UNIVERSIDADE POTIGUAR – UnP PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA – NEaD
Direito Trabalhista e Legislação Social Livro-texto EaD
Natal/RN 2011
DIRIGENTES DA UNIVERSIDADE POTIGUAR – UnP Reitoria Sâmela Soraya Gomes de Oliveira Pró-Reitoria de Graduação e Ação Comunitária Sandra Amaral de Araújo Pró-Reitoria de Pesquisa, Extensão e Pós-Graduação Aarão Lyra
NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA DA UNIVERSIDADE POTIGUAR – UnP Coordenação Geral Gravação e Edição de Vídeos Barney Silveira Arruda Daniel Rizzi Coordenação Acadêmica Coordenação de Logística Luciana Lopes Xavier Helionara Lucena Nunes Coordenação Pedagógica Supervisão de Logística (Mossoró) Edilene Cândido da Silva Fábio Pereira da Silva Design Instrucional Apoio Acadêmico Priscilla Carla Silveira Menezes Flávia Helena Miranda de Araújo Thalyta Mabel Nobre Barbosa Coordenação de Produção Úrsula Andréa de Araújo Silva de Recursos Didáticos Michelle Cristine Mazzetto Betti Assistente Administrativo Eliane Ferreira de Santana Revisão de Linguagem e Estrutura em EaD Gibson Marcelo Galvão de Sousa Priscilla Carla Silveira Menezes Miriam Flávia Medeiros de Araújo Thalyta Mabel Nobre Barbosa Ricardo Luiz Quirino da Silva Úrsula Andréa de Araújo Silva
B436d Bellan, Rosana. Direito trabalhista e legislação social / Rosana Bellan. – Natal: Edunp, 2011. 300p. : il. ; 20 cm Ebook – Livro eletrônico disponível on-line. 1. Direito trabalhista. I. Título.. RN/UnP/SIB
CDU 349.2
Rosana Aparecida Bellan
Direito Trabalhista e Legislação Social 1a Edição
Natal/RN 2011
EQUIPE DE PRODUÇÃO DE RECURSOS DIDÁTICOS Organização Luciana Lopes Xavier Michelle Cristine Mazzetto Betti Coordenação de Produção de Recursos Didáticos Michelle Cristine Mazzetto Betti Revisão de Linguagem e Estrutura em EaD Thalyta Mabel Nobre Barbosa Ilustração do Mascote Lucio Masaaki Matsuno
EQUIPE DE PRODUÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO Delinea - Tecnologia Educacional Coordenação Pedagógica Margarete Lazzaris Kleis Coordenação de Editoração Charlie Anderson Olsen Larissa Kleis Pereira Coordenação de Revisão Gramatical e Normativa Simone Regina Dias Eduard Marquardt Revisão Gramatical e Normativa Sandra Spricigo Coordenação de Diagramação Alexandre Alves de Freitas Noronha Diagramação Regina C. Cortellini Ilustrações Alexandre Beck
Antes de iniciarmos a disciplina de Direito Trabalhista e Legislação Social, gostaria de me apresentar. Meu nome é Rosana, e sou graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (2004). Atuei no exercício da advocacia em 2005 e desde 2006 atuo no Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, onde fui nomeada para o cargo efetivo de Auditora Fiscal de Controle Externo. Em 2007, concluí o curso de especialização em Direito Processual pela Universidade do Amazonas. Sou apaixonada pelo Direito e por isso aceitei o desafio de escrever este livro-texto e apresentar a você as premissas e a aplicabilidade dos temas contemplados nesta importante disciplina.
CONHECENDO O AUTOR
ROSANA Aparecida BELLAN
A disciplina de Direito do Trabalho tem uma importante função na sociedade, pois possui como objetivo estabelecer normas para regular a relação entre empregador e empregado. Você já se deu conta de que o ser humano passa aproximadamente um terço de sua vida trabalhando? Por isso, é de fundamental importância que existam regras claras e que garantam um mínimo de dignidade ao indivíduo nas suas relações de trabalho. A fim de contrapor a superioridade jurídica decorrente do contrato de trabalho, o Direito Trabalhista procura conferir ao empregado uma superioridade jurídico-legalista. De fato, a grande maioria das normas trabalhistas é criada para proteger o empregado dos abusos que possam advir do poder capitalista do empregador. Nesse intuito, a Constituição Federal instituiu uma série de garantias e direitos mínimos, que devem ser respeitados pelo legislador ordinário, pelos aplicadores e principalmente pelos empregadores. Saiba, então, que nesta disciplina vamos tratar de importantes conceitos e aplicações do Direito do Trabalho. Vamos aos estudos! Desejo que faça ótimo proveito para sua formação ao longo da trajetória de nossa disciplina!
CONHECENDO A DISCIPLINA
Direito Trabalhista e Legislação Social
Capítulo 2 - Empregado e empregador...................................................... 49 2.1 Contextualizando............................................................................................................ 49 2.2.1 Empregado.............................................................................................................. 50 2.2.2 Espécies de trabalhadores................................................................................. 58 2.2.3 Empregador............................................................................................................ 65 2.2.4 Poder de direção do empregador................................................................... 68 2.2.5 Relações de trabalho não empregatícias..................................................... 69 2.2 Conhecendo a teoria...................................................................................................... 50 2.3 Aplicando a teoria na prática...................................................................................... 75 2.4 Para saber mais................................................................................................................ 76 2.5 Relembrando.................................................................................................................... 77 2.6 Testando os seus conhecimentos.............................................................................. 77 Onde encontrar....................................................................................................................... 79 Capítulo 3 - Contrato individual de trabalho, alteração, interrupção e suspensão do contrato......................................................... 81 3.1 Contextualizando............................................................................................................ 81 3.2 Conhecendo a teoria...................................................................................................... 82 3.2.1 Contrato individual de trabalho...................................................................... 82 3.2.2 Elementos do contrato individual de trabalho.......................................... 85 3.2.3 Características do contrato de trabalho....................................................... 89 3.2.4 Forma do contrato de trabalho........................................................................ 91 3.2.5 Duração do contrato de trabalho................................................................... 94 3.2.6 Alteração do contrato de trabalho...............................................................105 3.2.7 Suspensão e interrupção do contrato de trabalho.................................108 3.3 Aplicando a teoria na prática....................................................................................110 3.4 Para saber mais..............................................................................................................112 3.5 Relembrando..................................................................................................................112 3.6 Testando os seus conhecimentos............................................................................114 Onde encontrar.....................................................................................................................115
SUMÁRIO
Capítulo 1 - Introdução ao direito do trabalho.......................................... 13 1.1 Contextualizando............................................................................................................ 13 1.2 Conhecendo a teoria...................................................................................................... 14 1.2.1 Origem e evolução do direito do trabalho.................................................. 14 1.2.2 Definições de direito do trabalho................................................................... 22 1.2.3 Natureza jurídica................................................................................................... 24 1.2.4 Fontes do direito do trabalho........................................................................... 24 1.2.5 Interpretação e aplicação das normas trabalhistas ................................. 28 1.2.6 Princípios do direito do trabalho..................................................................... 35 1.3 Aplicando a teoria na prática...................................................................................... 42 1.4 Para saber mais................................................................................................................ 43 1.5 Relembrando.................................................................................................................... 44 1.6 Testando os seus conhecimentos.............................................................................. 45 Onde encontrar....................................................................................................................... 47
Capítulo 4 - Jornada de trabalho e remuneração........................................................117 4.1 Contextualizando...................................................................................................................................117 4.2 Conhecendo a teoria.............................................................................................................................118 4.2.1 Jornada de trabalho....................................................................................................................118 4.2.2 Intervalos para descanso..........................................................................................................136 4.2.3 Repouso semanal remunerado...............................................................................................137 4.2.4 Férias.................................................................................................................................................140 4.2.5 Remuneração................................................................................................................................145 4.2.6 Equiparação salarial....................................................................................................................148 4.3 Aplicando a teoria na prática.............................................................................................................150 4.4 Para saber mais.......................................................................................................................................151 4.5 Relembrando...........................................................................................................................................152 4.6 Testando os seus conhecimentos.....................................................................................................154 Onde encontrar..............................................................................................................................................155 Capítulo 5 - Cessação do contrato de trabalho............................................................157 5.1 Contextualizando...................................................................................................................................157 5.2 Conhecendo a teoria.............................................................................................................................158 5.2.1 Cessação do contrato de trabalho.........................................................................................158 5.2.2 Aviso-prévio...................................................................................................................................182 5.2.3 Indenização ...................................................................................................................................188 5.3 Aplicando a teoria na prática.............................................................................................................190 5.4 Para saber mais.......................................................................................................................................191 5.5 Relembrando...........................................................................................................................................191 5.6 Testando os seus conhecimentos.....................................................................................................193 Onde encontrar..............................................................................................................................................194 Capítulo 6 - Estabilidade, FGTS, acidentes de trabalho, aposentadoria e retorno ao serviço........................................................................................................197 6.1 Contextualizando...................................................................................................................................197 6.2 Conhecendo a teoria.............................................................................................................................198 6.2.1 Estabilidade....................................................................................................................................198 6.2.2 FGTS..................................................................................................................................................207 6.2.3 Acidentes de trabalho................................................................................................................212 6.2.4 Aposentadoria..............................................................................................................................219 6.2.5 Retorno ao serviço.......................................................................................................................223 6.3 Aplicando a teoria na prática.............................................................................................................224 6.4 Para saber mais.......................................................................................................................................226 6.5 Relembrando...........................................................................................................................................226 6.6 Testando os seus conhecimentos.....................................................................................................227 Onde encontrar..............................................................................................................................................228 Capítulo 7 - Organização sindical, convenções e acordos coletivos e justiça do trabalho.......................................................................................................231 7.1 Contextualizando...................................................................................................................................231 7.2 Conhecendo a teoria.............................................................................................................................232 7.2.1 Organização sindical...................................................................................................................232 7.2.2 Convenções e acordos coletivos............................................................................................249 7.2.3 Justiça do Trabalho......................................................................................................................251
7.3 Aplicando a teoria na prática.............................................................................................................258 7.4 Para saber mais.......................................................................................................................................259 7.5 Relembrando...........................................................................................................................................259 7.6 Testando os seus conhecimentos.....................................................................................................261 Onde encontrar..............................................................................................................................................262 Capítulo 8 - Tributação de impostos federais, estaduais e municipais......................263 8.1 Contextualizando...................................................................................................................................263 8.2 Conhecendo a teoria.............................................................................................................................264 8.2.1 Tributos ...........................................................................................................................................264 8.2.2 Impostos federais ........................................................................................................................276 8.2.3 Impostos estaduais ....................................................................................................................285 8.2.4. Impostos municipais..................................................................................................................288 8.3 Aplicando a teoria na prática.............................................................................................................291 8.4 Para saber mais.......................................................................................................................................292 8.5 Relembrando...........................................................................................................................................292 8.6 Testando os seus conhecimentos.....................................................................................................293 Onde encontrar..............................................................................................................................................294 Referências .....................................................................................................................297
Capítulo 1
CAPÍTULO 1 Introdução ao direito do trabalho
1.1 Contextualizando Neste primeiro capítulo destinado à introdução do direito trabalhista, você irá descobrir quando e como teve origem o direito do trabalho. Faremos uma abordagem histórica das formas de trabalho existentes desde o nascimento do homem na sociedade. Inicialmente, você verificará que o direito laboral começou a despontar por pressão dos próprios empregados, que se organizaram e começaram a pleitear condições mais dignas de trabalho. Na sequência, examinaremos o conceito do direito do trabalho e nessa análise é importante que você identifique o objeto de estudo da matéria. Dando continuidade, abordaremos as fontes do direito trabalhista. Examinar a fonte de um direito significa investigar a sua origem, ou seja, quais os fatos sociais ou jurídicos que fazem nascer o direito. Trataremos também dos princípios aplicáveis à nossa disciplina. Você compreenderá que todas as matérias jurídicas estão baseadas em princípios, que podem ser conceituados como proposições genéricas que orientam o ordenamento jurídico. São meios de orientação do intérprete quando da aplicação das leis para solução dos conflitos sociais. Outras matérias relevantes abordadas neste capítulo dizem respeito à natureza jurídica e aos métodos de interpretação e aplicação desta disciplina. Com base nisto, ao final do capítulo, você estará apto a:
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Capítulo 1
•• identificar a origem e a evolução histórica do direito do trabalho; •• conceituar os princípios relativos ao direito trabalhista; •• compreender os métodos de interpretação e aplicação das normas trabalhistas.
1.2 Conhecendo a teoria 1.2.1 Origem e evolução do direito do trabalho Podemos afirmar que toda energia empregada pelo homem com a finalidade produtiva constitui trabalho. Como o homem sempre teve que trabalhar para obter seus alimentos, podemos também afirmar que o trabalho é tão antigo quanto o homem. No decorrer da história, entretanto, o trabalho assumiu diversas formas, que serão explanadas a seguir.
CURIOSIDADE A palavra trabalho vem do latim tripalium, que era um instrumento de tortura de três paus ou uma canga que pesava sobre os animais (MARTINS, 2010, p. 4).
No momento que o homem se fixa a terra e passa a utilizar o sistema de trocas, ele deixa de trabalhar sozinho e utiliza a mão de obra de terceiros em seu benefício. Nessa oportunidade, surge a primeira importante forma de trabalho – a escravidão.
Trabalho escravo Na Antiguidade, o escravo sequer era considerado pessoa, pois representava uma coisa, uma propriedade do seu senhorio. Não tinha qualquer direito, apenas a obrigação de trabalhar.
