Revista Científica Ciência e Cultura

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REVISTA CIENTÍFICA CIÊNCIA E CULTURA

Faculdade Padrão de Goiânia

FACULDADE PADRÃO DE GOIÂNIA


Diretor(a) Geral Profª Ma. Dóris de Fátima Reis Mendes Secretária Geral Walter Paulo de Oliveira Jr. Editor Responsável Profa. Dra. Alairdes Maria Ferreira Rocha Profª. Ma. Werianny Santiago Rassi Profª Esp. Flávia Cristina de Sousa Conselho Editorial Profa. Ma. Marcia Fredrich- Pedagogia Prof. Ma. Débora Ravagnani Dias- Pedagogia Profº. Esp. Ilton Belchior Cruvinel- Administração Profª Ma. Karoline Andrade de Alencar- Administração Profª Ma. Marta Luíza Leszczynski Salib- Direito Profª Ma. Uianã Cordeiro Cruvinel Borges- Ciências Contábeis Prof. Dr. Walmirton Bezerra D’Alessandro- Biomedicina Profº Dr. Benedito Rodrigues da Silva Neto- Fisioterapia/Enfermagem Profº Dr. Adelmar Santos de Araújo- Educação Profª Ma. Dóris de Fátima Reis Mendes

Revisão Geral Profa. Dra. Alairdes Maria Ferreira Rocha Profª. Ma. Werianny Santiago Rassi Profª Esp. Flávia Cristina de Sousa

EDITORIAL


A Revista Científica Ciência e Cultura da Faculdade Padrão de Goiânia é uma publicação semestral, para divulgação de trabalhos técnico-científicos e outros textos acadêmicos originais, provenientes de pesquisas de interesse nas áreas: Administração, Biomedicina, Ciências Contábeis, Direito, Enfermagem, Fisioterapia, Letras, Pedagogia desenvolvidos pelo Projeto de Iniciação Científica – PIC, Monografias na forma de artigos e demais interessados da comunidade acadêmica, mediante processo de cadastramento dos interessados à submissão de artigos no sitio da revista, com posterior avaliação dos pareceristas e de membros do Conselho Editorial de maneira a garantir a interdisciplinaridade. A principal forma de contribuição é o Artigo, entretanto, a Revista Científica Ciência e Cultura também possibilita a publicação de Notas Científicas e Revisões a convite do Editor. Cada volume se divide em dois números, com um mínimo de cinco artigos aprovados pelo Conselho Editorial, pertinentes às temáticas e pesquisas de interesse.

Alairdes Maria Ferreira Rocha Editora

SUMÁRIO


O Sistema Acusatório Processual Penal e a Iniciativa Probatória do Juiz – afronta a preceitos constitucionais........................................................................................... 01

Interferência do Merchandising e do Marketing Verde no Comportamento dos Consumidores........................................................................................................... 24 Descrição de Cargos e Salários – um estudo de caso com Hiper Moreira GoiâniaGO................................................................................................................... 41

Bibliometria em Gestão por Processos.................................................................. 66

Família e escola - Rompendo Barreiras, Fortalecendo Relações............................ 78

Aplicações da Biologia Molecular no Diagnóstico da Anemia Falciforme................ 93

Estudo de caso sobre Endofitalmite Fúngica no Hospital Santa Terezinha em GoiâniaGO............................................................................................................. 116 Damas “Negras” – de Isaura a Rita Baiana e Bertoleza – a construção da personagem............................................................................................................. 138

O analisar hoje........................................................................................................ 159


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O SISTEMA ACUSATÓRIO PROCESSUAL PENAL E A INICIATIVA PROBATÓRIA DO JUIZ – AFRONTA A PRECEITOS CONSTITUCIONAIS

Renato Batista de Paula1 Luciana Gorayeb2

RESUMO: A prova processual constitui-se, por excelência, num elemento indispensável à formação do convencimento jurisdicional, tratando-se de componente intrínseco à prolação da sentença. No decorrer do sistema inquisitório a prova foi obtida por meios escusos e violentos, quando o acusado era apenas um mero objeto do processo, desprovido de contraditório e ampla defesa. Com o advento da Revolução Francesa, no século XVIII, iniciouse um movimento de libertação do despotismo estatal, buscando a ampliação dos direitos civis, políticos e, na seara penal, o respeito à dignidade do ser humano como sujeito de direitos. Com a edição do Código de Processo Penal de 1941, ocorreram alguns avanços quanto à modernização do processo, mas o mencionado estatuto não conseguiu desvencilhar-se, de todo, dos estilhaços inquisitórios. No Brasil, o auge da humanização do processo penal ocorreu com o advento da Constituição da República de 1988, notadamente, por meio de um arcabouço principiológico que dignou-se reger a matéria. Tais preceitos desenharam um sistema acusatório que, dentre outros, manifesta-se pelos princípios da inércia da jurisdição, pela imparcialidade do juiz, pelo contraditório e ampla defesa e pela presunção de inocência do acusado. Ocorre que na contramão do sistema libertador, a reforma do Código de Processo Penal, arquitetada pela Lei nº 11.690/08, conferiu nova redação do art. 156 e acrescentou o inciso I ao dispositivo, permitindo ao juiz de direito, de ofício, mesmo antes de iniciada a ação penal, determinar a produção de provas, numa evidente afronta ao sistema acusatório, eleito democraticamente pela Constituição. Palavras-Chave: Sistema Acusatório. Prova Processual. Juiz de Direito. Princípios Constitucionais.

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Renato Batista de Paula – Graduado em Direito pela Faculdade Padrão de Goiânia-Brasil – Email: renatobatistapc@gmail.com Luciana Gorayeb - Professora do Curso de Direito da Faculdade Padrão de Goiânia-Brasil – Email: lucianagorayeb@hotmail.com


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ABSTRACT: The procedural evidence constitutes by excellence, a necessary element in the formation of the court conviction, the case of intrinsic component judgment is delivered. During the inquisitorial system proof was obtained by illegal and violent means, when the accused was a mere object of the proceedings devoid of contradictory and full defense. With the advent of the French Revolution in the eighteenth century, began a movement for the liberation of state despotism, seeking the expansion of civil, political and, in the criminal area, the respect for the dignity of the human being as an individual with rights. With the enactment of the Criminal Procedure Code of 1941, there were some advances in the process of modernization, but the mentioned status could not pull away, at all, of inquisitorial shrapnel. In Brazil, the height of the humanization of criminal procedure occurred with the advent of the Constitution of 1988, notably through principle framework that deigned to govern the matter. Such precepts designed an accusatory system that, among others, manifested by the principles of inertia of jurisdiction, the impartiality of the judge, the contradictory and full defense of the accused and the presumption of innocence. That occurs counter to the delivery system, the reform of the Criminal Procedure Code, devised by Law No. 11.690/08, gave new wording of art. 156 and added the item I to the device, allowing the judge, ex officio, even before the start of the criminal action, determine the production of evidence, a clear affront to the adversarial system, democratically elected by the Constitution. Keywords: Adversarial System. Procedural proof. Judge. Constitutional Principles.

1 INTRODUÇÃO

O Processo Penal pode ser conceituado como o modo ou os diversos modos por meio dos quais o ordenamento jurídico tutela o regramento das ações criminais, juntamente com os atos da justiça pública, objetivando, precipuamente, a solução dos conflitos penais, a bem da pacificação social. A Constituição Federal do Brasil, de 1988, signatária dos ideais libertadores que impulsionaram a Revolução Francesa (1789), deu origem a um arcabouço principiológico destinado a construir uma harmonização quanto às finalidades processuais na esfera criminal, atendendo aos anseios da Assembleia Constituinte, salutares a uma nova sistemática jurídica,


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dentre os quais destacamos: “Princípio da Imparcialidade do Juiz”, “Princípio da Inércia da Jurisdição”, “Princípio da Presunção de Inocência”, “Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa”. Esses pilares jurídico-constitucionais foram instituídos a partir do desejo de buscar uma real efetivação de garantias e de direitos. No entanto, fundada no utópico “Princípio da Verdade Real”, a reforma do Código de Ritos, orquestrada pela Lei 11.690/2008, trouxe também vários questionamentos no meio jurídico, mais precisamente na adequação de tais regras ao ordenamento hodierno. Assim, a redação inserida pela reforma, constante no artigo 156, inciso I, do Código de Processo Penal, autoriza o Juiz de Direito, de ofício, antes mesmo de haver propositura de ação penal, ou qualquer outra provocação, atuar na produção de provas. Esse juízo de instrução probatória, inclusive de ofício, não coaduna com os preceitos constitucionais que compõem o Sistema Acusatório, pois este preconiza uma evidente distinção nas atuações de acusar e julgar, aduzindo que a iniciativa referente à produção de provas fica a cargo das partes, constituindo-se o Juiz num ente imparcial. Contudo, ao determinar a produção de provas, de ofício, a atuação desse magistrado termina por importar traços do já superado Sistema Inquisitório, o qual teve seu auge durante a Idade Média quando do surgimento da famigerada “Santa Inquisição”. Na esteira de uma visão panorâmica, dependente de uma pormenorização fática e jurídica, tem-se que essa nova redação trazida com a reforma processual penal, quando do advento do instituto probatório, ex offício, pelo magistrado, promulga um flagrante atentado aos princípios construtores do Sistema Acusatório, elegido democraticamente pela Constituição Federal de 1988, como que um golpe a valores sociais historicamente agregados. Destarte, importante uma análise e reflexão sobre o tema ora abordado, visto que o processo é também um meio de pacificação social, sendo ainda relevante à comunidade acadêmica quando da formação de um pensamento jurídico-social que atenda às demandas atuais, mas protegendo as liberdades até aqui conquistadas.


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2 BREVE HISTÓRICO SOBRE O SISTEMA PROCESSUAL PENAL ACUSATÓRIO

O sistema acusatório constitui-se no modelo compatível com as garantias constitucionais que são imperativas no regime democrático de direito. Suas raízes remontam ao direito grego, nas chamadas “ações populares”, quando os cidadãos do povo estavam legitimados a participarem diretamente do múnus da acusação, notadamente nos delitos de natureza grave. Situação semelhante ocorria no direito romano, nas chamadas delictas publicas, quando, por exemplo, ocorressem crimes como a deserção, o furto de gado e a danificação de edifícios públicos. Na essência, o processo era iniciado e desenvolvido por um integrante voluntário do povo, ou por um órgão não estatal. Já o magistrado permanecia inerte quanto à produção das provas, que por sua vez, eram examinadas na ocasião do julgamento, no exercício da jurisdição. Sob o sistema acusatório o juiz mantinha sua imparcialidade processual, enquanto que a gestão probatória estava conferida às partes, não se tolerando denúncias anônimas e nem processo desprovido de acusador conhecido. A persecução penal não poderia ser iniciada de ofício pelo juiz e, uma vez oferecida a denúncia, essa deveria ser por escrito, respeitados o contraditório e a defesa. As provas deveriam ser idôneas e indicadas também por escrito pelo acusador, representado por um integrante do povo, sob pena de denunciação caluniosa. Os julgamentos não eram realizados em oculto, mas aos olhos do público. Até meados do século XII predominou o sistema acusatório. A partir de então foi sendo substituído, de forma gradativa, pelo sistema inquisitório, cujo ápice deu-se no século XIII, com relevante contribuição do processo canônico, sob o qual foram instituídos a barbárie e o desprezo aos direitos e garantias do acusado. Mas foi a partir do século XVIII, movido pelos ideais filosóficos libertadores da Revolução Francesa, que os traços inquisitórios foram sendo abandonados pelas legislações que se seguiram, sob o viés da valorização da dignidade da pessoa humana. Discorrendo sobre o sistema acusatório, Mossin (2010, p. 3):

O sistema em espécie reúne, basicamente, os seguintes requisitos: a) julgamento feito por populares (jurados) ou por órgãos judiciários totalmente


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imparciais; b) igualdade das partes; c) liberdade das partes quanto à apresentação das provas, não podendo o juiz exercer ato de natureza persecutória; d) impossibilidade de o juiz provocar sua própria jurisdição, ficando esta na dependência das partes; e) processo oral, público e contraditório; f) livre convicção quanto à apreciação das provas; g) liberdade do acusado como regra, admitindo-se, excepcionalmente, a prisão preventiva; h) a sentença faz coisa julgada.

No que diz respeito à legislação brasileira, o ponto culminante foi a edição e vigência da Constituição da República de 1988, que inaugurou um conjunto de princípios e garantias em âmbito processual penal, que acabaram por desenhar, incontestavelmente, um modelo de sistema acusatório; o que não poderia ser diferente, tendo em vista a inserção do Brasil num estado democrático de direito. Portanto, não se trata de uma declaração expressa do tal sistema, mas sim, através de uma interpretação sistemática dos pilares constitucionais norteadores da matéria adjetiva. É digno de assentamento que as características do sistema acusatório estão esculpidas na Carta Magna, como exemplos: a exclusividade na propositura da ação penal pública por parte do Ministério Público, como anotado no art. 129, I; a previsão expressa do direito do acusado ao contraditório e a ampla defesa, nos termos do art. 5º, LV; o imperativo do devido processo legal, como instrumento indispensável à jurisdição, como depreende-se da leitura do art. 5º, LIV; a prerrogativa indisponível de ser o denunciado presumidamente inocente, nos termos do art. 5º, LVII; e pela exigência de que todas as decisões jurisdicionais sejam públicas e devidamente fundamentadas, como determinado no art. 93, IX. Sobre o sistema acusatório e sua adoção pela legislação brasileira, Capez (2012, p. 80):

O juiz não pode dar início ao processo sem a provocação da parte. Cabe ao Ministério Público promover privativamente a ação penal pública (CF, art. 129, I) e ao ofendido, a ação penal privada, inclusive a subsidiária da pública (CPP, arts. 29 e 30; CF art. 5º LIX). Com base neste princípio, alguns tribunais têm sustentado a insubsistência do recurso ex officio, previsto nos arts. 574 e 746 do Código de Processo Penal. O princípio é decorrência da adoção, pelo direito processual brasileiro, do sistema de processo acusatório.

Na mesma esteira interpretativa, Rangel (2010, p. 53):


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Hodiernamente, no direito pátrio, vige o sistema acusatório (cf. art. 129, I, da CFRB), pois a função de acusar foi entregue, privativamente, a um órgão distinto: o Ministério público, e, em casos excepcionais, ao particular. Não temos a figura do juiz instrutor, pois a fase preliminar e informativa que temos antes da propositura da ação penal é a do inquérito policial e este é presidido pela autoridade policial. Durante o inquérito policial, como vamos ver mais adiante (...), o sigilo e a inquisitividade imperam, porém, uma vez instaurada a ação penal, o processo torna-se público, contraditório, e são asseguradas aos acusados todas as garantias constitucionais .

Destarte, na atual conjuntura política e social do século XXI, o sistema acusatório constitui-se num imperativo processual penal, pois garante a liberdade psicológica do Estado-juiz em relação às provas coligidas pelas partes, e promove digno e respeitoso tratamento ao acusado, como sujeito de direitos; evitando ainda a perpetração de eventuais abusos por parte do “juiz investigador”, quando de sua odisséia probatória.

3 REFORMA PROCESSUAL ARQUITETADA PELA LEI 11.690/08 – A GESTÃO PROBATÓRIA DO JUIZ

A imparcialidade do juiz é uma garantia do sistema acusatório, eleito pela Constituição Federal de 1988. No entanto, fica evidentemente comprometida quando estamos diante da figura de um juiz-instrutor. Foi o que ocorreu ao entrar em vigor a Lei Federal nº 11.690, de 09 de junho de 2008, que alterou vários dispositivos do Código de Processo Penal, notadamente, no que concerne ao art. 156 do mencionado estatuto, in verbis:

Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:

I – Ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;


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Os efeitos imediatos da reforma sobre o estatuto foram a inclusão do inciso acima epigrafado e uma nova redação conferida ao caput. Outrossim, paralelamente às mudanças na leitura e interpretação do dispositivo, surgiram vários questionamentos jurídicos e controvérsias doutrinárias acerca de sua harmonia com os preceitos constitucionais do sistema acusatório. Ora, não se concebe, no âmbito de uma estrutura acusatória de processo penal, que haja espaço para o magistrado gerir provas, muito menos de ofício, condição essa que compromete, evidentemente, o princípio da imparcialidade do juiz, imperativo do sistema processual em comento. Para que se declare a existência de tal sistemática, não é suficiente uma simples separação das funções persecutórias de acusar e julgar, se o mesmo juiz, no decorrer do processo, tiver a liberdade de determinar que se produzam provas, sejam elas de que natureza forem. Ao permitir que o magistrado possa gerir provas, inclusive na fase administrativa da persecução penal, fica evidente a adoção do princípio áureo que caracterizou o já superado sistema inquisitório. A incongruência que se observa no citado dispositivo é de tal relevância que permite ao juiz determinar que se produzam “provas” na fase do inquérito, para depois, na fase processual, esse mesmo juiz exercer jurisdição, a partir de “provas” por ele mesmo arquitetadas no momento investigativo. Nessa circunstância, uma vez persuadido pela convicção dessa “prova”, o juiz apenas confirmará na sentença o julgamento que fizera antecipadamente quando ordenou sua produção. Isso não condiz com os preceitos da democracia, onde o acusado é presumidamente inocente até sentença criminal transitada em julgado. Essa é a interpretação de Lopes Junior (2014, p. 171):

O art. 156 sempre foi um grande problema, especialmente para aqueles comprometidos com o sistema acusatório–constitucional. Incrivelmente, com a reforma pontual operada pela Lei n. 11.690/2008, ficou ainda pior. A nova redação, além de incorrer no erro de manter a figura do juiz-ator, foi mais longe, permitindo no inciso I que o juiz “de ofício”, ordene, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade.


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No que concerne à redação do inciso I, do artigo 156, observa-se uma aparente confusão normativa com o que está consignado na primeira parte do art. 155, do Código de Processo Penal. No segundo artigo lemos que “o juiz formará sua convicção pela livre 1 apreciação da prova produzida em contraditório judicial (...)”. Isso é perfeitamente aceitável, tendo em vista que prova, em essência, é elemento de convicção produzido sob contraditório judicial, onde há o exercício do contraditório e da ampla defesa. Já no inciso I, do art. 156, o juiz poderá “ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes (...)”. Ora, se prova é todo elemento de convicção produzido sob contraditório judicial, não podem aqueles produzidos na fase do inquérito serem considerados como prova, pois nesse momento não existe contraditório nem mesmo ampla defesa. E mais. Se os elementos produzidos sob a reitoria do magistrado na fase do inquérito policial fossem considerados provas, então não existiria nenhum óbice para que o juiz pudesse julgar o deslinde pelo livre convencimento dessas “provas”, sem que as mesmas fossem reproduzidas na fase judicial. A justificativa do inciso I, do art. 156, para autorizar que o juiz determine a produção de provas, tanto na fase investigativa, quanto na fase judicial, são as condições de urgência e relevância. Utilizando-se dos mesmos parâmetros (urgência e relevância), por analogia, poderia também a autoridade policial, no curso do inquérito, determinar alguma diligência que, pela urgência ou relevância do momento, ignorasse algumas das garantias constitucionais do investigado. Isso é inaceitável, além do que, o delegado de polícia incorreria em abuso de autoridade. Não é tolerável o sacrifício de garantias sedimentadas historicamente a pretexto de uma melhor instrumentalidade processual, sob a batuta do Estado. Sobre essa problemática probatória, Rangel (2010, p. 495):

Há uma perfeita contradição lógica entre os arts. 155 e 156. No primeiro o juiz somente poderá condenar com base nas provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório, não sendo lícito fundamentar sua decisão com


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base em provas do inquérito. Contudo, no segundo (art. 156), poderá ele determinar, na fase de inquérito, diligências à produção de provas relevantes. Ora, como imaginar um juiz isento que colhe a prova no inquérito, mas não a leva em consideração na hora de dar a sentença? A reforma pensa que o juiz é um ser não humano. Um extraterrestre que desce de seu planeta, colhe a prova, preside o processo, julga e volta à sua galáxia, totalmente imparcial. Inocência. Juiz é um ser humano como outro qualquer dotado de emoção, paixão, egoísmo, altruísmo, ódio, amor e, claro, “sentimento de justiça”.

Além das condições de urgência e relevância, o legislador ainda utilizou-se dos requisitos inerentes ao princípio da proporcionalidade, para justificar a produção antecipada das provas por parte do juiz de direito. Tal princípio não pode, jamais, mitigar os preceitos constitucionais que desenharam o sistema acusatório. Contudo, se o legislador desejou proporcionar melhores condições para que o Estado-juiz possa aplicar o direito e promover a pacificação social, deveria aprimorar a própria dialética processual para que as partes tenham condições mais eficientes, e que o processo seja, o mais possível, aproximado do conceito de justiça.

4 DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA

Ônus é um termo cuja etimologia vem do latim: “oneris”, que possui como significados: “encargo”, “peso”, “aquilo que sobrecarrega alguém”. Direcionando tais significados ao mundo jurídico, mais precisamente às lides processuais penais, temos que a essência dessa palavra é traduzida pelo “encargo que as partes assumem para produzir as provas e as alegações necessárias à fundamentação de suas postulações”. Trata-se de uma obrigação processual. Entretanto, nosso estatuto adjetivo deve ser contemplado pelo ângulo da exigência constitucional do estado de inocência do réu, como uma máxima do sistema probatório consignado nos direitos e garantias fundamentais, esculpidos na Constituição Federal de 1988, notadamente em seu art. 5º, inciso LVII, com a seguinte redação:


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Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

Sendo o réu presumidamente inocente, em virtude de um postulado superior, não há que se falar no ônus da prova de sua inocência, pois essa condição soaria contrariamente ao preceito magno. Ao contrário, numa interpretação sistemática das normas constitucionais reitoras do processo penal, a prova da alegação caberá ao órgão acusatório, especificamente ao Ministério Público nos crimes de ação pública, plena e incondicionada, ou naqueles de ação condicionada à representação. Assim nos ensina o doutrinador Pacelli de Oliveira (2011, p. 335):

Cabe, assim, à acusação, diante do princípio da inocência, a prova quanto à materialidade do fato (sua existência) e de sua autoria, não se impondo o ônus de demonstrar a inexistência de qualquer situação excludente da ilicitude ou mesmo da culpabilidade.

Foi com esse entendimento que o Supremo Tribunal Federal se manifestou no presente julgado, exercendo seu múnus como guardião das garantias constitucionais indisponíveis, com adiante se vê:

EMENTA: HABEAS CORPUS - PROVA CRIMINAL - MENORIDADE RECONHECIMENTO - CORRUPÇÃO DE MENORES (LEI Nº 2.252/54) INEXISTÊNCIA DE PROVA ESPECÍFICA - IMPOSSIBILIDADE DE CONFIGURAÇÃO TÍPICA DA CONDUTA IMPUTADA AO RÉU CONDENAÇÃO POR OUTROS ILÍCITOS PENAIS - EXACERBAÇÃO DA PENA - DECISÃO PLENAMENTE MOTIVADA - LEGITIMIDADE DO TRATAMENTO PENAL MAIS RIGOROSO - PEDIDO DEFERIDO EM PARTE. MENORIDADE - COMPROVAÇÃO - CERTIDÃO DE NASCIMENTO - AUSÊNCIA - DESCARACTERIZAÇÃO TÍPICA DO CRIME DE CORRUPÇÃO DE MENORES. - Ao delinear um círculo de proteção em torno da pessoa do réu - que jamais se presume culpado, até que sobrevenha irrecorrível sentença condenatória -, o processo penal revela-se instrumento que inibe a opressão judicial e que, condicionado por parâmetros ético-jurídicos, impõe ao órgão acusador o ônus integral da prova, ao mesmo tempo em que faculta ao acusado, que jamais necessita demonstrar a sua inocência, o direito de defender-se e de questionar,


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criticamente, sob a égide do contraditório, todos os elementos probatórios produzidos pelo Ministério Público (...). (STF – HC 73338 /RJ –Ministro Relator Celso de Mello – 13.08.1996)

Assim, numa interpretação conforme a Constituição do dispositivo invocado, caberá ao órgão acusador, com vistas no princípio da inocência, a prova da materialidade do fato e de sua autoria, ou seja, se realmente existiu a ocorrência de um crime, quem foi seu protagonista, e se este é penalmente e/ou mentalmente capaz. Quanto ao réu, no âmbito de um Estado Constitucional Democrático de Direito, não lhe cabe o ônus de provar sua inocência. Em relação ao órgão jurisdicional, resguarda-se o momento da apreciação da peça acusatória, nos termos dos arts. 395 e 396, ambos do Código de Processo penal, não cabendo ao juiz, numa visão de Constituição, tutelar a fase investigatória nem mesmo tomar providências de ofício na colheita das provas, pois trata-se de um sujeito processual e não parte na relação jurídica.

5. SUBVERSÃO A PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS REITORES DO PROCESSO PENAL

5.1 Princípio da Imparcialidade do Juiz

Nada mais é do que uma garantia processual que, embora não previsto expressamente em lei, decorre de uma interpretação sistemática da Constituição Federal de 1988, especificamente no art. 95, em seu parágrafo único, de onde extraímos que:

Aos juízes é vedado: I – exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério; II – receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo; III – dedicar-se a atividade político-partidária.


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Da leitura do mencionado dispositivo constitucional, em consonância ainda com o seu conjunto de princípios, temos que o Estado-juiz deve adotar uma postura imparcial na condução do processo, bem como, um consequente desinteresse por qualquer das partes na relação jurídica. É de bom alvitre relembrar que o sistema acusatório emergiu não de um desejo de cunho individual ou mesmo de um grupo pertencente a esse ou àquele país, mas de uma aspiração sem fronteiras na história da humanidade, visto que o projeto democrático se confunde com a própria valorização do homem e de sua dignidade. Dessa sistemática acusatória nasceu o princípio da imparcialidade. Essa imparcialidade decorre de uma estrutura de atuação estatal previamente traçada pelas normas constitucionais, não possuindo nenhuma relação com as concepções subjetivas sobre moral e ética por parte do magistrado. Ao contrário, revela-se num traço inconfundível do sistema acusatório. Daí extraímos a necessidade de se manter o juiz equidistante em relação às partes, afastado da iniciativa probatória, mas atuando como garantidor das liberdades coletivas, evitando que o processo se transforme num embate medieval. Imparcialidade do juiz significa seu afastamento da gestão persecutória das provas no processo penal. É o que afirma Rangel (2010, p. 21), relacionando-a ao sistema acusatório:

A imparcialidade do juiz tem perfeita e íntima correlação com o sistema acusatório adotado pela ordem constitucional vigente, pois, exatamente visando retirar o juiz da persecução penal, mantendo-o imparcial, é que a Constituição Federal deu exclusividade da ação penal ao Ministério Público, nitidamente, as funções dos sujeitos processuais.

A imparcialidade do juiz significa, também, que esse ente estatal julgará a lide com independência, e que não sofrerá a ação de forças externas no decorrer de sua atuação. Assim, poderá perseguir, de maneira isenta, a busca imperativa pela verdade processual. Certo é que, num Estado Democrático de Direito, não existe convergência constitucional entre a liberdade de o juiz produzir provas processuais, sejam de que natureza forem, e o princípio da imparcialidade desse mesmo juiz.


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Desta forma, os dispositivos do Código de Processo Penal que apontem nesse norte são de natureza inquisitória, devendo ser rechaçados veementemente, pois representam um retrocesso histórico e de natureza normativa, nos remetendo a tempos outrora sombrios. É assim que nos leciona Lopes Junior (2010, p. 215):

Nesse contexto, dispositivos que atribuam ao juiz poderes instrutórios (como o famigerado art. 156, do CPP) devem ser expurgados do ordenamento ou, ao menos, objeto de leitura restritiva e cautelosa, pois é patente a quebra da igualdade, do contraditório e da própria estrutura dialética do processo. Como decorrência, fulminada está a principal garantia da jurisdição: a imparcialidade do julgador. O sistema acusatório exige um juiz-espectador, e não um juiz-ator (típico do modelo inquisitório).

Destarte, observa-se a mesma incongruência quanto à possibilidade de o juiz determinar diligências investigatórias no curso do inquérito policial, como previsto no inciso I, do art. 156, o que também não coaduna com o princípio da imparcialidade e do sistema acusatório. Nesta fase, deverá o juiz tutelar apenas os direitos e garantias individuais inerentes à matéria processual penal, e ainda analisar, à luz desses mesmos direitos e garantias, a conveniência do deferimento ou não das medidas cautelares quando requisitadas. Nesse sentido, é a doutrina de Rangel (2010, p. 22):

Assim, entendemos que a possibilidade de o juiz determinar diligências investigatórias no curso do inquérito policial (...), não mais encontra respaldo diante do princípio da imparcialidade e do sistema acusatório por nós adotados, pois afasta-se o juiz de qualquer persecução penal.

Pela

matéria

exposta,

tutelada

pelo

magistério

desses

renomados

doutrinadores, fica claro e evidente que a produção de provas, ex offício, pelo juiz de direito, no âmbito do processo penal, constitui-se em uma afronta ao princípio da imparcialidade jurisdicional.


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5.2 Princípio da inércia da jurisdição

O sistema acusatório prescreve um conjunto de garantias constitucionais intimamente ligadas ao poder compositivo do Estado em aplicar o direito. É nesse arcabouço que encontra-se o princípio da inércia da jurisdição, por meio do qual o juiz não poderá iniciar a persecução penal de ofício, em consonância ao adágio latino ne procedat iudex ex ofício. Se contemplada por meio desse conjunto constitucional, o significado de jurisdição torna-se bem mais amplo, e assim extrapola o seu conceito basilar, de apenas ter um juiz legalmente habilitado para “dizer o direito”. Destarte, além de constituir-se em um poder-dever do Estado, a jurisdição é também um direito fundamental do acusado que exige, além da figura de um juiz natural para o julgamento do feito, o imperativo de sua imparcialidade processual e seu comprometimento, ao extremo, com a ordem constitucional que o direciona. Enfim, se concebida apenas como um poder-dever, poderá o Estado exercer a jurisdição a guisa de suas necessidades sociais e políticas inerentes a uma época. Outrossim, ao inserirmos no conceito a ideia de um direito fundamental, a jurisdição assume também uma postura garantista. É nesse sentido o manual de Lopes Junior (2014, p. 447):

Assim, é lugar comum na doutrina vincular o conceito de jurisdição ao de poder-dever. Não negamos que seja um poder-dever, mas pensamos que a questão exige, à luz da Constituição, um deslocamento. Assim, pensamos que jurisdição é um direito fundamental (...). Ou seja, o direito fundamental de ser julgado por um juiz natural (cuja competência está prefixada em lei), imparcial e no prazo razoável. É nessa dimensão que a jurisdição deve ser tratada, como um direito fundamental, e não apenas como um poder-dever do Estado.

Pela inércia da jurisdição, adotada no âmbito do sistema acusatório, eleito pela Constituição da República de 1988, somente inicia-se a marcha processual diante de uma provocação impetrada por quem possui legitimidade. Assim, o juiz não poderá dar início ao processo sem que seja devidamente instigado, vez que não possui capacidade postulatória e não é parte na relação jurídica; mas


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sim, um sujeito processual investido de jurisdição, apto a dizer o direito ao caso concreto. Deverá pois, fazê-lo, de maneira isenta e imparcial. No processo penal o exercício da jurisdição só é possível quando houver uma pretensão acusatória, mesmo que abstrata, que poderá ser exercida por meio da queixacrime, nos casos em que o objeto da ação for de natureza privada. Sendo o crime de ação cuja iniciativa for pública, esta deverá ser proposta pelo Ministério Público, conforme exigência da Constituição Federal de 1988, no inciso I, do seu art. 129. Discorrendo acerca da inércia jurisdicional, Bonfim (2010, p. 54):

A jurisdição é, como visto, inerte. Se os órgãos jurisdicionais não agem de ofício (expressão do brocárdio ne procedat iudex ex offício), é necessário um ato externo para que tenha início o processo (nemo iudex sine actore). O processo penal somente se instaura mediante iniciativa da parte – assim também o processo civil, conforme o art. 262 do CPC – não cabendo ao juiz, ex offício, por vontade própria, dar início à marcha processual. A formação do processo se dá mediante o exercício do direito de ação.

O princípio da inércia da jurisdição prescreve que a atividade persecutória deva ser exercida pelo órgão acusador, e não ao arbítrio do magistrado. Nessa medida, temos que o juiz de direito não pode gerir provas no processo, mesmo porque, em essência, prova é elemento de convicção produzido mediante contraditório judicial, o que só pode ocorrer após instaurada a competente ação penal. Ora, sem ação não existe jurisdição. Esta, somente se inicia após o recebimento da inicial acusatória, como depreende-se de uma leitura constitucional do art. 396, do Código de Processo Penal vigente; momento esse em que as provas da alegação serão produzidas pelo órgão acusador, nunca pelo magistrado. A esse, compete promover os atos por impulso oficial, tutelando prazos e garantias. Nesta esteira, observa-se uma afronta ao princípio da inércia da jurisdição o dispositivo do Código de Processo Penal que autoriza o juiz a determinar a produção de provas, de ofício, ainda que não iniciada a ação penal. Não pode o magistrado dar início à marcha persecutória se não for provocado por quem possua legitimidade para tal. Enfim, se não pode o magistrado iniciar a persecução penal, ou mesmo a ação penal ex offício, pela exigência extraída do princípio da inércia da jurisdição, não há que se


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falar também na gestão probatória, de ofício, por parte desse mesmo juiz, pois a ele caberá o julgamento desvinculado de qualquer contaminação de ânimo, advindo de sua possível atuação como parte.

5.3 Princípio da Presunção de Inocência

No Brasil, esse princípio encontra-se consagrado no art. 5º, LVII, da Constituição da República de 1988, revelando-se numa garantia fundamental do Estado Democrático de Direito, que encontra sua máxima no adágio romano in dubio pro reo. Sobre o mesmo, nos ensina Nery Junior (2010, p. 304):

A importância máxima desse princípio no tema das provas no processo penal é que, “por exemplo, o réu não tem de provar seu álibi (em outro lugar) nem a verossimilhança de sua alegação, mas, ao contrário, a ele deve ser provado que na hora do fato estava no local do crime ou que participou do fato de outra forma”. Por isso é que, em regra, o ônus da prova dos fatos constitutivos do direito da acusação (autoria, materialidade e culpabilidade são do autor da ação penal pública (Ministério Público) ou privada (querelante, conforme decorre claramente da CF(...).

Por meio desse princípio o acusado possui presunção de não culpabilidade, podendo apenas, em regra, ser confinado após transitada a sentença criminal, sem que haja possibilidade de recurso. No entanto, qualquer dispositivo processual que tenha condições de afetar o ânimo do juiz, e que possa conduzi-lo a pré-julgamento acerca de suposta culpabilidade do acusado, como no caso da produção antecipada de provas sob regência desse magistrado, deve ser considerado como violador do princípio em estudo. 5.4 Princípio do contraditório e da ampla defesa

Possuem previsão constitucional no inciso LV, do art. 5º, da Constituição Federal de 1988, e embora sejam indissociáveis, suas esferas de atuação são interdependentes.


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Além da previsão constitucional, o direito ao contraditório depreende-se da leitura do art. 8º, da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, mais conhecida como “Pacto de São José da Costa Rica”, devidamente aprovada pelo Congresso nacional, através do Decreto Legislativo nº 27, de 26 de maio do ano de 1992, in verbis: Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal, ou de qualquer outra natureza.

