas reflexões. Essa caminhada, que se iniciou no reencontro com a minha monografia, mais especificamente na entrevista que realizei com a Profa. Dra. Ana Mae Barbosa em 2006 e com os estudos que tenho realizado no percurso do Mestrado e no Grupo de Estudos “Estúdio de Pintura Apotheke”, pontua a qualidade do movimento das minhas reflexões. Pois na experiência singular, como aponta Dewey (2010, p. 111), “há pausas, lugares de repouso”. Antes de pensar a problemática do ensino de Artes Visuais nos Cursos de Licenciatura, ou mais especificamente no Curso em que me formei, a Pedagogia, vale considerar o que mencionou Ana Mae Barbosa (2006) acerca da formação do Pedagogo. Esse profissional

precisaria também fazer arte, para ver o que isso implica e, nunca usar apenas algumas técnicas para ocupar o tempo vago da criança. E também conhecer Arte, ler sobre Arte, ver Arte, a iconografia é a bibliografia do olhar. (Barbosa, Ana Mae. Entrevista concedida a Fábio Wosniak. São Paulo, Outubro de 2006.)

Antes do Mestrado em Artes Visuais, eu havia estudado algumas técnicas, visitava museus, galerias, encontros de estudos, mas não tinha nenhum contato com os processos artísticos, ou seja, não tinha familiaridade com métodos de pesquisa e procedimentos que fazem parte do cotidiano de um artista. Unir o

68


fazer Arte, o conhecer Arte, pensar na iconografia como a bibliografia do olhar, como adverte Ana Mae Barbosa, na entrevista concedida em 2006 e, ao mesmo tempo pensar nas proposições de Ana Mae para refletir na pesquisa de Mestrado, um lugar científico, exige do pesquisador a compreensão de que esse fazer científico deve partir do pressuposto de que a Ciência está a favor, ou melhor, unificada, à produção criadora através do seu invento e métodos, e propõe experiências transgressoras, sensíveis e estéticas. Desta forma, é possível

constatar

a

concepção

de

Ciência,

enquanto

produção

criadora

e

considerando os apontamentos de Dewey (2010), quando o filósofo esclarece que

O fato de a ciência tender a mostrar que o homem é parte da natureza tem um efeito mais favorável que desfavorável na arte (...). Isso porque, quanto mais o homem é aproximado do mundo físico, mais claro se torna que seus impulsos e ideias são ditados pela natureza dentro dele. (...) A ideia da relação entre a natureza e o homem, de alguma forma, sempre foi o espírito da arte. (...) O método científico tende a gerar respeito pela experiência e, embora essa nova reverência ainda se restringe a uns poucos, ela contém a promessa de um novo tipo de experiências que pedirão para se expressar. (DEWEY, 2010, p. 569-570).

O

esforço

no

empreendimento

de

pesquisar

ancorado

à

filosofia

da

experiência deweyiana é não dicotomizar o pensar afetado pelas emoções e sentimentos. O material que se produz nesse tipo de investigação está muito próximo

à

qualidade

das

coisas

de

forma

direta.

Sendo

assim,

produzir

intelectualmente pensando do ponto de vista das Artes Visuais é produzir

69


transformando as ideias postas em palavras ou as imagens, os frutos das experiências,

no

incansavelmente

processo

todo

o

da

pesquisa.

material

interno

Nesse –

as

processo, emoções,

articula-se

os

fluxos,

o

intelectual - e o material externo – as cores, as tintas, o papel, o quadro , transformando-os em uma união orgânica. Nesta união orgânica, entre o interno e o externo, resulta uma experiência que pode correr em um fluxo singular, pois o que se produz não são ilustrações do pensamento intelectual, mas uma produção de caráter estético. No caminhar deste processo, é possível pensar no lugar de repouso, que permite

um

“fôlego”

à

pesquisa.

Esse

lugar

de

repouso

é

quando,

como

pesquisador, penso nos passos da pesquisa, ou seja, quando vivencio a minha dimensão

poética

e

a

levo

adiante

unificada

às

outras

experiências

-

e

percebo o quanto é possível articular uma experiência e outra, transformando a nova experiência em um despertar para novas proposições de pensamento. Isso revela o lugar do método da pesquisa, que futuramente encontra seu espaço dentro do objeto de estudo da pesquisa.

70


O Caminho metodológico: de um saber-fazer ao fazer-saber-ser.

Figura 9 - Fábio Wosniak. Sem título, 2014. Monotipia à óleo, caneta esferográfica e caneta nanquim. 29 x 21 cm.

71


“Para criar, destruí-me”. Fernando Pessoa4

Cito

Fernando

Pessoa

para

iniciar

o

percurso

sobre

como

cheguei

à

metodologia. Essa “destruição” de mim mesmo fez-se necessária para encontrar uma maneira menos objetivista de discursar sobre o aprendizado de Artes Visuais. Quando falo em destruição de mim mesmo, refiro-me especificamente à desconstrução das ideias absolutas que aprendi na Graduação em Pedagogia sobre conceitos blindados acerca de como ensinar e como devem aprender os nossos estudantes. Quem

sabe

a

forma,

não

dissociada

do

conteúdo,

deveria

ajudar

a

compreender como aprendemos e porque devemos aprender, primeiramente para nós mesmos, determinados conteúdos, saberes. O que queremos que nossos estudantes aprendam,

ou

ainda,

como

vamos

ensinar,

por

meio

de

qual

concepção

de

Educação, Sujeito, Cultura, Arte e Sociedade, levamos dos nossos estudos e pesquisas na Graduação. Seriam mesmo todas essas concepções estereotipadas? Ou

como

aponta

Dewey

(2011),

será

que

a

partir

disso

não

estaríamos

reproduzindo um modelo de

4

PESSOA, 2011, p. 288

72


[e]squema tradicional (...) em sua essência, uma imposição de cima para baixo e de fora para dentro. Impõem padrões, matérias de estudo e métodos desenvolvidos para adultos sobre aqueles que ainda caminham lentamente para a maturidade. (DEWEY, 2011, p.21).

Como pedagogo, licenciado em uma instituição que obedece aos padrões cartesianos de formação, inquieta-me pensar a Educação dentro de modelos padronizados,

com

vistas

a

preparar

nossos

estudantes

para

futuras

responsabilidades e seu sucesso na vida. Esse objetivo, característico de uma educação

tradicional,

distancia-se

completamente

de

uma

das

funções

primordiais da educação – fazer com que, cada vez mais, nossos estudantes sejam capazes de compreender a si mesmos. Quando me refiro a esse formato tradicional de educação ou cartesiano (que não está presente apenas nas Instituições de Ensino Superior, mas também nas Escolas de Educação Básica), quero dizer que as áreas do conhecimento dentro de uma graduação (em especial a Pedagogia) não se aproximam. Segundo Dewey (2011), essa maneira de conceber a Educação é compreendida do seguinte modo:

A matéria ou conteúdo da educação consiste em um conjunto de informações e de habilidades elaboradas no passado, sendo, portanto, a principal tarefa da educação transmiti-las às novas gerações (...) formar hábitos de ação em conformidade com essas regras e modelos (...) [O] esquema tradicional é, em sua essência, uma imposição de cima para baixo e de fora para dentro. Impõem padrões, matérias de estudo e métodos desenvolvidos para

73


adultos sobre aqueles que ainda caminham lentamente para a maturidade. (DEWEY, 2011, p. 19-21).

Novamente, é nesse sentido que falo de “destruir-me”: para não correr o risco

de

cair

na

rede

em

que

tudo

explica

tudo,

onde

as

verdades

são

absolutas e as subjetividades generalizadas. Onde não existe sujeito, mas sim um grupo homogêneo de pessoas. A individuação não cabe no modelo de pesquisa tradicional. O movimento poético de destruir-se é aquele em que paramos de fazer perguntas do tipo “por que” as coisas acontecem e partimos para o “como”

vamos

coletar

as

informações

para

responder

a

estes

ou

àqueles

“porquês”. Na poética do destruimento de si o que está em jogo é deixar as teorias das certezas absolutas de lado e lançar-se ao desconhecido, à sombra psíquica

dos

sujeitos,

onde

cabe

uma

tentativa

de

tentar

compreender,

explorar, percorrer sobre o que está sendo construído - no caso específico desta pesquisa, como se aprende Artes Visuais. É possível explicar essa postura poética da destruição no âmbito das pesquisas de Pereira (2013) acerca da estética da professoralidade. O autor afirma

que

“a

professoralidade

é

um

estado

em

risco

de

desequilíbrio

permanente. Se for um estado estável, estagnado, redundaria numa identidade e o

fluxo

seria

prejudicado”

(PEREIRA,

2013,

p.

35).

Esse

desequilíbrio

mencionado por Pereira (2013) aproxima-se da filosofia da experiência de John Dewey. Como nos lembra o filósofo, toda experiência é um fluxo que vai de

74


algo

para

algo

(DEWEY,

2010).

Todo

o

conhecimento,

se

observarmos

com

desenvolvimento

do

atenção, se dá em rede com outras áreas do conhecimento. A

respeito

da

relevância

das

Artes

para

o

conhecimento humano, o filósofo John Dewey (2002) comenta que “(...) as Artes (...) representam um culminar, a idealização ou o nível de sofisticação mais elevado de todo o trabalho desenvolvido” (DEWEY, 2002, p.76). Dewey escolares,

declara não

que

deveriam

a

Escola,

transformar

mais as

especificamente

áreas

do

os

conhecimento

currículos em

blocos

isolados uns dos outros. O autor esclarece nos seus escritos sobre Educação que os currículos escolares deveriam priorizar a cultura para os estudantes, em cujo caso estes interagiriam com os professores nessas diferentes formas de viver - um aprende com o outro. O professor, nesse caso, atuaria como o responsável por correlacionar estes saberes unificados. Para que todo este trabalho tenha “força”, podemos pensar acerca do que Paulo Freire disse sobre o trabalho docente:

Uma verdadeira docência é investigação; o que nada tem a ver com a investigação é a docência que é feita apenas por meio de discursos verbais. A dicotomia entre ensinar e investigar é cientificamente inviável (...) a ciência é um fenômeno humano (...) é obra dos homens e mulheres e por isso é histórica e tem historicidade. Isto significa que não há conhecimento absoluto; todo conhecimento não é outra coisa senão a superação de um conhecimento que antes foi novo e se tornou velho. (FREIRE, 2013, p. 171).

75


Nesse sentido, fica clara a transversalidade nas investigações sobre Educação e Arte/Educação. Segundo Guattari (2004, p. 111):

A transversalidade é uma dimensão que pretende superar os dois impasses, quais sejam o de uma verticalidade pura e o de uma simples horizontalidade; a transversalidade tende a se realizar quando ocorre uma comunicação máxima entre os diferentes níveis e, sobretudo, nos diferentes sentidos. Isso constitui o próprio objeto de pesquisa de um grupo-sujeito.

Mas o que tudo isso tem a ver com o método de pesquisa cartográfico? Tudo. A cartografia como método de pesquisa-intervenção abandona as regras pré-estabelecidas, descarta as normas já prontas, assim como os objetivos previamente estabelecidos, ou seja, a dicotomia entre ensinar e investigar, a hierarquização dos saberes de que nos falam Paulo Freire e John Dewey. A cartografia

também

categorias

estabelecidas

exemplo,

psicologia

a

não

toma

as

observações

genericamente.

clássica,

no

Se

intuito

e

as

coloca

utiliza de

lado

deste

explicar

o

a

lado

recurso,

em por

comportamento

humano. Não se trata de fazer uma pesquisa para articular certo conhecimento em desvantagem

a

outros

existentes.

Não

regras

ou

modelos

a

serem

seguidos, não existem imposições verticais de conhecimento. O caminho a ser percorrido

na

pesquisa

cartográfica

acontece

por

pistas,

que

vão

se

76


elucidando a partir do momento em que o pesquisador vai se implicando no seu campo de trabalho. Passos e Barros (2012) explicam que:

O desafio é o de realizar uma reversão do sentido tradicional de método – não mais um caminhar para alcançar metas prefixadas (metá-hódos), mas o primado do caminhar que traça, no percurso, suas metas (...) a diretriz cartográfica se faz por pistas que orientam o percurso da pesquisa sempre considerando os efeitos do processo do pesquisador sobre o objeto da pesquisa, o pesquisador e seus resultados. (PASSOS E BARROS, 2012, p. 17)

No

entanto,

a

cartografia

como

método

de

pesquisa-intervenção

não

acontece em meio a uma desordem ou despreparo do pesquisador. Ela segue as pistas, o traçado de um plano mergulhado na experiência, que acompanha os efeitos

do

cartógrafo

percurso uma

da

atenção

investigação. flutuante,

ou

A

pesquisa

seja,

não

cartográfica

dirigir

a

exige

atenção

a

do uma

especificidade do problema a ser investigado. Sobre esse conceito extraído da teoria Freudiana, Kastrup (2012) explica:

Para a discussão da atenção do cartógrafo, destaca-se a proximidade quanto à ênfase na suspensão de inclinações e expectativas do eu, que operariam uma seleção prévia, levando a um predomínio da recognição e consequente obturação dos elementos de surpresa presentes no processo observado. Além disso, a atenção seletiva cede lugar a uma atenção flutuante, que trabalha com fragmentos desconexos. (KASTRUP, 2012, p. 35-36).

O que mudaria para o pesquisador com a atenção flutuante? Talvez a maneira de colocar a pergunta. No lugar dos “quês?” e “porquês?”, quem sabe

77


um

“como?”

-

acontecendo”

ou

ainda,

(Kastrup,

como

2012,

sugere

p.