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Capítulo 1
Apesar de parecer absurdo aos nossos olhos, o serviço escravo era plenamente legítimo até meados do século 19, quando passou a ser condenado e proibido. No Brasil, somente foi abolido em 1888, com a chamada Lei Áurea. Figura 1 – Escravidão no Brasil
Fonte: Shizhao <www.everystockphoto.com>
SAIBA QUE Ainda que outras formas semelhantes à escravidão persistam, de acordo com as leis atuais, a escravidão não mais existe no mundo contemporâneo, sendo que o último país a aboli-la foi a Mauritânia em 1981. No Brasil, submeter alguém a condição análoga de escravo é prática considerada crime pelo artigo 149 do Código Penal Brasileiro.
Servidão Como um segundo momento, temos o sistema da servidão, que predominou na época feudal. O servo ficava preso a terra e entregava parte da produção ao senhor feudal (proprietário das terras) em troca de proteção militar.
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Diferentemente do escravo, ao servo eram reconhecidos alguns direitos, como o de contrair núpcias e constituir família, sendo considerado pessoa, e não uma propriedade do seu senhor.
Corporações de ofício Um terceiro importante marco da história do trabalho foi o surgimento das corporações de ofício. O aumento da população e o extremo poder dos nobres sobre os servos levaram muitas pessoas dos campos para as cidades, gerando uma aglomeração de trabalhadores que se uniam em defesa de seus direitos, formando as chamadas corporações de ofício. Saiba que as organizações nada mais eram do que grupos de produtores especializados em determinado ofício, que se organizavam de forma rígida, de modo a controlar o mercado e a concorrência, bem como garantir os privilégios dos mestres. Vamos ver como funcionavam as corporações? Existiam três categorias de membros: •• os mestres; •• os companheiros; •• os aprendizes. Os mestres eram os proprietários das oficinas. É possível compará-los aos empregadores de hoje. Os aprendizes eram menores, com mínimo de 12 anos, que se submetiam às ordens do mestre com o objetivo de aprender algum ofício. Além de não receberem qualquer contraprestação, seus pais pagavam uma taxa ao mestre, a fim de que este os ensinasse um ofício. Quando o aprendiz adquiria conhecimentos considerados suficientes, poderia passar à categoria de companheiro. Por fim, os companheiros eram considerados trabalhadores qualificados e recebiam salário pelos serviços prestados aos mestres. Teoricamente, o companheiro poderia se tornar um mestre se fosse aprovado em uma prova chamada “obra mestra”. A prova, além de difícil, era muito cara, o que tornava quase impossível um companheiro passar à categoria de mestre.
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Aquele que já tinha atingido a condição de companheiro e se casasse com filha ou viúva do mestre atingia esta condição, independentemente da realização da prova. Também poderiam atingir o status de mestre, independentemente da realização da prova, os filhos do mestre (MARTINS, 2010). Em meados do século 18, a ideologia de liberdade individual defendida pelos teóricos da Revolução Francesa tornou-se incompatível com as existentes corporações de ofício, ou com qualquer outra forma de trabalho que não respeitasse a livre vontade individual do homem.
Empregado Apesar da existência das formas de trabalho já mencionadas, o que de fato marcou o surgimento dos primeiros direitos trabalhistas foi a Revolução Industrial, ocorrida no final do século 18, momento em que aparece o emprego remunerado. Sabemos que, nessa época, a invenção e uso da máquina a vapor tirou inúmeros postos de trabalho, resultando em uma grande massa de desempregados. Porém, de outro lado, surgiu a necessidade de mão de obra qualificada para operar as referidas máquinas. Dessa forma, os trabalhadores com tal habilidade passaram a ser contratados, dando ensejo ao trabalho do empregado assalariado.
SAIBA QUE Revolução Francesa: ocorrida na França ao final do século 18, foi um movimento social e político que resultou na queda da monarquia e no estabelecimento da república naquele país. O lema da Revolução Francesa era “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, deixando claro o objetivo maior do movimento: assegurar direitos iguais a todos (MOTA, 2007). Revolução Industrial: momento histórico que teve início na Inglaterra, em meados do século 18, e aos poucos espalhou-se pelo mundo. Uma das características mais importantes da revolução industrial foi a substituição da força humana no trabalho pelas máquinas, possibilitada pela invenção do motor a vapor (IGLÉSIAS, 1982).
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É importante entender que a ideologia do liberalismo proclamada por ocasião da Revolução Francesa era contra qualquer intervenção do Estado nas relações particulares. Assim, como não havia qualquer tipo de intervenção do Estado na relação entre trabalhador e patrão, muitos abusos acabavam existindo. Geralmente, o trabalhador se submetia a duríssimas jornadas de trabalho, sem qualquer tipo de prevenção ou auxílio no caso de acidentes. Esta situação fez com que os empregados se unissem para reivindicar melhores condições de trabalho, fazendo surgir as primeiras leis com o objetivo de proteger o empregado contra os abusos do patrão. Nas palavras do professor Sérgio Pinto Martins, nesse período começa a haver a necessidade de intervenção estatal nas relações do trabalho, dados os abusos que vinham sendo cometidos, de modo geral, pelos empregadores, a ponto de serem exigidos serviços em jornadas excessivas para menores e mulheres, de mais de 16 horas por dia ou até o pôr-do-sol, pagando metade ou menos dos salários que eram pagos aos homens. No princípio, verifica-se que o patrão era o proprietário da máquina, detendo os meios de produção, tendo, assim, o poder de direção em relação ao trabalhador. Isso já mostrava a desigualdade a que estava submetido o trabalhador, pois este não possuía nada. Havia, portanto, necessidade de maior proteção ao trabalhador, que se inseria desigualmente nessa relação (MARTINS, 2010, p. 6).
A partir daí, gradualmente vão sendo reconhecidos alguns direitos aos trabalhadores por meio de diversas leis. Mas foi no século 20 que eles passaram a ser reconhecidos constitucionalmente. Figura 2 – Empregada em fábrica de aviões nos EUA na década de 1940
Fonte: <www.everystockphoto.com>
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A primeira Constituição que reconheceu direitos trabalhistas em seu texto foi a do México, em 1917. Posteriormente, em 1919, a Constituição de Weimar (na Alemanha) também versou sobre o assunto. Em 1919, o Tratado de Versalhes previu a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), com o objetivo de criar normas de proteção para as relações entre empregados e empregadores no âmbito internacional.
Evolução do direito do trabalho no Brasil No Brasil, a Constituição de 1824, no seu art. 179, XXV, aboliu as corporações de ofício, privilegiando a liberdade de exercício de ofícios e profissões. Em 1888, por meio da Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel, foi abolida a escravatura. A primeira Constituição brasileira a tratar explicitamente de direitos dos trabalhadores foi a de 1934. O direito ao trabalho foi colocado na Constituição como um direito social fundamental do homem, enumerado no caput do art. 6º. Significativos direitos foram conferidos aos obreiros por esta Constituição, como a garantia à liberdade sindical (art. 120), o direito ao salário mínimo, à jornada de oito horas, repouso semanal remunerado, férias remuneradas e isonomia salarial entre homens e mulheres (art. 121, parágrafo 1º).
DEFINIÇÃO A Constituição Federal é a lei superior do ordenamento jurídico brasileiro, de maneira que todas as demais leis existentes no país devem respeitar às normas nela inscritas. Leis infraconstitucionais são aquelas dispostas abaixo da Constituição e que devem obrigatoriamente respeitar às normas nela contidas. Este tipo de lei é elaborado por meio de um processo legislativo bem menos rigoroso do que o exigido para a elaboração da Constituição.
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Muitas leis infraconstitucionais trataram dos mais diversos assuntos relacionados ao direito do trabalho. Por este motivo, em 1943, foi editado o Decreto-Lei 5.452, que aprovou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Observe, no entanto, que a CLT não criou novas leis, direitos e deveres em relação ao trabalho, mas somente teve como função reunir, ou consolidar, em um único documento, as leis já existentes. Figura 3 – Carteira de trabalho brasileira
Fonte: <http://commons.wikimedia.org/>
A atual Constituição Federal, proclamada em 5 de outubro de 1988, deu muita importância aos direitos trabalhistas, tratando-os de forma bastante detalhada nos arts. 7º a 11, dentro do título reservado aos direitos e garantias fundamentais. Conforme já mencionamos, a Constituição Federal é a Lei maior de nossa Nação. O seu atual art. 7º estabelece os direitos mínimos conferidos aos trabalhadores. Sendo assim, caso uma lei infraconstitucional venha a tratar das matérias ali previstas, deverá respeitar esses preceitos mínimos. Isto quer dizer que se a lei tiver por objetivo conferir mais direitos, ela poderá assim fazer.
Como você deve imaginar, o que evidentemente não poderá é restringir os direitos estabelecidos no texto constitucional. Apesar de não ser objeto de análise neste momento, consideramos oportuno transcrever o art. 7º na integralidade, a fim de permitir que você tenha uma visão geral do que será abordado ao longo dos capítulos seguintes. Confira. Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;
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Capítulo 1
II – seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário; III – fundo de garantia do tempo de serviço; IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; V – piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho; VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo; VII – garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável; VIII – décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria; IX – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; X – proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa; XI – participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei; XII – salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei; XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; XIV – jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva; XV – repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos; XVI – remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal; XVII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal; XVIII – licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias; XIX – licença-paternidade, nos termos fixados em lei; XX – proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei; XXI – aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei; XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; XXIII – adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei; XXIV – aposentadoria;
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Capítulo 1
XXV – assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas; XXVI – reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho; XXVII – proteção em face da automação, na forma da lei; XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa; XXIX – ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho; XXX – proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; XXXI – proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência; XXXII – proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos; XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; XXXIV – igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso. Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV, bem como a sua integração à previdência socialBRASIL, 1988).
1.2.2 Definições de direito do trabalho Conforme afirmamos no início deste capítulo, toda energia empregada pelo homem, seja física ou intelectual, com finalidade produtiva é considerada trabalho. Mas fique atento: nem toda energia produtiva utilizada pelo homem é objeto do direito do trabalho. Este último, desde seu nascimento no auge da Revolução Industrial, veio para disciplinar a relação de trabalho subordinado – aquela existente entre empregado e empregador. É fundamental compreender que o empregador, como detentor dos meios de produção, encontra-se em uma posição de superioridade econômica em relação ao empregado. Sendo assim, você perceberá, no decorrer do estudo desta disciplina, que, com a finalidade de compensar a desproporção
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econômica existente entre empregador e empregado, o direito do trabalho procura atribuir a este último uma relativa superioridade jurídica. Ou seja, você poderá observar que as normas trabalhistas preocupam-se sempre com a proteção do trabalhador em prol do patrão. Desse modo, podemos conceituar o direito do trabalho como o ramo do Direito que disciplina as relações de trabalho subordinado, conferindo ao trabalhador medidas de proteção, a fim de assegurar-lhe melhores condições de trabalho e sociais em relação ao empregador.
CONCEITO Sérgio Pinto Martins (2010, p. 16) nos apresenta o seguinte conceito: “Direito do trabalho é o conjunto de princípios, regras e instituições atinentes à relação de trabalho subordinado e situações análogas, visando assegurar melhor condições de trabalho e sociais ao trabalhador, de acordo com as medidas de proteção que lhe são destinadas”.
A fim de esclarecer o conceito, afirma o autor: O Direito do Trabalho vai estudar uma espécie de trabalhador: o empregado, que é o trabalhador subordinado ao empregador, que não tem autonomia em seu mister. [...] Com o emprego da expressão situações análogas, pretendemos tratar das situações que têm semelhança com o trabalho subordinado, mas que necessariamente não são iguais a ele. O trabalhador temporário e o empregado doméstico não deixam de ser subordinados. O trabalhador avulso não é subordinado, mas será estudado pelo Direito do Trabalho. [...] O Direito do Trabalho tem por fundamento melhorar as condições de trabalho dos obreiros e também suas situais sociais, assegurando que o trabalhador possa prestar seus serviços num ambiente salubre, podendo, por meio de seu salário, ter uma vida digna para que possa desempenhar seu papel na sociedade (MARTINS, 2010, p. 16-17).
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1.2.3 Natureza jurídica Para descobrirmos a natureza jurídica de um ramo do Direito precisamos entender suas características e enquadrá-lo no universo do próprio Direito. Para você compreender melhor do que estamos tratando, é preciso saber que todo o Direito é dividido em dois grandes grupos: direito público e direito privado. A função do direito público é regular os interesses das entidades estatais e da sociedade considerada em um conjunto. Já a função do direito privado é regular as relações que envolvem a pessoa considerada individualmente. O seu objetivo é garantir harmonia no convívio entre as pessoas. Como trabalhador e empregador não são totalmente livres para estipular as cláusulas do contrato de trabalho, alguns estudiosos da matéria entendem que o direito trabalhista classifica-se como um ramo do direito público, já que a vontade das partes seria substituída pela vontade das normas estatais. Há, por outro lado, os que sustentam a tese de que o direito do trabalho enquadra-se no direito privado, pois apesar de existir um intervencionismo básico do Estado, que determina normas mínimas a serem respeitadas, há liberdade das partes em contratar. Assim, o direito do trabalho estabelece um regramento mínimo, nada impedindo que as partes convencionem melhores condições para ambas. Apesar da existência de posicionamentos divergentes, prevalece o entendimento de que o direito do trabalho possui natureza jurídica de direito privado.
1.2.4 Fontes do direito do trabalho Antes de prosseguirmos, vamos fazer um breve parêntese para explicar o que aqui queremos dizer com fonte.