É do contraditório que nasce o direito ao exercício de toda a matéria de defesa, seja ela positiva ou negativa. Uma vez exercitado o direito a ampla defesa garantido encontrase o exercício do contraditório. Assim, a prova processual possui como requisito de validade o exercício pleno desses princípios indissolúveis. Destarte, Pellegrini Grinover (1992, p.63 apud LOPES JUNIOR, 2014, p. 222):

Defesa e contraditório estão indissoluvelmente ligados, porquanto é do contraditório (visto em seu primeiro momento, da informação) que brota o exercício da defesa; mas é esta – como poder correlato ao de ação – que garante o contraditório. A defesa, assim, garante o contraditório, mas também por este se manifesta e é garantida. Eis a íntima relação e interação da defesa e do contraditório.

Tenhamos sempre em mente que tais princípios constituem-se numa manifestação imperativa do estado de direito e possui uma íntima e indissociável ligação com uma verdadeira igualdade entre as partes do processo (acusação e defesa). Quis o texto constitucional, ao garantir às partes o contraditório e a ampla defesa, demonstrar, de maneira inconfundível, que tanto o direito de ação quanto o direito de defesa são manifestações de igual importância jurídica e social. Assim, não pode essa paridade de armas sofrer qualquer ataque, seja por parte da acusação, da defesa, ou mesmo por parte do juiz de direito.


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6 VIOLAÇÃO DO SISTEMA ACUSATÓRIO CONSTITUCIONAL PELA INICIATIVA PROBATÓRIA DO JUIZ DE DIREITO

No processo penal brasileiro o sistema acusatório emergiu de um inadiável rompimento com as amarras processuais que caracterizaram o sistema inquisitório, onde a preocupação nuclear dessa transição, sem sombra de dúvidas, foi promover a imparcialidade do juiz de direito no que se refere à gestão das provas. A jurisdição estatal nos garante muito mais que apenas um juiz togado atuando nos processos, dizendo o direito e externando sua jurisdicionalidade por meio da sentença. Nos assegura também, e num nível de maior importância, que esse magistrado possa atuar de maneira imparcial no processo, comprometido com a extrema eficácia exarada na Constituição. É nessa linha que leciona Pacelli de Oliveira (2011, p. 456):

Aliás, já havíamos assinalado a posição de destaque que o atual modelo acusatório do processo penal brasileiro atribui à regra da imparcialidade do juiz, na linha de todos os ordenamentos jurídicos que, há muito, superaram o modelo essencialmente inquisitivo.

Ao juiz está conferida a direção do processo por meio do impulso oficial, tutelando, dentre outros, os prazos e as garantias constitucionais. Foi com esse objetivo que a Constituição da República de 1988 criou mecanismos para que a jurisdição seja exercida por um órgão do Estado, investido de previsão constitucional para exercer esse mister conforme as prescrições e nos limites preestabelecidos. Trata-se da figura do “juiz natural”, cuja previsão encontra-se no art. 5º, LIII, do Estatuto maior, de onde extraímos que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”. E ainda em seu art. 5º, XXXVII, onde lemos que “não haverá juízo ou tribunal de exceção”. Não há dúvidas de que a concepção acerca do princípio do juiz natural excede, e muito, a noção primária de um simples atributo da jurisdição. Constitui-se, em essência, num verdadeiro pressuposto de sua própria existência no mundo jurídico.


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O princípio do juiz natural emerge de um conjunto de garantias constitucionais que dão forma ao sistema acusatório, cujas características são consignadas pelo doutrinador Lopes Junior (2014, p. 214):

Para além disso, possui ainda nossa Constituição uma série de regras que desenham um modelo acusatório, como por exemplo: titularidade exclusiva da ação penal pública por parte do Ministério Público (art. 129, I); contraditório e ampla defesa (art. 5º. LV); devido processo legal (art. 5º LIV); presunção de inocência (art. 5º, LVII); exigência de publicidade e fundamentação das decisões judiciais (art. 93, IX).

Da leitura do dispositivo que permite ao juiz a produção de provas, de ofício, no processo penal, somos instados a pensar sobre quem, ou quais, serão os beneficiados ou prejudicados por esta atividade. Devemos acreditar que no desempenho de sua função, o juiz sempre assumirá um papel de garantidor no processo penal, colocando-se sempre acima de quaisquer pressões externas ou mesmo de cunho psicológico, para que tenha liberdade no momento de externar sua livre convicção. Sua condição de “agente político” não o transforma, essencialmente, num representante desse ou daquele grupo social, como ocorre, por exemplo, no Poder Legislativo. Ao contrário, o juiz não julga conforme vontade da maioria nem mesmo da minoria, mas a partir do caráter democrático da Constituição, sendo seu fundamento a incolumidade dos direitos e garantias indisponíveis. Por tais motivos, entendemos que a iniciativa probatória do juiz, inclusive de ofício, na fase judicial e até mesmo na fase investigativa, afronta dispositivos constitucionais norteadores do processo penal, como exemplos: a imparcialidade do juiz, a inércia da jurisdição, o contraditório e a ampla defesa. Foi o entendimento do Supremo Tribunal Federal, no julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade, como adiante se vê:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI COMPLEMENTAR 105/01. SUPERVENIENTE. HIERARQUIA SUPERIOR. REVOGAÇÃO IMPLÍCITA. AÇÃO PREJUDICADA, EM PARTE. “JUIZ DEINSTRUÇÃO”. REALIZAÇÃO DE DILIGÊNCIAS PESSOALMENTE. COMPETÊNCIA PARA INVESTIGAR. INOBSERVÂNCIA DO DEVIDO


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PROCESSO LEGAL. IMPARCIALIDADE DO MAGISTRADO. OFENSA. FUNÇÕES DEINVESTIGAR E INQUIRIR. MITIGAÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DAS POLÍCIAS FEDERAL E CIVIL. 1. LEI 9.034/95. Superveniência da Lei Complementar 105/01. Revogação da disciplina contida na legislação antecedente em relação aos sigilos bancária e financeiro na apuração das ações praticadas por organizações criminosas. Ação prejudicada, quanto aos procedimentos que incidem sobre o acesso a dados, documentos e informações bancárias e financeiras. 2. Busca e apreensão de documentos relacionados ao pedido de quebra de sigilo realizadas pessoalmente pelo magistrado. Comprometimento do princípio da imparcialidade e conseqüente violação ao devido processo legal. 3. Funções de investigador e inquisidor. Atribuições conferidas ao Ministério Público e às Polícias Federal e Civil (CF, artigo 129, I e VIII e § 2º; e 144, § 1º, I e IV, e § 4º). A realização de inquérito é função que a Constituição reserva à polícia. Precedentes. Ação julgada procedente, em parte (STF – ADI 1570/DF – Ministro Relator Maurício Corrêa – 12.02.2004).

No presente julgado, o Tribunal Pleno acordou pela inconstitucionalidade do art. 3º, da Lei nº 9034, de 03/05/1995, que permitia, nos casos de organização criminosa, a colheita pessoal de prova pelo juiz de direito na fase de investigação. A espécie legislativa em questão foi revogada pela Lei nº 12.850, de 02/08/2013. Finalmente, pelo exposto neste singelo trabalho, principalmente no que se refere ao magistério dos eminentes doutrinadores ao longo citados, temos que os dispositivos implantados pela reforma arquitetada pela Lei 11.690/08, notadamente no art. 156, inciso I, promovem uma patente violação ao sistema acusatório, eleito democraticamente pela Constituição da República de 1988.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No atual sistema brasileiro, inegável a conquista de direitos e garantias por parte da pessoa submetida a uma investigação e/ou processo judicial. Tais garantias tiveram nascimento a partir dos ideais libertadores iniciados na França, impregnados na Constituição Federal de 1988 com clara intenção de se preservar a dignidade da pessoa humana, em todas as suas manifestações. Contudo, acreditamos ter ocorrido uma mitigação desses direitos e garantias no que concerne aos processos penais, quando do advento da reforma do codex vigente, através da Lei nº 11.690/08, especificamente no que se refere ao art. 156, no seu inciso I.


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No dispositivo alterado o juiz de direito possui liberdade para gerir provas, tanto na fase pré-processual, ou seja, no inquérito; quanto na fase judicial propriamente dita, quando já existe uma ação penal. Ressalvando as devidas proporções, com a introdução e vigência desse dispositivo processual, o legislador promove um renascimento indesejável daquilo que foi o núcleo fundante do sistema inquisitório – a iniciativa probatória por parte do magistrado. Ora, a prova processual deve ser gerida pelas partes que compõem o processo. O juiz de direito deve presidir os autos, tutelando, dentre outros, os prazos e as liberdades individuais e coletivas, funcionando como verdadeiro garantidor de que não ocorrerão excessos ou afronta a princípios constitucionais norteadores da matéria. Não podemos nos esquecer de que o magistrado, além de um notável conhecedor do direito, é também um ser humano. Nessas condições, possui sentimentos como qualquer outro de sua espécie, podendo ser persuadido pela convicção precoce de uma prova por ele mesmo produzida no processo, levando-o a uma contaminação psicológica eivada de parcialidade. Por isso, não deve aquele que irá julgar o processo se envolver em questões de responsabilidade das “partes” – acusação e defesa. Outrossim, é evidente que o juiz não deve quedar-se inerte ante uma possível injustiça decorrente de uma má atuação das partes. Nesse caso, deve o juiz intervir e, em havendo dúvida, que seja revertida em benefício do acusado.

8 REFERÊNCIAS

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 de outubro 1988. Vade Mecum Saraiva / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti. – 15. ed. atual. e ampl. São Paulo : Saraiva, 2013.

______. Código de Processo Penal. Vade Mecum Saraiva / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti. – 15. ed. atual. e ampl. – São Paulo : Saraiva, 2013.


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______. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus número 73338/RJ. Rel. Min. Celso de Mello. Julgado em 13 agosto de 1996. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%2873338.NUME.+O U+73338.ACMS.%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/pd7cqe9> Acesso em 29 de outubro de 2014, às 10:50 h.

______. Supremo Tribunal Federal. ADIn número 1570/DF. Rel. Min. Maurício Corrêa. Julgado em 12 de fevereiro de 2004. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%281570.NUME.+O U+1570.ACMS.%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/pp23fkw>.__Acesso em 24 de outubro de 2014, às 14:00 h. ______. Pacto de São José da Costa Rica. Art. 8º. Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm>. Acesso em 08 de outubro de 2014, às 17h:14m. Promulgado no Brasil pelo Decreto n. 678, de 06 de novembro de 1992. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm>. Acesso em 08 de outubro de 2014, às 17:30 h.

BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal : rev. e atual. de acordo com as Leis n. 11.900, 12.016 e 12.037, de 2009 / Edilson Mougenot Bonfim. – 5. ed. – São Paulo : Saraiva, 2010.

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 19. ed. São Paulo : Saraiva, 2012.

JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal. 11ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

MOSSIN, Heráclito Antônio. Compêndio de Processo Penal: curso completo Barueri. Monole, 2010.

NERY Nelson, Junior. Princípios do processo na Constituição Federal : processo civil, penal e administrativo. 10, ed, rev., ampl. e atual. com as novas súmulas do STF (simples e vinculantes) e com análise sobre a relativização da coisa julgada. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2010.


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OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 15.ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2011.

PELLEGRINI Grinover, Ada; SCARANCE FERNANDES, Antônio e GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As Nulidades no Processo Penal. 2. ed. São Paulo, Malheiros, 1992. p. 63.

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 17 ed. rev. amp. atual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010.

INTERFERÊNCIA DO MERCHANDISING E DO MARKETING VERDE NO COMPORTAMENTO DOS CONSUMIDORES

Ilton Belchior Cruvinel3 Thais Silva Morais4 Flávia Cristina de Sousa5

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Professor do curso de Administração da Faculdade Padrão. iltoncruvinel@hotmail.com Graduanda do curso de Administração da Faculdade Padrão. thasilvamorais@gmail.com Professora do curso de Administração da Faculdade Padrão. flaviasousa.13@outlook.com

Endereço

eletrônico:

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RESUMO: Este artigo irá avaliar a potencialidade do Merchandising e do Marketing Verde no comportamento dos consumidores. Para afetar diretamente no poder de compra dos consumidores, as organizações utilizam de várias ferramentas de Marketing. Uma delas, que será tratada neste artigo, é o Merchandising, uma ferramenta eficaz para alcançar os objetivos traçados dentro do ponto de venda. Esta ferramenta, juntamente com o Marketing Verde, é uma estratégia voltada ao processo de venda de produtos e serviços que são baseados nos benefícios ao meio ambiente. E está relacionado ao vínculo da marca com uma imagem ecologicamente correta e consciente, promovem ações no ponto de venda voltada para os produtos verdes, ecologicamente corretos, a fim de valorizar e manter o produto mais presente na organização perante o consumidor. O método utilizado para a elaboração desse artigo foi a análise de periódicos científicos devidamente relacionados ou correlacionados ao tema em estudo, Merchandising, Marketing Verde, Comportamento de Consumo e Consumidor Verde, a fim de identificar a influência do Merchandising e do Marketing Verde no comportamento dos consumidores. O artigo possibilitou a conclusão de que deve haver comunicação entre as duas ferramentas de Marketing: Merchandising e Marketing Verde. Palavras-chave: Merchandising. Marketing Verde. Consumidor.

ABSTRACT: This article will evaluate the potential of Merchandising and Marketing Green in consumer behavior. To directly affect the consumers' purchasing power organizations use various marketing tools to achieve this goal, one that will be addressed in this article is the Merchandising, an effective tool to achieve the objectives outlined in the point of sale, this tool together with the Green Marketing is a strategy the process of selling products and services that are based on benefits to the environment. And this related to bond with a brand Eco-conscious image and promote initiatives in retail outlets toward green products, eco-friendly, in order to enhance and maintain more product present in the organization to the consumer. The method used for the preparation of this article was to scientific journals analysis properly related or related to the topic under study, Merchandising, Green Marketing, Behavior of Consumption and Green Consumers, in order to identify the influence of Merchandising and Marketing Green in consumer behavior. The article led to the


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conclusion that there must be communication between the two marketing tools: Merchandising and Green Marketing. Keywords: Merchandising. Green Market. Consumer.

1 INTRODUÇÃO

Na contemporaneidade, o mercado consumidor detém uma grande variedade de ferramentas estratégicas de Marketing. Este artigo tratará a abordagem de dois instrumentos importantes, Merchandising e Marketing Verde, e qual o impacto destes perante os consumidores. Para Kotler (2000), Marketing é um processo social no qual os consumidores adquirem o que necessitam e desejam, por meio de criação, oferta e troca de produtos ou serviços. É o processo de execução de estratégias, promoção e distribuição de ideias, bens e serviços que satisfaçam as necessidades dos consumidores. Merchandising é o conjunto de instrumentos utilizados na comunicação, demonstração e exposição dos produtos no ponto de venda (LIMEIRA, 2006). Esta ferramenta permite que a organização defina estratégias para lidar com o ponto de venda de acordo com o produto ou serviço ofertado. Marketing verde é o processo gerencial responsável por identificar, antecipar e satisfazer as exigências dos consumidores e da sociedade de uma forma rentável e sustentável (PEATTIE, 1992). No meio empresarial há várias discussões e preocupações com os efeitos sociais e ambientais que as atividades das empresas exercem perante o meio ambiente. O comportamento do consumidor é um tema chave de sustentação de toda a atividade mercadológica realizada com o intuito de desenvolver, promover e vender produtos. Para que as empresas obtenham um posicionamento de mercado satisfatório, é imprescindível conhecer e entender o comportamento do consumidor, e quais os fatores que os levam à tomada de decisão no momento da compra. A metodologia utilizada para a construção deste artigo foi a pesquisa bibliográfica, consulta em artigos e trabalhos acadêmicos já publicados.


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1 MARKETING

Marketing é o processo de conhecer uma organização e suas atuações diante do mercado, para posteriormente oferecer produtos e serviços mais atrativos para o mercado. Marketing é entender e atender clientes (ZELA, 2002). Segundo Kotler e Keller (2012, p. 3), o marketing envolve a identificação e a satisfação das necessidades humanas e sociais. Uma das mais sucintas e melhores definições de marketing é a de “suprir necessidades gerando lucro”. O marketing é uma ferramenta utilizada pelas empresas para proporcionar um produto e/ou serviço que vá satisfazer as necessidades e desejos dos consumidores, além da satisfação e a confiança que as empresas obtêm dos consumidores (KOTLER E KELLER, 2012). As empresas procuram sempre inovar seus produtos e satisfazer seus consumidores para atingir um patamar de alto escalão perante mercado acirrado. Desta forma, afirma Kotler (2012) que o marketing começa com necessidades e desejos humanos. As pessoas têm necessidades de alimentos, ar, água, vestuário e abrigo para sobreviver. Além disso, tem forte desejo por recreação, educação, e outros serviços. Têm preferências marcantes por versões e marcas específicas de bens e serviços básicos. Para defini-lo de maneira bem simples, dizemos que ele supre as necessidades lucrativamente. Portanto, podemos estabelecer definições diferentes de marketing de acordo com as perspectivas social, econômica, socioambiental e gerencial de cada empresa. Quando se trata de marketing, logo se pensa na imagem visual do produto e/ou da empresa, porém, é o método utilizado pelas organizações para suprir as necessidades e satisfazer os desejos dos consumidores. Kotler e Keller (2012) explicam que os profissionais de marketing se envolvem na gestão da troca de diferentes tipos de produtos: bens, serviços, experiências, pessoas, lugares, propriedades, organizações, informações e ideias. Com isso, podemos deduzir que o marketing está em tudo que fazemos e vivemos. Kotler (2011) apresenta um modelo simples de cinco passos para o processo de marketing: Figura 1: Cinco passos para o processo de Marketing Entender o mercado e as necessidades e os desejos dos clientes

Elaborar uma estratégia de marketing orientada para os clientes

Desenvolver um programa de marketing integrado que proporcione valor superior

Construir relacionamentos lucrativos e criar o encantamento dos clientes

Capturar valor dos clientes para gerar lucro e qualidade para os clientes


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Fonte: KOTLER, Philip; ARMOSTRONG, Gary (2007, p. 4)

2 MERCHANDISING

O merchandising nada mais é que um conjunto de técnicas e ações para divulgação dos produtos ou serviços no ponto de venda, que busca disponibilizar informações, motivar e influenciar o consumidor diretamente na venda, promovendo também a marca institucional do produto (ZENONE; BUAIRIDE, 2006). Merchandising é o conjunto de instrumentos utilizados na comunicação, demonstração e exposição dos produtos no ponto de venda, estimulando a venda ao consumidor. Engloba dentro desta estratégia as seguintes atividades: exposição ao produto, comunicação e propaganda (LIMEIRA, 2006). Segundo Cobra (1997, p. 444), Merchandising compreende um conjunto de operações táticas efetuadas no ponto de venda, para se colocar no mercado o produto ou serviço certo, na quantidade certa, no preço certo, no tempo certo, com o impacto visual adequado e na exposição correta. Envolve a embalagem, displays, técnicas de preços e ofertas especiais. Pode ser executada sem o auxílio do vendedor, por promotores ou demonstradores ou por uma ação conjunta desses no ponto de venda, ou através de televisão, cinema, revista etc. É basicamente cenário do produto no ponto de venda.

Merchandising é qualquer técnica, ação ou material promocional usado no ponto de venda que proporcione informação e melhor visibilidade a produtos, marcas ou serviços, com o propósito de motivar e influenciar as decisões de compra dos consumidores. Assim, conclui-se que o merchandising tem como proposito exibir e posicionar os produtos, serviços e marcas estrategicamente para aumentar a percepção do público de maneira que acelere sua rotatividade, e pode ser considerada uma ferramenta de marketing estratégica, pois objetiva destacar as mercadorias para impulsionar vendas (BLESSA, 2010). O merchandising detém várias técnicas que tem por finalidade dar presença e vida ao produto, criar uma atmosfera favorável à compra, colocando o cliente mais perto do produto, para enfim se concretizar o processo de compra. Para


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Blessa (2010) “(...) o merchandising no ponto de venda é realizado por meio da criação e uma atmosfera que induza a compra por impulso”. A

exposição

valoriza

os

produtos

e

enriquece

também

o

estabelecimento. Pode ser feito de várias formas, através de expositores, gôndolas, banners e outros, operando de acordo com a necessidade de promoção, visibilidade e influência. Pinheiro (2006) menciona que há várias formas para o varejista expor suas mercadorias, tendo em mente que se deve levar alguns pontos em conta, sendo eles: 

Considerar a natureza do produto;

Lucro provável da mercadoria;

Exposição adequada do produto na loja;

Aproximação do produto ao público alvo;

Auxílio no giro do produto.

Segundo Cobra (1997, p.460) existem diversas razões pelas quais o merchandising se torna importante; vejam-se algumas: 

Há muita compra por impulso de certos bens;

Compra-se frequentemente uma série de produtos e serviços nos pontos de venda;

Como destacar os produtos entre tantos em exposição no ponto de venda;

Como girar rapidamente os estoques dos produtos no ponto de venda;

Como oferecer as diversas variedades de cada um dos produtos;

Como comunicar, no ponto de venda, as diversas vantagens do produto aos diferentes segmentos do público-alvo.

3 MARKETING VERDE

As organizações procuram se adaptar de acordo com os desejos e necessidades de seus consumidores, inovando e buscando alternativas e ferramentas que possam contribuir para que obtenham êxito no que almejam. Segundo Baroto (2007) “o marketing verde consiste na prática de todas as ferramentas do marketing,


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absorvendo a preocupação ambiental que contribui com a conscientização da preservação”. Peattie (1992) apresenta uma definição precisa do que é marketing verde, definindo-o como sendo a priorização de aspectos ambientais nas decisões de marketing. Ainda explica que o marketing verde é o “processo gerencial responsável por identificar, antecipar e satisfazer as exigências dos consumidores e da sociedade de uma forma rentável e sustentável”. O marketing verde possui muitos objetivos, dentre eles o mais importante é mostrar ao consumidor que, um produto que não agrida o meio ambiente ou que cause um menor impacto ambiental, é também melhor para o consumo. Reduzindose os danos ambientais, a qualidade de vida da sociedade sofre também melhorias. Ainda seguindo este mesmo raciocínio, no Marketing Verde, a organização mostra o que tem feito em relação ao meio ambiente e procura tocar o consumidor para que o mesmo adentre neste processo, já que a incumbência de preservar os recursos naturais é de todos dentro da sociedade (TEIXEIRA, 2009). O marketing verde é exibido pelo empenho das empresas em responder às necessidades e desejos dos consumidores por produtos que causem menor impacto ao ambiente ou nenhum impacto durante e depois do seu ciclo de vida. Estes esforços podem estimular a compra destes produtos e, consequentemente, estimulará os lucros da empresa (MARSILI, 2000 apud STECKERT e BRIDI, 2005). No marketing ambiental, os consumidores procuram encontrar a qualidade ambiental nos produtos e serviços que compram. Percebe-se, assim, que nenhum esforço por parte da organização tem sentido se os consumidores continuam consumindo determinados bens que agridam o meio ambiente (KOTLER, 2000, p. 94). O marketing verde vem sendo usado como um instrumento de estratégia para as organizações, permitindo a associação de sua imagem ao empenho pela preservação ambiental, buscando alcançar um maior patamar de mercado. É importante salientar que o marketing ambiental não é somente em demonstrar a preocupação com o meio ambiente, o mesmo pode ser utilizado para melhorar a competitividade da organização, reagindo assim, às atuais exigências do mercado com relação à preservação ambiental (STECKERT e BRIDI, 2005). Para que o marketing verde possa ser uma estratégia de sucesso, as organizações devem mostrar a seus consumidores as vantagens de se adquirir


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produtos e serviços ambientalmente corretos, estimulando e despertando o desejo de consumo para este produto (BAROTO, 2007). Desta forma, segundo Baroto (2007) o marketing verde só será uma estratégia de sucesso caso as empresas informem os consumidores sobre as vantagens de adquirir os produtos e serviços ambientalmente corretos, fazendo com que, dessa maneira, estimule o desejo de consumo para este tipo de produto. Como a sustentabilidade de recursos naturais é primordial para a produção de bens com finalidade para o consumo e provoca mudanças de oferta e demanda, a utilização do marketing verde admite a ideia de que seja possível gerar riquezas com a diminuição de impactos ambientais e a promoção de mudanças que sensibilize os hábitos de consumo no mercado (GONZAGA, 2005). Ayrosa (2004) afirma que, para as empresas que desejam participar deste mercado ambientalmente responsável, é necessária a busca de alternativas mais benéficas ao meio ambiente para que dessa maneira tragam-se vantagens para os consumidores, organizações e para a sociedade em geral. O marketing verde ainda é uma abordagem que se encontra em desenvolvimento. Tachizawa e Andrade (2008) encaram a responsabilidade socioambiental como uma resposta natural à clientela ecologicamente correta e ainda acreditam que, futuramente, essa postura ditará o sucesso das organizações.

4 COMPORTAMENTO DE CONSUMO “Consumidores são pessoas que compram bens e serviços para si mesmos ou para outros, e não para revendê-los ou usá-los como insumos” (CHURCHILL, 2005, p. 146) Os consumidores são para as organizações de maneira geral a razão de sua existência, esse processo se constitui através de processos de trocas, onde a empresa oferece bens ou serviços e o consumidor os adquire, para utilizá-los de acordo com a maneira com que bem necessitam e desejam. Segundo Kotler e Keller (2012, p. 164), o comportamento do consumidor é o estudo de como indivíduos, grupos e organizações selecionam, compram, usam e descartam bens, serviços, ideias ou experiências para satisfazer suas necessidades


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e desejos. Os profissionais de marketing devem conhecer plenamente o comportamento de compra do consumidor tanto na teoria como na prática. A compreensão do comportamento humano se faz principalmente através da análise de suas necessidades. Todo o processo de tomada de decisão se alinhava na sensação das necessidades satisfeitas. Isto é válido para a satisfação da compra. As necessidades são muitas vezes percebidas ou não pelas pessoas. Por exemplo: a compra de determinados produtos ou marcas são necessidades muitas vezes levadas a um nível emocional e não necessariamente a um nível racional (COBRA, 1997, p. 37). O comportamento do consumidor são as respostas mentais e emocionais que o mesmo tem em relação as suas seleções, compra ou uso de produtos e serviços que possam sanar suas necessidades e desejos em relação a algo (RICHERS, 1984). O estabelecimento de parâmetros que meçam os comportamentos dos indivíduos enquanto consumidores em relação aos benefícios oferecidos por certas marcas não é fácil, pois o benefício é algo subjetivo e difícil de ser identificado e medido e ao mesmo tempo de se constituir em critério de agrupamento de consumidores. Da mesma maneira a utilidade, o desempenho e o estilo, ao serem isolados para medir o comportamento do consumidor, requerem atenção e cuidado (COBRA, 1997, p. 96) Os

consumidores

são

classificados

de

acordo

com

o

seu

comportamento, e alguns critérios são os medidores dessas classificações, pode-se classificá-los por classe, idade, estilo de vida e até mesmo sexo. Vários destes fatores influenciam na compra. A citação a seguir nos mostra o entendimento do comportamento do consumidor: É definido como atividades com que as pessoas se ocupam quando obtêm, consomem e dispõem de produtos e serviços. Simplesmente falando, o comportamento do consumidor é tradicionalmente pensado como o estudo de por que as pessoas compram, sob a premissa de que é mais fácil desenvolver estratégias para influenciar os consumidores depois que entendemos porque as pessoas compram certos produtos ou marcas. (BLACKWELL; MINIARD; ENGEL, 2005, p. 6).

Para satisfazer às necessidades dos consumidores, faz-se necessário entendê-los e entender como se comportam em relação a um produto ou serviço ofertado. Kotler (2000, p. 161) diz que: “[…] a área de comportamento do consumidor


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estuda como indivíduos, grupos e organizações selecionam, compram, usam e dispõem de bens, serviços, ideias ou experiências para satisfazer as suas necessidades e desejos”. Segundo Kotler (2000), o comportamento de compra do consumidor recebe diferentes influências, dentre os quais se destacam os fatores culturais, sociais, pessoais e psicológicos. O quadro abaixo apresente o modelo de comportamento do consumidor: Figura 2: Modelo de Comportamento do Consumidor Estímulos de

Outros Estímulos

Marketing

Características do

Decisões do

comprador

Comprador

Produto

Econômicos

Culturais

Escolha do Produto

Preço

Tecnológicos

Sociais

Escolha da Marca

Praça

Políticos

Pessoais

Escolha do Revendedor

Promoção

Culturais

Psicológicos

Época da Compra

Fonte: Kotler (1998, p.162)

Dentre os fatores mencionados, os fatores culturais são identificados como aqueles que exercem as maiores e mais profundas influências sobre o comportamento do consumidor (KOTLER; KELLER, 2012).

5 IDENTIFICAÇÃO E SATISFAÇÃO DE NECESSIDADES DO CLIENTE

Segundo Kotler e Keller (2012, p. 402), tradicionalmente, os clientes apresentam três preocupações específicas sobre serviços relacionados aos produtos físicos: 

Preocupam-se com a confiabilidade e com a frequência dos defeitos;

Preocupam-se com a demora. Quanto mais longo for o tempo ocioso, maior será o custo. O cliente quer contar com segurança do serviço - a capacidade do fornecedor de consertar um equipamento rapidamente ou de, pelo menos, emprestar um substituto;

Preocupam-se com despesas correntes. Um comprador leva em consideração todos esses fatores e tenta estimar

o custo ao longo tempo, que é o custo da compra do bem somado ao custo de


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manutenção e reparo menos o valor obtido com o descarte (KOTLER; KELLER, 2012, p. 402). Propiciar satisfação aos clientes traz como retorno a lucratividade do negócio e um maior conhecimento de sua marca ou empresa no ambiente mercadológico (KOTLER, 2000). Oliver (1997, p.13) definiu satisfação como “uma resposta ao atendimento ao consumidor”. Afirmou dizendo que “trata-se da avaliação de uma característica de um produto ou de um serviço, ou o próprio produto ou serviço, indicando que com eles se atinge um determinado nível de prazer proporcionado pelo seu consumo”. A satisfação da compra está ligada a certas sensações de satisfação que o consumidor imagina estar levando à satisfação de necessidades. O que realmente satisfaz as necessidades não são fatores necessariamente percebidos pelo consumidor, quer dizer, não estão muitas vezes ao nível do consciente (COBRA, 1997, p. 37). A identificação de benefícios buscados pelo consumidor na compra de um produto ou um serviço não é fácil e tampouco é evidente para o próprio consumidor. Portanto, a tarefa de identificar benefícios e agrupar esses consumidores exige técnicas de pesquisa, como painel de consumidores, pesquisa motivacional, etc. (COBRA, 1997, p. 97).

6 CONSUMIDOR VERDE

Segundo Ottman (1994), o consumidor verde é definido como aquele indivíduo que busca para consumo apenas produtos que causem menos – ou nenhum – prejuízo ao meio ambiente. Consumidores verdes são aqueles que buscam conscientemente produzir, a partir do seu comportamento de consumo, um efeito nulo ou favorável sobre o meio ambiente e a sociedade como um todo (LAGES; NETO, 2002) Esta nova geração de consumidores demandou novas técnicas mercadológicas, o que fez emergir diversas especialidades do marketing. A crescente preocupação com as questões voltadas a sustentabilidade e a pressão concorrencial, por exemplo, fez com que algumas organizações despertassem para a existência de


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consumidores preocupados com a natureza, acrescentando questões ambientais em sua marca e seus produtos (OLIVEIRA, 2006). O movimento ambientalista em ampliação foi chamado de Movimento Verde; ou seja, os consumidores com conscientização ambiental foram chamados de Consumidores Verdes; produtos designados para proteger ou causar menos impacto ao meio ambiente foram chamados de Produtos Verdes; e o marketing que recorre para solicitações ambientais, de Marketing Verde (SCHIFFMAN e KANUK, 2000, p.443). Pensando em uma maneira de melhorar e diminuir os impactos que o consumismo traz para o meio ambiente, um grupo de compradores com mais consciência e preocupados com as questões ecossociais vêm acrescentando novos valores ao processo de compra. Essa força que luta por produtos livres de impactos negativos à natureza se intitula de “consumidores verdes” (ANDRÉS; SALINAS, 2002). O consumidor verde espera da empresa um meio de produção mais sustentável e que se responsabilize com o destino de seus resíduos. Com base nessa confiança, criou-se o selo verde, uma certificação dada à empresa indicando ao comprador que a mesma adota medidas sustentáveis (ALVES et. al, 2011, p. 21). Devido às mudanças de conscientização e de cultura sofrida pelo homem perante as questões ambientais, gerou-se um pensamento de novos valores que afetam o seu modo de pensar, agir e consequentemente consumir. Com essas mudanças, surgiram os “consumidores verdes”, atores sociais que consideram que “não somente o produto ecológico é importante, mas também a conduta social e ambiental da empresa que o oferece” (ALVES, 2011). Dias (2008) afirma que Estes comportamentos ou atitudes ecológicas são aqueles que geram consequências efetivas em relação à proteção ambiental e compreendem toda uma série de ações ou atividades humanas que influenciam significativamente na dimensão que pode tomar o problema ambiental.

Ottman (1994 p. 18) afirma que, Instruídos, influentes e de nível superior, os consumidores verdes controlam enorme poder de compra, mas satisfazer suas necessidades impõe muitos desafios, pois eles não estão dispostos – em sua busca pelo verde – a abrir mão de atributos de produto como desempenho, qualidade e conveniência.


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Estes consumidores mesmo preocupados com as questões ambientais, não permitem que o produto seja de baixa qualidade, não aceitam assim, um rendimento inferior do mesmo, exigem uma aplicação tão superior quanto à de produtos convencionais. De acordo com Hailes (2007), o consumidor verde é aquele que associa o ato de comprar ou consumir produtos à possibilidade de agir em conformidade com a preservação ambiental. O consumidor ambientalmente consciente em linhas gerais pode ser considerado como aquele que tem noção do seu comportamento em longo prazo e é comprometido com o consumo consciente devido a educação ambiental recebida do governo e das organizações de marketing (HENIOR; KINNEAR, 1976 apud DIAS, 2008).

7 CONSIDERAÇÕES

O merchandising auxilia no ponto de venda através da divulgação do mix, aumentando a venda por impulso e a lincar a propaganda ao produto no ponto de venda, atraindo a atenção dos clientes no ponto de venda de produtos ou serviços para cativar e conquistar os consumidores. Esta ferramenta tem demasiada importância para as empresas, valorizam seus produtos e mantém uma boa visibilidade perante os consumidores. Conforme citado neste artigo, um dos objetivos principais do Marketing Verde é mostrar ao cliente que um produto ecologicamente correto é também mais saudável para o consumo. Pode-se observar que, a partir desta afirmação, a organização deve mostrar ao cliente o que tem feito em prol do meio ambiente, sensibilizando-o para que o consumidor possa também fazer parte deste processo. É exatamente neste momento em que as duas ferramentas de Marketing (Merchandising e Marketing Verde) se encontram especificamente neste caso para gerar uma sinergia para atingir um determinado objetivo: Influenciar o Consumidor para adquirir produtos ecologicamente corretos ao invés de produtos convencionais. Esta influência irá depender muito das técnicas de Merchandising utilizadas para estimular os consumidores à compra destes produtos verdes. Principalmente para consumidores que não se preocupam com a questão ambiental,


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que se encontra em um patamar de extrema importância devido à conscientização da sociedade e a alta da sustentabilidade. Para influenciar o consumidor a adquirir produtos verdes, as exposições dos mesmos devem ser planejadas, estruturadas, executadas e realizadas para identificar e despertar a atenção dos consumidores e impulsioná-los a comprar (BLESSA, 2010). De acordo com o estudo realizado, o consumidor, consciente de seus deveres, faz uma análise crítica no momento da escolha do produto sobre o impacto socioambiental do seu ato de compra, assim como do seu uso e do descarte. Neste sentido, o consumidor procura equilibrar suas necessidades pessoais com as necessidades do planeta. Percebe-se que o marketing verde adentra como ferramenta levando o consumidor até a organização. Através de suas estratégias de marketing, este consumidor será influenciado pelo ponto de venda a consumir o produto ofertado, atendendo, assim, às demandas sociais cada vez mais sustentáveis. A preocupação com o meio ambiente está crescendo e se tornando um fato relevante na administração e no marketing das empresas. As estratégias de Marketing verde e do Merchandising estão cada vez mais interferindo das escolhas do consumidor e estabelecendo relações entre este e os produtos e produtores ecologicamente corretos.