45).

Kastrup, Afinal,

“vamos

ver

cartografar

o é

que

está

acompanhar

processos. O que está em jogo na pesquisa cartográfica não é a representação do

objeto,

mas

sim

“descrever,

intervir

e

criar

efeitos-subjetividades”

(Passos e Barros, 2012, p. 27) diante do olhar observador do cartógrafo. É com essa atenção e com o olhar atento que se configura uma pesquisa cartográfica. Um olho que toca, que sente, que cheira, que mergulha no campo de pesquisa e está junto do que será pesquisado. Diferente do pesquisador que “olha tudo de cima” e depois comenta o que viu sem estar lá, vivendo na “carne”, o que se permitiu apenas com o olho físico. O cartógrafo movimenta-se no campo de pesquisa com assimetria, deslocase aleatoriamente, explora sem grandes preocupações com redundâncias. Até que no meio desse caminhar, como na poesia de Drummond, encontra a sua pedra. Contudo, para ele, essa pedra não é igual à pedra catalogada pela ciência que estuda

as

pedras

a

Petrologia.

A

pedra

do

cartógrafo

é

carregada

de

subjetividades, possui histórias próprias, revela processos, diz algo sobre o lugar em que se encontra. A

cartografia,

como

método

de

pesquisa-intervenção,

não

imprime

uma

coleta de dados como resultado. É uma produção de dados, ou seja, não se trata apenas de uma mudança nas palavras para evitar o tradicional, mas sim de uma mudança nas palavras para pensar uma outra maneira de ver e entender a

78


pesquisa. Como afirma Barros e Kastrup (2012, p. 59), trata-se “de propor uma mudança conceitual, visando nomear, de modo mais claro e literal, práticas de pesquisa que se distinguem daquelas da ciência moderna cognitiva”. Assim como falar de pedras no caminho e trazê-las para serem vistas, cabe ao cartógrafo saber como ele vai tomar essa pedra em suas mãos, que desenhos serão feitos e, saber que:

O caminho da pesquisa cartográfica é constituído de passos que se sucedem sem se separar. Como o próprio ato de caminhar, onde um passo segue o outro num movimento contínuo, cada momento da pesquisa traz consigo o anterior e se prolonga nos momentos seguintes. (BARROS e KASTRUP, 2012, p. 59).

A cartografia que será desenhada nesta pesquisa tece aproximações com o que Bachelard (1993) denominou de razão imaginante. Afinal, trata-se de uma pesquisa em Artes Visuais. O alvo deste percurso é pensar como um pedagogo alicerça a sua cognição nas Artes Visuais – considerando sua subjetividade, seus afetos, sua imaginação; ou seja, um corpo inteiro, não apenas o cérebro físico, o racional stricto sensu. Esta pesquisa propõe considerar a imaginação como uma potência maior da natureza

humana.

Parte-se

do

pressuposto

que

o

sujeito

que

conhece

e

experimenta a sua poética deixa de ser aquele que simplesmente se adapta.

79


Pelo simples ato de produzir, ou experimentar a sua poética de habitar o mundo, abandona as ideias definitivas (BACHELARD, 1993). Como afirmou Bachelard (1993, p. 23), “a imaginação aumenta os valores da realidade”. O método de pesquisa-intervenção cartográfico foi pensado, como

mencionado

anteriormente,

em

ressonância

com

esse

processo

de

reflexão. Esta metodologia consegue alcançar os objetivos propostos e o de aproximar-se dos questionamentos que surgiram nas deambulações do período no Mestrado em Artes Visuais. Além científico

disso, com

a

as

cartografia aspirações

como

método

poéticas.

de

pesquisa

Considerando

que

combina não

o

rigor

pretendemos

encerrarmo-nos em respostas absolutas, o intuito deste trabalho cartográfico é o de criar outros mananciais que possam potencializar os debates e as reflexões

acerca

do

campo

das

Artes

Visuais

e

da

Educação.

Essas

ressonâncias, como prefiro denominar, ou seja, os rastros e vestígios das leituras,

assim

como

os

lugares

onde

tracei

meus

diálogos

com

outros

pesquisadores, desencadearam para o meu trabalho a vontade de compreender com rigor metodológico-teórico-poético o que os profissionais da área da Educação aprendem em contato com as Artes Visuais. Diante do desafio de alinhar essas ressonâncias no que se chamaria de coleta de dados, encontrei nos estudos sobre a metodologia cartográfica um fôlego para o que Paulo Freire (2011, p. 16) já nos alertava: “formar é muito

80


mais do que puramente treinar”. Por isso não me sentia à vontade propondo uma pesquisa com coleta de dados, nem tampouco com um curso de formação para reunir “provas” das minhas ressonâncias. Se a pesquisa perseguisse esse rumo, estaria apenas recolhendo informações. E como alerta Larrosa:

A informação não é experiência (...) a informação não faz outra coisa que cancelar nossas possibilidades de experiência (...) A primeira coisa que gostaria de dizer sobre a experiência é que é necessário separá-la da informação. E o que gostaria de dizer sobre o saber de experiência é que é necessário separá-lo de saber coisas, tal como se sabe quando se tem informação sobre as coisas, quando se está informado (...) Um sujeito fabricado e manipulado pelos aparatos da informação e da opinião, um sujeito incapaz de experiência (BONDÍA, 2002, p. 19).

Neste sentido, não pretendo apenas mudar os conceitos, coletar dados para a produção de outros dados, para assim me distanciar da pesquisa ou do vocabulário tradicional, mas já incorporar o entendimento de que as palavras são potências que carregam suas concepções e que produzir dados é investigar processos de produção de subjetividades (BARROS e KASTRUP, 2012). O campo de pesquisa para o cartógrafo é explorado pelos sentidos – escuta,

fala,

olhares,

cheiros,

odores,

gestos,

ritmos,

cores

etc.

O

cartógrafo não explica e muito menos revela dados. O que ocorre na pesquisa cartográfica é um implicamento, um pertencimento – o aprendiz cartógrafo aprende com o campo, cultiva-o em vez de dominá-lo. Experienciar é saber com, ao contrário de saber sobre. O que está para o aprendiz-cartógrafo são as

81


experiências que nascem dos experimentos (ALVARES e PASSOS, 2012). Pesquisar é

[u]ma forma de cuidado quando se entende que a prática da investigação não pode ser determinada só pelo interesse do pesquisador, devendo considerar também o protagonismo do objeto. A investigação é cuidado ou cultivo de um território existencial no qual pesquisador e o pesquisado se encontram. (ALVARES e PASSOS, 2012, p. 144).

Outro

olhar,

que

a

metodologia

cartográfica

permite,

é

não

separar

teoria e prática. A rotina do cartógrafo, pelo seu estar-junto-na-pesquisa, exige uma atitude de não dicotomizar o refletir do agir, do conhecer e habitar. O cartógrafo-aprendiz está na pesquisa como uma criança em sua brincadeira – de corpo inteiro. Arrisco a tomar emprestado o título do livro de Clarisse Lispector (1978): a pesquisa para o cartógrafo torna-se seu “sopro de vida”. A escrita e a pesquisa do aprendiz-cartógrafo são os reflexos de suas indagações; o trabalho com o inesperado. O cartógrafo escreve e produz como o poeta e o artista. Começa sem às vezes saber o porquê, mas aquilo que o move já existe dentro de si - só precisa encontrar o fluxo e o refluxo para emergir, ou seja, estar-em-contato, de corpo inteiro, atento. É preciso ser cauteloso,

saber

entregar-se,

estar

atento,

ouvir,

ver,

fazer-se

pensar.

82


Afinal,

tudo

s찾o

continuidades

e

resson창ncias

de

quem

somos,

para

onde

queremos ir, e do que buscamos.

83


O planejamento para o campo

Todo saber humano tem em si o testemunho do novo saber que já se anuncia. Paulo Freire

A processualidade dos dados aconteceu entre os dias 27 (vinte e sete) e 31 (trinta e um) de outubro deste ano (2014). Cinco planos de práticas estético-artísticas foram elaborados. Todos os planos foram ressonâncias das minhas

experiências

de

estudo

no

Grupo

de

Estudos

“Estúdio

de

Pintura

Apotheke”. A divulgação para a processualidade dos dados foi difundida na Universidade do Estado de Santa Catarina para os Cursos de Licenciatura em Pedagogia, e também na Universidade Federal do Estado de Santa Catarina, para a Licenciatura em Pedagogia. Foram oferecidas 15 (quinze) vagas, e a formação aconteceu no ateliê de pintura da UDESC, no horário das nove da manhã ao meio-dia. Houve um feriado no decorrer desta semana. Por isso, dos cinco encontros

planejados,

realizamos

quatro

presenciais

e

um

consistiu

em

orientações para pesquisa individual. O programa dos encontros é relacionado abaixo:

84


Ementa: Estudo de poéticas visuais, experimentação e processo artístico. Articulação entre ensino/aprendizagem em Arte e Arte/Educação. Formação de repertório e construção de saberes docentes no campo das Artes Visuais para o campo da Educação.

Todos impressões pistas,

os

participantes

dos

que

necessários

encontros

indicavam para

a

de

um

receberam

uma

formação. percurso

realização

da

caderneta

Nas

de

para

cadernetas

anotação.

Formação

Os

também

registrar

continham outros foram

suas

algumas

materiais fornecidos

gratuitamente para os participantes.

Encontro 01. Estudo de técnica Suminagashi (experimentação) Caderno de Artista - Objetivo geral: propiciar vivências poéticas a partir dos estudos com a técnica suminagashi e com os registros nos cadernos, além de uma iniciação ao exercício do pensamento poético, ou seja, novas maneiras de registrar suas impressões e experienciar novas cartografias.

85


-

1o

dia:

encontro/expectativas/angústias/o

que

nos

move/o

que

nos

faz

desistir...

Conteúdo: Arte Contemporânea, Diário e Caderno de artista.

Artistas de referência: Fernando Augusto e Frida Kahlo.

Encontro 02. Registros sobre colher impressões - Objetivo Geral: Favorecer aos participantes rotas artístico-estéticas de pesquisa individualmente. Buscar nos sites dos artistas selecionados e nos vídeos

recomendados

durante

a

formação

maneiras

poéticas

de

registrar

a

experiência.

Perguntas sugeridas: - Como podemos “colher” nossas experiências de aprender Artes Visuais? - Onde guardá-las? - Como mostrá-las?

Conteúdo: pesquisa em Artes Visuais, registro poético, caderno de artista.

86


Artistas de referência: Brígida Baltar e Roni Horn.

Encontro 03. Estudos sobre desenho de criação. - Objetivo geral: Conhecer os conteúdos específicos da área das Artes Visuais por meio da análise/prática do artista de referência. - 2o dia: As Artes visuais e seus códigos específicos: Arte tem conteúdo específico?

Conteúdo: Arte Contemporânea, Introdução a sintaxe da linguagem visual: Forma e composição.

Artista de referência: Hug O’Donnell.

Encontro 04. Estudando as linhas na poética da artista Teresa Poester.

87


- Objetivo geral: Compor a partir dos estudos da artista Teresa Poester um desenho com linhas, favorecendo aos participantes novas poéticas acerca do tema paisagem no ensino de Artes Visuais. 4o dia: como estamos até aqui? / O que mudou na minha concepção sobre o ensino de Artes Visuais?.

Conteúdo: pintura de paisagem.

Artista de referência: Teresa Poester.

Encontro 05. Estudos sobre cadernos e diários de artistas. - Objetivo geral: Realizar um diário-cartográfico de desejos coletivos, para pensar uma exposição-síntese da imersão neste projeto. 4ªdia: Avaliação. Conteúdo: caderno de artista, registro poético. Artista de referência: Guillermo Kuitca.

88


A Formação pensada nesse formato, propiciando experimentações artísticoestéticas a partir das experienciações advindas dos estudos no Grupo de Estudos

“Estúdio

de

Pintura

Apotheke”,

está

ancorada

na

filosofia

da

experiência proposta por John Dewey (2010). Essa experiência, que alicerça os estudos no Grupo de Estudos “Estúdio de Pintura Apotheke”, acredita que a experiência é um fluxo contínuo, que integra o Ser humano em toda a sua existência. Sendo assim, um ambiente facilitador é de fundamental relevância para que essas experiências singulares aconteçam. Por isso, optou-se por realizar essa formação no ateliê de pintura. Todo o ambiente era preparado antes dos participantes chegarem ao encontro - os materiais encontravam-se dispostos, prontos para o uso, segundo a propositiva do dia. As cadernetas foram uma das estratégias utilizadas para possibilitar observações acerca do que tange esta pesquisa, assim como as fotos e vídeos realizados diálogos

durante com

o

os

encontros

referencial

também

teórico.

são

documentos

Esses

registros

que

nortearam

imagéticos

os são

dispositivos que farão “pensar” a articulação entre a experiência singular e o fazer/pensar Artes Visuais.

89


Ensaio visual: Processualidade dos dados5.

5

Todas as imagens do ensaio visual, foram realizadas no decorrer dos encontros de formação pelo autor da pesquisa. Também, junto das imagens, foram recortados fragmentos dos diários, onde os participantes registraram durante e depois dos encontros de formação suas impressões. Todo as imagens pertencem ao acervo do autor.

90


Encontro 1 – Suminagashi.

91


Encontro 2 – Pesquisa individual.

92


Encontro 3. Estudos sobre desenho de criação.

93


Encontro 4. Estudando as linhas na poĂŠtica da artista Teresa Poester.

94


Encontro 5. Estudos sobre diรกrios de artistas.