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Capítulo 1
Como o próprio nome sugere, fonte é a expressão utilizada para designar a origem de alguma coisa. Portanto, estudar a fonte de um direito significa analisar de onde ele se origina, qual o seu ponto de partida. Em se tratando de direito do trabalho, suas fontes podem ser classificadas como materiais ou formais.
Fontes materiais Você pode estar se perguntando: mas o que são as fontes materiais? São fatos ou movimentos sociais que antecedem as normas, sejam elas contratuais ou legais. São situações pré-jurídicas que dão origem às normas. Como exemplo de fonte material do direito do trabalho, podemos citar as greves realizadas pelos trabalhadores em busca de melhores condições de trabalho. Lembre-se que quando tratamos, no início do capítulo, sobre a evolução do direito do trabalho, verificamos que os abusos e as duríssimas jornadas a que eram submetidos os empregados no período da Revolução Industrial fizeram com que eles se unissem e pleiteassem condições mais dignas de trabalho, surgindo assim os primeiros direitos laborais. Perceba que tal situação nada mais é do que uma fonte material do direito do trabalho, pois se configurou em um acontecimento social que fez nascer normas prevendo melhores condições de trabalho para aquela época.
Fontes formais E as fontes formais? Bem, estas são representadas pela própria norma. É a exteriorização do direito por meio de leis, costumes, convenções, acordos coletivos etc. As fontes formais, por sua vez, podem ser classificadas em fontes formais autônomas e fontes formais heterônomas.
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Capítulo 1
SAIBA QUE No Direito, a expressão lei pode ser utilizada em sentido amplo ou em sentido estrito. Em seu sentido amplo, o termo pode dizer respeito à Constituição, às leis complementares, leis ordinárias, medidas provisórias, leis delegadas, decretos legislativos ou resoluções emanadas do Legislativo. Em sentido estrito, lei é apenas a Lei Ordinária. Neste livro-texto, quando afirmamos que a lei é fonte formal do direito do trabalho, estamos nos referindo à lei em sentido amplo.
Fontes formais autônomas São as produzidas diretamente pelos destinatários do direito, sem a interferência de agente externo. São formadas pela vontade dos próprios sujeitos da relação de emprego (empregado e empregador). Como exemplos, podemos citar os costumes, as convenções e os acordos coletivos de trabalho. Os costumes são práticas habituais e constantes que, por este motivo, são tidos por obrigatórios. A gratificação natalina, por exemplo, nasceu em razão de uma prática reiterada por parte dos empregadores. Todos os anos, era comum eles entregarem um valor como presente em razão do Natal. Com o passar do tempo, a gratificação natalina tornou-se compulsória e deu ensejo ao atual 13º salário. Você pode observar que este é um bom exemplo de um direito consagrado em lei, mas que teve origem a partir da prática de um costume do empregador. As convenções e os acordos coletivos são importantes fontes autônomas do direito do trabalho, pois nascem da participação dos sindicatos nas negociações entre empregados e empregadores. As convenções coletivas são ajustes realizados entre sindicato dos empregadores (ou sindicato patronal) e sindicato dos trabalhadores (ou
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Capítulo 1
sindicato profissional) sobre condições laborais de uma determinada categoria profissional. Já os acordos coletivos são ajustes firmados entre uma ou mais empresas e o sindicado dos trabalhadores, também com o objetivo de regular condições laborais daquela categoria profissional. Perceba que a diferença existente entre um acordo e uma convenção está no fato de que enquanto na convenção coletiva existe negociação entre dois ou mais sindicatos, no acordo a negociação ocorre entre empresa e sindicato. Uma vez firmados, os acordos e as convenções coletivas tornam-se obrigatórios pelo prazo máximo de dois anos (art. 614, parágrafo 3º, da CLT). Conforme você pôde constatar, as convenções e os acordos coletivos de trabalho são fontes formais autônomas, pois surgem da negociação entre os próprios envolvidos na relação trabalhista, sem a necessidade de intermediação de terceiros estranhos àquela relação jurídica.
Fontes formais heterônomas São aquelas que necessitam de um terceiro, estranho à relação jurídica, para nascerem. São as formadas sem a participação direta dos destinatários do direito. Como fontes formais heterônomas, podemos citar a Constituição, as leis complementares e ordinárias, a medida provisória, a sentença normativa, os tratados e as convenções internacionais. Segundo afirmamos quando versamos sobre a evolução do direito do trabalho no Brasil, a Constituição Federal é a Lei superior de um ordenamento jurídico. Logo, todas as demais leis devem obediência a ela. Sendo assim, a mais importante fonte formal do direito do trabalho é a Constituição Federal. No âmbito infraconstitucional, existem várias leis que regulam as relações trabalhistas. A mais importante delas é a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
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Capítulo 1
As sentenças normativas são decisões dos Tribunais Superiores do Trabalho (TST) no julgamento de dissídios coletivos (que são conflitos envolvendo uma categoria de profissionais). Os tratados e convenções internacionais são pactos firmados pelo Brasil com outras Nações. Eles ingressam no ordenamento jurídico brasileiro como lei infraconstitucional.
LEMBRETE As fontes formais heterônomas são assim chamadas porque necessitam da intermediação de terceiros para serem formadas. No caso da Constituição e das leis, temos a intervenção do Legislativo. No caso das sentenças normativas, temos a intervenção do Judiciário.
1.2.5 Interpretação e aplicação das normas trabalhistas Podemos conceituar as normas como o conjunto de princípios e leis que regem uma matéria. Figura 4 – Estátua da Justiça - Escultura
Fonte: <http://photos.fencer.com>
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Os princípios, como estudaremos a seguir, são proposições genéricas que servem para orientar a interpretação e aplicação do direito ao caso concreto. As leis, por sua vez são atos normativos abstratos, ou seja, são proposições genéricas e coercitivas (obrigatórias) aplicáveis a todos os sujeitos e situações, de forma indistinta. Tanto os princípios quanto as leis, para serem aplicados às situações concretas, necessitam de interpretação. Isto ocorre porque o direito não é um comando exato e não consegue abarcar todas as situações da vida em sociedade, que é permeada das mais complexas e infinitas relações.
Capítulo 1
Sabemos que as relações sociais vivem em constante mutação, e se a função do direito é gerir estas relações, ele também deve modificar-se constantemente. Segundo Delgado (2010), como o direito refere-se permanentemente à vida concreta das pessoas, é necessário que haja um constante exercício do operador jurídico, por meio de três operações específicas e combinadas: •• a interpretação; •• a integração; •• a aplicação jurídica. No entendimento do autor citado (2010, p. 205), “interpretação é o processo analítico de compreensão e determinação do sentido e extensão da norma jurídica”. Já integração é o processo utilizado para suprir eventuais lacunas normativas. Por fim, aplicação é o processo de incidência e adaptação das normas jurídicas às situações concretas. Versaremos inicialmente sobre a operação de interpretação, conforme você acompanha na próxima seção.
Interpretação das normas jurídicas trabalhistas Conforme já mencionamos, interpretar uma norma significa tentar compreender e determinar o seu sentido e extensão. Para auxiliar esse processo de compreensão, foram criados alguns métodos, aplicáveis não só ao direito do trabalho, mas a todos os ramos do Direito. Traremos aqui os mais importantes métodos de interpretação das normas trabalhistas.
REFLEXÃO
Para você, qual é o significado da palavra interpretar? Você já refletiu sobre o que implica o ato de interpretar?
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Se você pensou que interpretar é dar um sentido a alguma coisa, está correto. Toda vez que tiramos conclusões sobre o que alguém falou ou escreveu, estamos interpretando. Interpretar uma norma jurídica envolve um processo semelhante. A diferença é que alguns métodos foram criados pelos estudiosos do Direito a fim de organizar a forma de pensamento do intérprete. Vejamos alguns deles: •• método gramatical ou literal: consiste em verificar o sentido literal das palavras colocadas no texto da norma; •• método lógico ou racional: busca identificar o pensamento lógico e harmônico contido no texto normativo; •• método teleológico ou finalístico: procura averiguar a finalidade buscada pelo legislador quando da elaboração da norma; •• método sistemático: busca o sentido de uma determinada norma considerando-a como parte de um sistema. Em outras palavras, interpreta-se a norma levando-se em conta todo o sistema jurídico em que ela está inserida, sem considerá-la de forma isolada; •• método histórico: como o direito decorre de um processo evolutivo ocorrido na sociedade, ao interpretar a norma deve-se levar em consideração a evolução histórica dos fatos que deram origem a ela; •• método autêntico: é a interpretação feita pelo próprio legislador, portanto, é também chamada de legal ou legislativa; •• método sociológico: ao aplicar a lei, deve-se considerar os fins sociais a que ela se dirige. Embora existam vários métodos interpretativos, uma mesma norma pode comportar diversos sentidos. Por este motivo, cabe ao aplicador utilizar aquele que considere mais apropriado ao caso concreto. Você precisa ficar atento ao fato de que o direito trabalhista, apesar de se submeter às regras gerais de interpretação do direito, apresenta características
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específicas, que lhe são próprias. Estas especificidades existem porque ele nasceu para proteger o sujeito mais fraco da relação jurídica. Assim, diante de mais de uma possibilidade de interpretação da norma, deve-se optar pela mais favorável ao empregado. O art. 620 da CLT demonstra esta tendência de interpretação do direito do trabalho quando afirma que as condições estabelecidas em convenção, se mais favoráveis ao empregado, prevalecerão sobre as estipuladas em acordo: “Art. 620. As condições estabelecidas em Convenção quando mais favoráveis, prevalecerão sobre as estipuladas em Acordo” (BRASIL, 1943). Sendo assim, quando duas normas estiverem tratando do mesmo assunto, aquela que estabelecer condições mais favoráveis ao empregado prevalecerá sobre a outra. Isto acontece independentemente da hierarquia existente entre elas.
PRATICANDO Sabemos que a Constituição Federal dispõe em seu artigo 7º, inciso XVII, que as férias anuais devem ser pagas com pelo 1/3 a mais do salário normal. Se uma convenção coletiva vier a estabelecer que determinada categoria deve receber as férias com pelo menos ½ do salário normal, qual das normas prevalecerá?
E então, conseguiu responder? Perceba que, conforme estudamos, mesmo sendo a Constituição a lei maior do nosso sistema jurídico, a norma prevista na convenção prevalecerá sobre a estabelecida na Constituição. Assim, os empregados daquela categoria terão direito a receber as férias anuais com no mínimo ½ a mais do salário. Isto ocorre porque o direito do trabalho tem por finalidade proteger o empregado, considerado a parte mais fraca em relação ao empregador. Perceba ainda que nesta situação utilizamos os métodos teleológico e sociológico de interpretação das normas, pois aplicamos a norma mais favorável em razão da finalidade social protetiva das normas trabalhistas.
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Capítulo 1
É importante ficar claro que além dos métodos elencados, a interpretação das normas jurídicas exige do estudioso ou aplicador nunca perder de mente os princípios gerais do direito. Dentre eles, destacam-se na órbita trabalhista os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho.
Integração da norma trabalhista Todos os dias ocorrem na sociedade os mais infinitos e complexos fatos. Em razão disso, é impossível ao direito preestabelecer regras para a solução de todos os conflitos que porventura venham surgir. Diante desta impossibilidade, temos as chamadas lacunas normativas, que nada mais são do que “falhas” na legislação. Em outras palavras, são espaços em branco, situações sem solução previamente definidas pelo legislador. Como os conflitos sociais precisam ser resolvidos, o direito criou métodos de integração da norma. Segundo Delgado (2010), integração comporta um conjunto de mecanismos voltados a assegurar o suprimento das lacunas apresentadas pelas fontes principais do sistema jurídico perante determinado caso concreto. Em outras palavras, são técnicas jurídicas com o objetivo de solucionar as falhas deixadas pela lei na solução das hipóteses concretas. O art. 8º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) autoriza o aplicador, na falta de disposição legal ou contratual, fazer uso da analogia, da equidade e dos princípios gerais. Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público (BRASIL, 1943, grifo nosso).
Vamos então compreender um pouco melhor o que significam os termos citados na lei e destacados por nós.
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Capítulo 1
•• Jurisprudência consiste na repetida aplicação de determinadas normas a um determinado caso concreto, por parte dos tribunais. São decisões anteriores que orientam decisões futuras. •• Analogia significa aplicar, para uma situação fática não prevista em lei, uma norma existente para regular outra situação fática semelhante à primeira. Vale a pena nos determos em um exemplo. Com o avanço da tecnologia digital, a datilografia foi substituída pela digitação. O artigo 72 da CLT estabelece que nos serviços permanentes de mecanografia, incluída aí a datilografia, deve-se fazer um período de repouso de dez minutos a cada 90 minutos trabalhados. Apesar de a lei não incluir na redação do artigo o serviço do datilógrafo, o Tribunal Superior do Trabalho, utilizando a analogia, decidiu aplicar o artigo 72 também aos digitadores. Esse entendimento foi consagrado pelo TST por meio do enunciado de jurisprudência nº 346. TST Enunciado nº 346 - Res. 56/1996, DJ 28.06.1996 - Mantida - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003 Digitador - Serviço de Mecanografia - Analogia - Intervalos Intrajornada Os digitadores, por aplicação analógica do Art. 72 da CLT, equiparamse aos trabalhadores nos serviços de mecanografia (datilografia, escrituração ou cálculo), razão pela qual têm direito a intervalos de descanso de dez (10) minutos a cada noventa (90) de trabalho consecutivo (TST, 1996).