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DESCRIÇÃO DE CARGOS E SALÁRIOS: UM ESTUDO DE CASO COM O HIPER MOREIRA GOIÂNIA - GO

Eder Luz Xavier dos Santos6 Karoline Andrade de Alencar7 Lucilene Lopes Veríssimo8

Eder Luz Xavier dos Santos – Professor especialista do Curso de Administração da Faculdade Padrão de Goiânia –Go / Brasil. E-mail: ederpadrao@gmail.com 7 Karoline Andrade de Alencar – Professora Mestre do Curso de Administração da Faculdade Padrão de Goiânia-Go/ Brasil. E-Mail: karolreal@hotmail.com 8 Lucilene Lopes Veríssimo - Graduada em Administração pela Faculdade Padrão de Goiânia-GO / Brasil. E-mail: rh.lucilene@moreira.com.br 6


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Sandra Sarno9

RESUMO: A descrição de cargos e salários é essencial para garantir a eficiência de outros sistemas da gestão de pessoas como recrutamento, seleção, remuneração e eficiência na execução das tarefas e adequação do trabalhador ao cargo. Neste contexto, o objetivo deste estudo é mostrar a importância do plano de cargos e salários no Supermercado Hiper Moreira. Para isso utilizou-se de três metodologias de pesquisa sendo a pesquisa bibliográfica, a pesquisa de campo e a pesquisa documental. Através da pesquisa de campo e documental sobre a Hiper Moreira, alguns pontos de atenção foram detectados dentre os quais podem citar: conflitos de ordens, alto nível de esforço mental, equidade salarial, falha na definição das competências e técnica documental para descrição de cargos insuficiente. Para todos os problemas detectados, a correta definição de cargos e salários pode trazer impactos positivos porque delimita o que deve ser feito, quando, como, por quem e por quê. Palavras-Chave: Descrição. Cargos. Salários. Hiper Moreira.

ABSTRACT: The job descriptions and salaries is essential to ensure the efficiency of other systems of people management as recruitment, selection, compensation and efficiency in performing the tasks and adaptation of the worker to the job. In this context, the aim of this study is to show the importance of the plan for jobs and wages in the Supermarket Hyper Moreira. For this we used three research methodologies and bibliographic research, field research and documentary research. Through field research and documentary on the Hyper Moreira some points of attention were detected among which may include: conflicts of orders, high mental effort, pay equity, failure in defining the powers and documentary technique for describing insufficient positions . For all the problems detected the correct definition of jobs and salaries can have a positive impact because delimits what should be done, when, how, by whom and why.

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Sandra Sarno – Professora especialista do Curso de Administração da Faculdade Padrão de GoiâniaGo/ Brasil. E-mail: sanrosarno@gmail.com


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Keywords: Description. Positions. Wages. Hyper Moreira.

1 INTRODUÇÃO

Dentro de uma organização, a descrição de cargos e salários se traduz em um fator crucial para uma boa gestão dos recursos humanos. É por meio desta descrição que o recrutamento, a seleção, o treinamento, a remuneração, a ascensão e mesmo o desligamento do funcionário encontra parâmetros que norteiam suas ações e apoiam a organização a atingirem seus objetivos. Quando a descrição de cargos e salários é bem elaborada, torna-se um instrumento que permite uma melhor administração das pessoas nas contratações, nas movimentações horizontais e verticais, na retenção de talentos, e na adoção de políticas salariais eficazes e justas, que permitem a ascensão profissional de acordo com as aptidões e desempenho de cada colaborador. Em análise situacional à empresa Hiper Moreira – Goiânia, constatou-se a existência de problemas e prejuízos advindos da falta de uma descrição de cargos e salários com melhores definições. Dentre os indícios observados, pode-se mencionar os altos níveis de insatisfação salarial, a atribuição de funções incompatíveis com o cargo ocupado e o conflito de funções. Diante deste cenário emerge a questão problema que este estudo busca responder: De que forma a definição de cargos e salários pode contribuir para reduzir os problemas e erros de adequação entre colaborador, função e salário? A hipótese levantada é a de que uma boa definição de cargos e salários pode auxiliar no processo de recrutamento e seleção, no correto enquadramento funcional e na equidade salarial. O objetivo deste estudo é mostrar a importância do plano de cargos e salários no Supermercado Hiper Moreira. Para alcançar este objetivo foram estabelecidos os seguintes objetivos específicos: conceituaram-se as políticas de cargos e salários; destacou-se a relação entre uma política de cargos e salários efetiva


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e seus reflexos sobre os serviços prestados e demonstrou-se a importância do supermercado Hiper Moreira e de qualquer outra empresa investir em uma boa definição de cargos e salários. Este estudo apresenta grande relevância econômica, social e acadêmica. Econômica porque por meio de seus conhecimentos apresenta orientações que vão de encontro à solução para os problemas encontrados na Gestão de Recursos Humanos do Hiper Moreira indicando possíveis melhorias. Tais melhorias resultam em atuações capazes de prevenir gastos desnecessários com processos trabalhistas, demissões ou contratações indevidas. Social porque por meio de uma correta definição de cargos e salários os funcionários conseguem ter maior clareza do que a empresa espera deles e podem, também, investir em seu próprio desenvolvimento contribuindo para alcançar tanto os objetivos empresariais quanto os objetivos pessoais. E acadêmica porque permite que conhecimentos teóricos adquiridos durante o Curso de Administração possam ser aplicados em uma situação real. Tal fator é propulsor de um aprendizado mais efetivo capaz de se refletir na vivência prática das atribuições de um Administrador. Para desenvolver este estudo, foram utilizadas três metodologias de pesquisa sendo uma pesquisa bibliográfica, pesquisa de campo e pesquisa documental. Para uma melhor organização deste estudo, foram criadas três seções. A primeira seção apresentou os resultados da pesquisa bibliográfica. A segunda os resultados da pesquisa de campo e a proposta de melhoria integrando as teorias da pesquisa bibliográfica e os resultados obtidos em campo.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Contexto histórico do planejamento de cargos e salários

Historicamente falando, a atenção dispensada ao planejamento de cargos e de salários passou por intenso processo evolutivo transpondo-se de uma época em que não existia nenhum tipo de preocupação com o tema até os dias atuais em que é um fator essencial para o sucesso empresarial.


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Uma das primeiras relações trabalhistas de que se tem notícia foi a escravidão. Conforme relatos de Tanre (2004, p.6) “a escravidão foi uma das mais antigas formas de emprego estruturado, [...] os escravos não tinham qualquer incentivo para esforçar-se mais e sua maior realização era evitar o chicote”. Logo após veio a escravidão que “continuava sendo uma forma opressora de trabalho, pois os servos eram forçados a trabalhar por terras”, mas se comparado à escravidão, eles tinham uma condição melhor, pois “seu rendimento estava ligado à produtividade, o que representou uma das primeiras formas de incentivo”. Evidentemente, neste período histórico não existia sequer respeito aos direitos humanos, quanto menos preocupação com condições de trabalho, benefícios ou motivação. Ainda assim, a transição entre escravidão e servidão representou um sensível passo, pois começou a considerar a produtividade ao invés do acoite. Para livrarem-se da opressão dos senhores feudais muitos servos começaram a fugir das fazendas e unirem-se formando as corporações de ofício, pois, mesmo não dispondo de muitos recursos financeiros detinham o conhecimento sobre o trabalho, conforme se pode observar nas palavras de Martins (2001, p. 34) acerca das Corporações de Ofício:

Estas surgiram com a decadência da servidão que se iniciou quando servos de diversos lugares começaram a fugir da opressão feudal e migrar para as cidades. Graças as suas habilidades os servos começaram a unir-se e produzir produtos manufaturados.

Desta fase trabalhista originaram-se associações de trabalhadores e artesãos que se uniram para fabricação de produtos manufaturados, mas, ainda não existia um planejamento estruturado de funções, atribuições ou salários, apenas maior liberdade para os trabalhadores. Com a invenção da máquina a vapor, a associação de trabalhadores e artesãos é substituída pela Era Industrial. Foi neste período que as primeiras ações estruturadas e sistemas de remuneração começam a surgir. Nesta época, grandes nomes da Administração se destacam como Frederick Taylor, considerado por muitos


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como sendo o pai da Administração e, neste período, a Administração Científica baseou-se no “conceito de homo economicus, isto é, do homem econômico, a pessoa motivada por recompensas salariais” (CHIAVENATO, 2008, p. 206). O conceito diz que toda pessoa é influenciada exclusivamente por recompensas salariais e econômicas. Neste período histórico, Taylor faz às primeiras estruturações, com bases científicas, aos sistemas de remuneração. Entretanto, o pensamento da época era o de que a motivação de um operário baseava-se unicamente no recebimento de salários elevados, desconsiderando outros fatores. Para o pensamento da época um homem seria capaz de dar o máximo de sua capacidade física de trabalho em troca de bons retornos financeiros. O salário era o ponto motivador focal e estava, portanto diretamente ligado ao nível de produção do trabalhador. Além do foco de recompensa estar exclusivamente voltado a remunerações salariais pode-se destacar que a forma de organização do trabalho era marcada pelo excesso de divisão e especialização do trabalho. Essa característica fazia com que o trabalho se tornasse muito simples e repetitivo traduzindo-se em um trabalho monótono, repetitivo e intelectualmente limitador (FERREIRA, 2002). Neste período os operários eram tratados como máquinas utilizadas para a produção, sem qualquer poder de decisão ou autonomia. Sua visão da organizacional voltava-se apenas a execução de sua tarefa sem possibilidade de adoção de uma visão macro que permitisse a compreensão do funcionamento organizacional como um todo e sem oportunidade de desenvolvimento intelectual. Um novo momento histórico tem início com o período denominado ‘Segunda Era Industrial’. Nesta época a máquina a vapor foi substituída por eletricidade, o ferro foi transformado em aço, o motor de combustão interna passou a utilizar petróleo e iniciou-se o desenvolvimento de automóveis e aviões. Neste período se destaca Henry Ford propulsor do fordismo que se destacou por estruturar uma forma de organização do trabalho estandardizada, ou seja, padronizada. No modelo proposto por Ford o trabalho era disposto ao redor de uma esteira em formato de T, onde cada funcionário executava uma tarefa e o resultado desta era repassado para o próximo funcionário. Neste novo sistema a produção atingiu resultados sem precedentes e o que antes era produzido em 728 horas passou a ser feito em 93


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minutos. Tal método, porém, manteve o excesso de especialização e a monotonia das funções, forma esta similar à organização do trabalho proposta por Frederick Taylor (ALCOFORADO, 2006). No final da década de 1920, novas correntes teóricas se contrapõem a forma de organização de trabalho Taylorista/fordista, isso acontece por causa da forma monótona e rotineira da organização do trabalho, em que o trabalhador era obrigado a repetir por exaustivas vezes durante dia a mesma tarefa de forma mecanizada e enfadonha o que fez aumentar os índices de produção, mas também a rotatividade, o número de faltas ao trabalho, e o índice de abandono de emprego. Neste período começa a se entender que existem outros fatores importantes durante o planejamento de cargos e salários que vão além da remuneração material. E que a forma como as tarefas são distribuídas impacta na produtividade. Assim, dá-se início a uma nova fase que passa a considerar fatores como motivação, relacionamentos interpessoais, liderança, bem-estar, autoestima, qualidade do ambiente de trabalho e outros fatores psicológicos. Surge assim a Teoria das Relações Humanas com sua nova concepção que concebe o homem como sendo um ser social, motivado por necessidades humanas, influenciado pelo estilo de supervisão ou liderança, e sujeitos as normas regulamentadoras que emergem dos grupos sociais. Deste contexto surgiram diversas teorias que estudavam o comportamento humano, como a Teoria da hierarquia das necessidades de Maslow, a Teoria dos dois fatores de Herzberg, a Teoria X e a Teoria Y de McGregor, a Teoria das Decisões de Herbert Simon, entre outras (CHIAVENATO, 2008). Atualmente, nova evolução tecnológica emerge com a invenção do computador, dos modernos meios de comunicação e transportes provocando o surgimento da então denominada Era da informação. Neste novo contexto histórico, novas mudanças e tendências afetam também o âmbito social, cultural, econômico e organizacional. E, em se tratando do âmbito organizacional, se pode observar que atualmente a individualidade se transforma em trabalho de equipe, as tarefas passam de muito simples para trabalhos multidimensionais, as pessoas passam de controlados para autorizados, e o estímulo, a iniciativa e o empreendedorismo


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ganham força. Os critérios de promoção mudam do desempenho para a habilidade e o enfoque das medidas de desempenho e da remuneração se transformam da atividade para os resultados, levando à remuneração flexível através da participação nos resultados alcançados (FERREIRA, 2002). Neste novo contexto as pessoas querem ser notadas por seu potencial intelectual, querem ter poder de decisão, e querem ser vistas como parceiras da organização ajudando-as a crescer e crescendo junto com elas.

2.2 Processos de Gestão e os Subsistemas de Recursos Humanos

Atualmente, independente do ramo de atuação, do tamanho e da estrutura de uma organização a atenção e o cuidado com a área dos Recursos Humanos é fator relevante para o sucesso da empresarial, visto ser esta uma área que apoia a empresa a alcançar seus objetivos. Em muitos casos, a boa gestão dos Recursos Humanos implica na geração de um diferencial competitivo, pois as ações desenvolvidas impactam diretamente nas estratégias empresariais. Existe uma confusão comum entre a área de Recursos Humanos e o Departamento de Pessoal e neste sentido apresenta-se a seguinte distinção:

[...] apesar de trabalharem em conjunto, cada uma dessas duas áreas/departamentos desenvolve atividades distintas [...] o Departamento Pessoal é responsável por funções mais burocráticas [...] Já a área de Recursos Humanos é responsável pela Gestão de Pessoas (CAXITO, 2008, p. 8).

Enquanto que o Departamento de Pessoal tem uma natureza mais burocrática como preenchimento de cadastros, efetuação de cálculos ligados aos vínculos trabalhistas como cálculos de férias, 13º salário, rescisão de contrato, contratações, demissões, concessão de benefícios, a área de Recursos Humanos é mais voltada a, captar, socializar, treinar, motivar e desenvolver pessoas. A figura a


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seguir apresenta uma estrutura que mostra os principais processos envolvidos na área de Recursos Humanos e, portanto, de Gestão de Pessoas. Figura 1 - Processos da Gestão de Pessoas

Gestão de Pessoas

Processos de agregar pessoas

Processo de aplicar pessoas

Processo de recompensar pessoas

Processo de desenvolver pessoas

Processos de manter pessoas

Processos de monitorar pessoas

Recrutamento Seleção

Modelagem do Trabalho Avaliação de desempenho

Remuneração Benefícios Incentivos

Treinamento Desenvolvimento Aprendizagem Gestão do Conhecimento

Higiene, Segurança e QVT, Relações com sindicatos

Banco de dados Sistemas de informação gerenciais

Fonte: Chiavenato (2008, p.15).

A seguir, será abordado cada um dos processos de forma sintetizada. Para os objetivos deste estudo a ênfase será dada os processos de aplicar pessoas, processos de recompensar pessoas e processo de desenvolver pessoas.

2.2.1 Processos de aplicar pessoas

Os processos de aplicar pessoas são aqueles que visam integrar os novos funcionários ao ambiente e cultura da organização. Tais processos envolvem diversas atividades como programas de integração, orientação, acompanhamento do desempenho, apresentação da empresa ao novo contratado, apresentação do novo contratado à equipe, definição das atividades que deverão ser executadas, dentre outras.


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Dentre os subsistemas deste processo estão “o desenho organizacional, o desenho de cargos, a análise e descrição de cargos, orientação das pessoas, e a avaliação de desempenho” (CHIAVENATO, 2008, p. 15). Ainda o autor explica que o desenho organizacional se refere à escolha de uma estrutura organizacional que seja mais estratégica para que a empresa consiga atingir seus objetivos e estes podem variar entre dois extremos tendo de um lado os desenhos mecanísticos e de outro os desenhos orgânicos. A depender o tipo de organização uma forma ou outra é escolhida. Em organizações burocráticas a autoridade aparece centrada no topo, existem muitas regras e processos, excesso de divisão do trabalho, pouca flexibilidade e agilidade para funcionar em ambientes dinâmicos e mutáveis. Os desenhos orgânicos apresenta uma autoridade descentralizada, poucas regras e processos e divisão do trabalho, poucas características burocráticas e com culturas que incentivam a participação das pessoas (CHIAVENATO, 2004). Observa-se desta forma que o desenho organizacional visa estabelecer a forma hierárquica de autoridade e de comunicação que será utilizada pela organização e as interdependências entre estas. Tal escolha influencia diretamente no perfil dos cargos.

Figura 2 - Propriedades dos desenhos mecanísticos e orgânicos.

Desenho Mecanístico

Desenho Orgânico

 Coordenação centralizada no topo

 Interdependência de esforços

 Cargos rígidos, estáveis e definitivos

 Cargos

 Interação padronizada através de cargos

autodefendidos

mutáveis,

provisórios

e


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 Capacidade

limitada

de

processar

 Interações intensivas entre as pessoas

informação

 Capacidade

 Ideal para tarefas simples, rotineiras e

pessoas

repetitivas

 Capacidade expandida de processar a

 Adequado para maior eficiência da

informação

produção

 Ideal para tarefas únicas, mutáveis e

expandida

entre

as

complexas  Adequado

para

maior

inovação

e

criatividade Fonte: CHIAVENATO, 2004.

Outro subsistema que serve de suporte para a aplicação das pessoas é o desenho de cargos que é construído para determinar como os cargos deveram funcionar de forma individual ou combinada. De acordo com definição de Chiavenato (2008, p. 2002):

O desenho de cargo é a especificação do conteúdo, dos métodos de trabalho e das relações com os demais cargos, no sentido de satisfazer os requisitos tecnológicos, organizacionais e sociais, bem como os requisitos pessoais do seu ocupante. No fundo, o desenho de cargos representa o modo pelo qual os administradores projetam os cargos individuais e os combinam em unidades, departamentos e organizações.

Para uma melhor compreensão de como o desenho de cargo se estabelece serão apresentados três distintas abordagens de desenho de cargos sendo: a clássica, a humanística e a contingencial. No modelo clássico o desenho de cargos mantêm o foco na simplificação e fragmentação da tarefa; o modelo humanístico tem o trabalhador como um homem social e considera as implicações advindas das relações humanas e o modelo contingencial baseia-se nas características da tarefa para que tenha atributos que as deixem interessantes (CHIAVENATO, 2008).


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Assim se um modelo de desenho de cargos for clássico determinará que os cargos possuam tarefas simples sendo parte de um processo maior, com isso, não será necessário muito investimento em treinamento, as tarefas poderão ser rapidamente executadas, o nível de controle é fácil e alto a remuneração pode pautarse na produção, mas, em contra partida as tarefas podem produzir desmotivação, monotonia e tédio o que resulta em alta rotatividade, abstinência e desmotivação.

2.2.2 Processos de recompensar pessoas

Os processos de recompensar pessoas são utilizados para incentivar as pessoas e satisfazer suas necessidades individuais. Este tipo de processo abrange recompensas, remunerações e benefícios (RIBAS e SALIM, 2013). Neste contexto vale conceituar alguns termos amplamente utilizados, como: remuneração, salários, benefícios, incentivo salarial. De acordo com Megginson (1998), remuneração é a contrapartida recebida por serviços prestados; salário é a remuneração monetária que se recebe trabalhando para alguém; benefícios são vantagens a que se tem direito pelo fato de ser empregado e incentivo salarial, são os ganhos dos empregados diretamente relacionados com a quantidade que produzem ou vendem acima de um padrão predeterminado. Pode-se observar que existem diversas formas de recompensar as pessoas, e a remuneração abrange um mix composto por salário, incentivos salariais, horas, extras e benefícios, etc.; o salário compreende o valor recebido em valores monetários, assim não abrangem, por exemplo, os benefícios; benefícios são vantagens recebidas como: plano de saúde, plano odontológico etc.; e incentivo salarial são todas as bonificações recebidas por produtividade como cumprimento de metas, produção superior ao indicado etc. No âmbito empresarial, o sistema de recompensa deve ser utilizado de forma estratégica e justa ou pode tornar-se um fator contraproducente e desmotivador. Se, por exemplo, um funcionário exercer determinada função e receber menos que outro que também exerça a mesma função mesmo recebendo um bom salário sentirá


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que há injustiça e falta de equidade. Esse é um dos principais desafios da administração de cargos e salários e a equidade pode ser interna ou externa.

O equilíbrio interno ocorre quando há uma justa e correta avaliação dos cargos, já que os funcionários normalmente fazem comparações é julgam se o salário dos colaboradores em igualdade de funções recebem valores equivalentes. Em grande parte das vezes a insatisfação relativa ao salário advém valores desproporcionais de remunerações a funções equivalentes (PONTES, 2011, p.23).

Neste ponto é preciso ter justiça, clareza e transparência dos critérios utilizados para remunerar, promover, beneficiar ou premiar para que o sistema seja bem aceito e compreendido por todos. Também para que seja possível que o funcionário saiba quais os requisitos são necessários para crescer na organização e possa investir em seu próprio crescimento. O equilíbrio externo ocorre através da adequação salarial da organização. Observa-se que muitas vezes a insatisfação com a remuneração advém da diferença de remuneração entre os cargos e pessoas, quando estão claras as responsabilidades, produtividade, conhecimento ou capacidade que justifiquem a diferença salarial. A transparência sobre os critérios e a justiça é fundamental para evitar a insatisfação relativa ao planejamento de remuneração.

2.2.3 Processos de desenvolver pessoas

Além de recrutar, selecionar, sociabilizar e recompensar os funcionários de uma empresa, é preciso desenvolvê-los. Tais processos compreendem a capacitação o desenvolvimento e o aprimoramento profissional e pessoal dos funcionários. Conforme conceito de Ribas e Salim (2013) os processos de desenvolver pessoas são aqueles utilizados para capacitar e incrementar o


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desenvolvimento profissional e pessoal e incluem treinamento e desenvolvimento de pessoas, desenvolvimento organizacional e planejamento de carreiras. Uma empresa que quer crescer e manter-se competitiva terá necessariamente que investir no desenvolvimento de seus colaboradores. São necessários cursos de aperfeiçoamento, reciclagem, aprimoramento tecnológico, e perspectivas de crescimento e promoção, afinal é natural que o ser humano sinta a necessidade de crescer profissionalmente. Tanto o treinamento quanto o desenvolvimento são processos ligados a aprendizagem o que os difere são sua perspectiva temporal. Enquanto o treinamento é orientado para o presente, o desenvolvimento é orientado para o futuro. As pessoas gostam de ter perspectivas de crescimento, de saber que podem galgar degraus evolutivos, desta forma são motivados a atingir níveis mais elevados, e esse é um dos motivos que constituem a essência do planejamento e do desenvolvimento de carreiras.

2.3 Descrição e Análise de Cargos e Salários

A descrição de cargos e salários é altamente relevante e serve como subsídio para a tomada de diversas outras decisões, sendo assim, é elemento essencial para todos os processos dos Recursos Humanos, mas em especial para aplicar, recompensar e desenvolver pessoas. De acordo com Oliveira (2013, p.5) “a análise de um cargo e sua descrição são formas de ajudar na contratação de empregado dentro do perfil desejado, atendendo às necessidades das atividades que o empregador deseja”. Para tratar deste tema em primeiro momento cabe fazer distinção entre os termos: tarefa, função e cargo. Com tal finalidade se recorreu às contribuições de que ensina:


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Tarefa é o conjunto de elementos que requer esforço humano para determinado fim; função é a atribuição específica; inclui deveres e responsabilidades requeridas das atividades de um indivíduo e cargo é a ocupação oficial do empregado, para descrevê-lo é necessário entender as várias operações da empresa e estabelecer a necessidade ou objetivo de cada função [...] (OLIVEIRA, 2013, p. 7).

Conforme a definição do autor, pode-se observar que a tarefa é uma unidade de trabalho que exige certo preparo para um fim específico; a função, é um agrupamento de tarefas e responsabilidades de um cargo e cargo é um conjunto de funções equivalentes definidas estrategicamente em prol das necessidades organizacionais. “É na descrição de cargos que se faz o detalhamento das tarefas (o que o ocupante faz), periodicidade da execução (quando faz), métodos empregados na execução das atribuições ou tarefas (como faz) e objetivos do cargo (por que faz)” (CHIAVENATO, 2004). Trata-se basicamente de um levantamento por escrito dos principais aspectos significativos do cargo, dos deveres e responsabilidades envolvidas e é por meio desta descrição que o cargo toma forma, que posteriormente será utilizada para projetar o valor do salário, às responsabilidades envolvidas, enquadramento funcional, dentre outras. Feita esta descrição, passa-se a análise do cargo em relação aos aspectos extrínsecos, ou seja, aos requisitos que o cargo propõe ao seu ocupante.

3 METODOLOGIA

Para o desenvolvimento deste estudo utilizou-se a combinação de três metodologias de pesquisa: a pesquisa bibliográfica, a pesquisa documental e a pesquisa de campo. O método de pesquisa bibliográfica é utilizado para reunir informações já publicadas por estudiosos e especialistas do tema com o objetivo de dar fundamento teórico ao estudo e também credibilidade científica. A pesquisa documental é realizada normalmente sobre documentos conservados em arquivos de qualquer natureza, regulamentos, registros, anais, circulares, ofícios etc. E a pesquisa


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de campo é uma metodologia de pesquisa que busca dados in loco, ou seja, no local onde está o objeto de estudo. Neste estudo o objeto de estudo foi o Hiper Moreira. A documentação analisada foi a requisição de pessoal utilizada pela organização para realizar contratações, descrever as atribuições e determinar o cargo. Também, por meio da pesquisa de campo, aplicou-se um questionário a 15 funcionários do Hiper Moreira a fim de analisar o nível de conhecimentos destes em relação ao cargo que exercem. A escolha dos funcionários para participar da pesquisa se deu de forma aleatória e o questionário foi aplicado no dia 05/12/2014. O questionário foi composto por 10 questões, sendo que 8 (oito) fechadas de múltipla escolha e 2 (duas) mistas. A abordagem na ocasião da pesquisa ocorreu via encontro pessoal e a pesquisadora direcionava-se até o funcionário e perguntava se este poderia participar da pesquisa explicando que se tratava de uma pesquisa acadêmica do Curso de Administração e que os resultados poderiam ser de grande importância para a adoção de políticas capazes de aprimorar o sistema de descrição de cargos e salários da organização por fornecer subsídios de atuação. Aqueles que concordavam em participar eram incluídos na pesquisa.

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Como o objetivo de fazer um diagnóstico sobre a percepção que os funcionários têm sobre os cargos e a forma de organização do trabalho aplicou-se uma pesquisa abrangendo uma amostra composta por 15 funcionários. Seus resultados estão expostos a seguir. A primeira questão mostrou que amostra coletada incidiu em cargos com natureza mais administrativa que operacional. Em estudos empresarias futuros se poderão considerar critérios que possibilitem mais homogeneidade amostral. Dentro deste estudo, porém, tal variável será levada em consideração.


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Com relação aos cargos observou-se predominância entre analistas contábeis e fiscais com 27% para cada tipo e cargo seguido por analista administrativo Júnior com 13% e outros analistas também com 13%, depois com 7% cada está o assistente administrativo Júnior e o Gerente Fiscal e com índice de 6% o analista de contas. Tal questionamento teve o intuito de conhecer a natureza dos cargos dos entrevistados. Em seguida questionou-se sobre o tempo de serviço na empresa. Diferentes períodos temporais foram registrados sendo adequado o uso de score que possibilitou agrupar as respostas dentro dos períodos indicados a seguir no gráfico 1.

Gráfico 1 - Demonstrativo do tempo de empresa dos entrevistados

Mais que 6 anos 20% Até 1 ano 20%

Mais que 1 ano até 3 anos Mais que 3 33% anos até 6 anos 27%

Mais que 1 ano até 3 anos Mais que 3 anos até 6 anos

Fonte: Pesquisa elaborada pela acadêmica Lucilene L. Veríssimo (2014)

Em interpretação ao segundo questionamento observa-se a existência de certo equilíbrio entre as novas contratações e também a existência de funcionários com muito tempo de trabalho na empresa e considera-se ser isso é positivo, pois mesclar o quadro funcional entre funcionários antigos e novos indica manter a experiência e também atrair inovações relacionadas à mão-de-obra. Já com relação à diversidade dos sexos, os resultados não apresentaram tanto diversidade, se pode constatar a predominância do sexo masculino com 73% do total de entrevistados sendo os funcionários do sexo feminino apenas 27%. A predominância de um gênero no quadro funcional de uma empresa se reflete nas atividades, nas funções e nos cargos.


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Com relação a essa predominância é preciso considerar a igualdade de oportunidade de trabalho entre os sexos sabendo que homens e mulheres não são iguais e exatamente por isso podem prestar diferentes contribuições. Conforme palavras de Gray e Annis (2013, p. 34):

[...] homens e mulheres não são iguais e nunca deveriam ser. A autenticidade pessoal é o que constrói e sustenta a igualdade entre os sexos, e não mulheres agindo como homens e homens agindo como mulheres. Nossa maior força – nossa igualdade – reside em nossas diferenças, e o verdadeiro caminho para a felicidade e realização pessoal está na compreensão, valorização e aceitação dessas diferenças.

Concepções atualmente defendidas por estudiosos entendem a diversidade como uma vantagem que oferece um espectro mais amplo de conhecimento. Equipes diversas tomam decisões melhores a respeito de problemas mais complexos do que equipes cujos membros possuem experiências similares. Em um mundo globalizado essa tendência tem ganhado cada vez mais força (MCSHANE, GLINOW, 2014). Após traçado um breve perfil funcional dos entrevistados passou-se a investigar suas opiniões e percepções relativas aos seus cargos. E, neste sentido, o primeiro questionamento foi: Você sabe qual é a missão do seu cargo? As opções de resposta foram sim ou não. Todos os entrevistados (100%) responderam que sim. Também se apresentou um índice de 100% de respostas afirmativas quando se questionou se os funcionários tinha uma definição clara das responsabilidades inerentes a seus cargos, como por exemplo: quais as atividades, projetos, pessoas, ou decisões que estão sob sua responsabilidade. Tais resultados são positivos, pois a clareza da delimitação do cargo impacto diretamente no desempenho funcional. Dois dos questionamentos que apresentaram um índice 100% positivo foi em relação ao conhecimento sobre a missão do cargo ocupado e sobre a definição clara das responsabilidades. Isso é positivo, pois permite ao funcionário


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direcionamentos para uma boa execução do trabalho. Porém, ao mesclar tais respostas com a pesquisa documental observou-se lacunas sobre tais definições do cargo que são preenchidas de forma empírica durante o exercício prático da função. Então, a princípio as definições não são claras com o tempo as coisas se estabelecem conforme exercício do cargo. Este ponto pode ser aprimorado. Noutro questionamento, buscou-se saber sobre a complexidade do seu cargo e questionou-se sobre o nível de esforço mental necessário a ordenação, interpretação e execução do cargo, sendo as respostas possíveis: alto, médio ou baixo. Neste quesito, 87% dos entrevistados afirmaram que o nível de esforço mental exigido para o cargo é alto com 87% e 13% afirmaram que é médio, não houve índices para o nível baixo. Com relação ao nível de esforço mental exigido para o exercício do cargo é preciso estabelecer tarefas dentro de níveis de equilíbrio, ou seja, as tarefas não devem ser tão simples que se tornem desestimulantes e sem potencial intelectual e nem tão complexas que provoquem estresse e fadiga mental. Em relação ao nível de esforço mental, 87% dos entrevistados afirmaram ser alto. Neste ponto Guimarães e Grubits (2004) ensinam que fadiga mental surge com a exigência excessiva da capacidade de atenção, análises e controle do trabalhador ou pela quantidade de informação que recebe causando sobrecarga mental, que leva ao aparecimento do estresse laboral. Desta forma ao planejar as funções e tarefas de um cargo é preciso considerar o nível de esforço mental exigido para que não seja baixo a ponto de desmotivar e nem alto a ponto de estressar. Investigou-se em seguida a relação frequência de supervisão versus autonomia e os entrevistados puderam escolher a opção que melhor se adequavam a sua percepção sobre seu cargo podia ser: nunca recebe supervisão em relação às atividades realizadas; raramente recebe supervisão em relação às atividades executadas; frequentemente, recebe supervisão em relação às atividades executadas ou sempre recebe supervisão em relação às atividades executadas.


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Como resultado, observou-se que 67% dos entrevistados são sempre supervisionados e 33% são frequentemente supervisionados, não houve índices para nunca ou raramente. O controle é necessário. É preciso determinar o que se espera, quais critérios e o andamento do processo. A forma de fazer e as especialidades devem ficar a cargo do profissional, conforme recomenda Franco (2012). Dentro de sua área, o profissional deve ter autonomia para decidir. Com relação ao conhecimento exigido para o desempenho do cargo 100% dos funcionários afirmaram que sabem quais são os conhecimentos necessários, e indicaram: trabalho com qualidade, atenção e senso de análise, escolaridade e conhecimento técnico, criatividade, adaptabilidade, ética, registrar todos os eventos, normas rígidas, visão estratégica, visão e valores, conciliações e fechamento. Outro questionamento foi feito com relação a situações em que conflitos de ordens advindas de diferentes partes podem causar confusão sobre o que deve ser feito e neste quesito as opções foram: não, às vezes ou sempre. Os resultados estão representados no gráfico a seguir. Observou-se que 40% afirmaram que às vezes os conflitos existem e 20% afirmou que sempre há conflitos de ordens e 40% afirmaram não existir conflitos. Neste ponto observa-se a necessidade de delimitações de competências que permitam aos funcionários saberem a quem devem se reportar e até que ponto vai a sua área de atuação. Investigou-se também se falta de definições de competências, informações, responsabilidades ou outras abrangências necessárias à execução da função e as respostas possíveis eram: não, às vezes, ou sempre. Este é um ponto importante do estudo, pois se detectou que 47% dos funcionários observam falhas na definição das competências e 7% afirmaram que tais falhas são constantes, 46% consideram as definições adequadas. Definir competências, informações, responsabilidades ou outras abrangências necessárias à execução da função permite que o funcionário saiba o que a empresa espera dele e assim consiga atender com melhor precisão as expectativas esperadas. De acordo


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com Chiavenato (2008), os aspectos intrínsecos e extrínsecos dos cargos são importantes parâmetros de descrição dos cargos. Ao investigar a equidade salarial interna questionou-se se a remuneração atribuída ao cargo era condizente com outros cargos de similar exigência. As opções de resposta foram sim ou não. A menor parte dos entrevistados com um indicador de 40% afirmou que sim, ou seja, que a remuneração é condizente as exigências do cargo e a maioria com 60% afirmaram que não, ou seja, que falta equidade salarial. A delimitação dos parâmetros que influenciam a remuneração deve ser transparente para que a justificativa de diferença salarial seja fácil e a justa. Neste sentido, o planejamento de carreira com diferentes níveis hierárquicos e exigências permitem que os funcionários saibam quais atributos devem possuir para se enquadrar dentro das exigências organizacionais para pretensão a maiores remunerações. E a comunicação entre a liderança e subordinados sobre questões salariais é facilitada. Investigou-se então a transparência dos critérios de promoção e quando se questionou se eram conhecidos os critérios para promoção as respostas possíveis eram sim ou não. Neste quesito 87% dos funcionários afirmaram que sabe o que deve ser feito para pleitearem uma promoção e 13% afirmaram que desconhecem. O último questionamento investigou a relação entre a imagem que o funcionário fazia do cargo antes de sua contratação e após sua contratação e questionou-se se esta foi concretizada. As opções de resposta foram sim ou não. Neste quesito, a maior parte dos entrevistados 67% afirmaram que a imagem anterior a contratação confirmou-se após a contratação e 33% afirmaram que a imagem anterior não se concretizou após a contratação. A descrição de cargos e salários também ajuda a caracterizar o cargo facilitando uma relação mais adequada entre a imagem que se faz de um cargo e seus reais aspectos. Durante a pesquisa 33% dos entrevistados afirmaram que a imagem que faziam do cargo antes de sua contratação foi diferente após sua contratação. Este fato implica contratações incorretas acarretando prejuízos tanto para empresa quanto para trabalhador.