95


O contexto e os sujeitos da pesquisa.

Os

encontros

foram

elaborados

para

os

estudantes

de

Graduação

em

Pedagogia. Essa era a primeira ideia, e assim se sucedeu. Porém, além disso, acolhemos um estudante da Graduação em Artes Visuais, uma doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Teatro (PPGT/UDESC) e uma participante formada em

Artes

Cênicas.

Os

outros

doze

participantes

eram

graduandos

das

Licenciaturas em Pedagogia da UDESC e UFSC. No total, quinze participantes acompanharam o projeto de formação. Dos quinze, treze entregaram suas cadernetas. Elas lhe foram cedidas no primeiro dia da formação com o objetivo servir de registro das impressões dos estudos que realizamos no percurso dos cinco encontros. Assim, as cadernetas foram pensadas para propiciar um estudo posterior, uma análise das observações dos participantes. As perguntas deixadas nas cadernetas foram:

1. Você considera importante experienciar práticas estético-artísticas? Por quê? Como? Onde? 2. Você

considera

importante

existir

espaço

e

tempo

nas

escolas

para

ensinar e aprender Artes Visuais? 3. Qual é a relevância das Artes Visuais para a vida de cada um de vocês?

96


4. O que você procura em um curso de formação em Artes Visuais? 5. Você

costuma

usar

obras

de

Artes

Visuais

no

seu

cotidiano

profissional/educacional? 6. Como você utiliza essas imagens? 7. Quais espaços de Artes Visuais você costuma frequentar? 8. Em sua opinião, Artes Visuais é uma área do conhecimento?

No final de cada dia de encontro, os participantes anotavam as suas considerações

acerca

das

experiências

de

cada

proposição.

No

primeiro

momento, a ideia era “coletar” o máximo de informações possível sobre os participantes conjunto

que

contribuíram

para

o

de

perguntas

e

encontros

experiências

estéticas

e

conhecimentos

artistas

contemporâneos

que

não

foi

eram

encontro

de

realizado acerca do

de

formação.

para

Um

propor

práticas

conhecimento

da

grande

ao

grupo

artísticas maioria

e

dos

participantes. Contudo, esses encontros e as observações de cada participante revelaram um outro percurso para a pesquisa: o de investigar a minha própria experiência

estético-artística

e,

extrapolando

o

ensinar

Artes

Visuais,

aprofundar minhas pesquisas em como se aprende Artes Visuais e como é, para um Pedagogo, aprender Artes Visuais. A partir desta reflexão, desdobro o terceiro e último capítulo desta Dissertação,

narrando

esta

experiência

e

encontrando

possibilidades

de

97


respostas para as perguntas que emergiram no percurso da pesquisa, bem como tecendo diálogos com as cadernetas dos participantes e as minhas produções poéticas.

98


CAPÍTULO III – CONTEXTURAS POÉTICAS

99


Contextura I: Sobre a Experiência Estética na obra de John Dewey

Vivemos, com efeito, numa ilusão contínua através da superficialidade de nosso intelecto: para viver, precisamos da arte a todo instante. Nosso olho nos prende às formas. Se, no entanto, somos nós mesmos a adquirir, aos poucos, esse olho, então vemos vigorar em nós próprios uma força artística. Vemos, pois, na natureza mesma, mecanismos contra o saber absoluto: o filósofo reconhece a linguagem da natureza e diz: “precisamos de arte” e “carecemos apenas de uma parte do saber”. Nietzche

A obra de John Dewey, Art as Experience (“Arte como Experiência”), publicada

e

originalmente

editada

por

Jo

Ann

Boydston

(1934),

teve

sua

tradução para a língua portuguesa em 2010, pela Editora Martins Fontes. Antes da publicação do pensamento filosófico de Dewey sobre uma Filosofia da Arte no Brasil, o autor já era precursor das reformas de ensino em diversos Estados brasileiros. Diante

dos

grandes

debates

acerca

do

pensamento

deweyiano

para

a

Educação, é relevante refletir que seus estudos sobre Educação e Arte, por mais

que

tenham

sido

formulados

antes

da

primeira

metade

do

século

XX,

continuam expressivos para a contemporaneidade, tendo em vista que uma de

100


suas ideias expoentes é a de que “a arte é o locus paradigmático dos valores, e a criação e o prazer advindo da arte são o protótipo dos objetivos dignos da condição humana” (Kaplan, 2010, p. 10). A filosofia pragmática de Dewey não se refere exclusivamente à ação, mas o que o autor deflagra nesta corrente pragmática é uma teoria filosófica do pensamento e do sentimento, onde o pensamento norteia a ação e o sentimento reconhece as consumações dispostas por ela – uma conscientização unificada pelo sentir e agir. John Dewey foi o filósofo norte-americano mais relevante da primeira metade do século XX. Seu pensamento baseava-se principalmente na convicção moral de que “democracia é liberdade” – uma sociedade democrática prepara

todos

os

indivíduos,

de

maneira

igualitária,

assegurando

seus

benefícios, por meio de variadas formas da vida associada. Nessa perspectiva, a educação deve proporcionar aos sujeitos um interesse sobre as questões sociais e culturais, inerentes ao espírito humano, permitindo assim que as mudanças sociais aconteçam sem ocasionamentos de desordem (DEWEY, 1959). Para o filósofo, a configuração da disposição humana pode ser possível diante de diversos agentes, mas a escola, segundo o autor, ainda é o espaço chave para que uma filosofia da experiência se concretize como uma “realidade manifesta”. Uma filosofia da experiência no âmago da Educação exige que professores sejam conhecedores exímios do seu processo de aprender, e que estejam com seus conjuntos de práticas em constante estado de reflexão. Caso

101


contrário, corre-se o risco de que sua prática pedagógica não passe de um aglomerado de dogmas sem qualquer exame crítico (DEWEY, 2011). Dessa forma, Dewey sustenta a ideia de que nenhuma reflexão sobre processos educacionais seja

viável

sem

levar

em

conta

os

contextos

nos

quais

estes

estejam

inseridos. No

tocante

à

Arte,

Dewey

apresenta

questões

relevantes

para

os

professores. Em uma publicação de 1998, o autor se pergunta como a Arte “ajudaria a viver melhor a vida cotidiana. Ele [Dewey] se pergunta: como professores

de

todas

as

áreas

poderão

fazer

uso

de

“lições”

de

arte

(entendidas em termos experienciais) para melhorarem o seu ensino?” (BARBOSA, 2001, p. 20-21). A prerrogativa mais importante para pensarmos na atualização do conceito de experiência cunhado por Dewey é a de recusar as verdades absolutas e as dicotomias. Dewey defende um princípio de continuidade em toda sua filosofia, onde

essa

continuidade

confere

uma

unidade,

que

nada

se

aproxima

de

imutabilidade. Para Dewey, unidade implica flexibilidade e continuidade de interações (AMARAL, 2007). Amaral (2007, p.39) explica que a unidade na teoria deweyiana trata

(...) de uma unidade apoiada na flexibilidade das interações e aqui poderíamos perfeitamente acrescentar a palavra “sociais, sem que com isso estivéssemos prejudicando a clareza do pensamento do autor, mas, pelo contrário, reforçando-a. trata-se ainda de uma unidade que pressupõe a

102


diversidade e poderíamos igualmente acrescentar, incorrer em qualquer distorção do seu pensamento.

dos

“espíritos”,

sem

A unidade presente na filosofia de John Dewey une a relação do indivíduo ao meio, aquela entre o homem e o mundo. Compreender o conceito de unidade presente

na

conceito

de

filosofia Arte

como

deweyiana

torna-se

experiência

e

de

fundamental

Estética.

para

Dewey

apreender

não

o

abandona

as

qualidades holísticas, historicistas e organicistas na sua filosofia. O autor busca as “origens estéticas nas necessidades naturais, na constituição e nas atividades pragmatista

do de

organismo John

vivo”

Dewey,

(SHUSTERMAN,

segundo

1988,

Shusterman

p.

(1988,

233). p.

A

231),

estética “ocupa

a

posição ideal para reorientar e revigorar a filosofia da arte contemporânea”. De acordo com o primeiro, “as oposições entre mente e corpo, alma e matéria, espírito e carne originam-se todas, fundamentalmente, no medo do que a vida pode trazer” (DEWEY, 2010, p. 89). Assim, já vemos esboçada uma contraposição com as teorias dualistas e especificistas,

ou

seja,

com

aquelas

teorias

estéticas

onde

os

valores

principais eram os de praticar distinções entre Arte e Vida. Dewey considera a

criatura

viva

em

toda

a

sua

totalidade,

cabendo

uma

filosofia

que

compreenda a articulação do homem com o seu meio, onde a experiência é a “chave-mestra” para revelar a vitalidade unificada da experiência singular e estética entre o homem e a Arte.

103


A noção de Arte presente na obra de John Dewey reside na relação que a criatura

viva

necessidade

tem

para

com

toda

seu

obra

ambiente, de

Arte.

o

naturalismo

Neste

sentido,

deweyiano a

função

torna-se

da

Arte

é

unificar a vitalidade consciente presente na vida humana, pois as obras de Artes qualificadas não geram experiências estéticas especializadas - elas aprimoram

a

percepção,

a

comunicação,

originando

fontes

de

energia

e

inspiração. A experiência estética é a responsável em ampliar e aprimorar todas as inquietações humanas. Shusterman (1998, p. 238) explica que a função da Arte para Dewey:

(...) não residem em algum fim particular, especializado, mas sim em satisfazer a criatura viva de maneira global, servindo a fins variados e, acima de tudo, aumentando a nossa experiência imediata, que nos revigora e vitaliza, assim, a realizar qualquer fim que busquemos.

Para

John

Dewey,

a

arte

deveria

se

situar

ao

lado

das

coisas

da

experiência comum da vida, ou seja, inserida em um contexto diretamente humano,

ao

galerias,

contrário

de

estarem

compartimentalizadas

em

relegadas teorias

exclusivamente

que

distanciam

aos as

museus

ou

experiências

estéticas da vida cotidiana, ou seja, do prazer pessoal que, segundo o autor, está próximo às coisas da natureza, como o ar, o solo, a luz, as flores. Seriam

desses

lugares

que

brotariam

as

coisas

esteticamente

admiráveis.

(DEWEY, 2010).

104


A filosofia da Arte defendida por Dewey reestabelece a união entre as formas mais sofisticadas do artístico com os sentimentos mais ordinários da vida humana. A constante interação entre sujeito e ambiente, juntamente com os resultados dessa relação, será o que constituirá uma experiência. Na relação entre a Arte e a Estética, o filósofo afirma que o trabalho poético, desenvolvido em uma perspectiva da filosofia da experiência, seria o clímax da sofisticação entre a união dos saberes – afetivo, intelectual e prático (DEWEY, 2002). Na perspectiva do filósofo, as Artes oferecem vitalidade e aprofundam o conhecimento das experiências acumuladas, porque [t]oda arte envolve órgãos físicos, como o olho e a mão, o ouvido e a voz e, no entanto, ela ultrapassa as meras competências técnicas que estes órgãos exigem. Ela envolve uma ideia, um pensamento, uma interpretação espiritual das coisas e, no entanto, apesar disto é mais do que qualquer uma destas ideias por si só. Consiste numa união entre o pensamento e o instrumento de expressão. (DEWEY, 2002, p. 76).

É

justamente

na

integração

entre

o

pensamento

e

o

instrumento

de

expressão que se pode esboçar uma ideia do que o autor nos comunica a respeito da experiência singular/estética. A experiência para Dewey é um processo do viver que relaciona-se de maneira intensa e contínua entre o mundo e o sujeito. Dessa relação brotam conflitos, resistências, impressões. Destes elementos, por sua vez, emergem as experiências, envoltas em ideias e

105


emoções. É, portanto, neste conceito instaurado por Dewey que uma filosofia da experiência para a Arte/Educação contemporânea torna-se pertinente. A experiência singular é também uma experiência estética, tendo em vista que em ambas as experiências há consumação, e nunca cessações - como no caso de uma experiência intelectual. Neste sentido, a experiência intelectual é diferente da experiência singular/estética. A primeira tem como matéria-prima símbolos e signos, e exige uma conclusão, um encerramento. É justamente por sua natureza conclusiva que gera incertezas. Ao contrário, a experiência singular/estética reside em fluxos constantes, possui lugares de repouso, unidade, e o seu desfecho é atingido por um movimento ordeiro e organizado. O material vivenciado, ao mesmo tempo em que é marcado pelas percepções, é transformado pelas experiências anteriores. “A conclusão é uma consumação, e não uma cessação. Esta experiência carrega um caráter individualizador e autossuficiente.” (DEWEY, 2010, p. 110) A

experiência

singular/estética

é

uma

espiral,

seu

fluxo

contínuo

unifica a percepção entre o que é feito e o que é suportável; cria conexões com experiências anteriores – uma observação constante entre o que existiu, existe e existirá, o processo é vivenciado conscientemente. A ansiedade e as frustações, que fazem parte da vida cotidiana e estão presentes no processo criativo, não são impeditivas para que a inteligência organize a consumação da

experiência

pulsante;

discernimento

entre

ações

e

desejos,

não

106


dicotomias, relaciona,

fragmentações tudo

está

entre

junto,

é

o

inteligência próprio

e

sensibilidade.

processo

do

viver

Tudo

se

unificado

ao

ambiente tomando consciência de si – esse conjunto consciente propicia ao sujeito uma experiência singular/estética. O estético, na filosofia da arte de John Dewey, não é um fator externo e que se “lança” para a experiência. Tampouco está relacionado ao luxo, ou é idealizado por qualquer corrente de pensamento

transcendental.