•• Equidade significa decidir de acordo com os critérios de justiça. A CLT prevê expressamente a utilização de equidade nos artigos 766 (trata dos dissídios coletivos) e 852-I, § 1º (que versa sobre o processo sumaríssimo). Vejamos: Art. 766 - Nos dissídios sobre estipulação de salários, serão estabelecidas condições que, assegurando justos salários aos trabalhadores, permitam também justa retribuição às empresas interessadas. [...] Art. 852-I. [...] § 1º O juízo adotará em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e as exigências do bem comum.
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Capítulo 1
Os princípios gerais de direito serão conceituados no próximo item, destinado ao exame dos princípios do direito do trabalho.
Aplicação das normas trabalhistas Em regra, as leis (em seu sentido amplo) somente podem ser aplicadas quando vigentes. Uma lei é considerada vigente se tiver: •• sido elaborada por órgão competente; •• seguido fielmente os procedimentos legais de sua elaboração. Com exceção da lei delegada e da medida provisória, que são produzidas pelo presidente da República, as demais leis trabalhistas somente podem ser elaboradas pelo Poder Legislativo. Em suma, lei vigente é aquela que está apta a produzir seus efeitos.
SAIBA QUE Com exceção das leis com vigência temporária, que são editadas para produzirem efeitos por determinado espaço de tempo, as demais leis vigem até que outra a revogue. Revogar significa tirar o efeito da lei, excluí-la do mundo jurídico.
Para que você entenda melhor a vigência das normas legais trabalhistas, é preciso que compreenda que elas podem produzir efeitos quanto ao tempo e quanto ao espaço. Os efeitos das leis trabalhistas no tempo devem ser entendidos sob o ponto de vista do princípio da irretroatividade e do princípio da aplicação imediata: •• em respeito ao princípio da irretroatividade, uma lei nova não pode ser aplicada aos contratos ou atos já finalizados. Esses contratos ou atos são considerados perfeitos sob o enfoque da lei vigente ao tempo em que foram realizados e por esta razão não devem ser modificados na ocasião de nova lei tratando do assunto;
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Capítulo 1
•• de acordo com o princípio da aplicação imediata, uma nova lei deve ser aplicada aos atos e contratos em curso, imediatamente a partir do momento em que entra em vigor. Mas atenção, só se aplica a lei nova quando o ato ou contrato ainda não tiver sido finalizado. Conforme as leis trabalhistas vigentes no país, após um ano de trabalho, o empregado tem direito a 30 dias de férias. Se a partir desse período de um ano, e antes que o empregado goze integralmente do tempo de repouso, entrar em vigor uma nova lei alterando a duração das férias de 30 para 35 dias, ele terá direito a gozar de 35 dias e não mais somente 30 dias. Veja que isto ocorre porque o gozo das férias ainda está em curso (não tinha finalizado), quando da entrada em vigor da nova lei, a qual deve ser aplicada imediatamente.
Quanto aos efeitos das leis trabalhistas no espaço, via de regra, em razão do princípio da territorialidade, aplicam-se as leis brasileiras a todos os que prestarem serviços no Brasil. Assim, tanto os estrangeiros quanto as empresas multinacionais devem se sujeitar as leis trabalhistas brasileiras quando executarem serviços no Brasil.
1.2.6 Princípios do direito do trabalho Iniciamos agora um dos mais relevantes temas de estudo do Direito – os princípios. Fora da técnica jurídica, podemos conceituar princípios como valores, regras morais de conduta que orientam o comportamento das pessoas. Sob o enfoque jurídico, entretanto, os princípios podem ser considerados os alicerces de sustentação das normas legais, postulados valorativos que servem para guiar a aplicação do direito ao caso concreto. Fazendo uma metáfora, seriam os pilares de sustentação de um edifício. De acordo com Martins (2010), os princípios têm várias funções: •• informadora; •• normativa; •• interpretativa.
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Capítulo 1
Com função informadora, os princípios servem para orientar o legislador, fundamentando as normas legais e dando sustentáculo para o ordenamento jurídico. Na sua função normativa, os princípios oferecem meios para integração das normas em caso de lacunas legais.
SAIBA QUE Quando estudamos sobre integração do direito do trabalho, falamos que uma das formas de suprir as omissões da lei seria a utilização dos princípios gerais do direito. Lembre-se que diante das lacunas legais, o artigo 8º da CLT autoriza o uso da analogia, da equidade, da jurisprudência e ainda dos princípios gerais do direito.
Por sua vez, a função interpretativa é de fundamental importância para o direito. Os princípios são verdadeiros assistentes do aplicador do direito, pois auxiliam na interpretação e na compreensão das normas legais. Logo, toda vez que tivermos dúvida na aplicação de uma lei, podemos nos valer deles. E o que são os princípios gerais do direito? Princípios gerais do direito são aqueles comuns a todos os ramos do Direito. Entre eles, podemos citar: •• o princípio da dignidade da pessoa humana, trazido pela Constituição Federal como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito; •• o princípio do valor social do trabalho, que nos informa que o trabalho deve cumprir uma função social; •• o princípio do enriquecimento sem causa, pelo qual uma pessoa não poderá locupletar-se de outra, enriquecendo às suas custas; •• os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, que definem que as nossas ações devem ser pautadas pelo bom senso, pela ponderação;
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•• o princípio da boa-fé, segundo o qual as partes devem cumprir os tratos com lealdade recíproca. Vale ressaltar que os princípios aqui elencados não são os únicos comuns a todo o ordenamento jurídico, existindo também outros que podem ser aplicados de forma geral a diversos ramos do direito. Porém, eles não são objeto do nosso estudo neste momento. Ao lado dos princípios gerais, o direito do trabalho possui princípios próprios, voltados a regular a relação específica existente entre empregado e empregador. Os mais importantes são: •• •• •• •• •• ••
princípio da proteção ou tutelar; princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas; princípio da continuidade da relação de emprego; princípio da primazia da realidade; princípio da inalterabilidade contratual lesiva; princípio da intangibilidade salarial.
Que tal agora analisarmos um a um os princípios enumerados?
Princípio da proteção ou tutelar Este princípio surgiu pela necessidade de se atenuar o desequilíbrio existente na relação entre empregado e empregador. Nasceu no intuito de proteger o empregado, considerado parte hipossuficiente na relação de emprego. O Estado, como detentor do poder de editar leis, impõe às partes contratantes regras formais que deverão ser cumpridas em detrimento da sua autonomia em contratar. O princípio da proteção existe como forma de impedir ou evitar a exploração do capital sobre o trabalho humano, possibilitando melhores condições de vida e bem-estar dos trabalhadores. O princípio da proteção deve orientar não só o aplicador do direito na interpretação e aplicação das leis. Deve também orientar o legislador no momento da elaboração das normas jurídicas. Para tanto, as novas leis devem procurar favorecer o obreiro, trazendo a ele melhores condições de vida.
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Capítulo 1
Este princípio desdobra-se, ainda, em três outros: •• o princípio in dubio pro operario; •• o princípio da condição mais benéfica; •• o princípio da aplicação da norma mais favorável. O princípio In dubio pro operario informa ao aplicador que quando uma norma comportar duas ou mais interpretações, deve-se optar por aquela mais favorável ao empregado. Mas atenção, nunca afrontando a vontade da lei. Ele não se aplica quando o assunto é a produção de provas no processo trabalhista, pois cabe ao autor provar que o direito existe (fato constitutivo do direito), e ao réu cabe provar que aquele direito não existe (fato modificativo, extintivo ou impeditivo do direito). O princípio da condição mais benéfica tem a ver com o direito adquirido resguardado na Constituição de 1988, em seu Art.5º, inciso XXXVI, pois garante ao trabalhador que nenhuma norma superveniente que prejudique um direito seu atingirá o que está disposto no contrato de trabalho ou convenção de trabalho que seja mais benéfica, sendo assim autorizada apenas a alteração in mellius que tenha o objetivo de uma condição social melhor para o trabalhador. O princípio da aplicação da norma mais favorável ensina que devemos aplicar a norma mais favorável ao obreiro, independentemente da sua posição na hierarquia das normas. Este princípio deve estar presente no momento da elaboração, na verificação da hierarquia e no momento da interpretação. No momento da elaboração, tem por objetivo orientar o legislador à elaboração de normas que tragam melhores condições sociais ao trabalhador. Havendo mais de uma norma capaz de ser aplicada, deve-se optar por aquela que seja mais favorável ao empregado, não importando sua posição hierárquica.
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LEMBRETE Lembre-se do exemplo dado quando discutimos os métodos de interpretação da norma. Naquela ocasião, trouxemos a seguinte situação prática: se uma convenção coletiva estabelecer que determinada categoria de obreiros deve receber as férias com pelo menos ½ do salário normal, esta norma prevalecerá sobre a regra exposta no artigo 7º, inciso XVII, da Constituição Federal, pois, mesmo sendo a Constituição a lei maior de nosso sistema jurídico, a norma prevista na Convenção é mais favorável aos obreiros. Assim, os empregados daquela categoria terão direito a receber as férias anuais com no mínimo ½ a mais do salário.
No momento da interpretação, havendo omissão ou uma situação dúplice (uma norma com dois sentidos), deve-se optar pelo sentido que confira mais direitos ao trabalhador. Mas aqui é preciso ressaltar que mesmo diante da utilização dos subprincípios do princípio da proteção, podem existir situações que demandam uma atenção maior do aplicador. Sendo assim, propomos a você a seguinte reflexão: se, em relação a determinada matéria trabalhista, um acordo coletivo trouxer em seu texto cláusulas favoráveis e desfavoráveis, e ao mesmo tempo existir uma lei contendo igualmente algumas regras favoráveis e outras menos benéficas ao trabalhador, qual delas deve ser aplicada? Para resolver controvérsias assim, o Direito lança mão de duas teorias: a do conglobamento e a da acumulação. Confira. A teoria do conglobamento aplica-se à norma que no conjunto seja mais benéfica ao empregado. Já a teoria da acumulação aplica-se às duas normas, extraindo-se de cada uma delas o que for mais favorável ao empregado.
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Via de regra, os tribunais brasileiros têm adotado a teoria do conglobamento, pois entendem que extrair regras de duas normas diferentes seria o mesmo que criar uma terceira norma, o que é vedado ao Judiciário.
Princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas Por este princípio, fica vedado qualquer acordo realizado entre as partes que vise à renúncia de quaisquer dos direitos inerentes ao trabalhador. O art. 9º da CLT consagra a aplicação deste princípio dispondo: “Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.” (BRASIL, 1943) Em outras palavras, o objetivo deste princípio é evitar que o empregador induza ou obrigue o trabalhador a dispor de seus direitos contra sua vontade.
Princípio da continuidade da relação de emprego Via de regra, os contratos devem ser pactuados por prazo indeterminado. Somente podem ser celebrados contratos por prazo determinado quando a lei assim autorize, matéria que estudaremos no capítulo 3. Este princípio foi reconhecido pelo Tribunal Superior do Trabalho, por meio da súmula 212: TST Enunciado nº 212 - Res. 14/1985, DJ 19.09.1985 Ônus da Prova - Término do Contrato de Trabalho - Princípio da Continuidade O ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado (TST, 1996).
Princípio da primazia da realidade Mesmo diante da existência de um contrato escrito firmado entre as partes, para os efeitos probatórios mais valerá a verdade real dos fatos do que aquilo que foi pactuado pelos contraentes. Vale dizer que o fato concreto terá mais relevância do que as cláusulas previstas explicitamente em contrato escrito.
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Trata-se de um princípio muito usado na seara trabalhista, pois tem a finalidade de impedir procedimentos fraudatórios praticados pelo empregador. Logo, de nada adianta estabelecer cláusulas escritas conferindo direitos e deixar de entregá-los na prática.
Princípio da intangibilidade do salário Saiba você que o salário tem cunho alimentar. Tem a função de prover o trabalhador e sua família. O princípio da intangibilidade salarial garante ao trabalhador a impenhorabilidade de seu salário, bem como a irredutibilidade salarial. A Constituição Federal de 1988 (art. 7º, inciso VI), no intuito maior de preservar o emprego do obreiro, flexibilizou este princípio, prevendo a possibilidade de redução temporária de salário por meio de acordo ou convenção coletiva.
SAIBA QUE Não obstante a regra da Constituição que permite a redução temporária dos salários por meio de acordo ou convenção coletiva de trabalho, a regra maior continua sendo a da irredutibilidade de salários. Logo, a redução somente é permitida por exceção, e ainda por prazo fixo de tempo, já que as convenções e acordos coletivos têm um prazo máximo de vigência de dois anos, conforme o art. 614, parágrafo 3º da CLT).
Com isso, encerramos o conteúdo deste nosso primeiro capítulo. Para que você possa fixar melhor tudo aquilo que foi estudado, que tal acompanhar um breve estudo de caso? Veja a seguir.
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Capítulo 1
1.3 Aplicando a teoria na prática Segundo o art. 10, inciso II, alínea “b” do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal é garantida à empregada gestante a estabilidade provisória, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. Suponhamos que foi firmada uma convenção coletiva, entre o sindicato da categoria profissional X e o sindicato patronal Y, ajustando que a estabilidade provisória da gestante fosse de seis meses após o parto. Maria Rita, empregada pertencente à categoria profissional X, retornou da sua licença maternidade e, completados cinco meses após a realização do parto, foi demitida pela empresa em que trabalha (pertencente à categoria patronal do sindicato patronal Y) sem justa causa. Diante deste caso, Maria Rita procura você e solicita respostas a algumas questões. Você pode ajudá-la? Ela questiona: 1)
O que é uma convenção coletiva? Ela é considerada fonte do direito do trabalho?