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Na análise documental do procedimento que atualmente é utilizado para traçar as exigências do cargo se pode observar na Requisição de Pessoal. Ele serve de parâmetro para a descrição de todos os atributos que descrevem o cargo. Porém, importantes informações que ajudam na descrição do cargo estão ausentes como: localização do cargo dentro da estrutura organizacional, quem são os interessados por seus serviços e a quem este deve se reportar e apresentar resultados, iniciativa e aptidões necessárias, responsabilidades envolvidas, descrição do ambiente de trabalho que o cargo será exercido, quais as metas e resultados esperados. Como se pôde observar, a descrição atualmente utilizada para os cargos é altamente simplista e deixa diversos atributos do cargo sem abordagem refletindo em baixa equidade, conflitos de ordem, obscuridades na delimitação sobre o que deve ser feito. Neste sentido a adoção de novo método de descrição de cargos e salários deve ser adotado de uma forma mais abrangente que considere pontos atualmente não considerados.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através deste estudo, foi possível detectar alguns pontos de atenção dos quais pode-se citar: os conflitos de ordens onde 40% dos entrevistados afirmaram que às vezes os conflitos existem e 20% afirmaram que sempre há conflitos; o alto nível de esforço mental exigido nas tarefas com 87%; as falhas na definição das competências dos cargos com 47%, a equidade salarial com 60% e a análise documental que observou a Requisição de Pessoal, documento que serve de parâmetro para a descrição de todos os atributos que descrevem o cargo, mas que apresenta diversas lacunas em relação a ausência de importantes informações para a completa descrição dos cargos e salários. Diante de tais pontos de atenção, a definição de cargos e salários pode auxiliar no processo de recrutamento e seleção, no correto enquadramento funcional e na equidade salarial. Os conflitos de ordens podem ser amenizados com a clara definição das atribuições e limitações de cada cargo bem quando e a quem o ocupante do cargo


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deve se reportar. Com relação ao alto nível de esforço mental é preciso redefinir as tarefas dentre de parâmetros de equilíbrio de delimitem tarefas não muito simples para que não se tornem desestimulantes e nem muito complexas para que não sejam geradoras de estresse e fadiga mental. A equidade salarial passa a ser percebida quando valores diferentes são pagos para cargos de iguais exigências. É preciso definir paramentos transparentes para promoções e remunerações para os diferentes cargos de forma justa e clara fazendo que as diferenças salariais sejam facilmente justificadas. As falhas encontradas na definição das competências do cargo também foram detectadas na pesquisa documental. A forma atualmente utilizada apresenta diversas lacunas de informações essenciais a uma boa descrição de cargos e salários como: localização do cargo dentro da estrutura organizacional, quem são os interessados por seus serviços e a quem este deve se reportar e apresentar resultados, iniciativa e aptidões necessárias, responsabilidades envolvidas, descrição do ambiente de trabalho que o cargo será exercido, quais as metas e resultados esperados. Esta forma simplista de descrição tem contribuído para maximizar os problemas detectados e deve ser reformulada.

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VILAS BOAS, Ana Alice; ANDRADE, Rui Otávio Bernardes. Gestão Estratégica de Pessoas. São Paulo: Elsevier, 2000.


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BIBLIOMETRIA EM GESTÃO POR PROCESSOS UM LEVANTAMENTO NOS EVENTOS DA ANPAD, NO BANCO DE TESES E NOS PERIÓDICOS DA CAPES

Mariana Pirkel Tsukahara10 André Vasconcelos Silva11 Taís Guedes de Melo e Alvim12 Werianny Santiago Rassi13

Sejana Martins Guimarães14

RESUMO: Na busca de modelos de gestão que contemplem, de forma mais efetiva e eficaz, as novas e crescentes demandas da sociedade brasileira, a gestão por processos surge fortemente como um modelo que se propõe a enxergar um conjunto de atividades e pessoas inter-relacionadas. Nessa perspectiva, foi realizado um levantamento sobre os trabalhos desenvolvidos e a discussão teórica ocorrida no Brasil, nos últimos anos, em torno da temática “gestão por processos”. Desse modo, o objetivo desse trabalho foi analisar as pesquisas sobre gestão por processos publicadas nos eventos da ANPAD e disponíveis no Banco de Teses e Periódicos da CAPES. Encontrou-se como resultado uma concentração das pesquisas nas regiões sul e sudeste, bem como uma concentração de publicações nos anos de 2011 e 2012. Observou-se ainda uma quantidade de apenas 22% das pesquisas correlacionadas à administração pública. Palavras-chave: Gestão por processos. BPM - Bibliometria em Gestão por Processos.

10

Aluna regular do Programa de Mestrado Profissional em Gestão Organizacional na Universidade Federal de Goiás (UFG), servidora do Instituto Federal Goiano (IF Goiano). 11 Docente na Universidade Federal de Goiás (UFG) 12

Docente na Fundação Educacional de Goiás - Faculdade Lions Docente na Faculdade Padrão 14 Mestre e Diretora da Faculdade Padrão de Aparecida de Goiânia 13


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ABSTRACT: Searching for management models that focus, more effectively and efficiently, the new and growing demands of Brazilian society, management by process strongly emerges as a model that aims to see a set of activities and interrelated people. From this perspective, a survey was conducted on the work and the theoretical discussions that took place in Brazil in recent years, over the subject "business process management". Thus, the aim of this study was to analyze the research on process management published in the events of ANPAD and available at the CAPES´s Bank of Theses and Papers. It was found as result of the study a concentration of research in the South and Southeast, as well as a concentration of publications in the years of 2011 and 2012. Also, only 22% of research correlated to public administration was observed in the organization´s platform. Keywords: Business Process Management. BPM - Bibliometrics in Business Process Management.

1 INTRODUÇÃO

O interesse das organizações na adoção de ferramentas de gestão tem crescido nos últimos anos. Parte desse interesse é proporcional ao grau de complexidade das operações que emana das atividades inter-relacionadas de um processo organizacional. Outra parte é consequência de uma mudança de visão dos gestores, em que a satisfação do cliente passa a ser um objetivo organizacional. Dentre as diversas ferramentas de gestão empregadas tanto na iniciativa privada como nas organizações públicas, observa-se o crescente interesse das organizações pela adoção de modelos de gestão orientados para processos, sobretudo como principal meio para o incremento da agilidade, integração e flexibilidade institucionais (PAIM et al., 2009). Sabe-se que a gestão por processos tem como precursores a Gestão da Qualidade Total, fortemente empregada nos anos 80, bem como a reengenharia de processos de Michael Hammer e James Champy, da década de 90. Nesse contexto, o presente artigo tem como objetivo fazer uma revisão bibliométrica, a fim de e mapear os estudos que tratam de gestão por processos publicados nos eventos da Associação Nacional de Pós-Graduação em Administração e no banco de teses e periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.


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Nessa perspectiva, é relevante analisar como a “gestão por processos” vem sendo investigada nos meios acadêmicos, surgindo assim a seguinte problemática: em que estágio de desenvolvimento se encontra a pesquisa de gestão por processos? Cabe observar que dentre os artigos consultados para a elaboração do presente trabalho, somente uma pesquisa de revisão bibliométrica fora encontrada. O estudo de Kipper et al. (2009) é uma pesquisa bibliométrica recente, que empregou como fonte os principais eventos científicos brasileiros das áreas de engenharia de produção, com o intuito de analisar como o assunto tem sido abordado por autores das áreas da Gestão por Processos e Base de Conhecimento. Assim, esse trabalho se justifica uma vez que se propõe a analisar quantitativamente as produções, não se limitando a qualquer área de conhecimento específica. Este artigo é composto por introdução e cinco seções, as quais apresentam a revisão conceitual de gestão por processos e sua absorção pela Administração Pública, a metodologia aplicada, os resultados obtidos e, por fim, as considerações finais.

2 FUNTAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 O que é Gestão por processos?

Na esfera organizacional, o termo processo refere-se a uma ordenação específica das atividades de trabalho no tempo e no espaço, com começo, fim, inputs e

outputs

claramente

identificados,

enfim,

uma

estrutura

para

ação

(DAVENPORT,1994). Segundo Rebouças (2007), processo é o conjunto estruturado e intuitivo das funções de planejamento, organização, direção e avaliação das atividades sequenciais, que apresentam relação lógica entre si, com a finalidade de atender às necessidades e expectativas dos clientes externos e internos da empresa. Partindo-se do conceito de processos, é possível observar, na produção científica, o uso de duas terminologias que, embora parecidas, possuem abrangência distinta, que são a gestão de processos e a gestão por processos. Por “gestão de processos” entende-se que existem processos sendo monitorados, mantidos sob controle e que buscam atender a um planejamento. Esses


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processos podem pertencer ou não a um único departamento. Já a aplicação da preposição “por” implica um entendimento de uma maior abrangência, que compreende uma visão sistêmica, sendo essa nomenclatura o foco do estudo. Tradicionalmente, as organizações são estruturadas por um modelo funcional, departamentalizado. Nesse modelo são agrupadas na mesma unidade pessoas que realizam atividades dentro de uma mesma área técnica ou de conhecimento, por exemplo, a área financeira, de produção, comercial e de gestão de pessoas, dentre outras. Inicialmente, as organizações são estruturadas por função, a fim de facilitar o gerenciamento do aumento de especialização e a divisão do trabalho. No entanto, com o incremento das habilidades da organização para produzir melhores produtos e serviços, bem como o crescimento da complexidade das operações, tal modelo mostra-se ineficiente em diversas perspectivas estratégicas e gerenciais. Segundo Paim et al. (2009) o modelo funcional possui limitações quanto à capacidade de coordenação do trabalho e, ainda, revela-se restritivo para lidar com a realidade contemporânea, na qual a construção de organizações mais ágeis, integradas e flexíveis passa a ser uma condição importante para a atuação que sustente e aprimore o desempenho organizacional. O redesenho da estrutura por meio da gestão por processos permite maior integração entre as funções, podendo auxiliar e agilizar a tomada de decisão dos gerentes na resolução de problemas. A visão por processos não acaba com a concepção departamental das empresas, mas provê meios para que estas sejam geridas a partir de uma visão mais ampla, ou seja, sistêmica. Tendo-se ainda como premissa que a gestão por processos é uma ferramenta eficaz na busca pela melhoria contínua dos processos produtivos e, consequentemente, no aumento de eficiência produtiva, busca-se entender se há interesse da Administração Pública na implantação da gestão por processos, embora tendo seus órgãos estruturados de modo funcional.

2.2 Gestão por processos na Administração Pública

A ideia de uma administração pública gerencial no Brasil começou a ser delineada na década de 30. A criação do DASP - Departamento Administrativo do


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Serviço Público, em 1936, representou a primeira reforma administrativa do Brasil por meio da implantação da administração burocrática clássica, em que os princípios centralizadores e hierárquicos - princípio da unidade de comando são fortemente marcados. Segundo Bresser (1996), a administração pública burocrática foi adotada para substituir a administração patrimonialista, em que o patrimônio público e o privado eram confundidos. O nepotismo e o empreguismo, até mesmo a corrupção, eram a norma. Tornou-se assim necessário desenvolver um tipo de administração que partisse não apenas da clara distinção entre o público e o privado, mas também da separação entre o político e o administrador público. A criação das autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas, representou a primeira tentativa de reforma gerencial administrativa, por meio do Decreto-Lei nº 200, de 1967. Esse decreto representou uma superação da rigidez burocrática, simbolizando o primeiro momento da administração gerencial no Brasil. De acordo com Bresser (1996), foi dada ênfase à descentralização mediante a autonomia da administração indireta, a partir do pressuposto da rigidez da administração direta e da maior eficiência da administração descentralizada. Buscava-se, via flexibilização da administração, uma maior eficiência nas atividades econômicas do Estado. A reforma do Estado, que se tornou tema central no mundo todo nos anos 90, foi uma resposta ao processo de globalização econômica e financeira. Nessa época, o Brasil vivenciava uma grande crise econômica, marcada pelo episódio hiperinflacionário, tornando-se imperiosa a reforma do Estado. Tal reforma de fato só tornou um tema central no Brasil em 1995, após a eleição e a posse de Fernando Henrique Cardoso. Em 1995, iniciou-se, então, a reforma da gestão pública ou reforma gerencial do Estado com a publicação do Plano Diretor da Reforma do Estado e o envio para o Congresso Nacional da emenda da administração pública, a qual se transformou, em 1998, na Emenda Constitucional nº 19. Dentre as diversificadas ações da reforma da gestão pública, as quais tinham por objetivo profissionalizar a administração no âmbito do Estado Brasileiro, pode-se destacar o Programa Nacional de Gestão Pública e Desburocratização – GESPÚBLICA, o qual se originou do Programa de Qualidade do Serviço Público do Governo Federal, implantado em 1999.


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O Programa Nacional de Gestão Pública e Desburocratização – GesPública – foi instituído pelo Decreto nº 5.378, de 23 de fevereiro de 2005, e tem como objetivo a promoção da gestão pública de excelência, visando a contribuir para a qualidade dos serviços públicos prestados ao cidadão e para o aumento da competitividade do país. A implementação de diversas ações por meio do GesPública demonstra a preocupação dos gestores públicos em modernizar e aperfeiçoar a gestão pública, disseminando ferramentas gerenciais a serem adotadas. Dentre as diversas ferramentas gerenciais indicadas pelo programa, encontra-se em grande destaque o interesse na Gestão por Processos. O GesPública prevê a Gestão por Processos como uma das ferramentas para a simplificação de processos e normas e a otimização dos fluxos de trabalho, eliminando procedimentos que não agregam valor ao serviço prestado pelas instituições e, por consequência, pelo Estado. Conforme o Guia de Gestão de Processos do GesPública (SEGES, 2009), a moderna gestão pública considera processos como “um conjunto de decisões que transformam insumos em valores gerados ao cliente/cidadão”, ampliando a ideia de processos como meros fluxos operacionais e destacando o compromisso das instituições em tomarem decisões com o fim de satisfazer as necessidades desse cliente, ou seja, do cidadão.

3 MÉTODO

Esse artigo utilizou o método bibliométrico de mapeamento de pesquisas. Segundo Araújo (2006), é feito um levantamento dos estudos cadastrados em bases de dados que contenham grande quantidade de publicações e que disponham de ferramentas que possibilitem o uso de descritores lógicos para a seleção dos artigos. Especificamente nesse estudo, as seleções dos artigos ocorreram a partir da utilização das expressões “gestão por processos” e “BPM”. É válido ressaltar que a termologia “gestão de processos” não foi considerada como descritor, uma vez que sua significância teórica difere do conceito de gestão por processos. De acordo com Araújo (2006), a bibliometria envolve a técnica quantitativa e estatística de medição dos índices de produção e disseminação do


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conhecimento científico. Nesse artigo, foi aplicada a lei clássica de Zipf, que busca palavras inseridas nos textos pesquisados e a frequência do seu uso, em que o número de vezes que este assunto aparece indica o assunto do documento. Foram considerados nesse estudo os artigos publicados nos eventos realizados

pela

Associação

Nacional

de

Pós-Graduação

e

Pesquisa

em

Administração (ANPAD) e as bases de dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). A escolha do banco de dados da ANPAD baseou-se na correlação direta que existe entre a administração e a termologia “gestão”, intuindo assim que os descritores buscados tenham representatividade de publicações na ANPAD, uma vez que esta concentra as publicações dos pesquisadores, pós-graduandos, professores e outros profissionais de administração e contabilidade, bem como de áreas correlatas. A seleção dos artigos do banco de teses e periódicos da CAPES implica na representatividade desse órgão em nível nacional, uma vez que desempenha papel fundamental na expansão e consolidação da pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) em todos os estados da Federação. Pode-se realizar uma busca de grande abrangência entre as diversas áreas do conhecimento, não se restringindo à área de administração. A pesquisa não se limitou a nenhum período, selecionando cem por cento dos artigos que continham os descritores já citados no resumo e no título. Foram selecionados 45 artigos segundo critérios quantitativos bibliométricos, sendo analisados segundo a autoria, o ano de publicação, o tipo de gestão a que se refere (pública ou privada), a região geográfica da publicação e a quantidade de referências nacionais e internacionais utilizadas pelos autores para embasar seus estudos.

4 RESULTADOS E ANÁLISES

Os resultados da pesquisa bibliométrica, realizada a partir das bases de dados ANPAD e CAPES, são apresentados em tabelas, sendo a referência da busca junho de 2014. Foram considerados nesta seleção todos os artigos que possuíam em seu título, resumo ou palavra-chave os descritores “gestão por processo” ou “BPM”.


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Com relação à quantidade de artigos publicados por ano, é válido ressaltar que a pesquisa não se preocupou em delimitar um período fechado, sendo assim considerados para a base da pesquisa todos os artigos e teses com os descritores supracitados. No total, foram analisados 45 artigos, sendo que a produção quantitativa por ano se encontra na Tabela 1.

De acordo com a análise da Tabela 1, é possível constatar que foi obtido uma única publicação em 2002, havendo um intervalo de quatro anos até encontrar uma nova publicação. Uma grande concentração de publicações ocorreu nos anos de 2011 - correspondente a 33% do total de publicações - e 2012, com 29%. A fim de compreender o que teria estimulado a concentração de publicações nos anos de 2011 e 2012, buscou-se compreender se haveria alguma correlação com o Programa GesPública, implementado a partir de 2009. Desse modo, procurou-se segregar todas as publicações que realizaram a pesquisa com aplicabilidade direta no âmbito da administração pública. Essa busca está representada na Tabela 2.

Nota-se que, da totalidade, 22% das pesquisas realizadas tiveram correlação direta no âmbito da administração pública, isto é, a aplicabilidade ou o estudo foram realizados em órgãos públicos. Os 78% restantes representam estudos com aplicação no âmbito das organizações privadas. Os estudos realizados de modo genérico, sem explicitar o âmbito da aplicação ou a base de organização considerado


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na pesquisa, foram contabilizados no quantitativo geral, o que contribui para o expressivo valor de 78%. Por meio do Gráfico 1, segregou-se as publicações por regiões:

Verifica-se, portanto, uma expressiva concentração de pesquisa em gestão por processos na região Sudeste do Brasil, com 62%, seguida pela região Sul com 20%. O Nordeste apresenta 9%, a região Centro-Oeste 5%, e publicações de outros países nas bases de dados pesquisadas 4%. A concentração de estudos na região sudeste reflete tanto a concentração de instituições acadêmicas de excelência na área de gestão, a exemplo da Universidade de São Paulo, e Fundação Getúlio Vargas - FGV, Dom Cabral quanto à concentração do parque industrial tecnológico, em especial nas regiões metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro No Gráfico 2, é possível observar quantidade de referências nacionais e internacionais utilizadas pelos autores para embasar seus estudos.


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Nota-se que a participação média das referências nacionais esteve próximo da média internacional, ainda que essa prevaleça sobre aquela. Do total das 45 pesquisas, 52 autores contribuíram na produção dos artigos. Pode-se afirmar que existe uma pulverização de pesquisadores, o que dificulta na formação de uma comunidade de pesquisa voltada para os estudos de gestão por processos. Para fortalecimento teórico dos estudos, é necessário diálogo e continuidade das pesquisas entre os pesquisadores, o que não foi detectado nesse trabalho. Com exceção do artigo bibliométrico de Kipper et al. (2009), classificado como pesquisa teórica, uma vez que realiza uma revisão bibliográfica e bibliométrico sobre gestão por processos, todos os demais estudos foram classificados como pesquisa empírica.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que a produção está altamente concentrada na região sul e sudeste, em que os autores tratam do tema de modo isolado, e não em rede. A perspectiva da mudança no tratamento do tema, tratando-o em rede academicamente poderia contribuir para maior penetração das práticas nas instituições, em especial no serviço público. Sabe-se que ex-ministro da educação, Henrique Paim, a fim de conseguir alcançar resultados positivos em relação à maioria dos indicadores de qualidade da educação básica, tem implantado a cultura da gestão por processos no ministério da educação – MEC (BPM Global Trends, 2014). Acredita-se, assim, que poderá emanar forte interesse da comunidade acadêmica em avançar os conhecimentos tanto teóricos quanto aplicados à prática de gestão por processos, por intermédio da disseminação dos valores. A expansão da rede dos Institutos Federais é um momento que pode ser utilizado como laboratório para aplicação das ferramentas de gestão, dente elas, a gestão por processos.

6 REFERÊNCIAS ARAÚJO, C. A. Bibliometria: evolução histórica e questões atuais. Porto Alegre: Em Questão, 2006.


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BRASIL. Decreto nº 5378 de 23 de fevereiro de 2005. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/Decreto/D5378.htm> Acesso em: 18 ago. 2014.

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FAMÍLIA E ESCOLA: ROMPENDO BARREIRAS, FORTALECENDO RELAÇÕES

Cinthia Soares Santos15 Márcia Alves Faleiro16

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo investigar a influência da família na escola e sua contribuição no processo de desenvolvimento da aprendizagem da criança. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica. É na família que o ser humano obtém valores culturais, religiosos e responsabilidades, para fortalecer suas estruturas. A formação da identidade do indivíduo deve ser promovida entre a família e escola, assim contribuindo no desenvolvimento integral do indivíduo. A estrutura familiar vem sofrendo mudanças que consequentemente afetam o desempenho escolar de sua prole. Atualmente, a escola se torna um instrumento fundamental no processo de formação do cidadão, e o envolvimento entre escola, família e sociedade faz com que o aprendizado da criança se torne mais significativo, eficiente e rápido. Palavras-Chave: Aluno. Aprendizagem. Família. Escola.

ABSTRACT: This article aims to investigate the influence of the family in the school and their contribution in the development process of the child's learning. The methodology used was the literature research. It is in the family that cultural, religious values and responsibilities the human being gets to strengthen its structures. The formation of the individual's identity should be fostered between the family and school, thus contributing to development of the individual. The family structure has undergone changes which consequently affects the school performance of their children. Currently the school becomes an essential tool in the training process of the citizen, and the involvement between school, family and society makes the child's learning becomes more meaningful, efficient and fast. Keywords: Student. Learning. Family. School.

15 16

Graduada em Pedagogia pela Faculdade Padrão. Graduada em História. Especialista em História do Brasil e Mestra em Ciências da Religião. E-mail: marciaafaleiro@hotmail.com Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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1 INTRODUÇÃO

A educação é um processo contínuo e que se desenvolve no ambiente familiar e social. Portanto, é de extrema importância realizar estudo analítico sobre a relação existente entre o contexto familiar, educacional e o desenvolvimento do educando no âmbito escolar. Abordar tal tema foi uma tentativa de elucidar melhor os aspectos importantes para a criança e para a escola relativa à participação dos pais no âmbito escolar. Com a união de ambas, a criança será a principal beneficiada. Ela tem como principal suporte sua família e a sua escola. Com esse apoio, o seu conhecimento escolar acontecerá de maneira mais rápida e fácil. A discussão sobre como envolver a família no processo de aprendizagem na escola não é recente. Essa constante luta se faz necessária para contribuir no processo de ensino-aprendizagem da criança, pois somente com a família interagindo com as escolas é que teremos além de uma boa formação, uma preparação para o indivíduo cidadão. A tomada de atitudes e enfrentamento das dificuldades poderá ter reflexos positivados em sua vida futuramente. Hoje, os pais enfrentam dificuldades mínimas. Por exemplo, o tempo estimado a tais afazeres relativos ao auxilio de sua prole na rotina escolar. Outro ponto é por atribuírem o dever de ensinar somente à escola, e nas concepções de Amorim (2007, p. 72), “é comum a família se omitir em relação ao desempenho escolar do seu filho, delegando essa responsabilidade e outras, que seriam de cunho familiar, exclusivamente para a escola”. Não basta apenas que os pais se preocupem e estejam presentes nas horas de estudos, eles devem também ter a capacidade de percepção para notar quando seu filho não está desempenhando bem e buscar soluções para que esta carência seja suprida. Assim, o ambiente escolar e familiar no qual o aluno está inserido pode vir a influenciar em seu desempenho escolar seja por falta de estímulos, incentivo ou condições de ensino. Portanto, quando se fala em desempenho escolar, o ambiente familiar não pode ser esquecido, pois como se sabe o aprendizado tem início muito antes da vida escolar e ao chegar à escola, a criança já traz consigo uma considerável bagagem de conhecimentos, embora diferenciados em função do meio em que está inserido.

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Percebe-se dessa forma, que a interação família/escola é necessária para que ambas conheçam suas realidades e busquem caminhos que permitam facilitar o entrosamento entre si, para o sucesso educacional do filho/aluno.

2 A PARTICIPAÇÃO DA FAMÍLIA NO ENSINO-APRENDIZAGEM EM VYGOTSKY

Estudos vêm mostrando que o ser humano é influenciado pelo meio em que vive em toda fase de sua vida por diversos fatores, tais como: sociais, culturais e econômicos, que contribuem diretamente em seu desenvolvimento cognitivo. E para Piaget (1988) o desenvolvimento do ser humano sempre estará subordinado à

hereditariedade,

adaptação biológica e as interações sociais, que intervêm desde berço desempenhando um papel de extrema importância na formação do indivíduo. Entre os estudiosos que falam sobre o desenvolvimento e processo de ensinoaprendizagem da criança, destaca-se Vygotsky (2007) que, em seus estudos, revela como os indivíduos pensam e se comportam em diferentes fases de sua vida. Para ele a criança não é um adulto em miniatura e está em constante processo de desenvolvimento da aprendizagem. O desenvolvimento do ser humano se dá de forma contínua, fazendo-se necessário que ele seja estimulado e instigado por tudo que o rodeia. Segundo Vygotsky: “o aprendizado das crianças começa muito antes de elas frequentarem a escola. Qualquer situação de aprendizado com a qual a criança se defronta na escola tem sempre uma história prévia” (2007, p. 94). A aprendizagem é um processo de mudança de comportamento, sendo construída através da experiência do indivíduo com fatores emocionais, neurológicos e ambientais. Para Vygotsky (2007), são os fatores sociais e culturais adquiridos principalmente no âmbito familiar que influenciam o desenvolvimento intelectual do indivíduo, valorizando sempre o papel do ambiente social no processo de desenvolvimento e aprendizagem. Vygotsky destaca ainda o conceito de mediação no processo de aprendizagem das crianças realizado sempre por um adulto. Essa mediação está relacionada à Zona de Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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Desenvolvimento Proximal (ZDP), ou seja, a criança precisa ser mediada por alguém, para que pouco a pouco consiga resolver seus problemas de modo independente, chegando assim ao Nível de Desenvolvimento Real (NDR):

A Zona de Desenvolvimento Proximal é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob orientação de um adulto ou em colaboração com companheirismos mais capazes (VYGOTSKY, 2007, p. 97).

A zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não foram amadurecidas, mas que estão em processo de maturação e amadurecerão. Assim, tudo aquilo que é zona de desenvolvimento proximal hoje se transformará em nível de desenvolvimento real amanhã, ou seja, aquilo que uma criança faz hoje com a ajuda de outra pessoa será capaz de fazer sozinha amanhã. Como vimos, uma diversidade de fatores interferem no processo de desenvolvimento e aprendizagem da criança, o que consequentemente pode resultar num baixo rendimento escolar. O objetivo deste estudo foi destacar a influência dos fatores ambientais, visto que, o ambiente familiar apresenta-se como forte influência para o desenvolvimento e aprendizado escolar, assim como a escola exerce papel fundamental para o desenvolvimento intelectual e social do aluno. Na perspectiva de Vygotsky (2007), a aprendizagem é o resultado da interação do indivíduo com o outro, considerando a maturação biológica, a nova situação em que se apresenta e sua bagagem cultural. Ainda sobre interação, Vygotsky destaca que “o aprendizado desperta vários processos internos de desenvolvimento, que são capazes de operar somente quando a criança interage com as pessoas em seu ambiente e quando em cooperação com seus companheiros” (2007, p. 103). No entanto, podemos perceber que as experiências familiares aliadas ao trabalho da escola resultam numa visível melhora no nível de aprendizagem e do rendimento

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escolar do aluno. Percebe-se, dessa forma, que a interação família/escola é indispensável para a obtenção do sucesso educacional da criança.

3 O DESENVOLVIMENTO DA APRENDIZAGEM COM A PARTICIPAÇÃO DA FAMÍLIA: CONCEITO E PAPÉIS

Há tempos, a atribuição do fracasso escolar era somente da criança. Atualmente, já se reconhece que as dificuldades na aprendizagem são decorrentes também da falta de acompanhamento familiar. O contexto familiar em que a criança está inserida deve ser levado em consideração. Família e escola devem ser parceiras nesse processo de aprendizagem. Paro (2000) afirma que a escola que tem como objetivo levar seu aluno a querer aprender deve ter a presença da família e buscar formas para conseguir essa união. Assim, ela desenvolverá nos educandos atitudes positivas e duradouras com relação ao processo de aprendizagem. A ação educacional iniciou-se no período colonial, voltada para elite, com conteúdo calcado nos valores da cultura europeia. Para as classes populares, a educação, quando existia, era no âmbito de prepará-los para o trabalho e catequizá-los. Após a proclamação da República, em 1889, a escolarização ganha impulso. Nesse regime, foi criada a escola pública que, para Castro e Regattieri: “[...] começa-se a questionar a capacidade da família para educar os filhos [...] as famílias não estavam mais qualificadas para as tarefas de ensino” (2009, p. 21). Assim, os pais tinham que mandar seus filhos à escola e também deveriam ser educados sobre os novos modos de ensinar. Com isso, o Estado passa a ter um maior poder sobre a família regulamentando hábitos e comportamentos. Durante boa parte da história, a família era a única instituição educativa. As crianças aprendiam com seus pais habilidades e técnicas necessárias para sua vida adulta. Há alguns anos, após a Revolução Industrial, foi que se acelerou a separação dos papéis entre família e escola. Desse modo, ao longo de algumas décadas, o papel de cada instituição: Estado, Escola e Família vêm sendo distinguido e o foco passa a ser o processo de ensinoaprendizagem da criança. Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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Em meados da década de 80, tivemos no Brasil a aprovação de leis nacionais e elaboração de diretrizes do ministério da Educação, que evidenciam a importância da participação da família na escola e o significado de participação. A educação é um direito de todo cidadão, cabendo ao Estado e à Família proporcionar condições necessárias para a criança desfrute deste direito. De acordo com o artigo 205 da Constituição Federal: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade ao pleno desenvolvimento da pessoa” (BRASIL, 1988). O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) no seu artigo 4º (BRASIL, 1990), também evidencia que é dever da família e do Poder Público assegurar a efetivação dos direitos, em seus diferentes aspectos, da criança. Embora existam várias legislações no que tange a inclusão familiar no contexto escolar, estas não estão sendo suficientes para superar o grande atraso do sistema educacional. Ainda temos muito que melhorar. O Estado, a Escola e a Família devem ter consciência do seu papel e colocá-los em prática visando à qualidade da aprendizagem do educando. O primeiro contato no mundo da criança, independentemente de sua vontade, é com sua família. É ela que lhe proporciona um nome, sobrenome, raça, lar, comida, amparo físico e psicológico. Para criança, até o momento em que ela entra na escola, os únicos seres existentes são sua família. São eles seus primeiros professores e quem lhe dá ensinamentos que, futuramente, o definirá como cidadão. Com isso, afirma Nérici: “O imaturo deve ser orientado para que, por si mesmo, tome as decisões fundamentais de sua vida” (1977, p.13). No entanto, a escola não pode deixar de levar em consideração a participação da família no processo do desenvolvimento cognitivo da criança. Quando uma criança nasce, já encontra uma sociedade formada e passa a viver nesta. No decorrer de sua vida, ela participa de várias instituições sociais e a principal delas é a Família. E segundo Ferreira: “Viver em sociedade significa aprender a se comportar da maneira como as várias situações exigem. Esse aprendizado começa desde que a criança nasce e se prolonga vida afora” (1993, p. 34). A família e a sociedade são os que dão os primeiros conhecimentos à criança, que mais adiante os levarão para escola. A criança passa por um processo de socialização e, para Ferreira (1993), esse processo se divide em duas partes: a socialização primária, que é a que o indivíduo experimenta na infância e conhece o mundo e a realidade através das definições que são

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dadas por seus familiares; e a socialização secundária, que é um processo contínuo que acontece na vida toda e é na escola que a criança vai aprender a ser aluno e a ser cidadão. As três maiores instituições responsáveis pela educação do indivíduo em diferentes fases de sua vida são: a Família, a Escola e o Estado. Porém, afirma Nérici “[...] que as maiores incumbências estão afetas, presentemente, à família e à escola, devido aos contatos mais prolongados e constantes do indivíduo com as mesmas, em suas fases de desenvolvimento e formação” (1977, p. 73). O desempenho escolar de cada aluno não depende apenas do seu rendimento em sala de aula e da competência de seus professores, mas também, do apoio da base familiar que este aluno encontra em sua casa. Uma base sólida, com pais que se interessam e, até mesmo, ajudam na execução das tarefas escolares faz com que este aluno renda mais em todos os âmbitos de sua carreira escolar. Levando em consideração que a família e a escola buscam atingir os mesmos objetivos de forma a preparar a criança para o mundo, estas devem partir dos mesmos ideais para que possam vir a superar dificuldades e conflitos que diariamente angustiam os profissionais da escola, os próprios alunos e seus pais. É fundamental que escola e família sigam os mesmos princípios e critérios, bem como a mesma direção em relação aos objetivos que desejam atingir. A educação se estende tanto no ambiente escolar quanto no familiar. A interação entre a escola e a família é muito importante para o sucesso do processo ensino-aprendizagem, e a escola precisa desta participação. Na perspectiva de Paro: “a escola necessita da adesão de seus usuários, não só de alunos, mas também de seus pais e responsáveis [...] em ações efetivas que contribuam para o bom desempenho do estudante” (2000, p. 10). Outro fator determinante para um bom desempenho do aluno é a estabilidade do lar, o clima emotivo e o respeito que nele existe, a relação dos pais e o modo que eles atendem às necessidades de seus filhos também são fundamentais para seu desenvolvimento. Num ambiente onde haja tolerância, compreensão, carinho e firmeza, teremos uma formação integral do indivíduo traçando os aspectos de sua personalidade. Sobre o relacionamento familiar, Paro afirma que: “os pais têm que se preocupar, mesmo antes do nascimento de seus filhos [...] já no planejamento familiar, ele tem que pensar na educação do seu filho” (2000, p. 35). Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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A família continua educando, mas no que cabe a ela, e a escola dando continuidade, transformando o senso comum já adquirido em conhecimentos científicos. Os pais exercem extrema influência sob seus filhos, mais do que eles próprios imaginam. Educar demanda uma grande responsabilidade e uma firme parceria dessas duas instituições tão importantes na formação do indivíduo.