Para

o

autor,

“o

estético

(...)

é

o

desenvolvimento esclarecido e intensificado de traços que pertencem à toda experiência normalmente completa (...) estético refere-se à experiência como apreciação, percepção e deleite” (DEWEY, 2010, p. 125-127). O estético presente na experiência e que faz desta uma experiência singular/estética, possui uma forma distinta de operação. O estético torna a experiência consciência

consciente do

através

conhecimento.

da

classificação

Esse

movimento

do de

que

é

percebido

relações

está

a

sempre

unificado, incorporado com a apreensão reflexiva de experiências anteriores. O material singular da percepção estética é o equilíbrio e a proporção. Estes materiais

surgem

proporcionam

ao

da

experiência,

pensamento

um

num

carácter

primeiro estético.

momento A

das

ideias,

experiência

se

que

torna

predominantemente estética quando seu desenvolvimento é controlado, ou seja, quando aquilo que é feito transmite a ideia que está sendo executada. A ordem

107


e a realização existem e sinalizam o percurso da ideia, mesmo que assinalem o desvio e a ruptura (DEWEY, 2010). Dewey afirma que “a arte, em sua forma, une a mesma relação entre o agir e o sofrer, entre a energia de saída e a de entrada, que faz com que uma experiência seja uma experiência” (DEWEY, 2010, p. 128). Como o artístico está

relacionado

percepção,

uma

ao obra

ato

de

produção

acontece

em

sua

e

o

estético

completude

ao

ato

quando

o

de

prazer

artista,

e ao

trabalhar, assume essas duas atitudes transformando-a em uma só, ou seja, numa atitude artístico-estética. O artista, na concepção de Dewey, comparado a seus semelhantes, é alguém não especialmente dotado de poderes de execução, mas também de uma sensibilidade inusitada às qualidades das coisas. Essa sensibilidade também orienta seus atos de criação”. (DEWEY, 2010, p. 130).

Essa sensibilidade do artista está diretamente relacionada ao seu modo de pensar acerca das coisas do mundo. O artista não apenas reconhece as coisas, ele as vê, e das suas observações sobre as coisas do mundo, constitui sua percepção. O artista apreende a conexão entre o que ele está pensando e o que fará em seguida. O artista vivencia na sua consciência o efeito da sua obra. Se ele utilizar deliberadamente os materiais, não saberá a derivação do seu trabalho. Eles são veículos, não a matéria-prima para produzir a obra. O veículo, diferentemente da matéria-prima, é sempre uma forma de linguagem,

108


expressão e comunicação. Porém, o veículo só encontra formação quando entra em contato com a consciência e a habilidade de um indivíduo. O que está em questão é o controle do desejo. Na ideia inicial até será possível pensar em tudo, mas o “tudo” não é possível na relação que se pretende produzir - o artista encontra os obstáculos, as dificuldades da produção. Saber produzir neste limite da existência humana é aprender que a relação entre pensar e agir, culminando em uma experiência singular/estética e

compreendendo

que

experiência

não

é

uma

soma

entre

o

emocional

e

intelectual, mas que ambos ocorrem inseparavelmente, é uma das modalidades mais

exigentes

do

pensamento.

Chegar

na

consumação

desta

experiência

é

proteger o trabalho de uma mera sucessões de excitações (DEWEY, 2010). Sendo assim, a experiência singular/estética presente nos escritos de John Dewey é o lugar onde o autor nos esclarece sobre a proximidade desse conceito com o campo das artes e do trabalho do artista. Dewey desafia toda a tradição filosófica acerca do conceito de estética. O autor coloca o estético, assim como as Artes, nas origens da existência humana.

Ele

revela

que

a

experiência

singular/estética

deve

estar

nos

processos normais do viver, nas coisas cotidianas da vida. Segundo Dewey (2010,

p.

72),

“se

as

obras

de

arte

fossem

colocadas

em

um

contexto

diretamente humano na estima popular, teriam um atrativo muito maior do que podem ter quando as teorias compartimentalizadas da arte ganham aceitação

109


geral”. O autor afirma ainda que “a genuína arte se desenvolve a partir do trabalho

do

artesão”

desenvolvimento

(Dewey,

proporcionado

2002, por

um

p.

76),

defendendo

trabalho

que

o

estético-artístico

grande está

associado à vida cotidiana, nas coisas simples (DEWEY, 2002). É desse lugar, que os pressupostos filosóficos dewyiano falam de uma Filosofia da Arte como experiência. Consciente desse processo, a experiência possibilita ao indivíduo uma reorganização que o coloca em contato com outras formas de apreender a vida. Por isso, a experiência singular/estética é inerente à consumação, e nunca a uma conclusão. Entende-se por consumação “um certo

nutrir-se”

constantemente

da

experiência

que

no

seu

fluxo-refluxo-

repouso avança para novas reformulações, onde outras percepções irão envolver esses atos e ideias de pensamento. O pensar também ocorre em fluxos, esses fluxos são fases carregadas de afetividade; não são evoluções, mas variações móveis (DEWEY, 2010). No caso específico das Artes Visuais, a percepção é o sentido mais comum por onde os conteúdos de uma obra são “absorvidos”. Em toda experiência singular/estética, tocamos o mundo através de um órgão específico. Será a partir desse órgão que a percepção encontrará o fluxo para operar em toda a sua energia. Essa, provocada exclusivamente pela obra de Arte, é “a maior realização intelectual da história da humanidade” (Dewey, 2010, p. 93). O autor nos explica que:

110


A obra de arte provoca e acentua essa característica de ser um todo e de pertencer ao todo maior e abrangente que é o universo em que vivemos. Essa é, a meu ver, a explicação da sensação de requintada inteligibilidade e clareza que temos na presença de um objeto vivenciado com intensidade estética. (Dewey, 2010, p. 351).

A arte reside no próprio processo do viver. O homem utiliza os materiais ofertados pela natureza com a intenção de significar sua existência no mundo e ampliar sua própria vida. A existência da Arte é prova de que o homem é capaz de nutrir-se conscientemente no plano do significado, intervindo com todo o seu organismo, regulando, selecionando e reordenando sua vida. A arte não está dissociada dos processos do viver, pois com ela, e a partir dela, conferimos sentido à nossa vida, revelamos desejos e geramos impulsos para continuarmos existindo com uma certa sensação de pertencimento no mundo. Para ser artística, uma obra de arte tem que ser estética, como explica Dewey (2010). E o contato entre o objeto artístico e o homem deveria resultar em

experiências

singulares/estéticas.

Entendemos

como

experiência

singular/estética a ressonância ou produção de sentido gerada através da apreciação entre o objeto artístico e o indivíduo – uma experiência singular. Essa experiência só é experiência quando não está enclausurada em sentimentos e

sensações

privadas,

resumidas

em

teorias

simplistas.

A

experiência

111


compreende uma interpretação completa dos acontecimentos que circundam o Eu e o mundo.

Experiência é o resultado, o sinal, e a recompensa da interação entre o organismo e o meio que, quando plenamente realizada, é transformação da interação em participação e comunicação. (Dewey, 2010, p. 88-89).

Quando essa experiência acontece a partir da apreciação de uma obra de arte, há possibilidade de ressignificação na maneira de compreender a si e ao mundo, pois a experiência singular/estética permite ao espectador da obra criar

fluxos

de

sentidos,

onde

estes

encontram

lugares

de

ancoragens

e

repousos nas experiências anteriores. A experiência singular/estética não sobrepõe um saber ao outro - ela integra, pontua e define a qualidade de toda a ressignificação apreendida nesse complexo processo de apreciação do objeto artístico. Assim,

a

experiência

estética/singular

da

qual

nos

fala

Dewey

transcreve-se também em dimensões pedagógicas, pois perpassa a escolha, a seleção e o repertório do espectador. Toda Arte, que busca novas maneiras de pensar

o

mundo,

diferente

dos

sistemas

tradicionais

e

hegemônicos

do

conhecimento, “precisa educar seu público em novos modos de percepção. Assim, a arte é essencialmente educativa, não somente em seu aspecto instrumental, mas

através

do

consumatório

e

do

instrumental

fundidos

na

experiência.”

(BARBOSA, 2001, p. 147)

112


As obras de Arte refletem a potência política, discursiva e pedagógica de um tempo/espaço em que o artista está situado, e pode também situar o espectador

dependendo

do

modo

como

ele

incorpora

essa

imagem

com

suas

experiências anteriores. Na obra de arte, é possível observar os elementos visuais presentes no universo dos artistas. Neste sentido, “ver” envolve algo além do mero reconhecimento de objetos e coisas. “Ver de fato”, para além do reconhecimento,

envolve

reconstruir

a

consciência

e

torná-la

viva.

Como

afirma Dewey, “esse ato de ver envolve (...) a cooperação de todas as ideias acumuladas

que

possam

servir

para

completar

a

nova

imagem

em

formação”

(Dewey, 2010, p.135). A

obra

de

arte,

apreendida

em

uma

perspectiva

da

filosofia

da

experiência, convoca espectador e artista a “ver de novo” ou “ver o novo”. Este olhar, que são resultados de experiências singulares/estéticas, afloram no indivíduo uma configuração do mundo, ou seja, um conhecimento acerca das coisas do mundo. O olhar, agora inquiridor, produz no sujeito um movimento no organismo em sua inteireza – a impulsão. A impulsão, diferente do impulso (que é um movimento especializado e particular), necessita do reconhecimento dinâmico que o meio produz. Ela evoca e revela a necessidade do organismo em dependência do Eu em relação ao seu contexto, onde a junção das experiências não são simples justaposições de fatos velhos e novos, a recriação do olhar no

qual

a

impulsão

atual

ganha

forma

e

solidez,

converte-se

em

ato

de

113


expressão (DEWEY, 2010). O ato de expressão não é mera descarga do organismo, mas sim transformação consciente, ou seja, ato do qual o indivíduo aprendeu a perceber a relação entre o fazer e o vivenciar. Esse ato de expressão, que constitui uma obra de arte, “é uma construção no tempo, e não uma emissão instantânea” (DEWEY, 2010, p. 153). A impulsão que leva à expressão mistura-se com as energias orgânicas e ambientais, onde os nós desta tecelagem vão se desfazendo, dando espaço às condições objetivas, pois a impulsão e o ato expressivo ocorrem distante das regras rígidas -. Eles surgem com a opacidade do pensamento, da insatisfação, do inacabamento - aparecem como enigmas. A partir das inquietações dessa impulsão, o ato expressivo vai sendo recriado, assegurando que a expressão artística seja reelaborada. Sendo assim, a expressão é o esclarecimento do conjunto evocado pela impulsão, é o valor do ato expresso, é a matéria da experiência. É relevante salientar que este valor do ato expressivo, a matéria prima da experiência que Dewey revela em sua obra, tem grande aproximação com a organização das emoções e a objetividade. Porém, organização e objetividade, para o filósofo, não são “coisas simples” de serem alcançadas pelo organismo que, fragmentado pelo ambiente e imerso nas teorias reducionistas explora, na maioria das vezes, experiências incipientes.

114


A organização, segundo Dewey “é colocar as coisas em contato umas com as outras de forma que estas funcionem com facilidade, flexibilidade e de forma ampla” (DEWEY, 2002, p. 60). Neste fluxo, o ato expressivo se diferencia de todas as outras relações com as experiências incipientes, ganhando um caráter único, singular - ou seja, estético. A experiência singular/estética não possui uma única fonte de elementos particulares. Ela se diferencia pela integração de todos os elementos da experiência ordinária (SHUSTERMAN, 1998). A

teoria

aprendizagem

dewyiana em

si

da

Arte

mesma.

Nesse

como

experiência

conjunto

da

toma

o

argumento

aprendizagem,

o

da

saber

a

consolidação do pensamento e da percepção são identificados como os fatores decisivos para que ela ocorra. Isso muitas vezes torna a filosofia da Arte como experiência distante dos discursos acadêmicos e escolares, tendo em vista o caráter totalmente utilitário e prático que estas instituições estão inseridas. A

Filosofia

de

Dewey

distancia-se

das

distinções

classificatórias

e

consolidadoras do pensamento, que automatizam e padronizam a nossa percepção do

mundo,

onde

essas

acabam

por

estabelecer

rotinas

fixas

e

padrões

de

concepções. A filosofia da Arte como experiência aumenta nossos valores com a natureza. Segundo Amaral (2007), natureza no conceito deweyiano não é apenas o conjunto das coisas, mas

115


(..) as nossas relações, a mudança como permanência, a espontaneidade como necessidade, o regular como o novo, a morte como nascimento, os elementos permanentes como os acontecimentos em mudança, não esgota todo o significado da palavra dentro do pensamento deweyiano (...) na verdade, esse é o resultado para quem, como Dewey, pretendeu substituir todos os dualismos pela ideia de continuidade entre natureza e experiência. Fruto desse propósito, ele naturalizou o homem, colocando-o no seio da natureza como mais um elemento dentre outros. No entanto, ao reconhecer as extraordinárias diferenças que marcam as realizações humanas, foi obrigado a dilatar o mundo da natureza a tal ponto que não estabeleceu simplesmente a continuidade entre os dois mundos, o da natureza e o da experiência, mas os fundiu a ambos. (AMARAL, 2007, p. 53).

Sendo assim, tudo é natural na filosofia de Dewey, pois a natureza impera. Mas a natureza não está só - para que ela aconteça, precisa ser experimentada pelos seres humanos. É nesse sentido que a apreciação ganha destaque

importante

na

obra

do

nosso

filósofo.