2)
Eu, Maria Rita, posso ingressar com reclamação trabalhista requerendo retorno ao serviço, ou indenização do período correspondente, com fundamento no estabelecido na convenção coletiva mencionada?
3)
Qual princípio do direito do trabalho é utilizado para resolução deste caso?
Pois bem, para responder às questões práticas colocadas, vamos nos lembrar do que estudamos no decorrer deste primeiro capítulo? A primeira resposta que você deve dar a Maria Rita é que uma convenção coletiva é um acordo realizado entre dois ou mais sindicatos, devendo necessariamente estar presentes pelo menos um sindicato de trabalhadores (categoria profissional) e um sindicato patronal (categoria econômica). Você ainda pode complementar a resposta lembrando que o objetivo da convenção é estipular condições de trabalho aplicáveis aos contratos individuais celebrados pelos sujeitos pertencentes a ambas as categorias.
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Capítulo 1
Além disso, deixe claro que as convenções coletivas são sim consideradas fontes do direito do trabalho. Mas lembre-se que, conforme você aprendeu, são fontes formais autônomas, porque, diferentemente das fontes heterônomas, têm a participação direta dos sujeitos envolvidos na relação de emprego. Para a segunda resposta, recorde que a Constituição Federal estabeleceu os direitos mínimos assegurados aos trabalhadores. Desde que resguardados estes direitos mínimos, nada impede que uma lei, um acordo ou convenção ou até um contrato particular celebrado entre as partes possa dispor de forma diversa, ampliando esses direitos. Se foi realizada uma convenção coletiva entre o sindicato patronal e sindicato de trabalhadores estabelecendo que a estabilidade da gestante deve ser de seis meses, ela passa a ser obrigatória. Logo, informe que Maria Rita pode sim ingressar com reclamação trabalhista para requerer a reintegração ou indenização do período correspondente. E para responder à última questão, recorra ao que foi tratado acerca dos princípios do direito do trabalho. Fazendo isto, você irá perceber que o princípio do trabalho aplicável à questão de Maria Rita é o da proteção, somado ao subprincípio da norma mais favorável. Estes princípios nos ensinam que, diante de duas normas tratando do mesmo assunto, devemos optar pela aplicação da norma que confira maiores direitos ao trabalhador.
1.4 Para saber mais Filme: Daens, um grito de justiça Direção: Stijn Coninx
Ano: 1994
O cenário do filme é a cidade belga de Aalst no final do século 11, para a qual o padre Daens é designado e onde se depara com todas as agruras da Revolução Industrial europeia, como o trabalho infantil, sem quaisquer medidas de higiene e segurança e com uma jornada extenuante. A morte de uma criança, durante o seu horário de trabalho, e outras situações relacionadas às referidas condições de trabalho levam o padre a buscar soluções, inclusive ingressando na política.
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Filme: Germinal Direção: Claude Berri
Ano: 1993
Germinal se passa no norte da França no século 19 e caracteriza perfeitamente o processo de produção do trabalho do modelo capitalista, a expansão do chamado capital, mostrando de forma muito clara os opostos entre as necessidades humanas e as matérias. Retrata o processo de gestação e maturação de movimentos grevistas e de uma atitude mais ofensiva por parte dos trabalhadores das minas de carvão na França em relação à exploração de seus patrões. Mostra um cotidiano de miséria, maus-tratos, alcoolismo e uma rebelião que acaba em tragédia.
1.5 Relembrando Neste capítulo, você aprendeu que: •• o direito do trabalho teve origem durante a Revolução Industrial, quando os operadores das máquinas se uniram para pleitear condições mínimas de trabalho e proteção social em caso de acidentes. Até então, os trabalhadores laboravam durante longas jornadas, sem qualquer garantia social ou direito; •• o direito do trabalho é o ramo do Direito que disciplina as relações de trabalho subordinado e tem por objetivo conferir ao trabalhador, considerado parte hipossuficiente, medidas de proteção e direitos sociais; •• prevalece o entendimento de que o direito do trabalho tem natureza jurídica de direito privado; •• estudar as fontes do direito do trabalho significa investigar de onde se originam os direitos trabalhistas; •• as fontes do direito do trabalho podem ser materiais ou formais; •• interpretar uma norma consiste em buscar o seu significado; •• as lacunas do direito são omissões existentes no ordenamento jruídico. Para suprir essas omissões, podemos nos valer da analogia, da equidade e dos princípios gerais do direito;
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Capítulo 1
•• os princípios são postulados valorativos que servem para auxiliar a aplicação do direito ao caso concreto; •• os princípios gerais do direito são aqueles comuns a todos os ramos do Direito; •• ao lado dos princípios gerais, aplicam-se ao direito do trabalho princípios que lhe são próprios, voltados a regular a relação específica existente entre empregado e empregador; •• os mais importantes princípios do direito do trabalho são: o da proteção ou tutelar, da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, continuidade da relação de emprego, da primazia da realidade, da inalterabilidade contratual lesiva, intangibilidade salarial; •• o princípio da proteção ou tutelar se desdobra em três outros princípios – o do in dubio pro operario, da condição mais benéfica e da aplicação da norma mais favorável.
1.6 Testando os seus conhecimentos 1) A primeira Constituição brasileira a tratar explicitamente de direitos trabalhistas foi a de: a) 1822 b) 1891 c) 1934 d) 1988 2) São fontes formais autônomas do direito do trabalho: a) as convenções coletivas. b) as leis. c) a Constituição Federal. d) os costumes.
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Capítulo 1
3) Sobre os métodos de interpretação das normas trabalhistas, marque a alternativa incorreta. a) Método autêntico é aquele que leva em consideração a interpretação feita pelo próprio legislador. b) Método gramatical é aquele que verifica o sentido literal das palavras colocadas no texto. c) Método teleológico é aquele que se preocupa em descobrir a finalidade pretendida pelo legislador quando da elaboração da norma. d) Método sistemático é aquele que leva em consideração a evolução histórica dos fatos que deram origem à norma. 4) O salário não pode ser penhorado. Tal proibição decorre do princípio da: a) proteção. b) intangibilidade. c) irredutibilidade. d) irrenunciabilidade. 5) Sobre os princípios do direito do trabalho, assinale a alternativa incorreta. a) O princípio in dubio pro operario é um desdobramento do princípio da proteção. Segundo esse princípio, quando estivermos diante de uma norma com duas ou mais interpretações possíveis, devemos optar pela interpretação mais favorável ao empregado. b) De acordo com o princípio da primazia da realidade, a existência de cláusulas contratuais escritas faz com que o empregado não possa pleitear outros direitos que não estejam expressamente contemplados, mesmo que na prática ocorram situações diferentes das previstas no contrato. c) Segundo informa o princípio da continuidade da relação de emprego, em regra, os contratos devem ser pactuados por prazo indeterminado. Os contratos por prazo determinado só poderão ser firmados se a lei autorizar.
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Capítulo 1
d) Pelo princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, é proibido qualquer acordo realizado entre as partes que vise à renúncia de qualquer dos direitos inerentes ao trabalhador.
Onde encontrar BRASIL. Constituição Federal. 1988. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 23 jul. 2011. BRASIL. Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ Decreto-lei/Del5452compilado.htm>. Acesso em: 22 jul. 2011. DELGADO, M. G. Curso de direito do trabalho. 9. ed. São Paulo: LTR, 2010. IGLÉSIAS, F. A revolução industrial. São Paulo: Brasiliense, 1982. Col. Tudo é história. MARTINS, S. P. Direito do trabalho. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2010. MOTA, C. G. 1789-1799. A revolução francesa. 2. ed. rev. ampl. São Paulo: Perspectiva, 2007. Col. Estudos. NASCIMENTO, A. M. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. 19. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004. SUSSEKIND, A. Direito do trabalho. 3. ed. São Paulo: Renovar, 2010. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Índice fundamental do Direito. TST, 1996. Disponível em: <www.dji.com.br/normas_inferiores/enunciado_tst/ tst_0331a0360.htm>. Acesso em: 23 jul. 2011.
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Capítulo 1
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Capítulo 2
CAPÍTULO 2 Empregado e empregador
2.1 Contextualizando Olá! Pronto para seguir adiante? Neste segundo capítulo, analisaremos a figura do empregado, do empregador e outras relações de trabalho empregatícias e não empregatícias. Inicialmente, examinaremos a definição de empregado trazida pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Você verificará que não importa a denominação dada no contrato, pois presentes os requisitos da relação de emprego, estará caracterizado o vínculo empregatício, sendo devidos todos os direitos previstos na legislação trabalhista. Na sequência, abordaremos vínculos de emprego regulamentados por legislação diversa da CLT, como é o caso do trabalho do doméstico e do rural. Dando continuidade ao estudo, trataremos do conceito de empregador trazido pelo CLT. Você perceberá que, em uma acepção mais simples, a definição de empregador pode ser extraída do conceito de empregado, já que empregador é aquele que contrata o empregado conforme as características previstas. Uma das importantes características do empregador é o poder de direção, que consiste no poder geral de administrar, organizar e fiscalizar o serviço do obreiro. No último tópico, versaremos sobre outras espécies de relação de trabalho diversas da empregatícia, como a do trabalhador autônomo, do avulso, do eventual e do estagiário.
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Ao final deste capítulo, você estará apto a: •• identificar a existência de uma relação de trabalho empregatícia; •• reconhecer outras relações de emprego, e enquadrá-las na legislação específica que a regulamenta; •• reconhecer quem pode ser empregador e as faculdades atribuídas a ele em razão da relação de emprego; •• identificar as relações de trabalho não empregatícias e suas características.
2.2 Conhecendo a teoria 2.2.1 Empregado O art. 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) afirma: “considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário” (BRASIL, 2005). Ao examinar o conceito de empregado trazido pela CLT, identificamos a presença de pelo menos quatro requisitos. São eles: •• •• •• ••
pessoa física; serviço não eventual; dependência; salário.
Aos quatro elementos previstos no caput do art. 3º, devemos acrescentar uma quinta condição extraída da definição de empregador encontrada no art. 2º da CLT. Em linhas gerais, afirma o art. 2º que empregador é aquele que admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços. Assim, para que exista o empregado, é necessário que o serviço seja prestado de forma pessoal. Veja, então, que temos cinco requisitos para a caracterização da figura do empregado.
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CONCEITO Das características enumeradas, podemos conceituar empregado como a pessoa física, que presta pessoalmente a terceiro serviços de natureza não eventual, de forma subordinada e mediante o recebimento de salário (BRASIL, 2005).
Saiba que esses requisitos são imprescindíveis para a caracterização do empregado. Significa dizer que presentes as cinco condições, teremos uma relação de trabalho empregatícia, ainda que outra denominação seja dada pelas partes. Para que você compreenda melhor o conceito de empregado, vamos agora analisar cada um dos cinco requisitos mencionados.
Pessoa física Empregado é sempre pessoa física. A legislação trabalhista tem por finalidade proteger a pessoa física, ou seja, o ser humano. Logo, não é possível um contrato de emprego com pessoa jurídica. Caso o trabalho seja prestado por pessoa jurídica, a relação não será regulada pelo direito do trabalho, mas pelo direito civil.
LEMBRETE Vimos, no capítulo anterior, que o direito do trabalho surgiu quando os obreiros se organizaram a fim de pleitear condições mais dignas de trabalho. Você deve compreender que somente pessoa física possui dignidade, e o direito do trabalho tem por finalidade proteger a dignidade do trabalhador pessoa física.
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Pessoalidade A pessoalidade significa que o serviço deve ser prestado de forma pessoal, ou seja, pelo próprio empregado. Isto ocorre porque os traços de personalidade e profissionais da pessoa contratada são determinantes na escolha de um ou outro sujeito para preencher um posto de trabalho específico. Sendo assim, é proibido que o empregado faça-se substituir por outro, exceto se houver consentimento do empregador. Em razão da característica da pessoalidade, diz-se que o contrato de trabalho é intuitu personae em relação ao empregado. Em outras palavras, é personalíssimo em relação ao empregado.
Não eventualidade Não eventualidade se relaciona com a natureza do trabalho realizado, e não com a periodicidade em que é prestado. Isto é, para ser considerado não eventual, o serviço deve ser necessário à atividade normal do empregador (que pode ser pessoa física ou jurídica), mesmo que realizado de forma intermitente. Logo, se os serviços executados pelo obreiro não têm relação com as atividades normais do patrão, eles serão considerados serviços eventuais, e aquele que os presta não será considerado empregado, mas trabalhador eventual, e não será regido pela CLT. Nesse mesmo sentido é o entendimento do jurista Sérgio Pinto Martins, que afirma: no contrato de trabalho, há a habitualidade, regularidade na prestação dos serviços, que na maioria das vezes é feita diariamente, mas poderia ser de outra forma, por exemplo: bastaria que o empregado trabalhasse uma vez ou duas por semana, toda vez no mesmo horário, para caracterizar a continuidade da prestação de serviços (MARTINS, 2010, p. 131).
Portanto, a não eventualidade não significa que o trabalho deve ser diário, contínuo, mas que haja habitualidade na prestação dos serviços. É claro que, geralmente, os serviços são prestados diariamente, mas isso não é necessário para a caracterização da relação de emprego.