3.1 Conceito e papéis

Vivemos numa sociedade onde o conceito de família vem sofrendo alterações. Designava-se por família um conjunto de pessoas que possuem certo grau de parentesco entre si e vivem na mesma casa formando um lar. Uma família tradicional é normalmente formada pelo pai e mãe, unidos por matrimônio ou união de fato, e por um ou mais filhos. Segundo o dicionário Michaelis, família significa: “1 Pessoas do mesmo sangue. 2 O pai, a mãe e os filhos. Em família: familiarmente, sem cerimônia” (2002, p. 341). Atualmente as famílias são constituídas por diferentes formas, como por exemplo, os casais homossexuais que hoje têm o direito da adoção e formação de uma família. De acordo com Santos, “a família brasileira já não se enquadra no modelo de família tradicional, formada por pai, mãe e filhos, mas hoje se configura das mais diferentes formas, alimentando assim, valores outros no que diz respeito à formação familiar” (2000, p. 4). Como neste artigo temos o objetivo de apresentar a importância da participação dos pais na escola, é necessário distinguimos o papel de cada um nesse processo. Como ponto de partida, devemos pontuar que a função de ensinar não é somente da escola, mas também dos pais, da família de um modo geral. Os papéis dos pais e da escola sempre estarão interligados um ao outro. Segundo Paro: “o fato de a escola ter funções específicas não a isenta de levar em conta a continuidade entre a educação familiar e a escolar” (2000, p. 25). Toda criança, para um bom desenvolvimento escolar, deve ter hábitos de estudos, tais como os horários para fazer as tarefas de casa e para repassar o conteúdo que foi trabalhado em sala. É nesse momento que os pais exercem seu papel, estipulando horários. Paro considera que: “o seio da família deveria ser considerado como um local privilegiado para se desenvolver a iniciação desses hábitos, mesmo antes de a criança

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começar a frequentar a escola” (2000, p. 26). Portanto, aos pais incumbem impor regras e limites a seus filhos, quanto mais cedo melhor será sua aceitação. Outro ponto que cabe aos pais é a questão de ensinar os valores a seus filhos. Atualmente as escolas encontram muitas dificuldades nesse ponto. As crianças não trazem de casa o mínimo sequer: o respeito e amor ao próximo. Muitos pais atribuem ao fato de não ajudarem seus filhos nos conteúdos escolares em casa por serem semiletrados, justificam não saber nem para eles mesmos. Por maior que seja a dificuldade dos pais em ensinar, eles podem sim ajudar seus filhos, com um simples gesto de se interessar em perguntar sobre o dia dele na escola. Paro (2000) afirma que os pais podem estimular seus filhos e levá-los a perceber a importância do aprender e a se sentirem bem estudando. Os pais são os responsáveis em propiciar um local adequado de estudos para seus filhos, independente de condições financeiras, criarem lugares agradáveis e que sejam adequados para tal atividade. O dever da família com o processo de escolarização e a importância de sua presença no contexto escolar também é reconhecido na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/1996), que no seu artigo 1º traz o seguinte:

A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisas, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais (BRASIL, 1996).

Agora entraremos no papel da escola. Muitos pais veem a escola numa perspectiva de ascensão social de seus filhos, de conseguirem um bom emprego e se tornarem “alguém” na vida. As funções da escola vão muito além disso. A escola tem como principal objetivo a formação integral do aluno em diversos aspectos, sejam eles: intelectual, físico, emocional, social e cultural. Todos estes aspectos devem ser desenvolvidos com qualidade e seriedade. Entre os alunos, a escola é vista como um acontecimento social e Paro confirma: “um acontecimento social, um local para onde as crianças e os jovens vão para se

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relacionar com os de sua idade, já que não são compreendidos em casa ou não podem usufruir de uma vida social mais intensa” (2000, p. 54). Deste modo, o papel da escola vai além de meras transmissoras de conteúdo, já que é no ambiente escolar que o indivíduo adquire um amplo conhecimento e aperfeiçoa seu aprendizado de viver em comunidade. Hoje, o papel da escola é proporcional a formação global do aluno, é um espaço de discussão das questões sociais (violência, drogas, DSTs etc.) vividas pela sociedade como um todo em seu cotidiano. Sabe-se que muitas famílias trabalhadoras não têm condições de acompanhar o processo de aprendizagem dos filhos. Aí está o papel da escola em abrir as portas oportunizando possibilidades das famílias estarem presentes no processo educativo. Castro e Regattieri (2010, p. 35 e 36) destacam sobre o papel da escola em abrir suas portas para a participação das famílias:

Essa é uma das formas de aproximação mais difundidas hoje no meio escolar [...] Os responsáveis pelos alunos são tratados como parte da comunidade escolar representando seus pares em conselhos escolares, associações de pais, e até participando como voluntários em ações cotidianas da escola, inclusive em alguns casos como auxiliares das professoras em salas de aula. Os eventos abertos ao público costumam ser planejados conjuntamente por representantes de pais e equipe escolar.

As reuniões escolares são uma das melhores oportunidades de comunicação entre escola e família, mas, para ter a presença dos pais é necessário que seja interessante e fuja da mesmice de somente reclamar de seus filhos. Compreende-se desta forma que a interação dos papéis entre família/escola é necessária para que ambas conheçam suas limitações, e assim buscar novos caminhos que facilite o relacionamento entre eles, e alcançar o sucesso educacional do educando.

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4 A GESTÃO DEMOCRÁTICA NA ESCOLA COMO FACILITADORA NA INTERAÇÃO FAMÍLIA/ESCOLA

A Gestão Democrática se dá quando temos na escola a participação de todos, se manifestando nas tomadas de decisões, construção coletiva do Projeto Político Pedagógico (PPP), organização estrutural e pedagógica, no planejamento e elaboração das políticas educacionais, dentre outras. Para Hamze (2012), nesse modelo de gestão, deve-se ter a compreensão da administração escolar e reunião de esforços coletivos para implantação nas melhorias educacionais, assim como a compreensão e aceitação do princípio de que a educação é um processo de emancipação humana. De acordo com o artigo 206 da Constituição Federal (BRASIL, 1988), "o ensino será ministrado com base na gestão democrática do ensino público, na forma da lei". E a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/1996), em seus artigos 14 e 15, apresentam as seguintes determinações, no que se diz respeito à gestão democrática (BRASIL, 1996):

Art. 14 - Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios: I. Participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola; II. Participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes. Art. 15 - Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas de direito financeiro público.

A cultura organizacional da escola é uma representação de cada membro que nela esta inserida: diretores, professores, estudantes, funcionários, pais ou responsáveis, e toda a comunidade ao redor da escola. O principal agente na construção de uma escola democrática é o Diretor, que se apresenta como líder, estando a favor de um bem em comum: possibilitar uma aprendizagem significativa aos alunos, cabendo a ele encontrar a melhor maneira para que se tenha a participação de todos na escola.

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Para que aconteça de fato uma gestão democrática é necessária a participação não só dos membros da escola, mas também da sociedade como um todo. E dentro dessa sociedade estão as famílias, os pais dos alunos. Quanto à participação dos pais, afirma Luck:

[...] ela é muitas vezes desejada para tratar de questões periféricas da vida escolar, como, por exemplo, aspectos físicos e materiais da escola ou ainda para acompanhar os filhos quando eles apresentam problemas de comportamento e/ou aprendizagem. (2010, p. 74)

Com isso, podemos assegurar o quanto os pais exercem um papel fundamental na vida escolar de seus filhos em diversos aspectos. Na maioria das situações essa participação não acontece, em alguns casos por falta de interesse dos pais e em outros por a escola não condicionar situações propícias a essa união. Na gestão democrática o diretor é quem pode facilitar ou dificultar a implantação dos procedimentos participativos na escola. Para Luck (2010, p. 78) “Aos responsáveis pela gestão escolar compete, portanto, promover a criação e a sustentação de um ambiente propício à participação plena no processo social escolar de seus profissionais, bem como de alunos e de seus pais”. E completa ainda que quando os pais são aceitos, compreendidos e principalmente estimulados podem e muito contribuir na melhoria da qualidade do ensino. Todo ser humano necessita de um contexto para se desenvolver. Segundo Piaget, “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo. Os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo” (apud HAMZE, 2012). Por isso é de extrema importância essa junção entre sociedade e escola na construção de um ambiente prazeroso e propício à aprendizagem. Como vimos, a gestão democrática é um trabalho de todos. Cada um tem seu papel a representar. Ela é um dos caminhos mais importantes para se alcançar a qualidade da educação. Quanto mais a família, estudantes, professores, diretores, enfim, toda a comunidade participa das atividades e decisões da escola, mais chances a criança terá para aprender.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Após o término deste artigo, evidenciou-se o quanto é importante e benéfica a relação Família/Escola no processo educativo da criança. Essas duas instituições são fundamentais no desenvolvimento de diversos aspectos da criança, no entanto, quanto melhor for o relacionamento, mais positivo será o desempenho. É no ambiente familiar que o indivíduo obtém seus primeiros conhecimentos, valores e hábitos. Essa convivência e experiências previamente vividas em casa são fundamentais para que a criança se insira no meio escolar sem problemas de relacionamento disciplinar, dentre outros. Para que a escola possa vir a conhecer a família dos educandos, é necessário que a escola abra suas portas, e para garantir a permanência deve promover reuniões mais interessantes e motivadoras. Essas reuniões permitirão às famílias compreenderem a necessidade de estimularem seus filhos e levar a sério a escola. Os pais precisam compreender que não é preciso ir à escola somente quando solicitados, deve-se ter uma permanência desse clima de interação e assim criar uma cultura de participação, sendo favorável a um processo escolar de qualidade e com proveito para os objetivos do ensino. Logo, as crianças que contam com o acompanhamento familiar e a boa convivência no seu lar se relacionam melhor com o outro, respeitam regras, limites e têm bom rendimento escolar, tanto quantitativo quanto qualitativamente, não apresentando dificuldades quanto às normas e rotinas escolares. Contudo, não existe uma fórmula mágica para se concretizar a relação família/escola, pois, cada família e escola vivem uma realidade diferente. A interação família/escola faz-se necessária para que possam vir a construir em conjunto uma relação dialógica e harmoniosa, buscando meios para que se consolide essa parceria, apesar de todas as dificuldades e diferenças que os rodeiam. O diálogo gera uma maior aproximação e pode ser o começo de uma grande transformação no relacionamento entre a Família e a Escola.

REFERÊNCIAS Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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APLICAÇÕES DA BIOLOGIA MOLECULAR NO DIAGNÓSTICO DA ANEMIA FALCIFORME Amanda Matias Ferreira17 Ananda da Silva Nunes18 Bianca Rodrigues Vilela19 Márcia Cristina Silva Reis20 Arioldo Carvalho Vasconcelos Junior21 Irene Machado da Rocha22 Prof. Dr. Benedito Rodrigues da Silva Neto23

RESUMO: A anemia falciforme é um dos distúrbios de um único gene mais comuns no mundo, que afeta aproximadamente 280.000 nascidos vivos por ano em todo o mundo e caracteriza-se por uma alteração geneticamente determinada na produção da hemoglobina formando a hemoglobina S. O diagnóstico laboratorial da doença falciforme baseia-se na detecção da HbS. A aplicação das técnicas de biologia molecular

na

identificação

de

anemia

falciforme

promoveu

excepcional

desenvolvimento no diagnóstico laboratorial dessa patologia e esta por sua vez se torna a cada dia instrumento laboratorial de grande definição no diagnóstico e na prevenção dessa patologia. Este estudo tem a finalidade de mostrar o quanto é importante o estudo de novas técnicas de biologia molecular para o diagnóstico de anemia

falciforme,

proporcionando

assim

um

tratamento

adequado

e

consequentemente uma melhoria na qualidade de vida desses portadores. Palavras-chave: Anemia Falciforme. Doenças Hematológicas. Hemoglobinopatias. Diagnóstico molecular.

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Biomédica graduada pela Faculdade Padrão. Biomédica graduada pela Faculdade Padrão 19 Biomédica graduada pela Faculdade Padrão. 20 Biomédica graduada pela Faculdade Padrão. 21 2Mestre em Medicina Tropical (área de concentração – Imunologia) pelo Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública (IPTSP) - Universidade Federal de Goiás e Professor dos cursos de Biomedicina e Enfermagem da Faculdade Padrão de Goiânia-Brasil. 22 3Mestre em Bioquímica e Biologia Molecular pela Universidade Federal de Goiás e Professora dos cursos de Biomedicina,Enfermagem e Fisioterapia da Faculdade Padrão de Goiânia-Brasil. 23 Doutor em Medicina Tropical e Saúde Pública pelo Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública da Universidade Federal de Goiás e Professor dos cursos de Biomedicina, Enfermagem e Fisioterapia da Faculdade Padrão de Goiânia - Brasil. Email:bio.neto@gmail.com 18

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ABSTRACT: Sickle cell anemia is a single gene disorders, the most common in the world, affecting approximately 280,000 live births per year worldwide and is characterized by an alteration in the production of genetically determined hemoglobin hemoglobin S (HbS). Laboratory diagnosis of sickle cell disease is based on the detection of HbS. The application of molecular biology techniques in the identification of sickle cell anemia promoted exceptional development in the laboratory diagnosis of this disease and this in turn becomes every day laboratory instrument for highdefinition in the diagnosis and prevention of this pathology. This study aims to show how important it is to study new molecular biology techniques for the diagnosis of sickle cell anemia, thus providing adequate treatment and consequently an improved quality of life of these patients. Keywords: Sickle Cell Anemia. Blood Disorders. Hemoglobinopathies. Molecular Diagnostics.

1 INTRODUÇÃO

Anemia é uma situação patológica decorrente da diminuição da hemoglobina circulante (CANÇADO, 2007). A hemoglobina é uma estrutura globular composta por quatro cadeias polipeptídicas cuja principal função é o transporte de oxigênio para os tecidos (ALMEIDA et al., 2011). As causas que provocam anemia são muito diversas, entretanto as principais se observam como consequência de vários tipos de doenças (NAOUM, 1997). A anemia Falciforme é um dos distúrbios de um único gene mais comuns no mundo, que afeta aproximadamente 280.000 nascidos vivos por ano em todo o mundo (HANKINS, 2010), sendo comumente aceita como uma doença hereditária autossômica recessiva causada por uma alteração hemoglobínica na substituição do ácido glutâmico pela valina na posição 6 da cadeia β, transformando-a em uma hemoglobina instável, chamada hemoglobina S (HbS) (HOLBASH et al., 2010). Tal mudança acarreta em uma menor afinidade com a molécula de oxigênio e a formação de longas cadeias de hemoglobinas que acabam por formar feixes intracelulares concentrados nas extremidades da hemácia e fazem com que ela adquira a forma de foice em situações de hipóxia (CAVALCANTE E MAIO, 2011). Esse fenômeno ocorre em todo o organismo, provocando hemólise e consequentemente anemia hemolítica Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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crônica e com o passar dos anos, lesões isquêmicas em todos os órgãos que compõem o leque de manifestações clínicas observadas nessas pessoas (HOLBASH et al., 2010). As manifestações clínicas são observadas apenas nos indivíduos homozigotos para a HbS (Hb SS), resultando na anemia falciforme. Os heterozigotos (Hb AS) são classificados como portadores de traço falciforme e são geralmente assintomáticos, apresentando sintomas apenas em casos onde há diminuição da pressão parcial de oxigênio (SOMMER et al., 2006). Os recentes avanços científicos e tecnológicos direcionados à identificação de diversas doenças promoveram excepcional desenvolvimento no diagnóstico laboratorial de diversas doenças hematológicas. Somam-se a esse fato as aplicações das técnicas de biologia molecular que se tornam cada vez mais instrumentos laboratoriais de grande definição no diagnóstico e na prevenção de doenças hematológicas, notadamente aquelas de origem hereditária (NAOUM, 2001). No passado, o teste de falcização era o principal método de diagnóstico da presença de hemoglobina S (HbS), porém, atualmente, foi completamente substituído pela eletroforese de hemoglobina, que é um método barato, simples e de fácil interpretação (MURAO E FERRAZ, 2007). A eletroforese alcalina em acetato de celulose é o método básico para a detecção da hemoglobina S, e continua sendo o método mais utilizado para este fim. Porém, a existência de outras hemoglobinas variantes que possuem as mesmas características eletroforéticas da HbS obriga a realização de um teste confirmatório, sendo os mais comuns o teste de solubilidade e a eletroforese ácida em ágar (BANDEIRA et al., 2003). O diagnóstico da anemia falciforme também pode ser feito através de outros exames como a Reação em Cadeia de Polimerase (PCR) convencional, PCR em tempo real (qRT-PCR) e a Cromatografia Líquida de Alta Resolução (HPLC). A PCR é um exame qualitativo que detecta o gene S e oferece a vantagem de ser altamente específico. PCR em tempo real é um método quantitativo e é uma técnica desenvolvida através do refinamento da PCR convencional, também é uma técnica altamente específica, porém devido a seu alto custo ambos ainda não se popularizaram no diagnóstico da doença (ALMEIDA, 2009). O HPLC tem a grande vantagem de ser um exame quantitativo e com isso permite o cálculo não só da

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dosagem de HbS, como também de hemoglobina fetal (HbF), podendo assim verificar a gravidade com que a doença se manifesta (ANVISA, 2002). Este estudo teve como principal objetivo descrever e caracterizar as diferentes técnicas de biologia molecular utilizadas no diagnóstico da anemia falciforme, analisar dados bibliográficos disponíveis em bancos de dados científicos, relacionar as técnicas de biologia molecular convencionais com as atuais e levantar dados sobre o conhecimento dos acadêmicos de biomedicina em relação às técnicas de biologia molecular. A precocidade do diagnóstico favorece a tomada de medidas preventivas que interferem de forma positiva no tratamento. Tendo em vista que a biologia molecular a cada dia proporciona o surgimento de novas técnicas com maior especificidade e sensibilidade para o diagnóstico da anemia falciforme, torna-se relevante um estudo mais aprofundado das técnicas moleculares em relação a esta patologia.

2 METODOLOGIA

O presente estudo consistiu em uma pesquisa bibliográfica realizada pela revisão de artigos encontrados na literatura, por meio de bases de dados (Pub Med, Lilacs, Bireme, Medline, Scielo), utilizando como palavras-chave os termos: Anemia Falciforme, Doenças hematológicas, Hemoglobinopatias, Diagnóstico molecular. Estas foram baseadas no DeCS (Descritores em Ciência da Saúde) publicado pela Bireme, disponível no endereço eletrônico http://decs.bvs.br. A pesquisa bibliográfica foi realizada no período de fevereiro de 2013 a julho de 2013, foram avaliados e selecionados artigos publicados em revistas de alto índice de impacto. Foi realizado um levantamento de dados através de questionários para avaliar o conhecimento em relação às técnicas de biologia molecular e à anemia falciforme na comunidade acadêmica. Os questionários foram aplicados aos alunos da Faculdade Padrão de Goiânia-GO matriculados do 1° ao 6° período do curso de Biomedicina. Os dados provenientes dos questionários foram avaliados e analisados estatisticamente com base no programa Excel e correlacionados com os da literatura mundial. Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 Considerações Gerais sobre Anemia

De acordo com Lorenzi (2003), a anemia significa redução da taxa de hemoglobina abaixo de um valor entre 13-15g/dl para um indivíduo que está ao nível do mar e tem um volume sanguíneo total normal. As anemias são sempre secundárias, pois existe uma doença básica que as produz e não se justifica tratar a anemia, mas sim a sua causa. A produção deficiente, a destruição excessiva e a perda sanguínea são os três mecanismos básicos responsáveis pelo aparecimento das anemias (CARVALHO, 1999). A hemoglobina é uma proteína conjugada, com um peso molecular próximo a 68 kilodáltons (kDa). Sua molécula é formada por dois componentes quimicamente distintos: uma metaloporfirina denominada heme (grupo prostético) e uma proteína denominada globina (CINGOLANI E HOUSSAY, 2004). Existem quatro grupos heme em cada molécula de hemoglobina, cada um dos quais contém um átomo de ferro, ligado por uniões covalentes aos átomos de nitrogênio de uma estrutura heterocíclica denominada protoporfirina IX. O núcleo heme responsável pela cor vermelha é característica da hemoglobina (CINGOLANI E HOUSSAY, 2004). O valor médio da hemoglobina varia de acordo com o sexo, sendo menor na mulher, especialmente em gestantes. A diminuição do número de eritrócitos não serve, por si só, para definir o estado anêmico, embora com frequência esteja presente em quase toda a anemia (LORENZI, 2003).

3.2 Anemia Falciforme

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A anemia falciforme é uma hemoglobinopatia de caráter genético, hereditário, autossômico recessivo, de alta morbidade e mortalidade (SOUZA et al., 2011). Essa doença originou-se na Ásia Menor e foi trazida às Américas pelo tráfico massivo de escravos ocorrido entre o século XV e a metade do século XIX (PANTE et al.,1998). Atualmente, a anemia falciforme é uma das hemoglobinopatias mais frequentes da humanidade e representa a mais comum no Brasil, distribuindo-se de modo heterogêneo entre as diferentes regiões do país, sendo mais frequente onde a proporção de antepassados negros da população é maior, como é o caso do Nordeste do Brasil (RIBEIRO et al., 2008).Tal alteração fisiológica trata-se de uma mutação no cromossomo 11, o que ocasionará o surgimento de uma hemoglobina patológica (NUZZO E FONSECA, 2004). Essa enfermidade caracteriza-se por uma alteração geneticamente determinada na produção da hemoglobina e é ocasionada pela substituição do ácido glutâmico pela valina (MENDONÇA et al., 2009). A simples substituição pontual de uma base nitrogenada, timina por adenina, no sexto códon do éxon1 no DNA do cromossomo 11, ocasiona o surgimento de uma hemoglobina patológica. A troca de bases nitrogenadas no DNA, ao invés de codificar a produção do aminoácido ácido glutâmico, irá, a partir daí, determinar a produção do aminoácido valina, que entrará na posição 6 da sequência de aminoácidos que compõem a cadeia da hemoglobina β, formando a HbS (NETO E PITOMBEIRA, 2003). A HbS sofre polimerização em situações de estresse oxidativo, alterando a capacidade de deformabilidade e a plasticidade da hemácia, que assume o formato de foice (BACKES et al., 2005). Com isto, há um maior risco de ocorrer fenômenos vaso-oclusivos, sendo os principais responsáveis pela sintomatologia apresentada pelos homozigotos (NETO E PITOMBEIRA, 2003). As manifestações clínicas envolvem crises dolorosas, síndrome torácica aguda, acidente vascular cerebral (AVC), alterações esplênicas, crise aplásica, úlceras de perna, manifestações osteoarticulares, hepatobiliares e oculares, síndrome renal, complicações cardiovasculares e infecções (MENDONÇA et al., 2009). Os portadores de anemia falciforme são assintomáticos nos primeiros seis meses de vida, devido à presença de hemoglobina fetal (HbF) que quando presente em altas concentrações diminui o processo de polimerização das hemácias. A HbF é composta de duas α-globina e duas cadeias de polipeptídeos da cadeia γGoiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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globina, e nos primeiros seis meses de vida está presente em concentrações superiores às encontradas nos adultos, que é de 1%-2% (AKINSHEYE et al., 2011). Após este período, a síntese das cadeias γ, formadoras da HbF, é substituída pela das cadeias β, ocorrendo a estabilização na produção de globinas. Com isso, a HbS passa a ser produzida em maior quantidade e o indivíduo perde a propriedade protetora da HbF (DAUDT et al., 2002). Pacientes com baixa taxa de HbF podem apresentar, ainda, um quadro de esplenomegalia caracterizado pela congestão na polpa vermelha, pelo sequestro de eritrócitos falcizados nos cordões esplênicos e sinusóides,

evoluindo com a

formação de trombose e infartos, culminando com a atrofia e fibrose do órgão. Esse fenômeno ocorre geralmente até os cinco anos de idade. A asplenia causa maior susceptibilidade a infecções por organismos que contenham cápsulas, principalmente o Haemophilus influenzae tipo B e o pneumococo (CARDOSO, 2005). Crianças com anemia falciforme menores de cinco anos apresentam risco de infecção por pneumococo de, aproximadamente, trinta a cem vezes maior do que crianças saudáveis. Essas infecções, acompanhadas de acidose, hipóxia e desidratação, podem desencadear e/ou intensificar as crises de falcização, já que favorecem a produção de citocinas inflamatórias, aumentando, assim, a expressão das moléculas de adesão endoteliais e a adesão das células falciformes e dos polimorfonucleares no endotélio vascular (TAKAHASHI, 2005). A anemia falciforme acomete 0,1 a 0,3% da população negróide no Brasil, com tendência a atingir parcela cada vez mais significativa da população, devido ao alto grau de miscigenação em nosso país. De fato estudos populacionais têm demonstrado a crescente presença da HbS em indivíduos caucasóides, a porcentagem de mortalidade entre crianças menores de 5 anos com anemia falciforme é de cerca 25 a 30% (NUZZO E FONSECA, 2004). Estima-se a existência de 25 mil a 30 mil pessoas com anemia falciforme no Brasil e, a cada ano, o nascimento de 3.500 crianças com a doença (CANÇADO E JESUS, 2007). Um em cada mil recém-nascidos vivos apresenta anemia falciforme, destes estima-se que até 25% não atingem os 5 anos de vida, sendo elevada a mortalidade perinatal, variando entre 20 a 50% (FILHO et al., 2012). Isso evidencia a necessidade de maiores investimentos e progressos no tratamento desses pacientes (HOKAMA et al., 2002). Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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3.3 Diagnóstico

O diagnóstico laboratorial da doença falciforme baseia-se na detecção da HbS e pode iniciar-se com base em um eritrograma, que revela a anemia grave, acompanhado de análise da morfologia eritrocitária na extensão sanguínea corada, geralmente com presença de drepanócitos (MURÃO E FERRAZ, 2007). A contagem de reticulócitos (eritrócitos jovens) elevada é uma característica comum nos processos hemolíticos, juntamente com a elevação da bilirrubina indireta (OLIVEIRA E NETO, 2004). Leucocitose com neutrofilia moderada, não necessariamente relacionada à infecção e trombocitose completa o quadro hematológico durante as crises vasooclusivas. A plaquetopenia pode ocorrer em caso de sequestro esplênico, que consiste no afoiçamento das hemácias do baço, levando a retenção do sangue, diminuindo os níveis de hemoglobina e consequentemente causando palidez e dor (VERRASTRO, 1996). Em 2001, o Ministério da Saúde instituiu o Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN). A triagem para a HbS foi incluída neste programa, além fenilcetonúria e do hipotiroidismo, devido às doenças falciformes serem doenças que não apresentam características clínicas precoces. Assim a triagem neonatal para a HbS, também conhecido como "teste do pezinho", tem o objetivo de diagnosticar precocemente as doenças falciformes, que habitualmente não apresentam no período neonatal e assim intervir no seu curso natural (ALMEIDA et al., 2006). Para o “teste do pezinho”, o ideal é que a amostra de sangue seja colhida entre 48 horas e sete dias após o nascimento, sendo aceitavél até o 30° dia, A inclusão das hemoglobinopatias encontra a justificativa em sua alta frequência na população brasileira (MENDONÇA et al., 2009). No passado o teste de falcização era o principal método de diagnóstico da presença de HbS, porém, atualmente, foi completamente substituído pela eletroforese de hemoglobina, que é um método barato, simples e de fácil interpretação (MURAO E FERRAZ, 2007). A eletroforese em pH alcalino 8,4 a 8,8 é o principal método para a diferenciação dos vários tipos de hemoglobina. Os meios de suporte para a realização dessa técnica podem ser o acetato de celulose, agarose ou gel de poliacrilamida. O Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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método mais utilizado em laboratórios clínicos é a eletroforese em acetato de celulose, pois é de fácil manuseio, preparação e rápida análise. Sendo assim, esse método é muito utilizado como procedimento inicial de triagem para o gene SS, porém, a existência de outras hemoglobinas variantes que possuem as mesmas características eletroforéticas da HbS obriga a realização de um teste confirmatório, sendo os mais comuns o teste de solubilidade e a eletroforese ácida em ágar (PERIN et al., 2000; BANDEIRA et al., 2003). O diagnóstico diferencial é realizado principalmente por HPLC, e neste ensaio podem-se visualizar as alterações decorrentes da anemia falciforme. Esse método é bastante viável, pois as cadeias β globínicas são detectáveis em fase precoce de vida fetal, a partir da 10ª a 12ª semana de gestação, o que possibilitará o diagnóstico pré-natal da anemia falciforme (NUZZO E FONSECA, 2004). O diagnóstico da anemia falciforme também pode ser feito através de outros exames como o PCR convencional e qRT-PCR. A PCR é um exame qualitativo que detecta o gene S e oferece a vantagem de ser altamente específico. qRT-PCR é um método quantitativo e é uma técnica desenvolvida através do refinamento da PCR convencional, também é uma técnica altamente específica, porém devido a seu alto custo ambos ainda não se popularizaram no diagnóstico da doença (ANVISA, 2002; ALMEIDA, 2009). No decorrer dos quase cem anos de estudos relacionados à anemia falciforme, grandes progressos foram realizados no conhecimento desta doença. Como resultado de todos estes esforços, criou-se um novo campo de estudo das ciências, a biologia molecular (NETO E PITOMBEIRA, 2003).

3.4 Avanços Tecnológicos e a Biologia Molecular

O estudo da biologia molecular representa hoje uma das áreas de maior potencial para a realização de pesquisas na área médica, considerando-se não apenas sua grande relevância clínica e epidemiológica, mas influindo especialmente Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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no diagnóstico laboratorial e nos procedimentos terapêuticos de algumas patologias com destaque para anemia falciforme (NAOUM, 2001). As aplicações da biologia molecular em hematologia poderão elucidar o conhecimento das alterações moleculares de doenças, tal como ocorre atualmente na caracterização das lesões do gene da β globina e na identificação dos haplótipos da HbS (TODRYK et al., 2000). Entre as técnicas moleculares, o desenvolvimento de métodos baseados no DNA levou ao uso da PCR, uma técnica que permite testar diminutas quantidades de DNA. Essa por sua vez, revolucionou as tendências de aplicabilidade molecular, pois o seu uso laboratorial teve grande progresso devido à simplicidade da técnica e a rapidez em se obter o resultado (PROVAN E GRIBBEN, 2000). Uma variação desse método recentemente implantado foi a qRT-PCR que permite a amplificação e a detecção simultânea (MOLINA E TOBO, 2004). A HPLC, também é uma técnica bastante viável para o diagnóstico dessa patologia, pois com ela é possível detectar hemoglobinas anormais e diminuídas. A técnica baseia-se nas diferenças de carga elétrica entre as cadeias de Hb e apresenta, em relação às outras técnicas, vantagens, incluindo conveniência, eficácia, rapidez (completamente automatizada) e alto nível de sensibilidade e especificidade. Com ela também podemos quantificar as hemoglobinas normais e anormais e assim saber com qual gravidade a doença se manifesta (PERIN et al., 2000 ; NUZZO E FONSECA, 2004).

3.5 TÉCNICAS

Existem várias técnicas utilizadas para o diagnóstico da HbS, cada teste tem sua importância na informação de dados para fundamentar com segurança o diagnóstico da anemia falciforme. Entretanto para dimensionar sua importância no conjunto de informações, comentaremos cada um dos testes apresentados. 3.5.1 Teste de falcização

A técnica consiste em colocar a hemácia a ser pesquisada, sob-baixa concentração de oxigênio, induzindo o seu afoiçamento através do metabissulfito de sódio a 2% que reduz a tensão de oxigênio. Adicionando o metabissulfito de sódio ao sangue total e lacrando essa mistura entre lamínula e lâmina com esmalte, induzimos Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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a falcização devido à falta de oxigenação sendo possível ver essa alteração microscopicamente. O teste de falcização é menos indicado, devido ao baixo grau de resolução, pois quando positivo não diferencia o estado de associação genética (genótipo) da HbS (Hb SS, Hb SF, Hb SC, Hb AS, Hb SD). Além disso, há muitos casos de "falso negativo", ou seja, eritrócitos com HbS que submetidos ao teste de falcização não falcizam (ZANATTA E MANFREDINI, 2009). Por ser um teste de baixa sensibilidade é necessária a utilização de técnicas de biologia molecular, por serem métodos mais precisos e específicos.

3.5.2 Teste de solubilidade

O teste baseia-se na insolubilidade da desoxihemoglobina S, onde resultados positivos são indicados com a turbidez da solução. É frequentemente utilizado como triagem em emergências ou como teste confirmatório para HbS após eletroforese em acetato de celulose devido a sua rapidez e facilidade (PERIN et al., 2000). Porém esse teste não apresenta boa sensibilidade para a detecção da HbS no período

neonatal,

especialmente

nos

recém-nascidos

prematuros,

sendo

indispensável a interpretação cautelosa do resultado (ZANATTA E MANFREDINI, 2009). Deste modo, podemos perceber que se trata de uma técnica utilizada somente para confirmações de resultados. O diagnóstico definitivo deve ser dado através uma técnica de biologia molecular. Neste caso, a mais utilizada é a eletroforese em acetato de celulose (OLIVEIRA E NETO, 2004). 3.5.3 Eletroforese de Hemoglobina

A confirmação do diagnóstico, com distinção segura das demais síndromes falcêmicas, faz-se através de uma técnica de biologia molecular a eletroforese de hemoglobina. Esse tipo de técnica permite a identificação presuntiva do fenótipo da hemoglobina (PERIN et al., 2000), basendo-se na migração diferenciada de compostos iônicos ou ionizáveis, em um campo elétrico (TAVARES, 2006). Eletroforese em um tampão alcalino (pH 8,4 a 8,8) é o método principal para diferenciação dos diferentes tipos de hemoglobina, podendo os meios de suporte Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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ser acetato de celulose, agarose ou gel de poliacrilamida, dentre outros. A eletroforese em acetato de celulose é o método de escolha para os laboratórios clínicos gerais devido à viabilidade comercial do equipamento, à fácil preparação e à rapidez de análise. Esse método é geralmente utilizado como procedimento inicial de triagem para o gene da HbS principalmente em pacientes acima dos 3 meses de idade. A eletroforese em ágar citrato é usada como teste confirmatório para Hb alteradas (WETHERS, 2000). A HbS, a HbG e a HbD possuem a mesma mobilidade eletroforética na eletroforese em acetato de celulose que é o método padrão para separar a HbS de outras variantes. Todavia, a HbS possui mobilidade diferente de HbD e da HbG quando se utiliza a eletroforese em ágar citrato em pH 6,2 (PERIN et al., 2000).

3.5.4 Reação em Cadeia de Polimerase (PCR)

O diagnóstico da anemia falciforme teve um grande avanço nos últimos anos com a biologia molecular, a técnica de PCR. A metodologia desenvolvida a partir da tecnologia do DNA tem ajudado na elucidação da base molecular de muitas hemoglobinopatias, que são as doenças genéticas mais comuns na população humana. As alterações genéticas identificadas por esses métodos incluem: deleções que removem parte do grupamento do gene da globina β e mutações de ponto que geram códons nonsense e missense, mRNA instáveis e splicing anormais, resultando no decréscimo da síntese protéica, ausência ou anormalidade estrutural de uma das subunidades da globina (ZANATTA E MANFREDINI, 2009). A partir da utilização de primers que flanqueiam uma determinada região polimórfica do DNA, é possível que uma dada sequência de ácido nucléico seja amplificados milhares de vezes, mediante o uso de reagentes adequados, quando hibridadas com a sequência alvo através da complementaridade do pareamento de bases do DNA, são copiadas milhares de vezes com a enzima DNA polimerase extraída de bactérias termo-resistentes. Após a execução de vários ciclos de amplificação a elevadas temperaturas, o produto final obtido é a molécula-alvo amplificada milhares de vezes, permitindo sua detecção e caracterização (GOLDENBERG, 2002).