Apreciar

alguma

coisa

é

revelar como essa coisa mostra-se na nossa experiência, ou seja, é dizer da nossa prática, como ser é percebido – ser é ser experimentado (AMARAL, 2007). Por

isso,

experiência

o

saber

reconhece

instrumental

que

o

objetivo

defendido

na

teoria

da

Arte

presente

na

teoria

deweyiana

como não

pretende encontrar uma verdade absoluta ou um saber sobre si mesmo, ou ainda um

domínio

sobre

a

natureza.

O

objetivo,

a

que

se

refere

Dewey,

é

de

enriquecer as experiências e experimentações de um valor, controlando as ações que são realizadas nesse empreendimento de descobertas e propiciando a liberdade. Para Dewey, essa forma de saber, aproximada de um saber que segue as experiências (singular/estética), só se torna possível com a experiência

116


estética, pois a Ciência, para o filósofo, é subordinada à Arte (SHUSTERMAN, 1998). Shusterman (1998) explica que para Dewey o mundo da arte não compõe um conhecimento estético arbitrário e independente, mas sim um saber que está articulado

ao

mundo

real

e

aparelhado

nas

condições

socioeconômicas

e

políticas. Nas palavras do autor (1998):

Dewey compreendeu que não apenas os conceitos de arte e estética sobre os quais teorizamos, mas também nossos próprios conceitos sobre teoria e filosofia, são estruturados e condicionados pelas práticas sociais e institucionais que informam nossas vidas e pensamentos. Portanto, são também condicionados pelas contingências e lutas da história que, de certa forma, moldam essas instituições e práticas estruturadoras. (SHUSTERMAN, 1998, p. 254).

Diante

disso,

vale

observar

que

Dewey

fundamenta

toda

a

teoria

na

capacidade democrática dos seres humanos. Afinal, a experiência humana na Filosofia da Arte como experiência encontra ancoragem na capacidade de julgar e agir dos seres humanos com inteligência, desde que sejam propiciadas as condições apropriadas. Ainda no que tange à capacidade dos seres humanos numa filosofia da Arte como experiência, vale ressaltar que Dewey considera a Arte a partir de uma dinâmica e desenvolvimento experimental. A partir desse movimento é que a experiência estética/singular é criada e percebida. O valor da Arte, para o

117


filósofo, não reside no conceito museológico da arte. Nesta concepção, a Arte exige estímulos e tensões, assim como novidades revolucionárias, nutrindo-se do

constante

conflito

da

quebra

da

ordem.

Por

isso,

Dewey

ressalta

os

movimentos fluxo-refluxo-repouso.

118


Contextura II: Cartografias de uma experiência consumatória em Artes Visuais

Para anunciar o meu próprio “repensar de um pensamento”, menciono duas recordações. A primeira ocorreu em 2013, quando viajei para Juazeiro do Norte,

onde

realizei

meu

primeiro

estudo

de

campo,

e

o

professor

Fábio

Rodrigues advertiu-me sobre a relevância da minha pesquisa: “Como seria para um pedagogo experimentar Artes Visuais?”. A segunda recordação provém dos encontros de orientação, quando minha orientadora oferecia recursos para que eu pensasse a minha poética. Essas duas lembranças foram ganhando corpo/forma com o passar do tempo, principalmente depois da processualidade dos dados da pesquisa. Percebi que mais importante do que explicar como os educadores aprendem Artes Visuais, era fundamental revelar o meu percurso – em torno de como um Pedagogo havia traçado um caminho até o Mestrado em Artes Visuais. Afinal, essa pergunta havia sido feita pela minha orientadora no primeiro encontro de orientação: “Por que o Mestrado em Artes Visuais e não o Mestrado em Educação”? Sincronizei meus estudos a fim de tentar encontrar o caminho para as indagações que me foram apresentadas – ou melhor, mais do que indagações, foram desafios para que eu pensasse acerca da importância de uma pesquisa sobre Arte/Educação no viés de compreender como se vivencia uma metodologia

119


teórico-poética.

Eu

havia

investido

anos

de

trabalho

com

um

desejo

inquietante de tentar compreender a relação entre a prática poética e a teórica. Para tanto, não era com respostas prontas que eu encontraria o que buscava. As pessoas que haviam me advertido, e continuam a fazê-lo, sobre o meu

projeto

de

pesquisa,

traçaram

meu

caminho

tal

qual

ele

deveria

apresentar-se, colocando-me diante da procura de minha poética. Todo esse trabalho seguiu três níveis. O primeiro foi de composição: durante meses, procurei nas linhas dos livros que eu tinha como referencial e em outros que aprendi cuidadosamente a ler, e aos poucos o trabalho foi composto. O segundo foi o de construção: como em um jogo de quebra-cabeças, peça

por

peça

esclarecimento,

foi por

sendo mais

encaixada,

nebuloso

que

pistas pudesse

eram ser

às

encontradas vezes,

e

o

encontrava

espaços de esclarecimento. E, por último, tecer com fios delicados a escrita do trabalho: como um tecelão, que colhe a sua matéria prima e a transforma em seu produto. Retomo “Contextura

neste II:

momento

o

Cartografias

último de

uma

nível,

o

da

experiência

tecelagem, consumatória

intitulado em

Artes

Visuais”. A retomada torna-se necessária para evidenciar como um projeto teórico-poético em Artes Visuais não tem cessações. Essa forma de trabalhar com o conhecimento produzido em uma pesquisa em Artes Visuais permite traçar

120


uma cartografia, onde o trabalho do pesquisador sempre se renova e desdobrase em outros saberes. No caso específico desta pesquisa, abriu-se a possibilidade de pensar em uma atualização do conceito de experiência do filósofo John Dewey. Porém, para este momento, o trabalho de atualizar a teoria deweyiana da experiência não foi a minha escolha. É um desejo que se apresentará em projetos futuros, tanto devido ao tamanho deste empreendimento quanto devido ao fato de que a minha trajetória ainda é imatura para um trabalho tão audacioso. Contudo, encontro em um “pedaço” do potente trabalho de Dewey, junto com escritos de Ana

Mae

Barbosa

Dissertação,

que

(2001),

teoria

consiste

em

suficiente

desvelar

a

para

dar

cabo

experiência

desta

etapa

consumatória

de

da um

Pedagogo em um Mestrado em Artes Visuais. A

palavra

consumatória

deriva

do

latim

cõnsummãre.

No

dicionário

etimológico da língua portuguesa, é encontrada junto ao conceito da palavra “consumar”, que significa “ terminar, completar, acabar” (Cunha, 2010, p. 174).

Porém,

o

significado

do

qual

se

origina

a

palavra

não

encontra

ressonância na teoria de Dewey. Para o filósofo, “consumatória” em nada se aproxima

de

acabamento,

término,

ou

completude.

Como

foi

mencionado,

consumação está mais relacionado a um nutrir-se constantemente. Dewey chega a este conceito da palavra consumatória devido à importância revelada sobre sua

121


argumentação de uma experiência pautada na qualidade estética, como explica Barbosa:

Para refutar a interpretação restrita de consumatório como conclusão de uma experiência, temos que pensar nas designações diferentes usadas por Dewey para falar da qualidade estética em uma experiência. Por exemplo, não podemos interpretar o significado de consumatório, expresso nos escritos de Dewey, sem relacionar a designação de consumatória com seu conceito de estética como uma qualidade difusa. Sendo consumatória, a estética é uma qualidade difusa que permeia a experiência como um todo, o que é completamente diferente do conceito de arte como ponto final de uma viagem através de várias disciplinas agrupadas em torno de um tema. (BARBOSA, 2001, p. 155-56).

Por esse motivo, Dewey alerta que o estético e o artístico convergem, em vez de se dissociarem. Tanto para o espectador quanto para o artista, nenhum dos conceitos é projetado exclusivamente através do ato de criar para um, mas pelo de perceber para o outro. A obra de arte como um “ato mágico” - onde um cria da esfera etérea, e o outro apreende somente da emoção de ver - não é o projeto deweyiano de apreensão estética. Ambos artista e espectador ideal estão bem informados. O contexto afeta os dois, que traduzem de maneira singular a produção de cada um nas suas respectivas especificidades - de criar e de perceber. O que Dewey revela com esta afirmação é que uma obra tem que ser estética para ser artística, pois a obra é moldada para uma percepção. Para o autor, essa percepção deve ser prazerosa.

O

prazer

a

que

Dewey

se

refere

está

intimamente

ligado

ao

122


componente paixão, presente em todo ato de percepção. Para o filósofo, quando o organismo é tomado por sentimentos como a raiva e o ciúme, a experiência é inestética. Porém, não é possível confundir este ato prazeroso do qual nos fala Dewey como um ideal romântico, utópico ou ingênuo de que a Arte só é Arte quando revela a paixão, ou confundida com o belo. Não é destes sentimentos que fala o autor. É importante ressaltar que Dewey esclarece, em sua obra, que todo equilíbrio da experiência estética possui elementos de equilíbrio e proporção

e,

para

alcançar

este

potencial,

que

aparecerá

na

experiência

estética, o organismo passa por uma “batalha” de sentimentos até o ato da escolha. Só assim a obra se torna controlada por um ato refinado, inteligente e adequado à situação (DEWEY, 2010). O desafio do artista com sua obra estético-artística, mesmo que ela cause um incômodo emocional, é levar a apreciação à indagações consumatórias, onde o perceptor encontre caminhos que o levem a refletir sobre o motivo de tal incômodo. Sobre a produção artística, Dewey revela que “o verdadeiro trabalho do artista é construir uma experiência que seja coerente na percepção ao mesmo tempo que se mova com mudanças constantes em seu desenvolvimento” (DEWEY, 2010, p. 132). A Arte, nesta perspectiva da filosofia da experiência, é conhecimento. Dewey apresenta em sua filosofia da Arte como experiência que ela

está

saturada

de

significados.

Na

sua

concepção

teórica

esses

123


significados estão para além das estruturas elaboradas pela linguística, ou seja, para além do conceito de conhecimento que nos são apresentados pelas teorias cognitivas tradicionais (BARBOSA, 2001). Para Dewey, os significados devem

ser

absorvidos

antes

de

serem

conhecidos

-

eles

precisam

ser

compreendidos antes que sejam conhecimentos. Segundo Barbosa (2001, p. 149),

[p]ara Dewey, a concretização do significado da experiência estética e artística é mais do que conhecimento se fizermos uma analogia com o que ele disse sobre a experiência de ver e manusear uma flor : “desfrutar o significado completo do cheiro, como o odor dessa bela coisa, não é conhecimento, porque é mais do que conhecimento”.

O estético e o artístico abrem o desdobramento de possibilidades das relações entre o sujeito e o mundo, proporcionando reflexão e ação, ou seja, a construção de um conhecimento experiencial. Ela implica todo o organismo, colocando-o em movimento, em fluxos, e afastando-o da imobilidade. Propicia a investigação estético-artística e, enquanto uma prática do organismo vivo, torna-se contínua, não determinada por um conceito ou teoria simplista, mas configurada por uma potência de criação.

Esse fazer que a investigação artística tonifica aceita que a forma/obra é parte de um processo trânsito entre um antes que acontece sempre no agora e um depois que densifica a possibilidade de existência do antes. (Neuparth, 2011, p. 20).

124


Como

explicitado

na

citação

de

Neuparth

(2011),

percebemos,

como

evidência Dewey, que a obra de Arte é um todo que abrange o universo em que vivemos. Essa intensidade estética do todo que a obra de arte apresenta é “mais

do

que

conhecimento”,

ou

seja,

é

a

forma

requintada

que

a

inteligibilidade e a clareza de uma investigação que privilegia a experiência estético-artístca apresenta à experiência. Nas palavras de Dewey, “a obra de arte atua aprofundando e elevando a uma clareza maior a sensação de um todo indefinido e abrangente que acompanha toda experiência normal” (Dewey, 2010, p. 351). O

todo

do

qual

Dewey

nos

fala

é

“a

qualidade

penetrante

de

uma

experiência” (Dewey, 2010, p. 350), são todas as coisas presentes no mundo que estão vinculadas à nossa consciência, pois a medida da nossa imaginação nesse todo move-se à medida que nos movemos. Por este motivo, a experiência tem também um caráter místico, pois seu sentido, a sensação ilimitada que está diretamente ligada à experiência estética, funde-se na obra de Arte fazendo com que a sensação que temos ao apreciar uma obra de arte resulte em uma

totalidade

comemorativa,

expectante,

insinuante,

premonitória

e

transgressora (DEWEY, 2010). O meio e o fim em uma obra de arte aproximam-se, mesmo que no início da criação

esteja

experiência

instaurado

encontra

nos

o

caos.

fluxos

da

Aos

poucos,

consciência

o

movimento a

primeira

ordeiro

da

camada

de

125


entendimento dos movimentos resultantes dos efeitos estéticos, os veículos da composição

da

obra,

um-a-um.