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Agora analise o raciocínio de Nascimento (2004): para este autor, eventual é o trabalho que, embora exercido continuada e profissionalmente, os destinatários variam no tempo, de tal maneira que se torna impossível a fixação jurídica do trabalhador em relação a qualquer dos destinatários. Nas exatas palavras de Nascimento: eventual é o mesmo que profissional sem patrão, sem empregador, porque o seu serviço é aproveitado por inúmeros beneficiários e cada um destes se beneficia com as atividades do trabalhador em frações de tempo relativamente curtas, sem nenhum caráter de permanência ou de continuidade. Trabalho transitório, portanto, caracterizado por tarefas ocasionais de índole passageira (NASCIMENTO, 2004, p. 582-583).
Quando estudamos a característica da não eventualidade na relação de emprego, vem à tona a discussão a respeito de um profissional muito comum nos lares brasileiros. Trata-se da diarista. Sobre o assunto, apesar de a doutrina afirmar que a quantidade de dias da semana não é fator determinante para caracterizar a não eventualidade do trabalho, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem se posicionado no sentido de que a chamada diarista que trabalha em casa de família em um ou dois dias da semana como faxineira não é empregada doméstica. Isto se dá em face da falta de continuidade, requisito para reconhecimento de vínculo empregatício. A título de exemplo, segue a decisão prolatada em 16 de março de 2011, no Processo nº TST – RR – 239400-41.2006.5.09.0005, cujo relator foi o Ministro Renato de Lacerda Paiva. RECURSO DE REVISTA. VÍNCULO DE EMPREGO - CARACTERIZAÇÃO. A teor do art. 1º da Lei nº 5.859/72, constitui elemento indispensável à configuração do vínculo de emprego doméstico, a continuidade na prestação dos serviços. Assim, sendo incontroverso que a reclamante somente trabalhava duas vezes por semana para a reclamada, não há como reconhecer o vínculo empregatício. Ademais, esta Corte, já vem decidindo que no caso de diarista doméstica, que labore apenas uma ou duas vezes por semana em residência, não se vislumbra o vínculo de emprego, mas apenas prestação de serviços.
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Mas atenção: o TST também tem decidido que se o serviço de faxina for prestado no âmbito empresarial, mesmo que uma vez na semana, está caracterizado o vínculo empregatício. Veja a seguir um trecho da decisão exarada no Processo nº TSTRR-77100-74.2000.5.04.0202, relatado pelo Ministro Lelio Bentes Corrêa, em 13 de abril de 2011: VÍNCULO DE EMPREGO. FAXINEIRA. SERVIÇO PRESTADO NO ÂMBITO EMPRESARIAL. NÃO EVENTUALIDADE. O elemento fático-jurídico da não eventualidade, caracterizador da relação de emprego, traduzse pela prestação de serviços de natureza não eventual inseridos na dinâmica normal da empresa, não importando se executados em períodos alternados ou descontínuos. Constatada, na hipótese, a prestação de serviço de faxina, no âmbito da empresa, com habitualidade, subordinação e remuneração, tem-se configurada a relação de emprego entre as partes. [...] RECURSO DE REVISTA – VÍNCULO EMPREGATÍCIO - FAXINEIRA/ DIARISTA - TRABALHO EM FILIAL DE EMPRESA - NÃO EVENTUALIDADE - A constante prestação de serviços de limpeza em escritório de empresa, ainda que em apenas um dia da semana, por anos a fio, caracteriza vínculo empregatício.
Note que, para o TST, deve-se distinguir o labor prestado pela faxineira no âmbito empresarial daquele desenvolvido pela diarista no âmbito doméstico.
REFLEXÃO Ponderando o entendimento da doutrina e do TST, convidamos você fazer uma reflexão acerca do trabalho prestado pela faxineira: você diria que há ou não vínculo empregatício? No nosso entendimento, em geral, a diarista exerce suas atividades de forma independente e em dias fixados de acordo com suas disponibilidades. Ademais, ela não fica restrita a um controle rígido de horário e executa os serviços como achar melhor, pois o que importa é o resultado útil da prestação e não a forma de executá-los. Você concorda com isso?
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Capítulo 2
O próximo elemento necessário para que tenhamos a figura do empregado é a subordinação ou dependência.
Dependência Para compreender o que é a dependência em uma relação de trabalho, primeiro é necessário entender que o empregado é aquele que trabalha sob a subordinação de outrem. Agora, veja o que diz Martins (2010) sobre o tema. Para este autor, o termo dependência utilizado pelo art. 3º da CLT não é o mais adequado. A denominação mais correta seria subordinação, pois a relação existente entre patrão e obreiro não é de dependência, mas de comando. O contrário se dá em relação ao filho, por exemplo, que pode ser dependente do pai, mas não subordinado a ele.
Figura 1 – Empregada doméstica tem vínculo, ao contrário da diarista
Fonte: <http://smartexpat.sg/>
Encerra Martins (2010, p. 138): “subordinação é a obrigação que o empregado tem de cumprir as ordens determinadas pelo empregador em decorrência do contrato de trabalho”. Mas fique atento: a subordinação a que nos referimos é a subordinação jurídica, que decorre do próprio contrato de trabalho, em que o empregado se sujeita a executar seu serviço de acordo com o comando do patrão. Ao celebrar o contrato de trabalho, o obreiro se sujeita ao comando, à fiscalização, à orientação e ao poder disciplinar do empregador. Este estado de sujeição sempre estará presente, seja em maior ou menor grau, a depender da relação existente entre empregado e empregador.
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SAIBA QUE Você poderá ouvir falar que a subordinação existente entre empregado e empregador é de natureza técnica ou econômica. Porém, é importante que você compreenda as razões de a subordinação decorrente do contrato de trabalho não ser caracterizada como técnica e nem econômica.
Você saberia dizer por que a sujeição do empregado em relação ao empregador não é nem técnica nem econômica? Acompanhe a definição a seguir para compreender melhor a diferença. Perceba que a sujeição técnica existiria se o empregado dependesse dos conhecimentos técnicos do empregador. Isto até pode ocorrer, mas não é a regra, uma vez que, muitas vezes, o patrão é quem depende dos conhecimentos técnicos do empregado. E são justamente os conhecimentos especializados do trabalhador que ensejam a contratação. Logo, nem sempre ocorre a subordinação técnica, por isso, ela não é adequada. Já a sujeição econômica não deve ser utilizada para caracterizar a relação entre empregado e empregador, pois nem sempre o primeiro depende economicamente do segundo. Um exemplo do que estamos tratando pode ocorrer em caso de o empregado ter muito dinheiro e não depender economicamente de ninguém, mas mesmo assim, ainda trabalhar. Portanto, lembre-se: a sujeição existente na relação de emprego é a jurídica e decorre do poder de comando que o empregador tem sobre o empregado.
Salário Para compreender a natureza do salário, você deve ter em mente que o contrato de trabalho é sempre oneroso. Ou seja: não existe contrato de trabalho gratuito. O caráter oneroso do pacto de labor decorre tanto do conceito de empregado previsto no art. 3º da CLT quanto do conceito de empregador,
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expresso no art. 2º do mesmo diploma e que estudaremos mais adiante neste capítulo. Se alguém prestar serviço gratuito, a relação não será de emprego. É o que ocorre em trabalhos voluntários. Mas fique atento: no trabalho voluntário, a gratuidade é inerente ao serviço prestado, que tem natureza assistencial, religiosa, caridosa, familiar. Se estiver presente a finalidade lucrativa, seja direta ou indireta, o trabalho deve ser oneroso. Note que o fato de não haver pagamento e um contrato escrito entre as partes não significa a inexistência da relação de emprego. A literatura e a nossa própria experiência pessoal trazem diversos relatos de casos de relações de trabalho em que não houve pagamento, mesmo devendo ter havido. Se a natureza do trabalho é onerosa, pois traz vantagem patrimonial, direta ou indireta a um terceiro, há o dever de pagamento e existe o contrato de trabalho, mesmo que acordado de forma tácita. No capítulo 3 estudaremos o contrato individual de trabalho, momento em que você aprenderá as diferentes modalidades do contrato de trabalho, que pode ser verbal ou tácito, inclusive. Nesse momento, é importante que você perceba que a existência da relação de emprego não depende: •• do local da realização dos serviços – a CLT não obriga que o serviço seja prestado no estabelecimento do empregador. Tanto é assim que ela própria, no art. 6º, prevê a possibilidade de o trabalho ser executado em domicílio; •• da exclusividade na realização dos serviços – não existe a obrigação de o obreiro prestar serviços a somente um patrão. O empregado pode perfeitamente ter mais de um emprego, exceto se o empregador exigir exclusividade.
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CONCEITO Poder disciplinar do empregador consiste na faculdade de que este dispõe para aplicar penalidades aos empregados que descumprirem as obrigações relativas ao contrato de trabalho, visando manter a ordem e disciplina no local de trabalho. As penalidades possíveis de serem aplicadas são: advertências (verbais ou escritas), suspensões e demissão (GOMES; CALDANI, 2011).
2.2.2 Espécies de trabalhadores Além da relação de emprego comum, você conhece o elenco das outras existentes? Apesar de a relação entre empregador e empregado assalariado ser a mais corriqueira e mais bem assimilada por nós, a legislação brasileira regula outros tipos de relações de trabalho. Vamos conhecê-las? Você acompanhou até aqui a definição de empregado comum, cujos direitos são regulamentados pela CLT. Já tipos distintos de trabalhadores empregados são regidos por outras leis específicas. Nesse contexto, o primeiro importante vínculo de emprego que abordaremos a partir de agora será o constituído com o menor aprendiz.
Menor aprendiz O contrato de aprendizagem é regido pelos arts. 428 e seguintes da CLT e pode ser celebrado a partir dos 14 anos. É o que define a Constituição Federal e a CLT. Conheça a redação dada pela Constituição para regular o contrato de aprendizagem, em seu art. 7º, inciso XXXIII: Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis
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anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos (BRASIL, 1988, grifo nosso).
Agora, acompanhe o que traz o art. 428 da Consolidação das Leis do Trabalho sobre o mesmo tema: Art. 428. Contrato de aprendizagem é o contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado, em que o empregador se compromete a assegurar ao maior de 14 (quatorze) e menor de 24 (vinte e quatro) anos inscrito em programa de aprendizagem formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz, a executar com zelo e diligência as tarefas necessárias a essa formação (BRASIL, 2005, grifo nosso).
Em linhas gerais, é possível afirmar que o contrato de aprendizagem é um ajuste especial de trabalho, celebrado por escrito e por prazo determinado, de forma que o empregador deve assegurar ao aprendiz (maior de 14 e menor de 24), inscrito em programa de aprendizagem, formação técnico-profissional compatível com seu desenvolvimento físico, moral e psicológico (art. 428, CLT). Figura 2 – Lei do menor aprendiz - jovens de 14 a 24 anos no mercado de trabalho
Fonte: Frerieke <www.everystockphoto.com>
Do conceito legal trazido pela CLT, observe que o contrato de aprendizagem possui as seguintes características: •• é um contrato especial de trabalho, regulado pela CLT; •• deve ser celebrado por prazo determinado e por escrito;
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•• o aprendiz deve ter entre 14 e 24 anos (salvo portadores de deficiência, em que não há o limite de idade de 24 anos); •• o aprendiz precisa estar inscrito em programas de aprendizagem desenvolvidos sob a orientação de entidade qualificada em formação técnico-profissional metódica; •• as atividades realizadas pelo aprendiz devem contribuir para sua formação técnico-profissional e ser compatíveis com seu desenvolvimento físico, moral e psicológico; •• o contrato deve estar anotado na Carteira de Trabalho (CTPS); •• caso não concluído o ensino fundamental, o aprendiz precisa estar matriculado e frequentando a escola.
Outros trabalhadores empregados Agora, você vai estudar sobre alguns tipos de trabalhadores que, apesar de apresentarem as mesmas características do empregado descrito pela Consolidação, não recebem diretamente a proteção jurídica da CLT. Em linhas gerais, afirma o art. 7º da citada Consolidação que ela não se aplica aos empregados domésticos, aos trabalhadores rurais, aos servidores públicos e aos empregados públicos. Acompanhe uma análise a esse respeito na sequência. Art. 7º – Os preceitos constantes da presente Consolidação, salvo quando for, em cada caso, expressamente determinado em contrário, não se aplicam: a) aos empregados domésticos, assim considerados, de um modo geral, os que prestam serviços de natureza não-econômica à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas; b) aos trabalhadores rurais, assim considerados aqueles que, exercendo funções diretamente ligadas à agricultura e à pecuária, não sejam empregados em atividades que, pelos métodos de execução dos respectivos trabalhos ou pela finalidade de suas operações, se classifiquem como industriais ou comerciais; c) aos funcionários públicos da União, dos Estados e dos Municípios e aos respectivos extranumerários em serviço nas próprias repartições; d) aos servidores de autarquias paraestatais, desde que sujeitos a
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regime próprio de proteção ao trabalho que lhes assegure situação análoga à dos funcionários públicos.
Diante disto, vamos então conhecer melhor as características de cada um deles?
Empregado doméstico Segundo preceitua a Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1972, considerase empregado doméstico “aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito residencial destas” (BRASIL, 1972). Perceba que, além do fato de ser empregado, com todas as características já explicadas acima, o doméstico tem como característica a prestação de serviços: •• de natureza contínua – conforme entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, o serviço de natureza contínua é aquele prestado sem interrupção. Inclusive, reside aí a diferença entre a diarista e a doméstica, pois o reconhecimento do vínculo empregatício como doméstico está condicionado à continuidade na prestação dos serviços, o que não se aplica quando o serviço é realizado apenas alguns dias da semana; •• de finalidade não lucrativa – significa dizer que aquele que contrata o serviço, não poderá auferir lucro com ele. Assim, a cozinheira que prepara alimentos para comercialização deve ser considerada empregada comum regida pela CLT e não doméstica; •• à pessoa ou família – o trabalho doméstico é caracterizado pela confiança estabelecida entre empregado e empregador, sendo que este deve ser sempre pessoa física ou entidade familiar. De tal modo, o empregador doméstico não poderá ser pessoa jurídica; •• no âmbito residencial – significa que deve ser prestado nos limites da residência ou em atividades externas, mas servindo às pessoas que vivam nela. O mordomo, o motorista, são considerados domésticos, mas nem por isso trabalham apenas dentro do perímetro da residência.