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3.5.5 PCR em Tempo Real (qRT-PCR)

Os produtos obtidos pela técnica do PCR podem ser analisados por várias técnicas suplementares das quais a mais comum é o qRT-PCR que usa o DNA extraído da amostra que se deseja analisar e dele se faz cópias de DNA. O DNA copiado é posteriormente replicado. Essa técnica de biologia molecular permite que a replicação seja observada em tempo real, sendo assim uma técnica altamente especifica e de alta sensibilidade, porém ainda pouco utilizada para o diagnóstico dessa patologia devido o seu alto custo (PROVAN E GRIBBEN, 2000).

3.5.6 Cromatografia Líquida de Alta Performance (HPLC)

Essa técnica de biologia molecular utiliza suporte com partículas diminutas responsáveis pela alta eficiência, sendo um método adequado para separação de espécies iônicas e macromoléculas. Devido à utilização de colunas com grande capacidade de separação a realização da HPLC requer a utilização de equipamentos específicos, com o uso de bombas e colunas que suportem altas pressões necessárias para eluição da fase móvel. Assim a realização da HPLC necessita da utilização de um cromatógrafo composto de bomba, coluna cromatográfica, detector e registrador (DEGANI et al., 1998; PERES, 2002). Na HPLC a fase móvel deve ser um solvente que dissolva a amostra sem que qualquer interação química ocorra entre ambas. A fase estacionária dever ser compatível com o detector, possuindo polaridade adequada para permitir a separação adequada dos componentes da amostra. Já a coluna cromatográfica deve ser confeccionada de material inerte e que resista a altas pressões. Por fim os detectores devem apresentar ampla faixa de aplicação, sendo que os mais utilizados são os espectrais (PERES, 2002). 3.6 Caracterizações de Dados Levantados

No segundo semestre de 2013, na Faculdade Padrão, foram avaliados e analisados o conhecimento dos acadêmicos de biomedicina do 1° ao 6° período por meio de questionários aplicados a 72% do contingente total de alunos do semestre

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atual, com o objetivo de obter informações sobre o entendimento dos alunos em aplicações da biologia molecular no diagnóstico da anemia falciforme. O entendimento e conhecimento sobre a enfermidade é um passo importante na busca do tratamento adequado, assim no estudo foi observado que 96,35% dos acadêmicos possuíam o conhecimento sobre o que é anemia, enquanto a minoria 1,67% não sabe o que é essa patologia. Direcionando nossos dados iniciais a refletir um público que na sua grande maioria julga saber o que é anemia, porém nunca apresentaram patologicamente os sinais da anemia. De acordo com Neto e Pitombeira (2003), a anemia falciforme é uma das doenças herdadas mais comuns no mundo, atingindo expressiva parcela da população dos mais diferentes países, o que torna muito importante o conhecimento dessa patologia para que se tenha um diagnóstico precoce e assim uma melhoria na qualidade de vida dos portadores dessa enfermidade. Dentre os dados levantados foi observado o entendimento dos acadêmicos quanto à anemia falciforme podendo- se observar que 76,66% sabem o que é anemia falciforme e 23,34% não sabem o que é, demonstrando assim uma diminuição no conhecimento dos acadêmicos em relação à anemia falciforme quando comparada com anemia. Quando questionados sobre o fato de ter conhecimento de alguém com anemia falciforme, somente 38,33% disseram conhecer algum caso, enquanto 61,67% não conhecem nenhum. Assim podemos correlacionar este estudo com o que cita Mendonça e colaboradores (2009), que mostra o quão grande é a importância de um diagnóstico precoce, pois se trata de uma doença assintomática nos primeiros seis meses de vida devido à presença de HbF, tornando-se indispensável o diagnóstico precoce. Uma vez que o conhecimento sobre a sintomatologia dessa patologia é muito importante para que se correlacione os sintomas com a clínica e assim tenha um diagnóstico precoce, em nossos dados levantados avaliamos o conhecimento dos alunos de cada período em relação aos sintomas da anemia falciforme. Dos 60 acadêmicos avaliados no questionário sobre o conhecimento em anemia falciforme, os alunos do 1° e 2° período mostraram ter o mesmo grau de conhecimento, pois 30% dos alunos analisados de ambos os períodos julgaram saber quais são os sintomas, sendo que a partir do terceiro, nota-se um aumento no entendimento dos alunos, já no sexto período 100% julgam saber os sintomas. O aumento do conhecimento dos Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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alunos na medida em que vai aumentando o nível de curso na graduação, devem-se as matérias específicas que são estudadas ao longo da graduação como, por exemplo: bioquímica, genética, hematologia e biologia molecular (Figura 1). Figura 2- Acadêmicos (%) que conhecem os sintomas de anemia falciforme.

120 100 80 60 40 20 0 1

2

3

4

5

6

De acordo com Murão e Ferraz (2007), o diagnóstico laboratorial da doença falciforme baseia-se na detecção da HbS. Esse diagnóstico com precisão e segurança é possível através da utilização das técnicas de biologia molecular que apresentam alta sensibilidade e especificidade. Deste modo, o conhecimento dos acadêmicos sobre o diagnóstico torna-se relevante para um diagnóstico precoce. Assim, a partir dos dados levantados, nota-se que quanto maior o período de graduação maior é o conhecimento. Esse fato se explica pelas matérias específicas vistas durante o curso, a partir do 3° período (Figura 2). Figura 3- Nível de conhecimento da comunidade acadêmica sobre o diagnóstico de anemia falciforme

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Porcentagem %

100 80 60 40 20 0 1°

Período

. O diagnóstico da anemia falciforme teve um grande avanço nos últimos anos com as técnicas de biologia molecular que apresentam alta rapidez, sensibilidade e especificidade. É altamente importante o conhecimento das técnicas convencionais e atuais de biologia molecular para se ter um diagnóstico mais rápido e preciso. Com base nesses dados observamos o conhecimento dos acadêmicos em relação a algumas siglas relacionadas à biologia molecular utilizadas no diagnóstico de anemia falciforme. No presente estudo percebemos que a grande maioria do público entrevistado conhece alguma sigla encontrada nos estudos de biologia molecular. Observamos que grande parte dos alunos conhece sobre o diagnóstico, mas com base nos dados levantados podemos concluir que mesmo que grande quantidade de acadêmicos tenha o conhecimento de técnicas de diagnóstico, muitos ainda não conhecem as novas técnicas de diagnóstico como o HPLC e o qRT- PCR, o que demonstra a necessidade dos profissionais de se atualizarem em novas técnicas de biologia molecular, para assim se obter um diagnóstico de anemia falciforme mais rápido e preciso (Figura 3).

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Figura 4- Conhecimento dos acadêmicos em relação a algumas siglas relacionadas à biologia molecular.

3% 2% 5% 40%

HbF PCR

50%

HPLC qRT-PCR Não Conhecem

Com base nos estudos, percebemos que atualmente as técnicas de biologia molecular são extremamente importantes para um diagnóstico preciso da anemia falciforme. Com isso, questionamos os acadêmicos sobre a aplicação da biologia molecular na anemia falciforme. De acordo com 46,66% dos acadêmicos, com a biologia molecular é possível diagnosticar a anemia falciforme. Com base nos dados levantados podemos concluir que uma quantidade relevante de alunos sabe que a biologia molecular é utilizada no diagnóstico da anemia falciforme, porém ainda não conhecem novas técnicas de diagnóstico com alta especificidade e sensibilidade, tornando assim essencial um estudo mais aprofundado nessa nova ciência (Figura 4).

Figura 5- Conhecimento dos alunos sobre a aplicação da biologia molecular na anemia falciforme.

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109

6%

10%

Prevenir a anemia Falciforme Diagnosticar a Anemia Falciforme

37% 47%

Levantar Dados sobre a Anemia Falciforme A Biologia Molecular não se Aplica a essa Patologia

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A anemia falciforme é um distúrbio de um único gene mais comum no mundo, sendo considerado um problema de saúde pública inclusive no Brasil. Essa enfermidade caracteriza-se por uma alteração geneticamente determinada na produção da hemoglobina e é ocasionada pela substituição do ácido glutâmico pela valina. Um em cada mil recém-nascidos vivos apresenta anemia falciforme, destes estima-se que até 25% não atingem os cinco anos de vida, sendo elevada a mortalidade perinatal, variando entre 20 a 50% o que evidencia a necessidade de maiores investimentos e progressos no diagnóstico desses pacientes para uma melhor qualidade de vida desses portadores. A aplicação da biologia molecular no diagnóstico de anemia falciforme promoveu um excepcional desenvolvimento no diagnóstico laboratorial dessa enfermidade, pois a cada vez mais a biologia molecular torna-se um instrumento laboratorial de grande definição no diagnóstico e na prevenção de doenças hematológicas, notadamente aquelas de origem hereditária, como é o caso da anemia falciforme. O conhecimento dos acadêmicos sobre o diagnóstico torna-se relevante para um diagnóstico precoce de anemia falciforme. Nos dados levantados no decorrer dos estudos demonstraram que quanto maior o período de graduação maior é o Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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conhecimento dos alunos em relação à patologia e o diagnóstico, devido às matérias específicas vistas durante o curso. No entanto mesmo que a grande maioria julgue saber sobre o diagnóstico de anemia falciforme, somente 4,99% dos entrevistados conheciam novas técnicas de biologia molecular. Com base neste estudo percebemos o quanto é importante o estudo de novas técnicas de biologia molecular para o diagnóstico de anemia falciforme, pois com essas técnicas podemos ter um diagnóstico mais rápido, preciso e assim proporcionar um tratamento adequado e consequentemente uma melhoria na qualidade de vida desses pacientes.

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ESTUDO DE CASO SOBRE ENDOFTALMITE FÚNGICA NO HOSPITAL SANTA TEREZINHA EM GOIÂNIA-GO Adara Francielle Lima Silvestre24 Ariana Rosa dos Santos Reis25 Elizabeth Mendonça de Lima26 Fabricia Valeriano Arantes27 Fernanda Freitas Paula de Morais28 Kellen Cristiane Souza29 Sandra Arantes de Mattos30 Valéria de Oliveira Mendes Zanon31 Benedito Rodrigues da Silva Neto32

RESUMO: Os fungos são organismos eucariontes estimados em 250 mil espécies. Dentre estas leveduras, o gênero Candida é o maior causador de infecção hospitalar. A espécie mais comum dessas infecções é a Candida albicans, um habitante normal do trato gastrointestinal e de regiões muco cutâneas. A Endoftalmite fúngica ocorre através da disseminação endógena via hematogênica ou exógena devido ao contato direto com o patógeno, apresenta-se na grande maioria de forma indolente, sendo que a dor ocular a queixa principal e em alguns casos o deslocamento total da retina e perda total da visão. A candidíase ocular é um assunto de grande importância em todo mundo podendo ocasionar um quadro abrupto e dramático, que dificulta os resultados

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Biomédica graduada pela Faculdade Padrão Biomédica graduada pela Faculdade Padrão 26 Biomédica graduada pela Faculdade Padrão 27 Biomédica graduada pela Faculdade Padrão 28 Biomédica graduada pela Faculdade Padrão 29 Biomédica graduada pela Faculdade Padrão 30 Mestre em Ciências Ambientes e Saúde (área de concentração – Ciências da Saúde) pela Pontifícia Universidade Católica Goiás, Coordenadora do curso de Biomedicina e Professora dos cursos de Biomedicina, Enfermagem e Fisioterapia da Faculdade Padrão de Goiânia - Brasil. Email: sandraam27@hotmail.com 31 Mestre em Medicina Tropical (área de concentração – Parasitologia) pelo Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública (IPTSP) da Universidade Federal de Goiás e Professora dos cursos de Biomedicina, Enfermagem e Fisioterapia da Faculdade Padrão de Goiânia – Brasil. Email: valeriamendeszanon@gmail.com 32 Doutor em Medicina Tropical e Saúde Pública pelo Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública da Universidade Federal de Goiás e Professor dos cursos de Biomedicina, Enfermagem e Fisioterapia da Faculdade Padrão de Goiânia - Brasil. Email:bio.neto@gmail.com 25

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de exames de culturas, devendo buscar a conscientização dos profissionais de saúde e informação à sociedade sobre o perigo e causas da doença. O trabalho é um estudo retrospectivo de base hospitalar, que será baseado em casos atendidos de 2009 e junho de 2013 no Hospital Santa Terezinha em Goiânia-Go, envolvendo 10 casos positivos de candidíase ocular. O objetivo desse estudo foi avaliar a prevalência da Endoftalmite fúngica no Hospital Santa Terezinha na cidade de Goiânia- GO, apresentando e discutindo relatos de casos positivos com lesão e baixa acuidade visual. Palavras-chave: Doenças fúngicas. Candidíase. Agente etiológico. Alterações oculares. Endoftalmite fúngica.

ABSTRACT: Fungi are eukaryotic organisms estimated at 250 thousand species, among them the genus Candida yeast is a major cause of hospital infection. The most commom species of these infections is the Candida albicans, a normal inhabitant of the gastrointestinal tract and skin mucus regions. The fungal endophthalmitis occurs through hematogenous spread endogenous or exogenous due to direct contact with the pathogen, presents itself in the vast majority of indolent, eye pain being the chief complaint and in some cases the total retinal detachment and loss of vision. The ocular candidiasis is a major issue worldwide and can cause abrupt and dramatic framework, wich males the results os examinations of cultures, should seek the awareness of health professionals and informing society about the dangers and causes of disease. The job of a retrospective study, which will be based on cases treated from 2009 to 2013 in Hospital Santa Terezinha in Goiânia-GO, involving 10 positive cases of ocular candidiasis. The aim of this study was to evaluate the prevalence of fungal endophthamitis in Hospital Santa Terezinha in Goiânia-GO, presenting and discussing reports of positive cases with injury and poor visual acuity. Keywords: Fungal Diseases. Candidiasis. Etiologic Agent. Ocular Changes. Fungal Endophthalmitis.

1 INTRODUÇÃO

Os fungos são organismos eucariontes que apresentam nutrição heterotrófica, ou seja, não conseguem produzir seu próprio alimento. São estimados Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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em 250 mil espécies, menos de 150 foram descritos como patógenos aos seres humanos (HOOG et al., 2000). São também conhecidos como bolores, mofos ou cogumelos e estão interferindo constantemente em nossas atividades diárias (TORTORA et al., 2012). Encontrados na água, solo, vegetais, animais, no homem e em detritos, em geral. Os fungos também são causadores de muitas doenças como, micoses na pele ou nas unhas, rinites, bronquites, asmas e nas plantações de café, milho e feijão causam ferrugem que é uma praga que pode destruir plantações (TRABULSI e TOLEDO, 2005). Em geral os fungos apresentam características comuns aos vegetais e outras aos animais, o que tornou sua posição polêmica entre os seres vivos durante um longo período. A forma de armazenamento de energia é o glicogênio e possui parede celular basicamente composta por quitina, um carboidrato presente no exoesqueleto de artrópodes (ALEXOPOULOS et al., 1996). Dentre as centenas de espécies descritas, leveduras do gênero Candida são os maiores agentes de infecção hospitalar e representam um desafio para a sobrevida de pacientes com doenças graves e aqueles em período pós-operatório (HOOG et al., 2000). O agente mais comum é a Candida albicans (C. albicans), porém existem outras espécies de caráter importante, tais como: Candida tropicalis, Candida quillermondii, Candida glabrata, Candida krusei, entre outras (MIRANDA et al., 2005; MENEZES et al., 2006; ÁLVARES, SVIDZINLKI e CONSOLARO, 2007). A C. albicans é um habitante normal do trato gastrointestinal e regiões cutaneomucosas, incluindo boca e vagina. Por ser um organismo que habita normalmente o corpo humano, culturas de sangue positivas são frequentemente atribuídas à contaminação, o que pode levar a um atraso no diagnóstico de uma infecção por Candida. Imunossupressão, debilidade orgânica, entre outros fatores, podem tornar o fungo patogênico, resultando em uma grave infecção sistêmica (SERRACARBASSA E DOTTO, 2003). A biologia da C. albicans apresenta diferentes aspectos, entre eles, a habilidade de se apresentar com distintas morfologias. A fase unicelular leveduriforme pode gerar um broto e formar hifas verdadeiras. Entre esses dois extremos, brotamento e filamentação, o fungo ainda pode exibir uma variedade de morfologias durante seu crescimento, formando assim as pseudo-hifas, que na realidade são Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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leveduras alongadas unidas entre si. A mudança na morfologia de fase leveduriforme para filamentosa pode ser induzida por uma variedade de condições ambientais, como variação de temperatura e de pH (BARBEDO e SGARBI, 2010). O conhecimento dos principais mecanismos de defesa contra C. albicans permite a melhor compreensão da patogênese da doença e das estratégias que o hospedeiro dispõe para controlá-la. A imunidade à C. albicans está presente em indivíduos adultos imunocompetentes, resultado do comensalismo do fungo nas mucosas

gastrintestinais

do

hospedeiro.

Como

comensal,

esse

fungo,

assintomaticamente, coloniza a superfície epitelial, aparentemente, na forma de blastoconídio (COSTA, FELIPE E GAZIRI, 2008). Verifica-se a incidência da candidíase em todas as partes do mundo, em ambos os sexos, em todas as idades e raças. Ocorre com frequência em indivíduos que trabalham em ambientes úmidos. A prevalência dessa doença aumenta cada vez mais com o uso de quimioterápicos, antibióticos imunodepressores, em moléstias que deprimem o sistema imune etc., pois as espécies de Candidas são oportunistas (MINAMI, 2003). No Brasil, estudos realizados em seis hospitais terciários do Rio de Janeiro e São Paulo, envolvendo 145 episódios de candidemia, mostrou que as espécies mais frequentemente isoladas foram C. albicans (37%), C. parapsilosis (25%), C. tropicalis (24%), C. rugosa (5%) e C. glabrata (4%). E casuísticas do Brasil confirmam que as três espécies mais prevalentes isoladas da urina de pacientes hospitalizados são: C. albicans, C. tropicalis e C. glabrata. Estes estudos demonstram a prevalências de 35,5 a 70% para C. albicans 4,6 a 52,5% para C. tropicalis e 7 a 8,8% para C. glabrata (COLOMBO E GUIMARÃES, 2007). O órgão responsável pela capacitação da informação luminosa, visual e transformá-la em impulsos a serem decodificados pelo sistema nervoso é o olho, que é formado por um conjunto complexo de elementos que atuam de forma específica para que o ato de olhar ocorra de forma significativa e é formado por: córnea, íris, pupila, cristalino, retina, esclera e nervo optíco (DANGELO E FATTINI, 2007). O acometimento intraocular pode ocorrer através de disseminação hematogênica do agente (contaminação endógena), ou por inoculação direta do fungo (contaminação exógena). Alterações no segmento anterior podem ser observadas em 35% dos pacientes com endoftalmite endógena por fungo, principalmente naqueles Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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com doença em estágios avançados. Nos casos de contaminação exógena, a inoculação do agente pode ocorrer através de trauma perfurante ou através de cirurgia intraocular, e as manifestações clínicas são muito variáveis (GODOY et al., 2004). A Emdoftalmite fúngica apresenta-se na grande maioria dos casos como uma infecção de caráter indolente, o quadro ocular é bilateral, com baixa de visão, dor, vermelhidão, câmara anterior com muitas células e sinéquias, hiperemia conjuntival, edema palpebral. O fato mais interessante a se constatar, é a gravidade o comprometimento do corpo vítreo que mantém o posicionamento da retina, com presença de flocos brancos e opacidade e durante a evolução desta doença observa-se a formação de novos vasos retinianos e, com isto, a possibilidade de haver hemorragias maiores e, por

fim, deslocamento total da retina, camada interna do bulbo ocular (SHIRMBECK et al., 2000). A candidíase ocular é um assunto de grande importância em todo o mundo. Pode ocasionar um quadro abrupto e dramático, o que dificulta a espera dos resultados dos exames de cultura do sangue, do corpo vítreo ou mesmo dos cateteres. Deve-se sempre buscar o conhecimento dos fatores de risco, a conscientização dos oftalmologistas, biólogos e biomédicos nos ambientes laboratoriais, quanto à necessidade de se diagnosticar a infecção o mais cedo possível, meios de diagnósticos mais eficientes e novos antifúngicos. Entretanto, são necessárias mais pesquisas para um diagnóstico rápido e seguro, além de um tratamento mais eficaz. O objetivo central deste trabalho foi avaliar a prevalência da endoftalmite fúngica no Hospital Santa Terezinha na cidade de Goiânia-GO, apresentando e discutindo relatos de casos positivos com lesão e baixa acuidade visual. Analisando os aspectos clínico-patológicos da respectiva patologia, descrevendo sobre as atuais metodologias utilizadas no diagnóstico de candidíase ocular, identificando e proporcionando o tratamento mais adequado para obtenção de um melhor prognóstico.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Candidíase

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A candidíase é uma doença causada pela levedura C. albicans e outras espécies do gênero. Em geral, essa doença instala-se nas mucosas, no tecido cutâneo, nas unhas, raramente produzindo lesões sistêmicas nos pulmões, nos rins, no coração, no sistema nervoso central etc. Nas mucosas, provoca lesões esbranquiçadas como grumos de leite o chamado "sapinho" (MINAMI, 2003). Essas leveduras são encontradas comumente nas populações humanas e residem em equilíbrio com a microbiota comensal de hospedeiros. Dentre as espécies de Candida, a mais frequentemente associada a lesões bucais é a C. albicans, porém outras também têm sido isoladas da saliva de indivíduos portadores ou não de candidoses. A habilidade de se transformar de levedura em formas filamentares é o maior determinante de virulência dessa classe de microrganismos (PEIXOTO et al., 2010). Verifica-se uma incidência da candidíase em todas as partes do mundo, em ambos os sexos, em todas as idades e raças, pois as candidas são fungos oportunistas (MINAMI, 2003). A incidência da candidíase aumentou significativamente nas últimas décadas e infecções sanguíneas associadas à Candida spp., estão se tornando

a

causa

primária

de

morbidade

e

mortalidade

em

pacientes

imunocomprometidos. O estado fisiológico do hospedeiro tem sido reconhecido como a condição primária para a ocorrência de candidoses, mais do que a virulência intrínseca do microrganismo oportunista (PEIXOTO et al., 2010).

2.2 Causas

Mudanças fisiológicas no organismo, como gravidez e infância ou idade avançada, fatores nutrícionais, tratamentos com antibióticos de amplo espectro, drogas imunossupressoras e corticosteróides são fatores que predispõem a infecções por Candida spp e aumentam a suscetibilidade a processos infecciosos, inclusive aqueles causados por leveduras do gênero Candida. Além desses fatores, pacientes com câncer em estágio avançado e HIV positivos também constituem fatores de risco para a aquisição de candidoses (BARBEDO E SGARBI, 2010).

2.3 Diagnóstico

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Ao exame microscópico, a candida compõe-se de células em levedura, unicelulares com brotamento e filamentos septados. Em ágar-fubá com Tween 80 observam-se células soltas, blastósporos, filamentos, sendo que a C. albicans produz o clamidósporo. Em presença do soro humano ou de cavalo ou de clara de ovo, ela produz tubo germinativo (JEHN, 2000). No exame micológico devido às múltiplas localizações e formas clínicas da candidíase, diversos são os materiais a serem examinados pelo laboratório tais como, escarro, secreções, urina, fezes, pele, unhas etc. A coleta desses materiais segue os cuidados usuais de outras infecções micóticas (JEHN, 2000). As secreções vaginais e uretrais, o escarro e as fezes podem ser examinados a fresco, colocando-se a suspensão entre lâmina e lamínula. Procuramse as formas em levedura e as hifas (MINAMI, 2003).

2.4 Epidemiologia

A maioria dos estudos mostra que espécies do gênero Candida constituem 60% dos casos isolados de amostras clínicas. Uma vez que as leveduras deste gênero tem grande importância, pela alta frequência com que infectam e colonizam o hospedeiro humano, representando um grande desafio aos clínicos de diferentes especialidades devido às dificuldades diagnósticas e terapêuticas das infecções causadas por tais agentes (BARBEDO E SGARBI, 2010). A epidemiologia das candidemias tem sido objeto de inúmeros estudos e taxas tão diferentes como de 1,2 – 25 casos por 100.000 habitantes ou de 0, 19 – 2,5 por 1.000 atendimentos tem sido relatadas, ilustrando a complexidade deste tema. Com base na população nacional ou entre todos os habitantes em uma área geográfica definida, a comparação das taxas de candidemia entre regiões e países, revelam diversas diferenças entre várias partes do mundo (ANDREUP et al., 2005; NORDEY, 2009). Outro aspecto relevante a ser considerado, em relação aos episódios de candidemia, é o custo decorrente do atendimento ao paciente, sendo que, a maior parte dos gastos está relacionada ao maior tempo de internação necessário para atendimento desses pacientes. É importante observar a alta incidência desta complicação, pois esta infecção apresenta indíces de mortalidade geral entre 60% e Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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mortalidade atribuída 40%. Este panorama justifica a importância do conhecimento, por parte dos profissionais de saúde, das medidas necessárias para diagnóstico, controle e tratamento de infecções invasivas por Candida spp (COLOMBO E GUIMARÃES, 2003).

2.5 Endoftalmite fúngica

O órgão responsável pela capacitação da informação luminosa, visual e codificados pelo sistema nervoso é o olho, que é formado por um conjunto complexo de elementos que atuam de forma específica para que o ato de olhar ocorra de forma significativa. Sua estrutura é formada por: córnea, íris, pupila, cristalino, retina, esclera e nervo óptico (DANGELO E FATINNI, 2007). A endoftalmite é uma infecção intraocular grave e rara, mas frequentemente devastadora, podendo levar à perda total da visão. Essa patologia é causada por diversos organismos, incluindo bactérias, vírus, fungos e parasitas. Os agentes causadores desta patologia variam de acordo com o mecanismo de defesa do hospedeiro (KEYNAN, FINKELMAN E LAGACÉ, 2013). Geralmente ocorre no interior do olho, envolvendo o vítreo ou humor aquoso (DURAND, 2013). O acometimento intraocular pode ocorrer através de disseminação hematogênica do agente (contaminação endógena), ou por inoculação direta do fungo (contaminação exógena), a partir de outro local de infecção coexistente (GODOY et al., 2004; WILCZYNSKI, WILCYNKA E OMULECKI, 2013). Essa é uma doença infecciosa, com condição ocular potencialmente grave, apresentando mau prognóstico visual e até mesmo possibilidade de globo ocular enucleado e perda da visão total e sua incidência vem aumentando notavelmente devido à ampla utilização de antibióticos de largo espectro, representando um desafio para os oftalmologistas e sua capacidade de melhorar o tratamento para as doenças fúngicas (WANG et al, 2013). Apresenta-se como uma complicação em 9-45% de todos os casos de candidemia (geralmente com C. albicans), associado a fatores de riscos predisponentes, tais como abuso de drogas por via intravenosa, terapia de imunodeficiência

prolongada

de

corticosteroides

sistêmicos

ou

antibióticos,

quimioterapias citotóxicas e longas alimentações parenterais (RANDHIR et al, 2012). Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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A endoftalmite fúngica pode ocorrer após um trauma penetrante, uma recente cirurgia intraocular, uma injeção intravítrea, ou com origem a partir da corrente sanguínea, normalmente a partir de focos de metástases distantes da infecção. No passado, a endoftalmite geralmente resultava na remoção do olho, pois os casos estavam relacionados com o maior tempo de evolução da doença, demora no diagnóstico e início da terapia antifúngica. No entanto, com o uso de antibióticos intraoculares eficazes e avançados na cirurgia vítreo-retiniana, antifúngicos, exames laboratoriais especifícos o resultado visual final melhorou consideravelmente (BHOOMIBUNCHOO et al., 2013). Espécies de Candida podem causar perda visual devastadora, progredindo de coriorretinite para vitrite e endoftalmite. Espécies de Candida são a quarta causa mais comum de infecção nosocomiais (9%), e é ainda mais prevalente nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI). A incidência de candidemia nosocomial aumentou cerca de dez vezes nos últimos anos entre os pacientes com candidemia. Essa tendência pode estar relacionada com a identificação precoce e o tratamento de candidemia. Estudos têm avaliado a epidemiologia, diagnóstico e tratamento de mudanças de paradigma na candidíase ocular (SHAH et al., 2008). Na endoftalmite exógena são raros os casos de candidíase ocular, podendo ocorrer após cirurgia ocular, trauma ocular penetrante ou como uma extenção da infecção da córnea e um número crescente de casos estão ocorrendo após injeções intravítreas. A inflamação pode, inicialmente, ser maior na câmara anterior, antes de envolver o humor vítreo e a C. parapsilosis é a espécie mais comum, especialmente em surtos pós-curúrgicos (DURAND, 2013). A maioria dos casos de endoftalmite apresenta-se de forma aguda, com horas e alguns dias de sintomas. Estes casos são emergências médicas, sendo que o atraso no tratamento pode resultar em perda permanente da visão (DURAND, 2013).

2.6 Diagnóstico e Tratamento da Endoftalmite Fúngica

O elemento mais importante do diagnóstico é a manutenção de um alto índice de suspeita de endoftalmite fúngica. Para pacientes com uma infecção fúngica sistêmica ou uma inflamação ocular que geralmente apresentam os mesmos sinais e sintomas, é necessário um diagnóstico clínico completo para a diferenciação das Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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patologias. No entanto, quando uma infecção fúngica sistêmica não é clinicamente evidente, ou é, um paciente suspeito de ter uma infecção intraocular, um diagnóstico definitivo, muitas das vezes requer a análise de espécimes intraoculares (CHEN et al., 2012). Os doentes com endoftalmite podem apresentar alterações na acuidade visual, escotomas, fotofobia ou dor. Na maioria dos pacientes, as lesões vítreas estão presentes,

que

são

geralmente

descritas

como

lesões

arredondadas

e

esbranquiçadas, pequenas, focais, perivasculares, coriorrentinais com circundante inflamação vítrea. Eles também são referidos como deslocamento de retina exudativo e inflamação do seguimento anterior. As manifestações geralmente levam à perda de visão severa e morbidade ocular (WILCZNSKI, WILZCZYNKA E OMULECKI, 2013).

Imagens de pacientes com perda total da visão e outro com hiperemia conjuntival devido a Endoftalmite fúngica.

Fonte: disponível em: http://www.owndoc.com; http://www.albanesi.it/salute/uveite.htm

Diante da variedade e das manifestações clínicas que as infecções por Candida spp. podem apresentar, a utilização de diferentes métodos diagnósticos e esquemas terapêuticos torna-se fundamental. Entre as ferramentas diagnósticas utilizadas, os testes cromogênicos, como CHROMagar® Candida, os testes quantitativos de avaliação do perfil de sensibilidade, como Etest®, e a reação em cadeia da polimerase (PCR) são metodologias clinicamente úteis, pois fornecem resultados rápidos, são de fácil realização e altamente específicos, além de auxiliarem na indicação de terapia antifúngica e na monitoração dos padrões de resistência existentes (AHMAD, 2002). A hemocultura automatizada permite contínua monitorização do crescimento bacteriano, que permite dectação de bacterias 24 horas ao dia para fungos e 20 dias para o crescimento. Alguns fatores podem interferir no resultado da hemocultura; possibilidade de contaminação com flora normal da pele; volume do

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sangue cultivado; tipos de meios utilizados; uso de antibióticos e presença de microorganismos fastidioso. O número de amostras necessárias e o intervalo entre as coletas variam de acordo com a suspeita clínica, como exemplo na endoftalmite aguda, que é necessário de duas a três amostras do material no período de duas horas, antes de se iniciar a terapia antimicrobiana (VALLE, 2009). O tratamento envolve identificação dos organismos etiológicos através da cultura de fluidos intraoculares e início da terapia antimicrobiana de largo espectro, como indicado. Assim que os resultados da cultura estão disponíveis, a terapia é iniciada imediatamente (SCHIMEL et al., 2013). Nos

últimos

anos,

temos

observado

grandes

progressos

no

desenvolvimento de agentes antifúngicos, e a sua utilização potencial no tratamento de endoftalmite fúngica deve ser explorada. Voriconazol e caspofungina são dois antifúngicos que proporcionam uma melhora da incidência de infecções por fungos e as limitações dos agentes atualmente disponíveis. Porém o princípio mais importante na terapêutica de endoftalmite é o diagnóstico precoce e a identificação correta do fungo, permitindo o tratamento precoce e proporcionar um melhor prognóstico (BREIT et al., 2004). O voriconazol é um antifúngico triazol e é derivado sintético de segunda geração de fluconazol. Possui 96% de biodisponibilidade oral, e atinge concentrações plasmáticas de pico 2 a 3 horas após a dosagem oral. A ligação da proteína é moderada em 58%, com uma ampla distribuição do agente ao longo do corpo em vários tecidos e fluidos. Entretando, a caspofungina é um inibidor da síntese da parede celular antifúngico da classe estrutural echinocadin. Tem sido demonstrado ser eficaz na inibição da parede celular em espécies de Candida e Apergillus, entretanto a mesma só pode ser administrada por via intravenosa. Voriconazol e caspofungina oferecem novas opções de tratamento para infecções micóticas oculares e parecem ser altamente eficazes para adicionar ao arsenal existente contra os fungos causadores de endoftalmite (BREIT et al., 2004).

3 METODOLOGIA

A revisão bibliográfica foi composta a partir de artigos científicos disponíveis nos principais sites acadêmicos (Pubmed, Scielo, Medline), datados de Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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2009 a 2013, com as palavras-chave: Doenças fúngicas, Candidíase, Agente etiológico, Alterações oculares, Endoftalmite fúngica. Por serem de alto índice de impacto, servem para que possamos focar e obter dados relativos a candidíase, principalmente a Endoftalmite fúngica para uma maior comparação dos dados obtidos. Trata-se de um estudo retrospectivo de base hospitalar, baseado em casos atendidos no período de 1981 a 2013, no Hospital Santa Terezinha, situado em Goiânia-GO. O estudo incluiu 10 casos diagnosticados com candidíase ocular, no período de janeiro de 1981 a junho de 2013, que foram submetidos a tratamento. Os pacientes foram selecionados a partir de prontuários fornecidos pelo Hospital Santa Terezinha, Goiânia-GO, conforme anexo I; disponibilizados com o consentimento do Dr. Mário Gonçalves dos Reis e Paulo Bittencourt, inscritos no CRM: 732 e 7755, respectivamente, conforme anexo II. Como se trata de um estudo retrospectivo em que foram analisados somente os dados coletados dos prontuários, não haverá nenhum contato, seja ele pessoal, por telefone ou correio, dos pesquisadores com os pacientes incluídos na pesquisa ou familiares. Sendo assim, não foi necessária a obtenção do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que foi, portanto, dispensado.

4 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

A candidíase, de acordo com Minami e colaboradores (2003), atinge ambos sexos, idade ou raça, em nosso estudo foi observado a prevalência dos casos positivos em cerca de 90% do sexo masculino em relação ao sexo feminino (10%). Este dado de maior prevalência no sexo masculino, foi confirmado também por Norregaard et al. (1997), provalvelmente pelo fato de que a maioria das profissões exercidas são pelo sexo masculino. Tabela1 - Porcentagem referente a prevalência dos casos de Endoftalmite em pacientes masculinos com 90% dos casos estudados.