Esses

movimentos

não

são

externos,

são

intrínsecos ao criador, são as áreas da nossa vida. Eles estão integrados, são os meios e o fim do processo da aprendizagem. Por isso, a técnica não é o processo artístico, mas um meio de chegar a ele. A Arte “é uma variedade da experiência, e não uma entidade em si (...) a experiência é uma questão da interação do produto com o eu” (Dewey, 2010, p.558). O encontro da interação implica o movimento de todo o organismo envolvido no acontecimento da experiência estético-artística, e este percurso é o “acontecer da criação”. Para que ele seja reconhecido e perpasse pela experiência estética, o que acontece antes da criação é um estado peculiar na apreciação do artista, que mais tarde é apresentado como uma ideia poética. Por sua vez, a ideia poética fará emergir as distinções - a singularidade que,

por

mais

vagante

e

indefinida

que

seja,

as

partes

definidas

deste

percurso apresentarão suas qualidades imediatamente experimentadas quando a percepção ganhar potência na consciência,. As partes e a qualidade que perpassam cada movimento é explicado por Dewey da seguinte maneira:

(...) a qualidade penetrante que perpassa todas as partes de uma obra de arte e as une em um todo individualizado só pode ser “intuída”. Os diferentes elementos e as qualidades específicas de uma obra de arte mesclam-se e se fundem de um modo que as coisas físicas não conseguem

126


imitar. Essa fusão é a presença sentida da mesma unidade qualitativa em todas elas. As “partes” são discriminadas, e não intuídas. Mas, sem qualidade intuída envolvente, as partes são externas umas às outras e mantêm uma relação mecânica (...) o organismo que é a obra de arte em nada difere de suas partes ou membros. Ele é essas partes como membros – o que novamente nos eleva à qualidade penetrante que se mantém a mesma ao ser diferenciada (...). (Dewey, 2010, p. 348).

As partes e a qualidade não são exibições realistas, elas compõem um idioma singular que só acontece na obra. Em uma obra de arte, não existem “bordas” que a delimitam. A experiência penetrante do que acontece na obra de arte

tem

apreciação

seu são

contexto apenas

indefinido, pontos

as

focais

coisas do

das

quais

instante.

O

resultam “pano

de

de

uma

fundo”

apresentado pela obra de arte é seu caráter ilimitado. O idioma singular é criado pela incansável busca do artista em descobrir sua poética, sua maneira singular de expressar suas impressões do mundo a partir do seu trabalho estético-artístico. Ao mesmo tempo, “toda arte é, de algum modo, um veículo dessa transmissão, enquanto seus produtos são uma parte nada insignificante da matéria saturada” (Dewey, 2010, p. 552). Além disso, Dewey também afirma que em todo o trabalho do artista existe uma acelerada intenção de superação da sua técnica, de uma constante busca pelo novo. Isso seria o amadurecimento de cada processo criativo, onde a superação do banal e a esperança do novo a cada produção é apresentada através da obra, como se um idioma fosse sempre nascendo.

127


Paul Klee revela em seu diário:

De fato, começo a ver um caminho que poderá levar a um desenvolvimento do meu tipo de linha. Finalmente encontro uma saída para o beco sem saída do ornamento, em que me vi dia em 1907! Refortalecido por meus estudos naturalistas, posso ousar adentrar uma vez mais o meu campo primordial da improvisação psíquica. Aqui, ligado a uma impressão natural apenas de forma totalmente indireta, posso ousar novamente dar forma ao que já levo na alma. Anotar vivências que podem se transformar em composições lineares até mesmo na noite mais escura. Aqui, há muito tempo existe uma nova possibilidade criativa, outrora interrompida pelo medo do isolamento. Desta forma, minha verdadeira personalidade ganhará expressão, e poderá se espraiar no campo da liberdade máxima. (Klee, 1990, p. 266).

Nessa citação, é possível observar a busca do artista pelo seu “idioma” singular, bem como a superação da sua técnica, que lhe confere uma liberdade máxima no seu processo criativo. Paul Klee encontra o fortalecimento da sua forma,

presente

na

sua

alma,

após

dedicar-se

aos

exercícios

da

pintura

naturalista, que garantiu que o artista não tornasse a sua produção linear, onde as linhas limitavam as áreas de tonalidades e cor. O artista também encontrou nas obras de Van Gogh e Ensor o “apoio” para reconhecer a sua nova forma de criação. Do ponto de vista do espectador que vivencia uma experiência estética, Jean Genet (1910-1986) revela acerca da obra de Giacometti (1901-1966) que:

128


Os rostos pintados por Giancometti parecem ter reunido tamanha vida que já não lhes resta nenhum segundo a viver, nenhum gesto a fazer, e (não que tenham acabado de morrer) conhecem enfim a morte, pois um excesso de vida ali está acumulado. Visto a vinte metros, cada retrato é uma pequena massa de vida, dura como um cascalho, cheia como um ovo, que poderia alimentar sem esforço cem outros retratos. (Genet, 2000, p. 47).

Figura 10 - Giacometti. Fonte: Genet, 2000.

129


Observamos, tanto do ponto de vista do artista (Klee), quanto do ponto de vista do espectador (Genet), a presença do todo que a obra de Arte apresenta, bem como a experiência consumatória. Em seus estudos, Klee procura refletir sobre uma outra maneira de potencializar a sua poética. Do outro lado, Genet, através das observações das obras de Giacometti, traça toda uma reflexão sobre a existência da obra do artista e o quanto ela “desafia” questões existenciais como a morte e a vida, observadas de longe e de perto. O questionamento que aparece é o da imanência do tempo, do espaço e da luz. Em contrapartida, Klee reflete sobre a busca da maioria dos seres humanos, a liberdade máxima, ou seja, o inatingível. A liberdade da qual nos fala Klee é impossível de ser atingida no mundo real. A produção poética é capaz de proporcionar composição

do

essa

sensação

artista,

mas

e

até

como

de

revelar

seres

essa

inseridos

sensação

em

uma

a

partir

sociedade,

da

somo

limitados pelas regras e convenções, pelo nosso imaginário - o que nunca nos tornará seres completamente livres, a não ser pela “falsa” sensação presente nas Artes. A Arte, mais especificamente a pintura, coloca nosso olhar em questão, comunicando com estranheza sua existência secreta – como nas linhas de Klee e na

descrição

sobre

os

rostos

de

Giacometti

revelados

por

Genet.

A

materialidade da pintura nos coloca diante do mundo percebido, que na maioria das vezes nos esconde o conhecimento sedimentado imposto pela Ciência. Ao

130


recorrer à pintura somos situados diante do mundo vivido. As obras de arte são “meios pelos quais entramos, através da imaginação e das emoções que elas despertam, em outras formas de relacionamentos e participação, diferentes das nossas” (Dewey, 2010, p. 561). As pinturas exigem de nós uma interpretação nova e original a cada vez que as observamos por meio de todo o nosso organismo. Todo o nosso corpo é invocado

pela

pintura,

traduzimos

toda

a

nossa

existência

a

partir

da

apreciação de uma obra de arte. A presença da obra de arte completa os nossos desejos, proporciona novas experiências, ressignifica nosso mundo interior e exterior. Sob esse foco, a obra de arte e sua compreensão manifesta, em toda a sua totalidade e qualidade estética, é o que a distingue das outras formas de conhecimento.

A

obra

de

arte

é

mais

do

que

o

mistério

do

gosto

ou

da

expressão da sensibilidade, a arte e o processo artístico buscam uma forma própria de integração do homem com o mundo. No conhecimento artístico, as coisas não são parcelarizadas - a experiência é globalizante, integradora, promotora de experienciações e experimentações que evoluem para experiências estéticas,

quando

o

planejamento

é

minuciosamente

articulado

para

tal

acontecimento. A objetividade a ser alcançada nesse projeto de conhecimento a partir da arte como experiência atravessa a objetividade simplesmente pelo encerramento do que está sendo proposto a conhecer. O objetivo se funde com o

131


subjetivo, onde o sujeito que conhece integra-se através do seu plano de conhecimento com o objeto, pois ele, que aprende sob essa perspectiva, é capaz de criar a ordem, ou a maneira com que vai aprender. Tendo em vista que ele surge integrado no seio do próprio objeto, ele não está observando o mundo de fora, estamos todos imersos no mesmo mundo e dentro dele. É assim que a arte nasce, desse encontro do eu em sua completude com o mundo. Trazer a Arte para o centro da vida cotidiana, como requer Dewey, é acreditar que esse cotidiano possa ser poetizado. O lugar potencial para que essas transformações ocorram seria, sem dúvida, os espaços educativos. Manter um projeto educativo voltado às questões estético-artísticas propiciaria que os

novos

apreciadores

transformarem

de

as

Artes

fossem

experiências

realmente

apreciadores

incipientes

em

capazes

de

experiências

singulares/estéticas. Talvez o equívoco das teorias da educação, que perderam de vista o poder da

Arte

como

substituí-lo

fonte

por

de

outras

um

conhecimento

áreas

de

original

conhecimento

que

e

transformador,

privilegiem

um

foi saber

técnico em detrimento do saber da cultura. Isso ressoa na pouca capacidade dos nossos estudantes de reconhecerem-se na sua cultura imaterial e no saber ancestral da hibridização cultural que fazemos parte, deixando-se manipular por uma cultura de massa hegemônica que anula todo saber cultural herdado por outros povos, considerados menos capazes de produzir conhecimento.

132


Educar, pautado na perspectiva da Arte como experiência, é deixar com que os estudantes experimentem suas potencialidades, sua existência, de forma consciente. A Filosofia da Arte como experiência consumatória é educativa e deve ocupar os espaços escolares. Falar de conhecimento e de alternativas para

tornarem

as

pessoas

mais

inteligentes

é

tarefa

de

uma

Educação

comprometida com as novas gerações.

133


Desassossego poético

Quem diria que as manchas vivem e ajudam a viver? Tinta, sangue, cheiro. Não sei que tinta usar qual delas gostaria de deixar desse modo o seu vestígio. Respeito-lhes a vontade e farei tudo o que puder para escapar do meu próprio mundo mundos cobertos de tinta – terra livre e minha. Sóis distante que me chamam porque faço parte de seus núcleos. Tolices. O que eu poderia fazer Sem o absurdo e sem o efêmero? (...). Frida kahlo Figura 11 - Fabio Wosniak. Sem título, 2014. Monotipia com tinta óleo. Sem dimensão definida.

134


Afinal, de que pintura estamos falando? Empreender uma pesquisa em Artes Visuais, na Linha de Ensino voltada ao exercício

de

fazer/pensar

Artes

Visuais

na

formação

de

Licenciados

em

Pedagogia, foi uma transgressão. O que era para ser observado na prática do Outro, acabou tornando-se uma análise do meu próprio percurso teórico-poético dentro de um Mestrado em Artes Visuais. A pintura e suas especificidades práticas existiam na minha trajetória apenas como leituras. Como um fazer/pensar, ocorriam esporadicamente. Porém, sempre tive curiosidade em compreender como tudo acontecia, porque a pintura, como eu a enxergava e percebo hoje, é um acontecimento. Segundo Macedo:

Actualmente, a prática da pintura (pelos pintores) é uma tekhné aparentemente distinta daquela que se praticava na sua origem. Precisamente, os modos e os meios de passar conhecimentos foram alterados. Da oficina, onde se privilegia a relação mestre/discípulo baseada na observação do fazer e numa escuta por parte do aprendiz, passando pelo ensino colectivo em academias ou à aprendizagem autodidacta, manifesta-se uma perda da ordem do esquecimento das referências autorais, dos modos de fazer, dos recursos técnicos e, igualmente, emerge o ganho na pintura enquanto tekhné, ou seja, como uma prática que alia instrumentos próprios, saberes e modus operandi ao raciocínio inteligente. (Macedo, 2014, p.46).

Primeiramente, foi necessário estudar pintura, não apenas nos livros, mas partindo do artista, investigando como ele transformava seus pensamentos em

matéria.

Para

isso,

incursionei

em

leituras

e

vídeos

onde

o

próprio

135


artista falava da sua produção. Em seguida, frequentei os encontros no Grupo de Estudos “Estúdio de Pintura Apotheke” (2014-2015). No Grupo de Estudos, observa-se alguns apontamentos contidos na citação de

Macedo

(2014).

No

entanto,

não

deixamos

de

lado

as

referências

tradicionais da pintura, mas somos motivados a observar. O ensino também pode acontecer de forma coletiva, contudo, a potência do Grupo ocorre exatamente quando, a partir de todo esse percurso de estudo, cada participante pode conduzir a sua prática a partir de elaborações próprias. Basta que cada um alinhe a sua poética aos procedimentos estudados. A

pintura,

concebida

nessa

perspectiva,

considera

as

diversas

atualizações que artistas e estudiosos desta área moldaram em todo o cenário da história das Artes Visuais sem nunca anunciar o seu desaparecimento ou morte. Isabel Sabino (2000) reflete sobre a pintura tomando como base os pensamentos de Tierry de Duve (1992), onde:

A pintura é, para além do que já foi dito, um médium, um gesto, um espaço mental, físico, afectivo, uma forma de olhar. Aliás, o saber-julgar de Duve supõe precisamente a ideia de que a pintura, para além de todo o resto, significa uma forma de pensar. (Sabino, 2000, p. 227).

Na perspectiva apresentada por Sabino (2000), pintura não é “apenas aquilo que só pode ser pintado”. A pintura percorre caminhos entre o pintar, o pensar, e o conhecimento.

136


Para além de ser apenas o que só pode ser pintado, a pintura exige exercícios rigorosos, conhecimento de toda uma tradição que definiu os seus rumos para que chegássemos à pintura contemporânea com tal rigor e qualidade estética.

Definitivamente,

a

pintura

é

cosa

mentale,

pois

não

se

trata

exclusivamente de um estudo teórico ou visual, o pensamento na pintura não é algo exterior, mas intrínseco à sua própria evolução estrutural, é pensar no fazer (SABINO, 2000). Neste sentido, a filosofia da experiência de John Dewey (2010) aparece recorrentemente neste trabalho. Somente experienciando Artes Visuais torna-se possível ensinar Artes Visuais. Não é concebível ensinar sem aprender, assim como

não

basta

apenas

aprender,

é

necessário

que

haja

transformação

na

aprendizagem, pensar de modo que esse saber seja ressignificado. Ou seja, tornar

o

saber

independente,

referenciado.