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O mordomo, a babá, a enfermeira, o jardineiro, o motorista, o caseiro (desde que não exerça atividade com finalidade lucrativa) são exemplos de empregados domésticos.
LEMBRETE O doméstico é uma espécie de empregado, pessoa física que exerce pessoalmente uma atividade não eventual, sob a subordinação do empregador e mediante o recebimento de salário. Os serviços do doméstico devem ser de natureza contínua; não ter finalidade lucrativa; ser prestados à pessoa ou família e no âmbito residencial destas. O trabalho do doméstico é regido pela Lei nº 5.859/1972 e a ele não se aplicam as disposições da CLT, exceto quando houver disposição expressa em sentido contrário.
De acordo com previsão expressa do art. 7º, parágrafo único, da Constituição Federal, são assegurados aos domésticos os seguintes direitos, também conferidos aos outros empregados: •• •• •• •• •• •• •• •• •• ••
salário mínimo; irredutibilidade salarial; décimo terceiro; repouso semanal remunerado; férias com pelo menos 1/3 a mais do que o salário normal; licença à gestante de 120 dias, sem prejuízo da remuneração; licença paternidade de 5 dias; aviso-prévio de no mínimo 30 dias; aposentadoria; integração à previdência social.
O empregado doméstico, diferentemente dos empregados regidos pela CLT, não está incluído no regime do FGTS de forma obrigatória e automática. O pagamento de FGTS ao doméstico é facultativo.
Empregado rural Ao empregado rural, assim como aos domésticos, também não se aplicam as disposições da CLT, exceto se houver disposição expressa em contrário.
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Os direitos dos rurais são regulamentados pela Lei 5.889, de 08 de junho de 1973, que prevê em seu art. 1º a aplicação subsidiária da CLT no que não colidir com os regramentos da lei específica. Conheça a definição de empregado rural segundo o art. 2º da citada Lei: é toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário (BRASIL, 1973). Figura 3 – Empregado rural
Fonte: Ana Labate <http://www.sxc.hu>
Importante que você compreenda que a lei conceitua o trabalhador rural como aquele que presta serviços: •• em propriedade rural – propriedade rural é aquela localizada na zona rural; •• em prédio rústico – é o destinado à exploração agrícola, pecuária, extrativa ou agroindustrial, pouco importando onde está localizado, se no perímetro urbano ou rural; •• a empregador rural – é a pessoa física ou jurídica que explora atividade agroeconômica, em caráter permanente ou temporário, diretamente ou por prepostos e com auxílio de empregados (BRASIL, 1973). Perceba que a diferença entre o trabalhador comum regido pela CLT e o trabalhador rural é que este último exerce seus serviços em propriedade
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rural (ou rústico) a um empregador rural, de forma que devem estar presentes todos os outros requisitos caracterizadores do empregado. Não esqueça que para o enquadramento do trabalhador como empregado rural, é imprescindível verificar o local onde o serviço é prestado (propriedade rural ou prédio rústico) e para quem ele é prestado (empregador rural). Diversamente dos domésticos, aos empregados rurais são assegurados, em pé de igualdade com os urbanos, todos os direitos previstos no art. 7º da Constituição Federal de 1988. Há, entretanto, algumas diferenças de tratamento, em razão das peculiaridades do local e serviços como: •• horário de trabalho noturno diverso para os que trabalham na pecuária (das 20h às 4h) e na agricultura (21h às 5h), ambos com adicional mínimo de 25%. Para os trabalhadores urbanos, o trabalho noturno é aquele realizado entre 22h e 5h, com adicional de no mínimo 20%. •• aviso prévio de 30 dias, com um dia livre por semana para procurar um novo emprego, no caso de dispensa sem justa causa. O urbano pode optar entre trabalhar todos os dias 2 horas a menos ou 7 consecutivos de folga.
Empregado público O empregado público é uma espécie de agente público, que estabelece vínculo de emprego com a administração pública direta ou indireta.
SAIBA QUE A administração pública pode ser direta ou indireta. A administração pública direta é a formada pelos órgãos estatais. A indireta é formada por pessoas jurídicas de direito público (autarquias e fundações) e de direito privado (empresas públicas e sociedades de economia mista).
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Na administração direta, os agentes quase sempre são investidos em cargos de natureza pública e o vínculo de trabalho formado nada tem a ver com a CLT. Já na administração indireta, podemos observar tipos diferentes de vínculos trabalhistas. As autarquias e fundações, por exemplo, por serem pessoas jurídicas de direito público normalmente estabelecem vínculos estatutários com seus agentes, assim como na administração direta. Estes trabalhadores são regidos por lei própria denominada estatuto, e por isso são chamados de estatutários. As sociedades de economia mista e empresas públicas, por sua vez, por serem pessoas de direito privado, estabelecem relações de natureza privada com seus agentes, seguindo as mesmas regras do regime privado previstas na CLT. Mas fique atento: seja na administração direta ou indireta, tanto nas pessoas de direito público quanto nas pessoas de direito privado, toda vez que for estabelecido vínculo de emprego público, a relação será regida pelas normas previstas na CLT. A diferença é que o ingresso em cargo permanente somente pode ocorrer após aprovação prévia em concurso público. Até aqui, você estudou acerca das relações de trabalho existentes e os tipos de empregados. E o empregador? Você saberia dizer o que o define e quais seus direitos e obrigações? Para compreender o outro lado da relação de trabalho, acompanhe a próxima seção.
2.2.3 Empregador O estudo do conceito de empregador que adotamos neste livro-texto está embasado no esclarecedor ensinamento de Amauri Mascaro Nascimento. Conheça as palavras deste respeitoso autor acerca do tema por nós estudado: “será empregador todo ente para quem uma pessoa física prestar serviços continuados, subordinados e assalariados” (NASCIMENTO, 2004, p. 602).
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Capítulo 2
Observe que Nascimento parte da definição de empregado, já estudada por nós, para então chegar ao conceito de empregador. Assim, basta que você lembre do significado de empregado e logo compreenderá que aquele que o contrata será empregador. O art. 2º da CLT, por sua vez, considera empregador a empresa individual ou coletiva que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços. Do conceito legal exposto anteriormente, podemos extrair as seguintes características atribuídas ao empregador: •• empresa individual ou coletiva – empresa é uma atividade organizada com objetivo de lucro. Será individual quando constituída por uma só pessoa e coletiva quando formada por mais de uma pessoa. A empresa coletiva é a chamada sociedade empresária; •• assume os riscos da atividade econômica – implica dizer que o empregador é quem arca tanto com os resultados positivos quanto com os resultados negativos da atividade exercida. Os riscos da atividade não podem ser transferidos ao empregado, seja em caso de pequenos prejuízos ou mesmo em razão de falência da empresa; •• admite – pois é ele quem contrata pessoas com as qualificações necessárias para execução dos serviços; •• assalaria – em troca do serviço recebido o empregador deve efetuar o pagamento do salário respectivo. Conforme você já estudou quando analisamos a figura do empregado, o trabalho deve ser sempre oneroso; •• dirige – dirigir significa administrar, fiscalizar o ofício do obreiro. O empregador tem o poder de direção. Sobre este assunto, trataremos de forma mais detalhada no próximo item deste capítulo. A definição colocada no caput do art. 2º da CLT é bastante restrita no que diz respeito ao sujeito que pode ser empregador, pois somente enumera a empresa individual ou coletiva.
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Capítulo 2
Conforme definimos, empresa individual é aquela formada por uma única pessoa e coletiva é a sociedade empresária. Em razão disto, o § 1º do art. 2º traz a definição de empregador por equiparação. Veja o que consta nos termos da Lei: “equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados” (BRASIL,1943). Observe que, para fins da relação de emprego, a Lei equipara à empresa os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas e as instituições sem fins lucrativos. Ou seja, qualquer instituição com personalidade jurídica que contrate empregados e os profissionais liberais (que são os trabalhadores autônomos, com profissões regulamentadas, como o advogado, o médico, o dentista, o psicólogo etc.). A doutrina e a jurisprudência ainda acrescentam a esse rol alguns entes sem personalidade jurídica, como o condomínio, a massa falida, o espólio e a sociedade de fato.
DEFINIÇÃO Personalidade jurídica é a aptidão genérica para titularizar direitos e contrair obrigações na ordem jurídica, ou seja, é a qualidade para ser sujeito de direito. A personalidade jurídica das pessoas naturais (ou físicas) começa no nascimento com vida, conforme o art. 2º do Código Civil Brasileiro. Já a personalidade das pessoas jurídicas começa quando legalmente constituídas, que no caso das pessoas jurídicas de direito privado dá-se com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, de acordo com o art. 45 do Código Civil (BRASIL, 2002).
Para concluir, você deverá compreender que empregador é toda pessoa física ou jurídica, com ou sem fins lucrativos, ou ainda o ente sem personalidade jurídica, que contrata empregados.
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2.2.4 Poder de direção do empregador Quando analisamos o conceito de empregado, verificamos que a atividade por ele desempenhada é subordinada. Do exame do conceito de empregador, você pode constatar que é ele quem dirige, ou seja, administra, fiscaliza o serviço desenvolvido pelo obreiro. O ato dirigir o serviço confere ao empregador o poder de direção, que nada mais é do que o direito ou a faculdade de determinar o modo como a atividade do empregado será exercida. Como direito que é, o poder de direção do patrão encontra limites na Constituição, nas leis, nos acordos e convenções coletivas e no próprio contrato de trabalho. Esta faculdade conferida ao empregador fragmenta-se em três partes: •• poder de organização – cabe ao empregador organizar a atividade, determinar as metas e como atingi-las. A ele compete também determinar o número de empregados, as funções, o local e o horário de trabalho; •• poder de fiscalização – é uma faculdade legal que o legislador dá ao empregador de fiscalizar as atividades dos empregados. Por exemplo, instalar cartão de ponto, fazer revista no fim do expediente nos funcionários, instalar câmeras de vídeo etc.; •• poder disciplinar – é o direito de impor sanções disciplinares aos seus empregados. O empregador tem a faculdade legal de punir o empregado pelas faltas por ele cometidas. Ex.: o empregador pode demitir o empregado que não usa proteção adequada para executar determinadas tarefas. Esteja atento para a seguinte informação: a revista do empregado é uma forma de salvaguardar o patrimônio do patrão. Mas deve ser moderada, pois não poderá, em momento algum, violar a intimidade do indivíduo ou submetê-lo a tratamento vexatório.
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Conforme você estudou, decorre do poder de direção a faculdade de aplicar punições ao empregado quando este cometer alguma falta no desempenho de suas tarefas. Conheça agora quais tipos de penalidades podem ser impostas ao empregado: •• advertência – não consta na CLT, ou seja, é penalidade que foi criada pelos costumes. Pode ser verbal ou escrita, tem apenas efeito moral, pode ser prevista no regulamento da empresa ou não. É aplicada para penas leves cometidas pelos empregados. Ex.: atrasos, usar de forma inadequada o uniforme da empresa etc.; •• suspensão – está prevista no art. 474 da CLT. A suspensão tem efeito financeiro, pois o empregado perde o dia de trabalho. Por esta razão, somente pode ser aplicada de forma escrita e no caso de faltas graves cometidas pelo empregado que não impliquem na despedida por justa causa imediata; •• demissão por justa causa – considera-se justa causa o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. Nesta hipótese de rescisão do contrato de trabalho o empregado perde os direitos, tais como FGTS, 13º salário, férias proporcionais. Ele só tem direito a férias vencidas e saldo de salário pelos dias trabalhados. Versaremos sobre este assunto de forma mais detalhada no capítulo 5.
2.2.5 Relações de trabalho não empregatícias Segundo o que você já estudou até aqui, existem diferentes espécies de empregados, cujas relações são reguladas ora pela CLT e ora por leis específicas. Mas isto não encerra as relações de trabalho existentes. Há, ainda, relações diversas das empregatícias, dentre as quais abordaremos: trabalhador autônomo, trabalhador eventual, trabalhador avulso e estagiário. Acompanhe.
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Trabalhador autônomo Conheça a definição dada por Martins (2010, p. 157) para trabalhador autônomo: “é a pessoa física que presta serviços habitualmente por conta própria a uma ou mais de uma pessoa, assumindo os riscos de sua atividade econômica”. O que distingue o empregado do trabalhador autônomo é a ausência de subordinação entre este último e o seu tomador de serviço. Enquanto o empregado trabalha por conta alheia, o autônomo trabalha por conta própria. Como o autônomo não se sujeita ao tomador de serviço, ele também não fica sujeito a controle de horário, local de trabalho ou qualquer tipo de fiscalização. Além disso, pela sua natureza, o autônomo pode fazer-se substituir por outra pessoa sem o consentimento do tomador do serviço. Uma das espécies mais comuns de trabalhador autônomo é a do representante comercial, que é regido pela Lei n. 4.886/1965. O representante comercial assume os riscos do negócio e trabalha com objetivo de resultado, pois se não vender não será remunerado. O empregado, diferentemente, não assume os riscos do negócio e exerce uma atividade que se não trouxer resultados não lhe trará grandes prejuízos, uma vez que será remunerado mesmo assim.