100% 90% 80% 70% Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015 60% 50% 40%

Série1


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De acordo com Ferrazza e colaboradores (2005), a sintomatologia da candidíase depende de três fatores: o estado imunológico do hospedeiro, o meio ambiente da mucosa e a resistência da C. albicans, podendo variar de leve a fatal, quando a doença dissemina-se em pacientes gravemente imunodeprimidos ou portadores da síndrome da imunodeficiência adquirida. Conforme Wilcznski et al (2013) os sinais e sintomas mais frequentes observados foram: dor ocular, diminuição da visão, presença de secreção conjutival, hiperemia conjutival e secreção purulenta, e o sintoma mais conhecido é a “mancha de Roth”. Assim como lesões arredondadas e esbranquiçadas que são referidos como branco exsudato fofo com bordas bem delimitadas e deslocamento da retina. Em nosso estudo, nos prontuários analisados, encontramos os mesmos sinais e sintomas descritos pelo autor supracitado, com exceção do deslocamento de retina, que não foi encontrado em nossa pesquisa. A presença desses sinais e sintomas muitas vezes é confundida com outras patologias, o que dificulta o diagnóstico correto. A conjutivite viral é uma inflamação da conjuntiva que é altamente contagiosa e tem como características coceira e dor nos olhos, secreção de cor branca ou amarela, sensação de areia, hipersensibilidade à luz e a esclera pode tornar-se muito vermelha. A Endoftalmite fúngica é uma infecção de caráter indolente que apresenta embaçamento visual, dor e fotofobia. Os pacientes podem ainda apresentar vermelhidão na esclera e perda da visão. De acordo com Serracarbassa e Dotto (2003) os métodos clássicos para detecção e identificação da levedura do gênero Candida são divididos em: ultrassom ocular, que é um método de visualização no olho, para detecção da evolução do Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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processo infeccioso; recuperação e identificação de leveduras, que são as culturas; provas

de

fermentação

e

teste

germinativo.

Os

exames

subsidiários

predominantemente adotados em nosso trabalho foram a cultura (60%) e o ultrassom da órbita (40%) dos casos analisados. Vale ressaltar que o início do tratamento é imediato, mesmo antes da conclusão dos exames, devido ao rápido desenvolvimento da patologia. Os exames são importantes não apenas por questões médico-legais, mas pela evolução desfavorável após o tratamento inicial. Concluímos assim, que além dos exames laboratoriais o ultrassom é muito útil na detecção do segmento posterior do olho e também na monitorização da evolução da doença e do processo infeccioso. Devido à grande dificuldade no diagnóstico laboratorial da endofitalmite fúngica, a história clínica e o exame físico ganham especial importância. Alfonso e Miller (2010) afirmam que as características particulares das lesões fúngicas, como a predisposição ao trauma, época do ano, idade, sexo e profissão, contribuem para a agilidade no diagnóstico da patologia. Isso foi comprovado em nosso estudo, em que 70% dos pacientes foram diagnosticados e tratados somente pelos sinais e sintomas da doença, tendo recuperação por completo; ao contrário de 30% que tiveram evolução desfavorável e geralmente estavam associados a uma evolução rápida da doença e uma demora no diagnóstico e início da terapia antifúngica. Hofling-Lima et al (2005) observaram que os fungos leveduriformes manifestam-se mais em pacientes submetidos previamente a cirurgias oculares e em pacientes imunossuprimidos local ou sistemicamente. Esses pacientes geralmente estão correlacionados com o uso de medicações tópicas ou sistêmicas, antiinfecciosas ou anti-inflamatórias, doenças debilitantes e a presença de micoses oportunistas. Em nosso trabalho, avaliamos que a idade dos pacientes variou de 18 a 72 anos, sendo divididos em quatro categorias para posterior análise dos dados, como pode ser observado na tabela 1. Tabela 2 - Faixa etária dos indivíduos positivos para Endoftalmite fúngica no Hospital Santa Terezinha na cidade de Goiânia-GO.

Categoria

Idade

Adolescentes

12 a 18 anos

Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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Jovens

19 a 37 anos

Adultos

38 a 55 anos

Idosos

56 a 72 anos

A amostragem dos pacientes analisados foi constituída de indivíduos jovens (28%) e adolecentes (22%), (10%) de adultos e 40% idosos; com exceção de uma criança de 12 anos. Essa criança de 12 anos deu entrada com sinais e sintomas de endoftalmite, porém após os exames clínicos foi confirmado conjutivite viral. Analisamos em nosso estudo que entre todos os pacientes analisados 98% eram da cidade de Goiânia e 2% de outras cidades. Assim, a maioria dos pacientes acometidos pela candidíase ocular são jovens, adolecentes e idosos, sendo que os jovens e adolescentes são na maioria vulneráveis ao uso de drogas ilícitas e os idosos usuários abusivos de imunossupressores. Esse fato os deixa mais suceptíveis às doenças oportunistas, sendo o principal patógeno a Candida spp. Em relação à profissão desses pacientes, a maioria era de lavradores e estudantes, confirmando assim a procedência do meio rural. Isso demonstra a importância na etiologia do fungo, devido o contato desses pacientes com o meio agrário e uma maior susceptibilidade de trauma no exercício das profissões. De acordo com a figura 1, 80% dos pacientes trabalham na área rural, 10% são estudantes e 10% exercem outras profissões, destacando que a profissão de lavrador foi a de maior prevalência, devido à sua exposição por trauma da córnea com matéria orgânica contendo fungo.

Figura 1- Porcentagem do grau de capacitação trabalhista dos pacientes observados no Hospital Santa Terezinha em Goiânia -GO.

Trabalhadores rurais Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015 Estudantes Outras Profissões


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Godoy e colaboradores (2004) mostraram casos de endoftalmite após ceratoplastia penetrante, em que a penetração do fungo era facilitada pela invasão intraocular (exógena), porém não obtiveram nenhum retorno sobre os casos submetidos a transplante. Em nosso estudo tivemos somente um caso em que após o transplante ocular o paciente adquiriu um botão infectado e desenvolveu Endoftalmite fúngica. Os demais pacientes foram diagnosticados por trauma ou disseminação da doença, podendo ser as vias endógenas ou exógenas a forma de transmissão. Isso nos leva a observar que o microrganismo pode infectar as estruturas oculares por disseminação hematogênica ou por inoculação direta durante a cirurgia ocular, tendo como variação as condições do hospedeiro e da espécie de Candida envolvida. Observamos também, que os pacientes transplantados podem adquirir a Endoftalmite fúngica no ambiente hospitalar, através de fômites contaminados, contato das mãos dos profissionais de saúde com pacientes portadores de cateteres vasculares e implante de botões contaminados com candidíase. Ressaltamos assim a importância da assepsia hospitalar adequada, assim como a cultura nos botões antes de serem transplantados para evitar a infecção cruzada, já que casos de Endoftalmite fúngica em transplante ocular são raros e se não diagnosticados rapidamente podem levar à perda irreversível da visão. Ibrahim et al (2011) afirmam que a incidência de casos de endoftalmite fúngica, deve-se provavelmente ao uso irrestrito de antibióticos de amplo espectro, outros fatores a serem considerados são o uso abusivo de corticoides tópicos, olho seco, lentes de contato, cirurgias oculares prévias, uso de medicações ou doenças imunossupressoras e doenças que alterem a flora ocular, que propiciam um ambiente Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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de baixa competitividade, favorecendo o crescimento do fungo. Devido a esse fato as infecções micóticas são consideradas de difícil diagnóstico e tratamento. Na endoftalmite fúngica os antifúngicos mais utilizados são: o fluconazol, voriconazol e em casos mais graves utiliza-se a anfotericina B que, apesar de ser a mais eficaz nas infecções intraoculares, pode levar à necrose ocular. Conforme descrito por Dotto et al (2005), mesmo sendo a anfotericina B, atualmente, o antifúngico mais eficaz disponível, casos de resistência a droga ainda são descritos. O uso de fluconazol endovenoso mostrou-se eficaz no tratamento de endoftalmite fúngica, sem a necessidade de vitrectomia ou injeção intravítrea. Em nosso estudo analisamos que 50% dos pacientes foram tratados com anfotericina B na forma de colírio, 45% foram tratados com vancomicina e anfoteriericina B e em 5% dos pacientes foram administrados um antifúngico de escolha médica associado ao uso de decadronal, devido ao quadro de infecção grave. Podemos observar que é necessário avaliar a eficácia desta modalidade terapêutica, devido à resistência do fungo causador da endoftalmite.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No presente estudo retrospectivo de base hospitalar, realizado em Goiânia-GO, observou-se que prevalência dos casos positivos de endoftalmite fúngica foi cerca de (90%) no sexo masculino em relação ao sexo femenino (10%). Nos prontuários analisados foram encontrados os mesmo sinais e sintomas da Endoftalmite fúngica, com exceção do deslocamento de retina, que não foi observado. Verificou-se que a presença desses sinais e sintomas muitas vezes é confundida com outras patologias, o que dificulta o diagnóstico correto desta doença. Os exames subsidiários predominantemente adotados no trabalho foram a cultura (60%), e o ultrassom da órbita (40%) dos casos analisados. Vale ressaltar que o início do tratamento é imediato, mesmo antes da conclusão dos exames, devido ao rápido desenvolvimento da patologia. No estudo, observou-se que 50% dos pacientes foram tratados com anfotericina B na forma de colírio, 45% foram tratados com vancomicina e anfoteriericina B e em 5% dos pacientes foram administrados um antifúngico de escolha médica associado ao uso de decadronal, devido ao quadro de infecção grave. Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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Podemos observar que é necessário avaliar a eficácia desta modalidade terapêutica, devido à resistência do fungo causador da endoftalmite. A Endoftalmite fúngica é um assunto de grande importância mundialmente, podendo ocasionar um quadro patológico abrupto e dramático nos pacientes. Embora com características clínicas particulares, as infecções fúngicas geralmente confundem-se com as bacterianas, tornando a pesquisa etiológica laboratorial mandatória, sendo que vários fatores como a falta de material de coleta, coleta inadequada, a demora na realização dos exames. Os resultados falso-positivos e falso-negativos acarretam na demora da introdução da terapia antifúngica adequada, dificultando o diagnóstico da doença e consequentemente o seu tratamento. Devido a essa dificuldade no diagnóstico laboratorial, a história clínica e o exame físico ganham especial importância. Características particulares das lesões fúngicas, tais como margens hifadas e irregulares, limites mal definidos, coloração acinzentada e lesões satélites associadas a dados de epidemiologia, como local de residência, predisposição a traumas, época do ano, idade, sexo e profissão, contribuem para a agilidade no diagnóstico. A variabilidade de comportamento de diferentes espécies de Candida criou a necessidade de desenvolvimento de métodos rápidos, simples e de fácil incorporação á rotina laboratorial para sua identificação. Assim como a técnica de PCR que, devido à sua especificidade e sensibilidade, é um método importante para o diagnóstico de fungos, uma vez que essa técnica requer quantidades mínimas de DNA. Porém, o seu alto custo torna-se uma desvantagem para alguns laboratórios. Essa é uma das razões da crescente importância dos biomédicos nos teste de identificação na Endoftalmite fúngica, utilizando métodos rápidos e simplificados para obtenção dos resultados de exames realizados, embora devêssemos conscientizar os profissionais de saúde e informar à sociedade sobre o perigo e as causas dessa grave patologia, buscando um diagnóstico mais preciso, seguro e antifúngicos mais eficientes.

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DAMAS “NEGRAS”: DE ISAURA A RITA BAIANA E BERTOLEZA – A CONSTRUÇÃO DA PERSONAGEM FEMININA Werianny Santiago Rassi33 Profa. Dra. Irene Dias de Oliveira34

Werianny Santiago Rassi - Mestre em Crítica Literária – Letras, pela Pontifica Universidade Católica de Goiás – Goiânia – Brasil. e-mail: adm.santiago@yahoo.com.br. 34Dra. Irene Dias de Oliveira– Professora da Pontifica Universidade Católica de Goiás - Goiânia – Brasil – e-mail: irenefit@pucgoias.com 33Ma.

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RESUMO: Este artigo apresenta uma discussão sobre a imagem da mulher negra presente nas obras literárias brasileiras. Para objetos de análise foram selecionadas as obras A Escrava Isaura - escrita por Bernardo Guimarães e O Cortiço que é um romance de autoria do escritor Aluísio Azevedo. O artigo teve como objetivo geral analisar a criação da imagem da mulher negra na literatura brasileira, a partir das obras mencionadas. Especificamente, pretendeu-se pesquisar as concepções teóricas do imaginário e a construção da imagem da mulher na Literatura Brasileira; analisar se em tais obras a construção da imagem da mulher negra é representada pelas personagens; identificar nas obras a caracterização das personagens femininas negras; demonstrar pela linguagem carregada de significados se existem marcas de opressão e exclusão sofridas pela população afrodescendente e se as obras em estudo manifestam formas de protesto e denúncia através de suas personagens femininas negras, tendo como hipótese o imaginário da mulher negra enquanto construído por questões culturais, sociais, que criam a imagem dessa mulher por inserção de um grupo marcado pelo preconceito racial e pela opressão. Através de uma metodologia de cunho bibliográfico, sistematizam-se reflexões, discussões e análises, objetivando a compreensão das personagens femininas negras nas obras: A escrava Isaura, de Bernardo Guimarães e O Cortiço, de Aluísio Azevedo. Com esta abordagem, pretende-se apresentar elementos estruturantes que auxiliem e contribuam para o desenvolvimento no campo da pesquisa sobre a identidade construída socialmente pelos aparatos dispostos nas obras. Palavras-Chave: Isaura. Rita Baiana. Bertoleza. Preconceito. Literatura. ABSTRACT: This article presents a discussion on the image of black women present in Brazilian literary works. For analysis objects were selected works The Slave Isaura - written by Bernardo Guimarães and the tenement which is a novel authored by writer Aluísio Azevedo. The article aimed to analyze the creation of the black woman image in Brazilian literature, from the works mentioned. Specifically, the aim was to research the theoretical conceptions of the imaginary and the image of women in the construction of Brazilian Literature; analyze in such black woman image construction of the works is represented by the characters; identify in the works to characterize the black female characters; demonstrate the full of meanings language if there are oppression and exclusion marks suffered by Afro-descendant population and the works studied manifest forms of protest and denunciation through his black female Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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characters, under the hypothesis the imagination of the black woman as constructed by cultural issues, social, which create the image of that woman by inserting a group marked by racial prejudice and oppression. Through a bibliographical methodology to systematize reflections, discussions and analysis, aiming at the understanding of black female characters in the works: The slave Isaura by Bernardo Guimarães and The Tenement of Aluísio Azevedo. With this approach, we intend to introduce structural elements that help and contribute to the development in the field of research on the identity socially constructed by devices arranged in the works. Keywords: Isaura. Rita Bahia. Bertoleza. Prejudice. Literature.

1 INTRODUÇÃO

Este artigo teve como temática principal a imagem da mulher negra representada nas obras literárias A escrava Isaura, de Bernardo Guimarães e O cortiço, de Aluísio Azevedo. O primeiro, publicado em 1875 e o segundo, em 1890. O imaginário, de uma maneira geral, pode ser definido como uma produção de imagens, ideias, concepções individuais ou coletivas para expressar as correlações de alteridade com o mundo. É necessário entender que seu conceito envolve vários significados e depende dos pontos de vista adquiridos, pois perpassa o sentido do senso comum sobre imaginação. Diferentemente disso, refere-se à capacidade de um indivíduo ou de um grupo representar o mundo com a ajuda do recurso da associação de imagens que lhe atribuem sentido. No imaginário da sociedade, a representação do negro manifesta-se de acordo com o discurso de determinadas instituições e autoridades intelectuais legitimadas em períodos específicos. A imagem que se construiu acerca do negro é resultante das necessidades de cada configuração histórica e, para identificar a construção desse estereótipo, faz-se necessário pontuar as formações discursivas que circundaram cada época. Dessa forma, pode-se compreender que foi a partir de demandas econômicas, sociais e ideológicas da classe dominante que surgiu a cristalização de uma imagem. Sempre convivemos com um tipo de discurso que ratifica a noção de cultura igualitária com a qual todos que dela fazem parte se reconhecem e identificamse. Esse discurso, que acaba por fazer parte de um imaginário popular, pode ser Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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explicado no conceito de nação utilizado por Stuart Hall, em seu livro A identidade cultural na Pós- modernidade: [...] A nação não é apenas uma entidade política, mas algo que produz sentidos.– um sistema de representação cultural. As pessoas não são apenas cidadãos/ãs legais de uma nação; elas participam da ideia da nação tal como representada em sua cultura nacional. Uma nação é uma comunidade simbólica e é isso que explica seu ‘poder para gerar um sentimento de identidade e lealdade’ (HALL, 2005, p. 49).

No decorrer deste artigo, pode-se estabelecer as correlações entre a linguagem de dois autores que produziram suas obras em épocas diferenciadas no que diz respeito às concepções de estilo, mas que trazem como pano de fundo o problema da escravidão no Brasil. Em A escrava Isaura, o autor, sob as influências da concepção romântica, toma como tema o drama de uma escrava de pele branca, filha de um português com uma escrava negra. O drama inscreve-se na problemática que traduz os “abomináveis e hediondos” crimes da escravidão e o rebaixamento da pessoa humana em função de sua raça e classe social. Em O cortiço, sob as bases do Positivismo de August Comte (o saber baseado nas leis científicas era superior ao saber teológico e metafísico); do Determinismo de Hipólite Taine (o meio, o lugar, e o momento influenciam o ser humano), do Darwinismo ou Evolucionismo de Darwin (teoria da seleção natural, ou seja, vence sempre o mais forte), toma a escravidão e a ascensão da burguesia como temas principais (SODRÉ, 1997, p. 381-402). Sob aspectos naturalistas, isto é, sob o olhar científico, a narração desenvolve-se em meio à insalubridade do cortiço, propício à promiscuidade, característica do Naturalismo. Ao discutirmos questões como preconceito, vislumbramos a relevância do tema para o campo da pesquisa literária, isto por dar oportunidade para uma reflexão que leve em consideração aspectos que ainda precisam ser abordados em nosso contexto sociocultural. O preconceito racial e sexista, tema que escritores pertencentes a vários estilos tendem a considerar, demonstra a importância de se pensar a igualdade enquanto sujeitos que prezam a garantia dos direitos da cidadania, em uma sociedade marcada pela predominância de pensamentos instituídos, que inferiorizam o papel da mulher negra, durante o processo histórico brasileiro, negando a árdua luta pela conquista de sua verdadeira identidade. Cabe ressaltar, que os negros foram impedidos de compartilhar tal lealdade e identidade, uma vez que o sistema de representação cultural está pautado Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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por referenciais majoritariamente brancos. Isto significa dizer que as representações simbólicas, as crenças, os valores, os padrões negros, enfim, tudo o que a eles esteja relacionado, não é compatível com o sentido hegemônico de nação. Quanto à formação da imagem da mulher e da personagem feminina negra na literatura, é necessário refletir que a história da humanidade traz, desde o início de sua constituição, o traço da violência, forjada por meio da subjugação e da exploração do homem pelo homem. Esse aspecto transformou as relações de gênero, afetivas e sociais, através de dispositivos de poder e de submissão. O termo ‘gênero’ tornou-se uma forma de indicar ‘construções culturais’ – a criação inteiramente social de ideias sobre os papéis adequados aos homens e às mulheres (SCOTT, 1995). A literatura brasileira retrata a opressão sobre a figura feminina, seja ela negra, ou branca, em inúmeras obras em todos os tempos. De A escrava Isaura, dentro da concepção romântica, e Bertoleza, na concepção naturalista, chega-se à modernidade com obras de relevo como o romance Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freire, publicado em 1933, em que a temática faz referência à colonização brasileira, ressaltando a compreensão da imagem da mulher e também as relações de gênero que determinam esta representação. A obra retrata as trocas naturalmente feitas numa convivência de intimidade e dominação entre dominadores e dominados e entre brancos, negros e índios que marcaram e marcam a sociedade brasileira. Analisando as obras em estudo, A escrava Isaura e O cortiço, observase que as figuras de diferentes mulheres fazem-nos entrever indícios da opressão vivenciada historicamente no cotidiano feminino. Os autores revelam os modos como transparecem os efeitos da dominação masculina e da sociedade como um todo sobre a mulher em todos os tempos. Neste aspecto, ao fundamentarmos uma visão crítica, capaz de alterar hábitos e atitudes, visão capaz de questionar as ideologias e os parâmetros impostos durante os três séculos de escravidão, tempo em que os negros lutaram para se livrar da servidão, procuramos evidenciar a discussão sobre a própria condição social, que ainda acaba por fazer parte do nosso cotidiano. A imagem que se construiu acerca do negro é resultante das necessidades de cada configuração histórica e, para identificar a construção desse estereótipo, fez-se necessário pontuar as formações discursivas que circundaram cada época. A literatura é escrita a partir de uma visão de mundo, de sociedade, de um determinado Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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período histórico. Com estes elementos, a obra literária pode ser percebida como expressão da visão de um sujeito histórico, o escritor, mas também como visão parcial de um coletivo histórico no qual uma determinada representação é configurada.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 A Mulher Negra e o Imaginário

O estudo aborda a formação do imaginário tendo como referências as obras de Bernardo Guimarães e de Aluísio Azevedo. Por isso, tentaremos num primeiro momento entender a importância do imaginário e a maneira como este constrói o repertório das experiências sensíveis e inteligíveis do indivíduo para depois nos debruçarmos sobre como se deu a construção da representação da mulher negra na literatura do século XIX. O que pretendemos abordar refere-se ao sentido da imagem como a representação de realidades do mundo físico, mental ou emocional, enquanto a imaginação como a faculdade de perceber, reproduzir e criar essas imagens. Já o imaginário é a maneira desta faculdade operacionalizar para construir o repertório das experiências sensíveis e inteligíveis de cada indivíduo. Essas concepções servirão para a discussão da formação do imaginário da mulher negra no estudo que se inicia. De acordo com Aristóteles (apud ABBAGNANO, 1998), a imagem surge da imaginação de alguém, para depois ser assimilada por quem a “vê” pela sensação ou percepção. Assim, entendemos que a imagem existe independente do objeto evocado, assumindo-se como sensível e não sensível, pois a imagem é produto da imaginação, uma maneira de trazer a representação da coisa sem a sua presença. Segundo Abbagnano (1998), a imagem é estabelecida pela sensação e, contrário a essa ideia, acredita que, mesmo não havendo sensação, a imagem é estabelecida. O teórico postula que: As imagens são originadas por coisas corpóreas e por meio das sensações: estas, uma vez recebidas, podem ser facilmente lembradas, distinguidas, multiplicadas, reduzidas, ampliadas, organizadas, invertidas, recompostas do modo que mais agrade ao pensamento (ABBAGNANO, 1998, p. 538).

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“A imagem revela-se de uma consciência. O que diferencia a imaginação de outros modos de percepção é que o objeto é posto como ele é; e a espontaneidade é a última característica essencial, que é consciência imaginante” (DURAND, 2012). Para o teórico, a imagem é como matéria de todo o processo de simbolização, é ela que fundamenta a consciência na percepção do mundo. E, assim, assume-se como a capacidade individual e coletiva de dar sentido ao mundo, dando sentido a tudo que existe. Se a imagem surge da imaginação, veremos como se dá a imagem da mulher negra na literatura. Mas antes, vamos procurar entender o que é imaginação e como a imagem e a imaginação estão interligadas com o imaginário. “A imaginação é o dinamismo organizador que é, ao mesmo tempo, fator de homogeneidade de representação” (BACHELARD, apud DURAND, 2012). A imaginação é a faculdade de produzir imagens, mas pelo menos serve para diferenciar as assimilações entre imagem e lembrança. Segundo o teórico, “com sua atividade viva, a imaginação desprende-nos ao mesmo tempo do passado e da realidade. Abre-se para o futuro [...]”. (BACHELARD, 2008, p. 18). Ainda segundo este filósofo, “a imaginação é dinamismo organizador, e esse dinamismo organizador é fator de homogeneidade na representação” (BACHELARD apud DURAND, 2012, p. 30).

A imaginação é essencialmente reprodutiva; é a capacidade de redescrever a realidade, descrever de novo. Não existe ação sem imaginação (WUNENBURGER; ARAÚJO, 2003). Neste sentido, cabe-nos verificar como essas características se fazem presentes nas obras em análise. Embora imagem e imaginação sejam dimensões fundamentais e interligadas, não podemos entendê-las sem fazer referências ao imaginário.

2.2 Por entre o Farfalhar das Sedas e Peles: O Imaginário Feminino

No período colonial, a mulher assumia o símbolo da reprodução, seu útero recebia o nome de madre. Esse era o interesse da medicina, estudar o útero em proporção ao mistério que a mulher representava; as funções de seu corpo eram as de parir e de procriar; desprovida de valorização, assumia o caráter de mãe, frágil e submissa. Seu corpo tinha o sentido de reprodução, valorizando a sexualidade feminina na disciplina, assim, assumia uma cadeia de enfermidades, que ia da melancolia e loucura à ninfomania. Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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A importância da trajetória da mulher na história brasileira é percebida pelas abordagens tradicionais, a partir do rompimento das verdades estabelecidas. As ações e as experiências das mulheres sempre foram construídas sob os pressupostos masculinos. Tal fato sustentava-se numa sociedade que era dominada por relações de gênero patriarcais, onde o masculino sobrepunha-se ao feminino, construindo simbologia e elaborações culturais baseadas em práticas sociais hierarquizadas. Isso resultava numa condição de prestígio, privilégios e poder maior para os homens e numa situação de subordinação para as mulheres que, por sua vez, se edificavam e se reproduziam em relações de trabalho, produção e reprodução baseadas na diferenciação entre os sexos (DEL PRIORE, 2012). O imaginário criado a partir do patriarcalismo sobre a mulher deu forma ao pensamento que subjaz as ações do ser humano e define a estrutura como uma forma que se modifica em torno das constelações simbólicas. As imagens, traços biológicos, pressões históricas e sociais sofridas pelo indivíduo formam o seu imaginário. A partir da história das mulheres no Brasil, pode-se construir um sentido do imaginário feminino ao detalhar os regimes, ou seja, o seu trajeto antropológico. Os estudos organizados por Mary Del Priore (2012), na obra História Das Mulheres no Brasil, servirão de aporte teórico para fundamentar essa parte da dissertação. As histórias sobre a mulher na obra acima referida refletem variadas realidades, de diferentes espaços geográficos e sociais, que contribuem na construção dos acervos dos sujeitos neles envolvidos. A trajetória de vida das mulheres, a complexidade e a diversidade das experiências e vivências que denotam comportamentos ou apenas flashes comprovam que a figura feminina no Brasil, em diferentes épocas, foi bastante estereotipada devido a uma série de influências históricas, religiosas, psicológicas, antropológicas. Não se pode deixar de considerar que a história da mulher não é só dela, como afirma a historiadora Mary Del Priore, em História das mulheres no Brasil, “é também aquela da família, da criança, do trabalho, da mídia, da literatura. É a história do seu corpo, da sua sexualidade, da violência que sofreram e praticaram, da sua loucura, dos seus amores e dos seus sentimentos” (DEL PRIORE, 2012, p.7) Observa-se que a autora enfatiza a complexidade e a diversidade das experiências e das realizações vivenciadas por mulheres durante quatro séculos. Esses aspectos são de suma importância para que se amplie o sentido da construção Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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de um imaginário, e para que se entenda a força criadora dos autores Bernardo Guimarães e Aluísio Azevedo em imaginar personagens femininas para as obras escolhidas como corpus deste estudo. Mas, primeiro é preciso entender a construção das identidades das mulheres brasileiras, com suas realidades, vida no campo e na cidade, do norte ao sul, assim como sua casa, seu trabalho, ou seja, tudo o que constrói a sua identidade, para melhor refletir sobre o imaginário da mulher, fosse ela branca, indígena ou negra. Conforme estudos por Jacques D’Adesky: a identidade implica num processo constante de identificação do “eu” ao redor do outro e do outro em relação ao “eu”. O olhar sobre o outro faz aparecer as diferenças e por estas, a consciência de uma identidade. O processo de identificação é como um jogo de espelhos que reflete o olhar individual ao mesmo tempo em que o olhar crítico ou lisonjeiro dos outros é refletido, permitindo assim, sucessivos ajustamentos (D’ADESKY, 2001, p.55).

Compreendendo, pois, a identidade como um processo de identificação, constante, deduz-se que há uma tendência de mudança incessante dessa identidade. Stuart Hall postula que : O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas. (...) A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, na medida em que os sistemas de significação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente (HALL, 2005, p. 13).

Assim sendo, há que se concordar com o autor citado quando o mesmo afirma que a identidade “é definida historicamente, e não biologicamente” (HALL, 2005, p. 13). Dessa forma, negras como Isaura e Bertoleza, mulata como Rita Baiana, branca como Malvina, independentemente da raça, da cor ou do núcleo social a que pertencem, têm suas identidades construídas como um processo contínuo e de acordo com o momento e com o tempo em que a personagem é colocada a viver. Além do mais, essas identidades são permeadas pelo imaginário a partir do qual são construídas e ressignificadas. Vejamos como mulheres que têm uma importância relevante para a literatura do século XIX são imaginadas e concebidas pelo imaginário colonial. Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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2.4 A Linguagem Romântica em A Escrava Isaura

O romance, durante o período romântico, teve importância fundamental num momento em que se buscava a afirmação do país como nação. No entanto, apenas a burguesia em ascensão tinha acesso à leitura das obras que eram publicadas em folhetim diário (ou semanal) e direcionadas mais ao público leitor feminino, ou seja, às mocinhas casadoiras, entre um bordado e outro (BOSI, 1970, p.141). A obra de Bernardo Guimarães ficcionaliza uma questão social polêmica: a escravidão no Brasil. No entanto, o autor limita-se a apontar o problema e a deixar o leitor consternado por meio da exploração da emoção. Não há na obra A escrava Isaura nenhuma crítica exacerbada a respeito da situação deplorável em que viviam os escravos em solo brasileiro, nem à absurdez do regime escravocrata. Há a constatação do fato histórico, mas Bernardo Guimarães utiliza-se da linguagem muito mais para fazer um retrato idealizado de Isaura, de Álvaro e do amor, bem em acordo com ideais da concepção romântica. Ao referir-se ao trabalho das negras como aquelas que trabalhavam como fiandeiras, deixa escapar, vez ou outra um tom mais de lamento que de denúncia, como se observa através do diálogo entre elas: - Mais à vontade?! ... que esperança! Exclamou uma terceira. Antes aqui, mil vezes! Aqui ao menos a gente sempre está livre do maldito feitor. - Qual, minha gente! Ponderou a velha crioula, tudo é cativeiro. Quem teve a desgraça de nascer cativo de um mau senhor, dê por aqui, dê por acolá, há de penar sempre. Cativeiro é má sina; não foi Deus que botou no mundo semelhante coisa, não; foi invenção do Diabo. Não vê o que aconteceu com a pobre Juliana, mãe de Isaura? (GUIMARÃES, 1996, p.37).

Da mesma forma, os sofrimentos pelos quais Isaura passava em decorrência da perseguição de seu senhor não surgem aos olhos do leitor como algo tão doloroso devido ao manuseio da linguagem. Mesmo quando a voz narrativa relata o encarceramento de Isaura ao lado da senzala e a opressão de Leôncio exercida sobre Miguel, pai da escrava, a linguagem empregada não permite a sugestão de imagens tão sinistras. O fragmento abaixo transcrito exemplifica esse trabalho com as palavras. Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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A adjetivação excessiva, característica da linguagem do autor, justificase pela sua força expressiva e por seu poder de qualificar uma gama enorme de sentimentos, situações, espaços, personagens. No caso dos escritores que compuseram suas obras dentro da concepção romântica, os adjetivos eram usados com a intenção de ampliar ao máximo a conotação emotiva da linguagem, fazendo fixar tonalidades e nuanças das paixões humanas e da natureza como comprova a descrição da Casa Grande em que Isaura fora criada como filha da sinhá. No fértil e opulento município de Campos dos Goitacases, à margem do Paraíba, a pouca distância da vila de Campos, havia uma linda e magnífica fazenda. Era um edifício de harmoniosas proporções, vasto e luxuoso, situado em aprazível vargedo ao sopé de elevadas colinas cobertas de mata em parte devastada pelo machado do lavrador. Longe em derredor a natureza ostentava-se ainda em toda a sua primitiva e selvática rudeza; mas por perto, em torno da deliciosa vivenda, a mão do homem tinha convertido a bronca selva, que cobria o solo, em jardins e pomares deleitosos, em gramais e pingues pastagens, sombreados aqui e acolá por gameleiras gigantescas, perobas, cedros e copaíbas, que atestavam o vigor da antiga floresta (GUIMARÃES, 1996, p. 11).

Esta utilização excessiva de adjetivos, muitas vezes, pode tornar a leitura da obra cansativa bem como desviar a atenção do leitor do real problema social que se quer denunciar. Na obra em estudo, o que abatia sobre a sociedade brasileira naquele momento histórico era a escravidão negra.

O autor não se utiliza da

linguagem para mostrar os escravos no trabalho nas grandes monoculturas bob uma carga horária que podia chegar a dezoito horas diárias nem a condição de miséria, a má alimentação, a condição sub-humana nas imundas senzalas nem os reais maus tratos que os mesmos recebiam de seus senhores. Sobre tais aspectos, há apenas uma menção através do diálogo entre as fiandeiras, referindo-se a Leôncio, dono e senhor de todas elas. - Este não quer saber de fiados nem de tecidos, não; e daqui a pouco nós tudo vai pra roça puxar enxada de sol a sol, ou para o cafezal apanhar café, e mais café, que é o que dá dinheiro. - Também, a dizer a verdade, não sei o que será melhor, - observou outra escrava, - se estar na roça trabalhando na enxada, ou aqui pregada na roda, desde que amanhece até nove, dez horas da noite. Quer-me parecer que lá ao menos a gente fica mais à vontade (GUIMARÃES, 1996, p.37).

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Empolgado pela idealização da mulher, o autor exagera na caracterização física e moral da protagonista Isaura, retratando-a em consonância com os ideais românticos como virgem frágil, abnegada, culta e bela, que não cede aos imperativos de seu proprietário, e não se deixa transformar em objeto de prazer de Leôncio. Na obstinação de preservar-se virgem intocada, faz ressaltar a luta entre o Bem o Mal com tendência natural para a vitória do Bem com final feliz. Nesse aspecto, outra característica do movimento romântico que se faz observar é a fusão do belo com o feio, do sublime com o grotesco. Na trama romanesca, o fato de Leôncio escolher Belchior para marido da bela e encantadora Isaura faz estabelecer essa fusão de maneira inquestionável. A linguagem usada para descrever fisicamente o jardineiro beira à caricatura de tal forma que o rapaz chega lembrar a imagem do corcunda que habitava a igreja de Notre-Dame, em Paris, na obra de Victor Hugo, O corcunda de Notre-Dame (1831). Era um monstrengo afetando formas humanas, um homúnculo em tudo mal construído, de cabeça enorme, tronco raquítico, pernas curtas e arqueadas para fora, cabeludo como um urso, e feio como um mono. Era como um desses truões disformes, que formavam parte indispensável do séquito de um grande rei da Idade Média, para divertimento dele e de seus cortesões. A natureza esquecera de lhe formar o pescoço, e a cabeça disforme nascia-lhe de dentro de uma formidável corcova, que a resguardava quase como um capuz. Bem reparado todavia o rosto não era muito irregular, nem repugnante, e exprimia muita cordura, submissão e bonomia (GUIMARÃES, 1996, p. 27).