Caso

contrário,

estaremos

reproduzindo mecanicamente, fazendo com que o tempo/espaço de aprender seja vazio, sem significado e sem produção de conhecimento. Todo o conhecimento sobre pintura apresentado a seguir foi impulsionado a partir de estudos e exercícios

que,

à

medida

que

foram

experimentados

e

experienciados,

transformaram-se em experiência singular/estética. Na trajetória da aprendizagem em pintura, os saberes acumulados foram tecidos aos novos recursos técnicos e teóricos que emergiam do Grupo de Estudos

“Estúdio

de

Pintura

Apotheke”.

Em

determinado

momento,

tudo

era

137


experimentado,

cada

técnica

se

apresentava

como

uma

grande

novidade.

O

desafio era descobrir o que eu desejava dentro do repertório apresentado nos encontros de estudo. O

objetivo

desta

incursão

não

foi

tornar-me

artista,

pois

tenho

consciência das minhas limitações no campo das Artes Visuais. Porém, este processo de aprendizagem me propiciou escolher e aproximar-me do que eu apreciava sem, no entanto, até então conseguir impulsionar a investigação as manchas, a marca e a cartografia. O primeiro passo em uma pesquisa sobre/em Artes Visuais comprometida com a filosofia da experiência é a identificação com a sinceridade, pois esse caminho revelará a essência da originalidade no fazer/pensar poético. Esse valor é espremido da limitação e se converterá em uma nova experiência, pois o

conhecimento

não

é

unilateral,

mas

derruba

fronteiras

e

busca

sempre

conhecer o que não era sabido até então. Por isso, a matéria de uma experiência nunca é conclusiva, pois ela sempre apresenta novas facetas e impõe suas limitações. Nosso trabalho será sempre

tentar

ultrapassar

essas

fronteiras,

o

que

é

característico

do

trabalho do artista – nunca se limitar a uma forma ou material. A inovação e a originalidade são o caráter singular de toda produção estético-artística (DEWEY, 2010).

138


Proponho aqui entrelaçar o conceito de experiência apresentado por Dewey (2010) ao processo que vivenciei nestes dois anos de pesquisa. Acredito que a filosofia da experiência é um instrumento valioso para pensar uma prática docente reflexiva e comprometida com um ensino/aprendizado em Artes Visuais significativo. Ou seja, uma prática que considere os saberes específicos das Artes

Visuais

ao

mesmo

tempo

em

que

provoca

novas

atitudes

de

ensinar/aprender Artes Visuais nas escolas ou em qualquer outra instituição que se destina à formação de sujeitos críticos e reflexivos.

139


“Desenhos evaporados”

Figura 12 - Fabio Wosniak. Sem título,2015. Papel Fabriano, água, nanquim e acrílica vermelha.13 x 15 cm

140


Figura 13 - Fabio Wosniak. Sem título,2015. Papel Fabriano, água e gouache verde. 13 x 15 cm

Figura 14 - Fabio Wosniak. Sem título,2015. Papel Fabriano, água e nanquim. 13 x 15 cm

141


Figura 16 – Fabio Wosniak. Sem título,2015. Papel Fabriano, água e gouache vermelha.10 x 15 cm

Figura 15 - Fabio Wosniak. Sem título,2015. Papel Fabriano, água e gouache verde.10 x 15 cm

142


Os desenhos evaporados surgem a partir do desdobramento da técnica de monotipia utilizada pelo artista Leandro Serpa. As pesquisas de Leandro Serpa tratam da monotipia no campo expandido das práticas educativas. Participei do estágio de docência que Leandro realizou na turma de pintura do Curso de Licenciatura em Artes Visuais, no ano de 2014. Em 2015, Leandro

realizou

uma

oficina

no

Grupo

de

Estudos

“Estúdio

de

Pintura

Apotheke”. A partir de então, comecei a pensar na monotipia utilizando o seguinte procedimento: Misturar o pigmento na água e deixar que a evaporação marque o papel. Depende-se

necessariamente

do

fator

tempo

para

a

realização

deste

procedimento. Assim, os desenhos levam alguns dias para se formarem. Adotei a resolução de dar dado o trabalho por concluído, assim que a evaporação da água tingida chega à execução total. Por outro lado, considero também que esses “desenhos” são potenciais para outras intervenções. Os desenhos evaporados foram realizados em papel Fabriano com dimensões de 13 x 15 cm. Por mais que recebam o nome de “desenhos”, são de fato pinturas. Chamo-os de “desenhos evaporados” pois a ação do tempo exerce uma “impressão” sobre o papel imerso em água tingida. Quanto à evaporação, a ideia de deixar a água evaporar surgiu de uma reflexão que tem me acompanhado bastante, a respeito da nossa relação com o tempo – físico e subjetivo.

143


Esses “desenhos” abrirão possibilidades para reflexões acerca da nossa percepção, vontade, imaginação e razão, na sua estreita relação com o poder

criador.

Tudo

isso

gestado

na

condição

humana

contemporânea

do

instantâneo, do rápido, da velocidade com que produzimos e somos produzidos no contexto das novas tecnologias. Qual a relação que tecemos entre nosso organismo, o meio ambiente e o tempo? Produzimos, ou somos produzidos pelo tempo? Essas indagações não cabem neste “tempo” da Dissertação, mas inquietam-me e me põem a pensar sobre o que se origina de uma produção pictórica. O

conjunto

da

produção

dos

“desenhos

evaporados”

também

tomam

como

referência o artista Bernardo Ortiz (1972), cujas obras pude observar na trigésima Bienal de São Paulo (2012). Ortiz desenha palavras - o desenho é seu recurso para reter o tempo. Os suportes de seus desenhos variam de guardanapos a panfletos comerciais. Eles refletem o transitório, os caminhos que envolvem o fazer poético - seus trabalhos estão sempre inacabados, buscam continuamente uma marca, um vir a ser do cotidiano. O trabalho de Ortiz serve como reflexão para os meus desenhos evaporados. O tempo e a marca que ele produz nos corpos, no subjetivo do humano, são materiais para a reflexão sobre como as relações vão se dando a partir desta fissura que o tempo deixa nos sujeitos.

144


Manchas

Figura 17 – Fabio Wosniak. Sem título,2015. Papel Fabriano, água e gouache vermelha.10 x 15 cm

145


Figura 18 - Fabio Wosniak. Sem t铆tulo,2015. Monotipia com tinta 贸leo sobre papel A4.

146


Figura 19 - Fabio Wosniak. Sem t铆tulo,2015. Monotipia com tinta 贸leo sobre papel sumie.20 x 25 cm

147


A

mancha

compreender.

acabou As

tornando-se

possibilidades

uma de

obsessão, trabalho

algo com

que

venho

manchas

buscando

interferem,

exatamente, no debate entre a cristalização da forma e a comunicação entre o visível e o invisível. Particularmente no meu trabalho, a mancha surge de algo que tenta ser forma e acaba por ser mancha - quanto mais desconstruo a forma que não conseguiu ser forma, mais a mancha se apresenta como potencial estético. A mancha chega a ser quase infinita, sua manifestação é quase inesgotável. Gravo até não sobrar nada que possa continuar sendo gravado, ou seja, tornar manifesto o invisível. O que percebo no meu trabalho poético com as manchas, os “desenhos evaporados”, e até nos demais trabalhos que venho apresentar neste percurso de criação téorico-poético, é que todos são obras de reflexões sobre o tempo – embora não necessariamente constituam obras de arte. Todos são extensão de continuidade, uma estética do inacabado (Salles, 2011). Este percurso de criação, como revela Salles:

(...) mostra-se como emaranhado de ações, que, em um olhar ao longo do tempo, deixam transparecer repetições significativas (...) Não guardam verdades absolutas, pretendem, porém, ampliar as possibilidades de discussão sobre o processo criativo. (Salles, 2011, p. 30)

148


O

estado

poético,

nessa

perspectiva,

torna-se

um

ato

permanente

e

reverbera no tempo, que se revela condensado ao longo das reflexões, ganhando maturação duradoura. Para Benjamin (1977), a mancha, ao contrário do sinal, se manifesta. A mancha é sempre absoluta e não se assemelha a outra coisa - “a mancha manifesta-se sobretudo no que é vivo”. Benjamin refere-se à mancha como algo que pertence à ordem do humano, o rubor da vergonha, as chagas de Cristo, as doenças que causam manchas, um registro na pele. Como a mancha está ligada ao que é vivo, torna-se um registro no mundo que envolve nós mesmos e o tempo.

149


“Desenhos para não ver”

Figura 20 - Fabio Wosniak. Sem título,2015.Lápis de cor,lápis dermatográfico e caneta sobre papel vegetal.

150


Figura 22 - Fabio Wosniak. Sem título,2015.giz oleoso, lápis dermartográfico sobre papel vegetal.21 x 29

Figura 21 - Fabio Wosniak. Sem título,2015.Lápis de cor, caneta sobre papel vegetal.21 x 29 cm

151


Esta

série,

chamada

“desenhos

para

não

ver”,

são

registros

do

que

encontrei de outros artistas no “meio do caminho” da pesquisa no Mestrado. Estes registros são movimentos em que considero a minha continuação. São abstrações do que não vemos comumente, onde o olho traído e cansado esgota-se na imensidão das imagens que não queremos ver. É o emaranhado, o caos, revelado em forma e cor, ou em preto e branco. Os “desenhos para não ver” apareceram vagarosamente após estudos sobre a obra de Teresa Poester, Flávia Duzzo, Anna Boghiguian e Lenir de Miranda. São reverberações de um projeto poético que envolve o traço, a palavra e o pensamento em ação. Seus suportes são folhas de papel A4, sulfite ou aquarela. Utilizo canetas pretas, vermelhas e azuis e lápis dermatográfico e de cor. Materiais simples, facilmente encontrados. Nestes trabalhos, o instante é que se faz presente, pois são realizados em algumas horas, quando é possível pensar em composição e cores. Os “desenhos para não ver” são, na verdade, o índice de pensamento, a busca por uma nova forma de representação sobre o curso dos estudos em pintura. É uma forma de registro das aprendizagens. A ação, neste sentido, reflete o projeto em construção, ou seja, a poética que vai ganhando vida ao longo do percurso, descortinando maneiras de

152


olhar, novas possibilidades de construir e desconstruir o saber que se unem a um passado, presente e futuro. É o “por fazerâ€? do projeto individual.

153


Mapas

Figura 23 - Fabio Wosniak. Sem título,2015.Encáustica sobre MDF,20 x 15

cm

154


Figura 24 - Fabio Wosniak. Sem título,2015.Encáustica sobre MDF,20 x 15

cm

155


Figura 25 - Fabio Wosniak. Sem tĂ­tulo, 2015. AcrĂ­lico sobre papel vegetal. 21 x 29 cm

156


Figura 26 - Fabio Wosniak. Mapa 1,2014. Monotipia com tinta 贸leo sobre papel Sumie. 50 x 30 cm

157


Os mapas apareceram no caminhar da pesquisa, muito antes da teoria. As obras do artista argentino Guillermo Kuitca provocaram em mim, de imediato, uma curiosidade sobre a potência pictórica presente em seus mapas. Através

dos

mapas

é

possível

traçar

caminhos

que

enfatizam

a

experiência, pois o mapa serve como um dispositivo acerca das dimensões entre o fazer poético e o fazer teórico. Paisagens simbólicas são elaboradas, o percurso torna-se uma estrutura narrativa, uma construção simbólica do espaço-tempo-lugar. A busca com os mapas é a de revelar o ato criador como um caminho à experiência. Essa experiência permite ao sujeito conhecer o mundo conhecendo-se, e conhecer-se por meio do conhecimento do mundo. A

criação

não

são

ecos

do

acaso,

mas

reflexo

das

relações

que

estabelecemos com o mundo circundante. Segundo Salles (2011, p. 61):

A criação surge, sob essa perspectiva, como uma rede de relações, que encontra nessas imagens um modo de penetrar em seu fluxo de continuidade e em sua complexidade. Na busca de origem, o artista tenta detectar, muitas vezes, a ponta do fio que desata o emaranhado de ideias, formas e sensações que tornam a obra possível.

A criação dos mapas também dialoga sobre o tempo, ou sobre o registro desse tempo e sua continuidade como uma inovação do pensamento. Toda esta atividade é dialógica, pois apresenta a dinamicidade da criação, que revela

158


nossa condição flexível, móvel e plástica diante do nosso universo conceitual (SALLES, 2006). Os mapas estreitam os distanciamentos entre os diferentes dispositivos da criação, onde a energia é dinâmica e modifica-se com o tempo. A matéria deste “produto” não se relaciona com a forma, mas entre o que é amorfo e o que se revelará na experiência. Para Dewey (2010, p. 168), “a matéria primitiva e bruta da experiência precisa

ser

reelaborada

para

assegurar

a

expressão

artística.”

É

desta

reelaboração que trata a construção dos mapas, de um saber-fazer a um saberfazer-ser - criar com todo o corpo envolvido no processo.

159


CONSIDERAÇÕES FINAIS: Como acabar o que não findou?

Acredito que tudo que envolve processo criativo nunca termina. O mais perto do acabamento que se pode chegar é uma leve sensação que nos toma, algo como: “depois volto a pensar sobre isto”. É uma pausa para que possamos retomar

com

mais

fôlego.