SAIBA QUE Muitas empresas obrigam seus trabalhadores a constituírem firma individual para os contratarem como autônomos. Porém, a prestação do serviço é pessoal (pois ele não poderá se fazer substituir por outro) e subordinada (pois o tomador do serviço é quem dirige e fiscaliza a atividade). Sendo assim, nesses casos há intenção de burlar a legislação trabalhista, com a finalidade de deixar de pagar os encargos sociais de direito do empregado. Constatada tal situação, em razão da aplicação do princípio da primazia da realidade (que você estudou no capítulo anterior), deverá ser reconhecido o vínculo empregatício, sendo garantidos todos os direitos e encargos trabalhistas.
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Trabalhador eventual Para Martins (2010, p. 164), “trabalhador eventual é a pessoa que presta serviços esporádicos a uma ou mais de uma pessoa”. Você saberia dizer o que isto significa? O mesmo autor nos ajuda a compreender melhor as teorias que qualificam o trabalho como eventual. Acompanhe. Para a teoria do evento, eventual é o trabalhador contratado para exercer seus serviços em certo evento ou obra. Ex.: encanador que repara encanamento da empresa. Para a teoria dos fins da empresa, eventual é o que trabalha em uma atividade diversa dos fins da empresa. Ex.: eletricista que repara a instalação elétrica de uma escola. Para a teoria da descontinuidade ou da fixação jurídica do trabalhador na empresa, eventual é aquele que não presta serviços para o mesmo tomador ou empresa. Figura 4 – Trabalhador eventual: eletricista
Fonte: slagheap <www.everystockphoto.com>
Em resumo, podemos afirmar que eventual é aquele contratado para trabalhar em uma situação específica, ocasional, de forma que, finalizado o trabalho para o qual foi contratado, cessa o vínculo com essa empresa e faz-se
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com outra. Como exemplos, temos o boia-fria, que cada dia trabalha em um local, ou o chapa, que trabalha na descarga de mercadorias de caminhões.
Trabalhador avulso Trabalhador avulso “é a pessoa física que presta serviço, de natureza urbana ou rural, a diversas pessoas, sendo sindicalizado ou não, com intermediação obrigatória do sindicato da categoria profissional ou do órgão gestor de mão de obra” (MARTINS, 2010, p. 165). Este tipo de trabalhador é muito encontrado na carga e descarga de navios em portos, por exemplo, os estivadores. Chamam-se avulsos porque não são empregados nem das empresas tomadoras de serviços (pois o serviço prestado a elas é esporádico), nem da entidade que realiza a intermediação da mão de obra, uma vez que esta (sindicato ou órgão gestor de mão de obra) não exerce atividade lucrativa e funciona como mero agente intermediador. Além disso, a empresa tomadora sequer escolhe os obreiros que exercerão os serviços, inexistindo a característica da pessoalidade necessária para a caracterização do emprego. Em resumo, o trabalhador avulso caracteriza-se pela: •• intermediação de mão de obra por sindicato ou órgão gestor de mão de obra; •• liberdade na prestação do serviço, já que não há vínculo de emprego com qualquer empresa; •• breve duração do serviço a um tomador específico.
SAIBA QUE
Apesar de não possuir vínculo empregatício com ninguém, o art. 7º, inciso XXXIV, da Constituição Federal estabeleceu igualdade de direitos entre o trabalhador empregado e o avulso.
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Estagiário A atividade do estagiário está disciplinada pela Lei n. 11.788, de 29 de setembro de 2008. Esta lei ampliou significativamente os direitos conferidos aos estagiários. De acordo com o seu art. 1º: Estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam freqüentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos (BRASIL, 2008, grifo nosso).
Note que o trabalho de estágio tem como objetivo a preparação profissional do estudante que esteja frequentando os bancos escolares. Por isso, as atividades do estagiário devem ser compatíveis com o curso que o estudante estiver frequentando. Apesar de na atividade de estágio existir pessoalidade, subordinação, continuidade e até pagamento, ela se diferencia do trabalho empregado em razão de seu caráter profissional pedagógico. O estágio pode ser obrigatório ou não. Será obrigatório quando constar no projeto curricular do curso como requisito para aprovação e obtenção do diploma. Será não obrigatório quando desenvolvido como atividade opcional. Ainda conforme a mesma lei, podem conceder estágio os profissionais liberais de nível superior, as pessoas jurídicas de direito privado e os órgãos da administração pública direta ou indireta (art. 9º). Conheça os requisitos para a configuração do contrato de estágio (art. 3º): •• matrícula e frequência regular em curso regular (de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos), com atestado da instituição de ensino; •• celebração de um termo de compromisso envolvendo três partes: o educando, a instituição de ensino e parte concedente (é aquele que oferece o estágio);
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•• compatibilidade entre as funções do estágio e do curso frequentado (que devem estar previstas no termo de compromisso). O trabalho de estágio é formalizado por termo de compromisso de estágio, e não propriamente de contrato de estágio. É preciso ficar atento que, conforme previsão da Lei do estágio, o descumprimento de qualquer das características citadas ou, ainda, de qualquer das obrigações contidas no termo de compromisso descaracteriza o trabalho de estágio e caracteriza vínculo empregatício entre estudante e a parte concedente. Nesse caso, a parte concedente transforma-se em empregadora e deverá cumprir todas as obrigações trabalhistas e previdenciárias em relação ao educando, que será considerado empregado e não estagiário.
LEMBRETE Se a parte concedente do estágio for a administração pública direta ou indireta, não poderá ser reconhecido vínculo empregatício entre o estagiário e a administração. Isto ocorre porque, conforme estudamos no tópico referente ao empregado público, a relação de emprego permanente com a administração deve ser precedida de concurso público. Nesse caso, apenas será considerado finalizado o contrato de estágio.
Funções como a de office boy, por exemplo, são incompatíveis com qualquer tipo de estágio, pois não se relacionam com nenhum aprendizado ou profissão específica. Nessa situação, o “estagiário” será considerado empregado. Em se tratando de estágio não obrigatório, o estagiário terá direito ao: •• recebimento de contraprestação e auxílio-transporte; •• gozo de um período de recesso remunerado de 30 dias, quando o termo de compromisso de estágio tiver duração igual ou superior a 1 (um) ano.
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SAIBA QUE O período de recesso ao qual a lei se refere, apesar de ser remunerado (quando o estagiário receber bolsa ou outra forma de contraprestação), não se confunde com as férias concedidas ao empregado por ocasião do contrato de trabalho. Sobre as férias, trataremos de forma mais detalhada no capítulo 4 deste livro-texto.
Convido você a aplicar o que estudou até aqui.
2.3 Aplicando a teoria na prática Agora que você ampliou seus conhecimentos sobre os principais tipos de empregados e relações de trabalho, é hora de refletir sobre o conteúdo estudado. Para isso, leia com atenção o caso a seguir. Ana executou durante anos, todos os dias da semana, serviços de limpeza e alimentação de uma família no âmbito residencial desta. A partir de uma determinada data, sua patroa começou a fazer docinhos para festas infantis. Prontamente, Ana se ofereceu para auxiliá-la. Suponha que Ana venha pedir seus conselhos a respeito da situação por ela vivida. Diante deste caso, em que ela, além de fazer os serviços da casa, auxilia a patroa na fabricação artesanal dos docinhos, qual seria sua orientação? Você considera que é possível enquadrá-la em qual espécie de trabalhadora? Para chegar às suas conclusões, você deveria se ater ao fato de que, inicialmente, Ana somente trabalhava no âmbito residencial em atividades que não tinham finalidade lucrativa (limpeza da casa e alimentação da família). Posteriormente, além desses serviços, Ana passou a auxiliar a patroa com os docinhos. Apesar de o trabalho ficar no âmbito residencial, a nova atividade tem finalidade lucrativa, já que a patroa produzirá os docinhos com o objetivo de comercializá-los para festas infantis.
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Ou seja, a partir desse momento, o serviço prestado por Ana assumiu também um cunho lucrativo da patroa, motivo pelo qual Ana passa a ser considerada empregada comum, regida pela CLT, e não mais somente uma doméstica. Para chegar a esta conclusão, basta lembrar do que estudamos: o doméstico só será assim considerado quando a atividade por ele exercida no âmbito familiar não tiver qualquer finalidade lucrativa.
2.4 Para saber mais Capítulo: Direito público nas relações de trabalho Autor: Saraiva, R. Livro: Direito do Trabalho
Editora: Método
Ano: 2009
Sugiro que você leia o capítulo 9 da obra de autoria do professor Renato Saraiva, em que ele trata das relações de trabalho do servidor público. O objetivo é que você compreenda melhor as diferenças existentes entre o empregado público regido pela CLT e o servidor público.
Videoclipe: Relação de emprego e relação de trabalho Autor: Paiva, D. / TV Justiça
Ano: XXXX
URL: <http://www.tvjustica.jus.br/programas.php?id_programas=101/> Sugiro que você consulte o material e, se possível, assista aos cinco vídeos do programa Saber Direito, da TV Justiça, em que a professora Déborah Paiva explica o que é relação de emprego e quais são os requisitos necessários para que um trabalhador tenha a carteira assinada pelo empregador e, em consequência, receba todos os direitos trabalhistas. Ela aborda a questão do contrato especial do trabalhador rural e das correntes doutrinárias e jurisprudenciais em relação ao tema, fazendo a distinção entre o enquadramento do empregado rural e do empregado urbano. A advogada ainda analisa a questão da responsabilidade civil decorrente de erro médico cometido pelo médico empregado ou trabalhador autônomo.
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2.5 Relembrando Você estudou, neste capítulo, que: •• empregado é a pessoa física que presta pessoalmente a terceiro, serviços de natureza não eventual, de forma subordinada e mediante o recebimento de salário; •• ao doméstico e ao rural não se aplicam as normas previstas na CLT, exceto se houver previsão expressa em contrário; •• a Constituição Federal de 1988 conferiu igualdade de tratamento entre o trabalhador urbano e o rural. Em razão disso, são conferidos aos rurais todos os direitos previstos no art. 7º. Ao doméstico, diferentemente, é reconhecida a maioria desses direitos, mas não todos; •• o art. 2º da CLT considera empregador a empresa individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços; •• em uma acepção mais simples, podemos afirmar que empregador é toda pessoa física ou jurídica, com ou sem fins lucrativos, e ainda o ente sem personalidade jurídica, que contrata empregados; •• são relações de trabalho não empregatícias e, portanto, não regidas pela CLT, a do trabalhador autônomo, trabalhador avulso, trabalhador eventual e estagiário.
2.6 Testando os seus conhecimentos 1) Identifique qual dos trabalhadores tem seu vínculo empregatício regido pela CLT? a) o doméstico. b) o menor aprendiz. c) o estagiário. d) o rural.
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2) São características do trabalhador empregado regido pela CLT, exceto: a) a habitualidade na prestação dos serviços. b) a existência de subordinação jurídica do empregado em relação ao empregador. c) a existência de dependência econômica do empregado em relação do empregador. d) o pagamento de salário. 3) Assinale a alternativa incorreta. a) Se um vendedor de uma loja presta serviço não eventual, seguindo ordens do tomador de serviços, mas este, em vez de lhe pagar salário, apenas lhe transfere um percentual sobre a venda realizada, podemos afirmar que este trabalhador é autônomo. b) Trabalhador autônomo é a pessoa física que presta serviços habitualmente, por conta própria, ou seja, sem ser subordinado a empregador algum, e ainda assume os riscos da atividade econômica exercida. c) O estagiário não é considerado empregado, pois o trabalho por ele realizado tem como objetivo a preparação profissional do estudante que esteja frequentando os bancos escolares. Se descumpridos os requisitos da lei e do termo de compromisso de estágio, deverá ser reconhecido vínculo empregatício entre o estagiário e o tomador de serviços, exceto se este for a administração pública. d) Trabalhador avulso é a pessoa física que presta serviço, de natureza urbana ou rural, a diversas pessoas, sendo sindicalizado ou não, com intermediação obrigatória do sindicato da categoria profissional ou do órgão gestor de mão de obra.
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Onde encontrar BRASIL. Lei n. 5.859, de 11 de setembro de 1972. Dispõe sobre a profissão de empregado doméstico e dá outras providências. Disponível em: <www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5859.htm> Acesso em: 12 ago. 2011. _____. Decreto-lei n. 5.452. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm> Acesso em: 10 ago. 2011. _____. Lei n. 10.406. Institui o Código Civil. Disponível em: <www.planalto. gov.br/ccivil_03/ leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 11 ago. 2011. GOMES, L. A.; CALDANI, A. Poder disciplinar do empregador e espécies de penalidades. Juris. Disponível em: <www.juris.org/publicacoes/poder-disciplinardo-empregador-e-especies-de-penalidades>. Acesso em: 18 ago. 2011. MARTINS, S. P. Direito do trabalho. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2010. NASCIMENTO, A. M. Curso de direito do trabalho. História e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. 19. ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2004. TST. Processo n. RR-239400-41.2006.5.09.0005. Disponível em: <www.jusbrasil. com.br/diarios/25238750/tst-10-03-2011-pg-397>. Acesso em: 12 ago. 2011. TST. Processo nº RR-77100-74.2000.5.04.0202. Disponível em: <www.jusbrasil. com.br/diarios/25919089/tst-07-04-2011-pg-395>. Acesso em: 12 ago. 2011.
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