Ainda em relação à fusão do grotesco com o sublime em A escrava Isaura, para a representação do sujeito inescrupuloso, ganancioso e mau caráter, tão comum numa sociedade escravocrata como aquela, o autor utiliza-se da personagem Martinho, “que não poucas vezes na qualidade de truão ou palhaço, servia de instrumento às vinganças e paixões mesquinhas de entes tão ignóbeis como ele” (GUIMARÃES, 1996, p. 77). Em oposição, está Álvaro, para quem a “distinção de classes repugnava a seus princípios e sentimentos filantrópicos” (Idem, p. 119), jovem de ideias igualitárias, idealista e corajoso para lutar contra os valores da sociedade a que pertence e que exclui Isaura. Para ele, escrava ou não, Isaura (Elvira) era “em tudo a mais digna de seu amor, e já nem por sombras duvidava da pureza de sua alma, da sinceridade do seu afeto” (Ibidem, p. 74). Álvaro e Isaura são a representação

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do sublime, ou seja, da elevação da alma, da pureza de sentimentos, da honestidade e do caráter. A par da questão da fusão de sublime e grotesco no fragmento transcrito, é possível observar a intensa utilização da interjeição, o que ocorre em todo o romance. A abundância de interjeições e exclamações dá à linguagem um tom de exaltação retórica, ou seja, dá a entender que o autor comunica-se com eloquência e com a capacidade de aumentar o poder de persuasão. Dentro dos parâmetros românticos esta é uma tendência recorrente. No entanto, deve-se ressaltar que todos os recursos linguísticos utilizados por Bernardo Guimarães conferem o tom de oralidade da linguagem própria dos contadores de histórias.

2.5 Caminhando nas Veredas Naturalistas de O Cortiço

Realismo e Naturalismo são estilos literários que ocorreram no Brasil paralelamente. Embora sendo movimentos que marcaram e fizeram a representação de

um

mesmo

período

histórico,

Naturalismo

e

Realismo

são

escolas,

essencialmente, diversificadas quanto à linguagem utilizada. Ambos, porém, são uma reação à subjetividade, à idealização e à concepção espiritualista dos românticos. Realismo e Naturalismo caracterizam-se pela objetividade, pelo cientificismo e pelo materialismo. Os autores do romance realista tratam de suas temáticas influenciados pelo Cientificismo, carregado de críticas sociais, trazendo à tona os defeitos do ser humano sem tantos retoques, como o materialismo, a traição, além dos desvios de caráter e de personalidade explicados pelo determinismo. Já o romance naturalista que tem como base as mesmas características do realismo, tende aos aspectos patológicos, dando margem a características animalescas. A análise social é feita a partir de personagens marginalizadas, de preferência, em ambientes coletivos como as casas de pensão e os cortiços que proliferavam na cidade do Rio de Janeiro naquela época. O Cientificismo é entendido como sendo a maneira correta de revelar a realidade tal como era. Por meio de ciência, o homem seria capaz de resolver e explicar todas as questões humanas, satisfazendo, assim, as necessidades próprias Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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da inteligência. Desta forma, os métodos científicos deveriam estender-se a todas as esferas da vida (COUTINHO, 1997, p.22). As ciências e não mais os sentimentos, é que deveriam determinar as formas de ver e entender o mundo, de ser e de estar nesse mundo. A publicação da obra de Charles Darwin, A origem das espécies (1859), põe em relevo a evolução das espécies como sendo o resultado da seleção natural em que os mais fracos sucumbem diante dos mais fortes. Dessa forma, o ambiente social passa a ter importância fundamental na formação do indivíduo. Essa concepção Darwinista, denominada de Evolucionismo, provocou profundas mudanças no campo científico, vindo a interferir fundamentalmente nos vários segmentos sociais e, em especial, na linguagem literária.

Em O cortiço, a linguagem naturalista deixa-se

influenciar por essa teoria da seleção natural em que o mais fraco sucumbe ao mais forte. Assim, Bertoleza põe fim à própria vida ao comprovar a superioridade de João Romão que a devolve à antiga condição de escrava como se lê em seguida. Os policiais, vendo que ela se não despachava, desembainharam os sabres. Bertoleza, então, erguendo-se com ímpeto de anta bravia, recuou de um salto e, antes que alguém conseguisse alcançá-la, já de só golpe certeiro e fundo rasgara o ventre de lado a lado. E depois emborcou para frente, rugindo e esfocinhando moribunda numa lameira de sangue (AZEVEDO, 2001, p. 208).

O Positivismo, teoria formulada por Auguste Comte (1798-1857), postula que todas as atividades que fazem parte da existência, ou seja, todos os fenômenos podem ser explicados pelas ciências.

A filosofia positivista rejeitou qualquer

explicação metafísica para a existência e para justificar as ações humanas. Os positivistas abandonaram a busca pela explicação de fenômenos externos, como a criação do universo, para tratarem de buscar explicações para as coisas mais práticas e presentes na vida do homem como as leis, as relações sociais e a ética. Nesse caso, retoma-se a cena em que João Romão recebe o diploma de sócio benemérito das mãos dos abolicionistas no momento exato do suicídio de Bertoleza, episódio que ainda comprova o teor irônico da linguagem. O Positivismo aceitava o Determinismo, tese segundo a qual, todos os fatos do mundo e todas as ações humanas são decorrentes das leis físicas, biológicas e químicas. Para os deterministas, a natureza (meio) condiciona o homem (raça) (COUTINHO, 1997, p.22). Na obra O cortiço, Aluísio Azevedo, por inúmeros Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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caminhos, comprova as teorias em voga como se observa no comportamento de João Romão que consegue romper os limites do meio e dominar a raça em proveito próprio, bem como alcançar o título de barão por influência e inveja do vizinho morador do sobrado. Da mesma forma, observa-se a transformação do recatado português, Jerônimo, em função do determinismo social. Jerônimo torna-se alcoólatra, abandona a família, troca o fado pelo samba e a esposa pela mulata Rita Baiana. Em termos políticos, os escritores naturalistas defendiam as ideias republicanas e socialistas e é aí que se incluem as questões abolicionista e republicana que estavam em vigor na segunda metade do século XIX. Contrariamente aos ideais românticos que buscava reproduzir a realidade através do sentimentalismo, o estilo naturalista o faz através da experimentação. Segundo estudos de Lúcia Miguel Pereira Com o advento do Naturalismo, porém tudo mudou. Passando a ser experimental, e portanto, científico, o romance adquiriu a todos os olhos importância e dignidade, deixou de representar um passatempo de categoria dos bordados. Já não se precisaria reger pelas preferências e melindres femininos. E o sexo, que dantes fora banido das narrativas, entrou a ocupar uma posição exagerada, refletindo talvez uma mudança de ponto de vista em relação às mulheres. O Determinismo biológico então em voga e as lições de Charcot sobre a histeria transformaram, efetivamente, em fêmeas os antigos anjos (PEREIRA, 1957, p.25 e 26).

A reprodução íntegra e fiel da realidade foi um objetivo buscado por todo grande escritor, e a linguagem literária foi e será sempre um instrumento para a obtenção de tal intento. No entanto, a linguagem naturalista extrapola os padrões normais da linguagem ao exagerar no emprego da experimentação com bases, supostamente, científicas, no abuso do patético, do ridículo, na preferência pela anormalidade, pelas questões patológicas, pelas características instintivas do ser humano e no processo da zoomorfização. No romance naturalista em que a obra O cortiço, de Aluísio Azevedo, está situada, nota-se a técnica do zoomorfismo que retrata o homem como animal, mostrando através da leitura o quanto as personagens são guiadas pelos instintos. Assim suas ações não se guiam pela razão, mas pelo desejo e pela libido. Na linguagem naturalista, o elemento fisiológico, natural e instintivo predomina assim como características naturais do homem. Dessa forma Miranda e Estela, moradores do sobrado, influenciados pelo cheiro produzido pela

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luxúria que vinha do cortiço, acabam relacionando-se sexualmente, embora sem amor, mas levados pelo desejo instintivo da carne. Estela, como se o olhar do marido lhe apalpasse o corpo, torceu-se sobre quadril da esquerda, repuxando com as coxas o lençol para a frente e patenteando uma nesga de nudez estofada e branca. O Miranda não pôde resistir, atirou-se contra ela, que, num pequeno sobressalto, mais de surpresa que de revolta, desviou-se, tornando logo e enfrentando com o marido. E deixou-se empolgar pelos rins de olhos fechados, fingindo que continuava a dormir, sem a menor consciência de tudo aquilo. Ah! Ela contava como certo que o esposo, desde que não teve coragem de separar-se de casa, havia, mais cedo ou mais tarde, de procurá-la de novo. Conhecia-lhe o temperamento, forte para desejar e fraco para resistir ao desejo. (AZEVEDO, 2001, p. 28)

As citações acima deixam transparecer que o desejo e a necessidade do sexo superam qualquer traço de racionalidade que poderia haver. As personagens não têm controle sobre suas ações, agem instintivamente como animais o que se pode perceber pela linguagem utilizada e pela descrição de Miranda como homem fraco e de Estela como uma mulher experiente nas questões de utilização do corpo para fins de prazer. Tanto é assim, que essa mulher é capaz de praticar o ato da traição sob o mesmo teto que o marido. Estes aspectos são marcantes na obra naturalista e pintam um retrato da sociedade que se prestam à manutenção da aparência diante dos olhos de uma sociedade burguesa em ascensão. A traição conjugal, no entanto, não é “privilégio” da classe considerada mais alta. Ela ocorre nos ambientes coletivos como o cortiço e entre tipos de raças diferentes, ou seja, o português que se deixa levar pelos encantos da mulata brasileira, fogosa, alegre e sensual. Jerônimo, ao senti-la inteira nos seus braços; ao sentir na sua pele a carne quente daquela brasileira; ao sentir inundar-lhe o rosto e as espáduas, num eflúvio de baunilha e camaru, a onda negra e fria da cabeleira da mulata; ao sentir esmagarem-se no seu largo e peludo colo de covouqueiro os dois globos túmidos e macios e as suas coxas as coxas dela, sua alma derreteuse, fervendo e borbulhando como um metal ao fogo, e saiu-lhe pela boca, pelos olhos, por todos os poros do corpo, escandescente, em brasa, queimando-lhe as próprias carnes e arrancando-lhe gemidos surdos, soluços irreprimíveis, que lhe sacudiam os membros... (AZEVEDO, 2001, p. 158).

A explicação para esse comportamento animalesco do homem (Jerônimo) que trai a esposa (Piedade) e da mulher (Rita Baiana) que trai o amante (Firmo) só se explica pelo cientificismo exageradamente utilizado no século XIX, neste Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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caso, o Positivismo que prega que todo comportamento do homem pode ser explicado pela Ciência. Com O cortiço, Aluísio Azevedo colocou em prática o romance experimental, influenciado por Zola. Nele, as personagens são influenciadas pelo meio, ou seja, um cortiço, uma habitação coletiva em que as características de uns vão influenciando as dos demais tornando as pessoas meros produtos do meio. O momento histórico representado na narrativa é marcado pelo regime escravocrata do século XIX num período em que há a luta pela abolição da escravidão, pela proclamação da república e pela ascensão da burguesia na escala social. 3 METODOLOGIA

Para a realização deste artigo, foi realizada uma revisão bibliográfica sobre literatura e crítica literária e os livros estados A escrava Isaura, de Bernardo Guimarães e O cortiço, de Aluísio Azevedo.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao iniciar esse estudo dissertativo, tínhamos em mente pesquisar e analisar a condição da mulher negra na sociedade, tomando como base as obras literárias A escrava Isaura, de Bernardo Guimarães e O cortiço, de Aluísio Azevedo. O primeiro, fincado nas concepções românticas e o segundo, nas naturalistas. Assim sendo, foi possível observar que o autor romântico não aprofundou nas questões da escravidão, abstendo-se de fazer uma denúncia clara e ostensiva, ligando-se mais à idealização do amor e da beleza da mulher. Isaura, portanto, é uma donzela branca, educada nos moldes da Casa Grande, mas sem deixar sua condição de escrava. Órfã da presença de sua sinhá, Isaura torna-se objeto dos desejos de seu novo senhor e, por não ceder aos seus imperativos, retoma a condição de escrava na senzala. De qualquer forma, a obra de Bernardo Guimarães, construída através de uma linguagem rica em adjetivação, coloca o problema da discriminação e confirma a importância do romance num período em que se buscava a afirmação do país como nação. Diferentemente,

em

O

cortiço,

Aluísio

Azevedo,

inspirado

no

cientificismo da época, fez um romance experimental em que comprovou o Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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Determinismo, o Evolucionismo e o Positivismo, contrapondo-se à subjetividade, à idealização e à espiritualidade dos românticos. Sua obra retratou a realidade de um ambiente coletivo, trazendo à tona, sem retoques, os defeitos, as características animalescas e instintivas, os desvios de caráter de personagens marginalizadas. O cortiço, em si mesmo, representa um submundo em que as pessoas surgem como larvas que brotam da lama. Foi nesse ambiente que o autor reproduziu a condição da mulata que gozava de privilégios devido à sensualidade à flor da pele e a miserabilidade da negra “burro de carga”, submissa a seu senhor, João Romão, representante da burguesia em ascensão, devido ao capitalismo desenfreado que marcou a época. O suicídio brutal que Bertoleza comete ao saber-se devolvida aos antigos senhores, ironicamente ocorrido no momento em que Romão recebe, “respeitosamente”, de uma comissão de abolicionistas, o diploma de sócio benemérito, funcionou, ao final da obra, como uma denúncia da hipocrisia, não só do português comerciante, mas de toda a sociedade que fingia não perceber a situação do negro, em especial, a da mulher negra no Brasil à época do Império. As marcas do estilo naturalista que percorrem toda a obra forneceram ao autor a possibilidade de retratar uma realidade que deve ser considerada um marco vergonhoso da história do Brasil. Outro objetivo proposto no início desse estudo refere-se ao imaginário da mulher negra a partir das obras A escrava Isaura e O cortiço. Sabe-se que o imaginário envolve elementos culturais e históricos. É o conjunto das imagens e suas relações entre si. O imaginário é a “encruzilhada antropológica” que permite esclarecer um aspecto de uma ciência através de outra, conforme esclarece Durand, citado nas páginas dessa dissertação. Portanto, foi possível perceber através da leitura das obras dos autores brasileiros, Bernardo Guimarães e Aluísio Azevedo, e das pesquisas efetuadas nas obras dos teóricos que nos serviram de suporte, que a cultura do imaginário constróise a partir da maneira como as imagens são produzidas por alguém e recebidas por outros. Assim, através da capacidade de criar mundos novos por meio da ficção, os autores foram capazes de agir sobre uma realidade, recriando o que viam ou sentiam, cristalizando o real, apontando verdades. Através de sua força criadora de imagens e símbolos, os autores representaram a condição da mulher negra no Brasil por meio Isaura, Bertoleza e Rita Baiana. Ficaram evidentes as questões do preconceito racial, Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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da condição de inferioridade, da submissão, da exploração, da opressão sofridas pela mulher negra, situações essas que, sob um olhar atento, persistem nos dias de hoje. Nesse estudo, retratamos o quanto o racismo é evidente nas obras literárias que nos serviram como corpus. Por racismo, entende-se a convicção da superioridade de determinadas raças sobre outras. Esse conceito é confirmado pela própria personagem Bertoleza ao conquistar para si mesma apenas companheiros brancos por considerar a raça branca superior à sua. Ficou evidente que, no Brasil, esse é um pré/conceito concebido historicamente desde o processo de colonização, quando a mulher indígena é que era explorada. Muito se tem discutido sobre a questão do racismo, sobre o preconceito em relação à mulher negra e à mulata vistas de forma esteriotipada, muitas vezes descrita de maneira caricaturesca, com comportamentos impetuosos e modos exagerados, pobre, escrava e inculta. Tudo isso se deve a uma formação histórica e torna-se um problema social muito sério. Por isso, cada vez mais, vêm crescendo os grupos sociais, as ONGs, os movimentos para valorização do negro e pela igualdade de gênero. A ascensão social da mulher negra é muito difícil apesar de sua participação nesses movimentos da raça, uma vez que não há, por parte da sociedade, o reconhecimento do valor dessa mulher nem do direito de igualdade e de cidadania. São, pois, muitos os obstáculos a serem superados, a começar pelos conflitos que ocorrem dentro dos movimentos. A real situação vivenciada pela mulher negra salta das páginas literárias para uma realidade cruel. Essa realidade adversa merece ser tratada pela sociedade e pelos governantes de maneira que possa promover a formação educacional, intelectual e profissional dessa mulher para que as exceções tornem-se regras e que elas possam ocupar o lugar que merecem em casa, nas universidades, na economia, na condução do país e na História.

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O ANALISAR HOJE35 Ordália Alves Junqueira36

RESUMO: O texto apresenta como a psicanálise tem operado na atualidade. O psicanalista do séc. XXI acompanha os avanços, considerando que o analisar hoje é diferente do analisar na época de Freud. O discurso da psicanálise produz efeitos novos em outros profissionais. O relato de um atendimento psicopedagógico, no qual a profissional descreve um antes e um depois de seu encontro com a psicanálise em estudos e em supervisão clínica, é um exemplo desse efeito. Palavras-chave: Formação do Analista, Sintoma, Psicanálise-Educação.

ABSTRACT: The text presents as psychoanalysis has been working nowadays. The analyst at the XXI century follows the advances, considering that the analysis these days is different from analyzing at the time of Freud. The discourse of psychoanalysis produces new effects in other professionals. The report of a psychopedagogical attendance, in which the professional describes a before and an after his encounter with psychoanalysis in studies and in clinical supervision, is an example of this effect. Keywords: Analyst Formation, Symptom, Psychoanalysis-Education.

1 UMA INTRODUÇÃO “Não nos esqueçamos de que o sintoma é o “falsus” que é a “causa” 35

Texto apresentado na IV Jornada da Delegação Geral GO/DF: Que lugar para o sujeito na nova ordem simbólica, em Goiânia-GO, 11 e 12 de novembro de 2011. Publicado na revista apalavra. Escola Brasileira de Psicanálise, Delegação Geral Goiás/Distrito Federal. Goiânia: Editora Kelps, 2012, n. 3, p. 143-151. 36 2Aderente da EBP e participante da Delegação Geral Goiás/Distrito Federal. E-mail: psico.rdom@terra.com.br Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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em que se sustenta a psicanálise no processo de verificação que constitui seu ser.” (LACAN, 1970/2003, p.427)

O presente trabalho será uma tentativa de localizar onde e como pode operar a psicanálise neste início de século. Toda essa reflexão está causada, neste momento, pelo cartel de Orientação Lacaniana do qual faço parte como cartelizante e pelos estudos e produções do Núcleo de Pesquisa em Psicanálise e Educação, que coordeno na Delegação Geral GO/DF. Quando parei para escrever, me dei conta, sem muita surpresa, do duplo sentido que o título remete. O “analisar” pode estar tanto do lado do analista (com os seus analisantes) quanto do lado do analisante (em sua experiência de análise). Isso toca em algo pontual, a saber: a formação do analista hoje, que se faz, em sua própria experiência de análise (como analisante) e na análise de controle (de sua prática como analista), sendo aqui que circula a minha questão no cartel. Acrescento fazer parte da formação do analista o trabalho de transmissão da psicanálise – em seminários, em jornadas, coordenando núcleos de pesquisa – transmissões essas que podem causar efeitos, que não temos como prever e/ou controlar, como, por exemplo, profissionais de outras áreas (professores, pedagogos, psicopedagogos, médicos, enfermeiros, contadores, advogados, etc.) começarem a colocar em questão as suas práticas, até então inquestionáveis. Destaco aqui a profissional de psicopedagogia que, instigada por seus estudos no Núcleo de Pesquisa em Psicanálise e Educação (NUPPE-DG GO/DF), demanda supervisão clínica, iniciando assim esse processo de questionamento de sua prática. A escuta e a fala de um psicanalista provoca consequências, tanto em análise como em “análise de controle” e também na transmissão. Retomo algumas falas de Maria do Rosário ontem à noite, em seu seminário de abertura que, com certeza, provocou os presentes: “[...] a psicanálise diz que o sujeito pode ficar em cima do muro, decidir se quer ir para o bar ou para casa! [...]”; “O pronto para o uso não funciona mais. Que consequência isso tem para o sintoma?” (informação verbal)37. 37

BARROS, Maria do Rosário Collier do Rêgo. Conferência de abertura na IV Jornada da Delegação Geral GO/DF: "Que lugar para o sujeito na nova ordem simbólica", em Goiânia-GO, 11 e 12 de novembro de 2011. Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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Acrescento: que consequência pode ter isso na formação do analista hoje?

2 A FORMAÇÃO DO ANALISTA

No texto Lacan analisante, Laurent (2011) nos apresenta alguns dos efeitos da análise de Lacan com Rudolph Loewenstein. Assim, Laurent (2011, p. 65) descreve: “[...] um esquema rígido e idealizador com que Lacan foi confrontado ao longo de seis anos [...]”. O autor nos conduz a alguns recursos para seguir Lacan analisante, interrogando se isso seria possível. Como na época a escolha do analista era uma escolha forçada e, sendo Loewenstein um analista cuja “técnica” passava pela análise das resistências, alguns conceitos pontuais para a psicanálise, como a transferência negativa, foram depois retidos por Lacan como sendo um elemento decisivo da prática psicanalítica: “O nó inaugural do drama analítico”. Não terei tempo aqui de fazer uma referência maior a esse texto – sugiro a leitura aos que não o leram –, mas trago uma citação que se encontra n’O par analisante-analista, que creio ser pertinente para o que desejo transmitir hoje: “a maneira como Lacan descreverá o fim da análise combina rigorosamente com sua própria experiência: destituição do sujeito suposto saber, desejo decidido, entrelaçamento do dever e do destino, des-ser” (LAURENT, 2011, p.67). O ponto alcançado pelo analisante Lacan na saída de sua análise poderá ser lido na carta que ele endereça ao seu analista – Laurent cita partes dela em seu texto –, na qual ele registra que aquelas páginas foram escritas para dar a Loewenstein [...] no tom livre que nossa relação particular nos permite, o testemunho verdadeiro sem o qual a história não poderia ser escrita. Nenhuma objetividade poderia ser alcançada em matéria humana sem esse fundamento subjetivo. (LACAN, 1953 apud LAURENT, 2011, p.67)

Lembramos que hoje, no centro da Escola Brasileira de Psicanálise, estão os relatos de passe. A importância dos testemunhos na orientação lacaniana é enorme, cabendo a nós, analistas em formação, nos esforçarmos em fazer com que o particular de cada relato, o achado singular, tenha consequências sobre o Universal da teoria, permitindo, assim, que a investigação clínica da psicanálise avance. Lacan nos conduziu para valermos desse dispositivo em nossa formação como analistas. Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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Daqui a pouco teremos o privilégio de ouvir o relato de Sérgio Passos Ribeiro de Campos: Formação em síntese, que poderá ser um brilhante exemplo disso. Outros testemunhos também muito têm nos ensinado e contribuído em nossa formação analítica hoje, como, por exemplo, os relatos dos autistas e dos pais de autistas, o relato dos profissionais da educação que sofrem o efeito do discurso da psicanálise provocando mudanças cruciais em sua prática psicopedagógica, como o caso J que será descrito abaixo, dentre outros. 3 A INTERPRETAÇÃO COMO “SABER LER” O SINTOMA No curso de Miller do ano de 2011a, precisamente na lição VI 38, uma questão se faz, que é a da leitura do sintoma. Isso nos conduz a duas outras, a saber: O que seria o sintoma? Como o analista poderá, com o seu desejo, conduzir o sujeito a fazer ser o que não é? Em seu texto, Ler um sintoma, Miller (2011b) afirma que “era o sonho de Lacan por a psicanálise ao nível das matemáticas”, pois só nas matemáticas o real não varia. Como isso acontece? Ela, a matemática, se acede ao real pelo instrumento da linguagem, mas uma linguagem reduzida à sua materialidade, à sua matéria significante, linguagem que se reduz à letra (na letra não se encontra o ser). Sabemos que a análise participa da retórica39, mas não se reduz a ela. Na análise, atualmente, o saber ler é que faz a diferença. Não é apenas uma questão de escuta, mas também uma questão de leitura. “A interpretação é uma leitura. A interpretação só incide com a condição de ser uma leitura. Razão pela qual Lacan pôde dizer, quanto ao sujeito do inconsciente, que o supomos saber ler.” (MILLER, 2011b). O que seria então essa leitura? No mesmo texto, Miller (2011b) nos traz o “saber ler” o sintoma do sujeito fazendo a diferença em uma análise e mostra que a leitura, o “saber ler” o sintoma,

38

MILLER, Jacques.-Alain. [2010a] Curso de Orientação Lacaniana: O ser e o Um. Lição de 09 de março de 2011. Inédito. 39 Aprendemos, com Lacan, em seu primeiro momento que, se o inconsciente é estruturado como uma linguagem, ele é movido pela fala, e que, na formação do psicanalista, ela se dava, em primeiro lugar, para uma formação retórica: “o que se deve e o que não se deve dizer”. Aprendemos como agir por meio da fala sobre as paixões, sobre o desejo que as resume via interpretação. Aprendemos que, para lidar com as paixões, nós deveríamos nos dirigir pela retórica, nos reportando a ela pela “arte do bem dizer”. Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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seria manter a distância da palavra e do sentido que ela veicula a partir da escritura do “fora de sentido”. Assim, a eficácia da operação analítica pode ser observada em uma condução em direção à construção de um significante novo, “separado de sua significação”. Estar separado da significação estaria ligado a que, então? Miller diz que é estar separado da significação para estar ligado a outro significante. Podemos dizer que esse novo estatuto do significante comporta também um novo estatuto do gozo. A experiência hoje tem feito os analisantes se confrontarem com o que de seu gozo não faz sentido, um confronto com o UM do gozo. A experiência contemporânea da análise, segundo Miller (2011a), na lição IX40, não conhece o stop and go prescrito por Freud (1937/1976) em Análise terminável e interminável. Via de regra, a experiência analítica se prolonga de um modo totalmente desconhecido, impraticável e impraticado no tempo de Freud. Lacan substituiu o aparato do interpretar freudiano – o ternário edípico – por um ternário que não produz sentido: o real, o simbólico e o imaginário. Para Miller, esse deslocamento da interpretação do quadro edípico em direção ao quadro borromeano é o funcionamento da interpretação que muda e passa da escuta do sentido para a leitura do fora do sentido. Existe uma diferença entre o falar e o escrever, entre o ouvir e o ler. Ler o sintoma consiste em privá-lo de sentido. Trata-se de uma reiteração. O que se escuta é sempre o sentido, e o sentido sempre chama o sentido. As psicoterapias, os tratamentos psicopedagógicos, dentre outros, assim se sustentam.

4 O SINTOMA “Bebe-se sempre o mesmo copo, uma vez mais. Essa é a raiz do sintoma.” (MILLER, 2011b) Na lição XI, Miller (2011a)41 traz o último ensino de Lacan tendo como bússola o sintoma, que se inaugura com a formulação “Há o Um” (Yad’lun). O sintoma não é uma questão, ele é a resposta da existência do Um que é o sujeito. Miller

40 41

MILLER, J.-A., op. cit., Lição de 30 de março de 2011. Inédito. MILLER, Jacques.-Allain., op. cit., Lição de 04 de maio de 2011. Inédito. Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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(2011a)42 diz que “isso, do lado do analista, condiciona sua maneira de fazer na análise, desde o começo. Orientar-se pelo sintoma como resposta da existência não é a mesma coisa que se orientar pela fantasia, pela questão do ser”, sendo que a via indicada por Lacan em seus últimos momentos, nos últimos anos de seu ensino se centra precisamente no sintoma, ou seja, na existência e não no ser. Miller (2011a)43 continua: O sintoma não é uma formação de fala, se assim posso dizer. Ele é correlativo de uma inscrição pelo fato de ser permanente. Isso, com efeito, o distingue do sonho, do chiste, do lapso, do ato falho. E, desse modo, ele obriga a ir mais além da função da fala no campo da linguagem. O sintoma obriga a introduzir a instância da escrita no campo da linguagem devido à sua permanência.

Lacan disse: o sintoma é um etcétera, ou seja, um retorno do mesmo acontecimento; aplicações sucessivas dando as formas mais extravagantes, inclusive as mais complexas. Em uma entrevista feita por Carmem Sílvia Cervelati e Daniela de Camargo Barros Affonso a Leonardo Gorostiza (2010), encontramos uma contribuição preciosa que complementa essa afirmação de Lacan. Ele aponta o sintoma como sendo uma arma, uma ferramenta que serve como defesa e também uma invenção, um artifício, “o que com a clínica borromeana fica bastante claro” (GOROSTIZA, 2010, p. 10). A seguir, passo ao relato no qual o que “não faz sentido” em um aluno para a sua psicopedagoga leva-a a pedir ajuda, confessando: “[...] me deparar com valores éticos que com o tempo vão tomando rumos próprios e incertos [...] tem mexido muito comigo”. O caso J foi nomeado “um resto que nos ensina”, um novo olhar ético que a psicanálise aponta para os profissionais da educação.

5 RELATO DO CASO J44, UM RESTO QUE NOS ENSINA. 42

Ibid., Lição de 04 de maio de 2011. Inédito. Ibid., Lição de 04 de maio de 2011. Inédito. 44 Caso extraído da “análise de controle” feita por uma profissional de psicopedagogia com uma psicanalista, com a demanda assim descrita: “ao me deparar com este caso, primeiramente pensei que seria mais um, que conseguiria alfabetizar com facilidade. Mas qual foi a minha surpresa, ao me deparar com dificuldades tão grandes que me impulsionaram a pedir ajuda à psicanálise, 43

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A demanda de supervisão é causada por conteúdos discutidos no Núcleo de Pesquisa em Psicanálise e Educação da DG GO/DF. Tem-se trabalhado o laço entre estas duas profissões que se ligam, pontualmente, pela “impossibilidade”, assim apontado por Freud (1925/1976), a saber: o psicanalisar e o educar. Consideramos que aquilo que falha, que não funciona, que tropeça, esse resto – que é tratado de forma totalmente diversa nas duas profissões – poderia ser da ordem dessa impossibilidade; todavia, não como um obstáculo, mas sim como um chamado ao profissional para estar advertido de que existe um empuxo maior, um “não quero saber de nada disso” que opera de forma imperativa nestes dois campos de atuação profissional. Na pedagogia, esse resto é tratado como “problema”, um obstáculo que fatalmente culminará em um “fracasso escolar” do sujeito. Diferentemente, para a psicanálise, esse mesmo resto pode nos ensinar muito, surgindo como um sintoma em sua singularidade, o qual tem algo a dizer, se escreve e, portanto, exige uma leitura. A psicopedagoga referiu-se à sua posição em relação ao caso do seguinte modo: “Este caso gerou em mim um forte desejo de lutar bravamente pelo resto, pelos ‘lixos’ das escolas, pelos especiais”. Uma leitura se fez aqui: o lixo dos alunos (o fora de sentido para a psicopedagoga), e não o lixo das escolas (sentido da escuta que poderia conduzir a “pior” e não a “melhor” escola da cidade).

Caso J: Uma criança de sete anos, por demanda da escola, é encaminhada à psicopedagogia para acompanhamento e diagnóstico. Na queixa se registra dificuldade na alfabetização e o não acompanhamento da turma. Cunha, que atende a criança, traz o caso inicialmente para o Núcleo, dizendo que estava muito confusa, pois recebeu duas crianças ao mesmo tempo. Em relação à primeira (como era muita “tímida”), acreditou que teria muita dificuldade no tratamento, no entanto deslanchou de forma surpreendente; enquanto que em relação a J, por sua vez, “apostou tudo nele” e, em contrapartida, não conseguiu o que ela esperava. Cabe aqui ressaltar que a profissional que atendeu as duas crianças tem um longo percurso como através de leituras, de seminários, no Núcleo de Pesquisa e, o mais importante, a supervisão”. CUNHA, E. da S. – Psicopedagoga, especialista em Leitura e Escrita, Integrante do Núcleo de Pesquisa em Psicanálise e Educação da DG-GO/DF. Faz “clínica psicopedagógica” há mais de vinte anos em Goiânia-GO com alunos que apresentam “problemas de aprendizagem”. Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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psicopedagoga, tendo em seu currículo dezenas e talvez até centenas de casos em que,

com

facilidade,

conseguiu

alfabetizar.

Segundo

Cunha,

após

um

acompanhamento de quatro meses, J se desenvolveu de forma satisfatória, mas não o suficiente para estar alfabetizada. O seu laudo atestou: “J encontra-se no período ‘silábico’ de seu estágio de alfabetização”, laudo esse hoje descrito assim pela autora: “[...] laudo psicopedagógico, que hoje não passa de um amontoado de palavras técnicas que, se forem espremidas, não dizem nada e nem representam nada do que realmente penso, do que realmente J é, sente e respira”. O pai da criança assim se referiu ao laudo: “A senhora apenas nomeou o que não tinha nome”. Cunha relata: “Uma escola dita ‘a melhor da cidade’ escancara para nós que uma criança que está em franco processo de alfabetização, no momento mais bonito em que a leitura vai acontecer de fato, simplesmente o reprova friamente. J, segundo a escola, não conseguiu ler e nem escrever convencionalmente, no tempo cronológico da instituição”. A sentença foi dada: Para a escola o meu laudo foi um ‘prato cheio’, validou as suas verdades e se resfelou em sua posição confortável de melhor escola da cidade, no momento. Tudo isso e mais [...] me levam a relatar o que aprendo no dia-adia de uma rotina que se desestabilizou a ponto de me deparar com valores éticos, que com o tempo vão tomando rumos próprios e incertos. [...] Os pais também foram despertados. [...] Todos nós fomos literalmente acordados, fomos despertados por um laudo em que atestava que J estava ainda em processo de alfabetização, algo que a escola acolheu como ‘fracasso’ dele na instituição. (CUNHA, E. S.)

Podemos perguntar: Que lugar existirá para o sujeito J nessa nova ordem simbólica? Que lugar existe para a psicopedagoga exercer a sua prática em alfabetizar crianças “problema”, quando a instituição Escola demanda-lhe apenas uma “nomeação” para se livrarem desses alunos? O que fazer com esse novo saber sobre o sintoma desses alunos, com os seus restos sintomáticos, saber esse que exige dela uma nova posição ética frente à instituição Escola? Cunha confessou que se sentiu, naquela reunião, “entre a cruz e a espada!” – um depoimento que pode nos ensinar muito. São questões que mostram o quanto o “encontro” com a psicanálise, com o psicanalista, produz efeitos no sujeito, podendo colocá-lo, às vezes, entre

Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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______. [2011b] Ler um sintoma. Disponível em: http://ampblog2006.blogspot.com. br/2011/08/jacques-alain-miller-ler-um-sintoma.html. Acesso em 17/09/2011.

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Ficar “entre Sila e Caríbdis” passou a expressar ficar entre dois perigos, entre duas situações de risco. Na mitologia, Ulisses fora advertido por Circe para tomar cuidado com os dois monstros. Sila foi uma linda donzela, transformada pela feiticeira Circe em um monstro cheio de serpentes (tinha seis cabeças). Morava em uma caverna no alto do rochedo de onde lançava seus longos pescoços e abocanhava, com cada uma de suas bocas, um marinheiro da tripulação dos navios que passavam. O outro motivo de terror era Caríbdis, um sorvedouro quase ao nível da água. Três vezes por dia, a água penetrava numa apavorante tenda e três vezes por dia era descarregada por ali. Qualquer barco que se aproximasse do sorvedouro, tinha inevitavelmente que ser tragado. (BULFINCH, Thomas, 2000, p. 290). Goiânia, v. 1, no1, jan./jul. de 2015, Goiânia, v. 1, no 1, jan./jul. de 2015


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