Chegar

à

escrita

das

considerações

finais

é

exatamente isso: estou revelando a minha pausa para retomar tudo novamente, embora sob uma outra perspectiva, tendo em vista que a sensação que tenho é que muito deixei de revelar nesta Dissertação, pois ainda falta “chegar mais perto” de tudo que ficou. São muitas perguntas, muitas leituras, madrugadas silenciosas compõem a trajetória de uma dissertação. O projeto é sempre ambicioso, mas quando somos colocados diante do tempo, a frustração aparece e revela sua face. O que é possível? Fazer recortes e selecionar as prioridades - mesmo assim, tudo ainda continua audacioso. Contudo, este estudo nasceu de indagações que ecoavam ainda no período da Graduação. Como ensinar/aprender Artes Visuais na Licenciatura do Curso de Pedagogia? Este foi o movimento inicial, que ganhou uma nova forma após a Qualificação. Ali, revelou-se que, mais importante do que como se ensina, é como se aprende Artes Visuais. Mais especificamente: Como eu, um Pedagogo,

160


tracei este caminho até o Mestrado em Artes Visuais? Uma pergunta motivadora para continuar pensando a relação das Artes Visuais com a Educação, porém, sob outra perspectiva, que consistia exclusivamente em meu percurso poético. Para tanto, incursionei com uma outra forma de pensar nos encontros do Grupo de Estudos “Estúdio de Pintura Apotheke”, pois aquele seria o lugar onde

a

minha

poética

definitivamente

ganharia

interessaria

potência.

aos

meus

Voltava

meu

pensamentos

olhar

acerca

para da

o

que

produção

artística. Encontrei nos estudos técnicos o caminho para começar a pensar uma poética, e nada se distanciou das coisas que me inquietavam - o registro do tempo e sua marca na subjetividade. Eisner (1972, p.10), já nos lembrara que:

Las fuentes de la actividad artística no emanan del sueño y de la visión, ni del deseo de cambiar el sentido, ni del esfuerzo por capturar el momento y hacerlo mágico; el artista también está afectado por el caráter social de la sociedade y del mundo en el que vive. A través de las distintas épocas, los artistas han utilizado el arte para expressar los valores que les resultaban más apreciados y para oferecer agudas afirmaciones sobre la consición del hombre, de la nación o del mundo.

Este é o primeiro caminho para empreender uma pesquisa em Artes Visuais no

campo

da

Educação.

Exercitar

nosso

potencial

humano

é

exercitar

o

conhecimento e apreender como esse conhecimento relaciona-se com todas as outras áreas do saber.

161


Outro

delineamento

encontrado

nesta

Dissertação

foi

o

de

revelar

a

relação da aprendizagem com a Filosofia da experiência de John Dewey (2010), partindo do pressuposto de que a experiência estética surge dos ritmos da vida. A estética, para Dewey, não está enclausurada na culminação momentânea do prazer e do belo, mas pelo contrário, uma experiência estética “ultrapassa os limites do estabelecido, leva à destruição e à morte, de onde, no entanto, novos ritmos são construídos” (Shusterman, 1998, p. 268). Essa

concepção

diretamente

ao

de

estética,

desconhecido,

presente

onde

somos

na

experiência,

convocados

a

nos

impulsiona

construir

novas

experiências estéticas, a reinventar uma unidade a partir dos rastros das experiências acumuladas e das posses do presente. Shusterman (1998), ao estudar a obra de arte como experiência, afirma que:

Para Dewey, a estabilidade de tal experiência não só é impossível, como também é esteticamente indesejável; pois a arte requer o estímulo de tensões e novidades revolucionárias, alimentando-se do conflito rítmico entre a realização e a quebra da ordem. (SHUSTERMAN, 1998, p. 267).

Assim, para Dewey, a experiência estética ocorre exatamente nos pontos de tensão, ou seja, na tentativa de organizar a desordem e ao mesmo tempo provocá-la, sendo que em um mundo de mero fluxo, acabado e perfeito, não

162


existe experiência estética. Ana Mae Barbosa, sobre a experiência estética de Dewey, explica que:

Para Dewey, experiência é um todo integrado que se organiza quando alguém enfrenta uma situação nova. Os hábitos que constituem o eu em interação com o meio ambiente são organizados em uma nova configuração ou um novo todo. Segundo Dewey, a experiência não é uma soma de características diferentes (emocionais, práticas ou intelectuais) ou de aspectos de um tema ou conteúdo. (Barbosa, 2001, p. 157).

Por ser um todo, a experiência não é conclusiva, mas sim consumatória. Nesse sentido, a experiência estética possui caráter difuso, permeando a experiência como um todo, diferentemente do conceito de uma experiência em Arte que seja conclusiva ao final de um processo de trabalho. Diante desse panorama sobre a experiência estética, chegamos perto dos conceitos

de

heteroformação,

aprendizagem a

estudados

autoformação

e

a

nas

páginas

ecoformação

desta

encontram

Dissertação. na

A

experiência

estética a potência significativa para a consumação de uma aprendizagem em Artes Visuais, pois todas consideram o meio social, as experiências passadas, presente e futuras em uma relação que busca harmonia, unidade e continuidade. Dessa forma, uma aprendizagem ou formação pautada na filosofia da experiência deweyiana integra e funde a unidade orgânica, pois o exercício do pensamento é produzido na tensão fecunda da existência humana, considerando todas as suas diversidades e mazelas.

163


A experiência estética deweyiana convoca-nos a vivenciarmos os vácuos, e a partir desses hiatos buscar matéria para a expressão, dilatando o conceito de Homem e Natureza, pois natureza é experiência. Sendo assim, não pensamos por dualismos, mas por partes que se complementam e coexistem - não há hierarquizações e nem sobreposições, o que existe são justaposições. Por isso, a cartografia foi a metodologia mais adequada para encontrar “força” nesta pesquisa. Tendo em vista que o cartógrafo tem seu ponto de apoio na experiência, “direcionando seu trabalho da pesquisa do saber-fazer ao fazer-saber, do saber na experiência à experiência do saber. Eis aí o ‘caminho’ metodológico” (Passos e Barros, 2012, p. 18). Com a metodologia cartográfica foi possível não dicotomizar a pesquisa em uma parte teórica e outra poética, ambas não só andaram juntas, mas uma dependeu da outra para se desenvolver. Tanto que “a pesquisa cartográfica consiste no acompanhamento de processos, e não na representação de objetos” (Barros e Kastrup, 2012, p. 53). O trabalho não é uma parte isolada de um pensamento, mas um todo que converge suas reflexões pelo fazer e pelo pensar/fazer. É neste encontro do pensar e do fazer que toda a pesquisa vai sendo organizada

e

desdobrada

para

outras

possíveis

reflexões.

Seu

movimento

ordeiro encontra vias de satisfazer as necessidades deste momento, porém, com aberturas a futuras apreciações sob outras perspectivas de olhares. Por ser

164


uma consumação da experiência, as considerações nunca são finais, mas pontuam respostas àquele determinado momento. Não

estou

certo

se

é

assim

que

todos

os

Licenciados

em

Pedagogia

podem/devem aprender Artes Visuais, mas é assim que estou aprendendo. Digo “estou” porque o processo de aprender nunca cessa, aprender é um movimento infinito - estamos sempre em busca de novos saberes, logo quando um deles nos é apresentado. Percebi que o processo de criação é igual, não tem fim. Quando pensamos

em

criar

algo,

novas

possibilidades

se

abrem

para

outras

criações, e o estar parado, sem produzir, teorica ou esteticamente, não significa que estamos a fazer nada. O momento do repouso é um respiro para que algo novo surja. Sendo assim, estou em constante estado de produção e de reflexão, como numa espécie de estado de alerta para o novo, que sempre surgirá. Nesta Dissertação, uma parcela das minhas reflexões sobre Artes Visuais e

Arte/Educação

não

foi

esgotada.

Apresento

pistas

que

puderam

ser

investigadas nestes dois anos de Mestrado em Artes Visuais, bem como novas pistas que serão desdobradas futuramente. Sigo sempre considerando que todos os

questionamentos

aprofundadas

pela

e

reflexões

confluência

abordados da

são

experiência

ressonâncias estética

e

elaboradas

da

e

experiência

intelectual, ambos adotados para a construção desta investigação.

165


Referências bibliográficas AMARAL, Maria Nazaré de C. Pacheco. Dewey: Filosofia e experiência Democrática. São Paulo: Perspectiva, 2007.

ALVAREZ, Johnny; PASSOS, Eduardo. Cartografar é habitar um território existencial. In: PASSOS, E.; KASTRUP, V.; ESCÓSSIA, L. da (orgs). Pistas do método da cartografia: Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto alegre: Sulina, 2012. P. 131-150.

BACHELARD. Gaston. A poética do devaneio. São Paulo: Martins Fontes, 1988.

_________________. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

BARBOSA, Ana Mae. Entrevista concedida a Fábio Wosniak. São Paulo, 2006. Entrevista.

________________. John Dewey e o Ensino da Arte no Brasil. São Paulo: Cortez, 2001.

________________. BARBOSA, A. M. Pesquisas em Arte-Educação: recorte sociopolítico. Educação &Realidade, Porto Alegre, v.30, n.2, p. 299-301, 2005.

_______________, AMARAL, Lilian (org). Interterritorialidade: mídias, contexto e educação. SP: SENAC-SP: Edições Sesc SP, 2008.

166


BARROS, Laura Pozzana de e KASTRUP, Virgínia. Cartografar é acompanhar processos. Pistas do método da cartografia: Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto alegre: Sulina, 2012. P. 131-150.

BONDIA, Jorge larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. REV. Bras. Educ. [online]. 2002, n. 19, p. 20-28. Disponivel em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n19/n19a02.pdf>. Acesso em: 18 fev. 2014.

CANÁRIO, Rui. A Escola tem futuro? Das promessas às incertezas. Porto Alegre: Artmed, 2006.

CERTEAU, Michel: A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer.Petrópolis: Vozes, 2013.

DEWEY, John. Arte como experiência. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

___________. Experiência e Educação. Petrópolis, R.J.: Vozes, 2011. EÇA, Maria Teresa Torres Pereira de. In COSTA, Fábio José Rodrigues da (org.). Arte/educaçao na pós-modermidade/mundo. Curitiba: PR:CRV, 2011.

__________. Democracia e Educação. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959.

__________. A Escola e a Sociedade a Criança e o Currículo. Lisboa: Relógio D’água, 2002.

EISNER, Elliot W. Educar la visión artística. Barcelona: Paidós, 1972.

167


FRANGE, Lucimar Bello. Arte e seu ensino, uma questão ou várias questões? In BARBOSA, Ana Mae (org). Inquietações e mudanças no ensino da arte. São Paulo: Cortez, 2012.

FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. R.J.: Editora Paz e Terra, 2011.

GENET, Jean. O ateliê de Giancometti. São Paulo: Cosac & Naify, 2000.

GUATTARI. Félix. Psicanálise e transversalidade: ensaios de análise institucional. Aparecida, SP: Ideias & Letras, 2004.

HOUAISS, Antônio. Minidicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010.

KANDINSKY, Wassily. Do espiritual na arte e na pintura em particular. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

KINCHELOE, Joe l. Pesquisa em educação: conceituando a bricolagem. Porto Alegre: Artmed, 2007.

KUITCA, Guillermo. Un Libro sobre Guillermo Kuitca. Institut Valencià d’ Art Modern. 1993. KLEE, Paul. Diários. São Paulo: Martins Fontes, 1990.

168


LISPECTOR, C. Um sopro de vida. São Paulo: Círculo do Livro:1978.

MACEDO, Rui. De que se fala quando se fala de pintura? In SABINO, Isabel. And Painting? A pintura contemporânea em questão. Lisboa: CIEB-FBAUL, 2004.

SABINO, Isabel. B’A A pintura depois da pintura. Lisboa: Biblioteca D’artes, 2000.

NEUPARTH, Sophia. Arte Agora: pensamentos enraizados na experiência. São Paulo: Anablume, 2011.

NUNES, Benedito. Introdução à filosofia da arte. São Paulo: Ed. Ática, 1989.

PASSOS, Eduardo; BARROS, Regina Benevides. A cartografia como método de pesquisaintervenção. In: PASSOS, Eduardo; KASTRUP, Virgínia; ESCÓSSIA, Liliana da (orgs.). Pistas do método da cartografia: Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2012. p.17-32.

PASSOS, Eduardo; KASTRUP, Virgínia; ESCÓSSIA, Liliana da (orgs.). Pistas do método da cartografia: Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2012. p.17-32.

PEREIRA, Marcos Villela. Estética da professoralidade: um estudo crítico sobre a formação do professor. Santa Maria: Ed. Da UFSM, 2013.

169


PESSOA, Fernando. Livro do desassossego. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

PILLAR, Analice Dutra . A educação do Olhar no ensino de artes.in BARBOSA, Ana Mae. Inquietações e mudanças no ensino da arte. São Paulo: Cortez, 2012.

ROLNIK, Suely. Cartografia sentimental: transformações contemporâneas do desejo. Porto Alegre: Sulina, Editora da UFRGS, 2011.

SALLES, Cecília Almeida. Redes da Criação: Construção da obra de arte. São Paulo: Editora Horizonte, 2006.

______________________. Gesto inacabado: processos de criação artística. São Paulo: Intermeios, 2011.

SHUSTERMAN, Richard. Vivendo a arte: o pensamento pragmatista e a estética popular. São Paulo: Editora 34, 1998.

WINNICOTT, D.W. O Brincar & a Realidade. R.J.: Imago Editora LTDA, 1975.

_____________. A Criança e o seu mundo. R.J.: LTC, 1982.

170


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.