1° OFICINA DE COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA DO FALA ROÇA Visite nosso site www.falaroca.com
Inscrições abertas para a primeira oficina de comunicação comunitária do Fala Roça. Você não precisa ser formado nem ter experiências com jornalismo. Buscamos jovens que tenham interesse em comunicação social e, futuramente, possam fazer parte de nossa equipe. E aí, se interessou? Acesse nosso site e saiba como fazer a sua inscrição gratuitamente.
Ano 2 | Rio de Janeiro - Dezembro de 2015 | Edição 7 • Distribuição gratuita. Venda probida
Reportagem ímpar
falaroca
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Lendas da Rocinha
Foto: Michele Silva
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www.falaroca.com
Conheça a história da Tia Mariquinha da Rua 1 PÁGINA 8
Foto: Michel Silva
Empresa cria rota de ônibus entre Rocinha e nordeste Trajeto chega a durar 50 horas PÁGINA 6
Museu Sankofa da Rocinha
Casal abre empresa de bolos após perder o emprego e conquista clientela Allan e Bárbara decidiram investir no ramo da alimentação vendendo bolos de pote
Moradores da Rocinha realizam ação social com futebol
06 Sociedade
Moradora consegue registro de advogada na 8° tentativa
Foto: Michele Silva
Fortes chuvas marcaram a Rocinha nas últimas décadas
05 Esporte
PÁGINA 4
Foto: Michel Silva
Foto: Val DiOlyvera
04 Você sabia?
Coluna relembra a época dos mutirões e a luta pelo saneamento básico
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Editorial
Ano 2 | Rio de Janeiro - Dezembro de 2015 | Edição 7 Foto: Kita Pedroza
Aprendendo o Nordestinês Danação Travessura, confusão, trapalhada. Ex: Esses meninos só sabem fazer danação o dia inteiro. Ingembrado Torto, algo não alinhado. Ex: Seu Zé levou uma queda e ficou todo ingembrado. Malamanhado Mal vestido, desajeitado, desarrumado. Ex: Raimundo foi pro forró todo malamanhado.
Morador lê um exemplar da 6° edição no Laboriaux, parte alta da Rocinha
Fala Roça em busca da sustentabilidade por Redação
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o ano em que jornalismo tradicional enfrenta uma das piores crises e com queda de receita publicitária, o jornal Fala Roça celebra sua melhor fase. Comerciantes, empresários, moradores da Rocinha têm apostado em nosso trabalho e decidido anunciar conosco. É com o pensamento na sustentabilidade do jornal que abrimos espaço para as inserções de anúncios. Reafirmando nosso compromisso, que é contar histórias de pessoas que fazem parte da Rocinha, lançamos mais esta edição. Nas páginas a seguir, vocês vão conferir a história
de Bárbara e Allan, um jovem casal que enfrentou o desemprego abrindo sua própria empresa de bolos, a BC Bolos. Com a chegada do verão e das chuvas fortes, há possibilidades de desmoronamentos de terra na Rocinha. Saiba o que a Prefeitura do Rio tem feito para evitar tragédias. Nossos repórteres também contam a história da moradora Ismária Mendes de Paiva, a advogada que conseguiu a carteirinha da Ordem dos Advogados do Brasil na oitava tentativa. Conhecemos a história de três moradores que oferecem futebol como ferramenta de inclusão social na Vila Verde.
Também fomos às ruas para saber por que alguns moradores preferem viajar para o Nordeste de ônibus e não de avião. Na coluna Delícia, a moradora Katia Melo nos ensina como fazer um delicioso arroz com camarão. Já a equipe do Museu Sankofa mostra que a luta dos moradores por saneamento básico já dura mais de 50 anos na Rocinha. A equipe do Fala Roça encerra mais um ano trabalhando para oferecer para você, leitor, o melhor conteúdo. Essa é a nossa missão. Nós desejamos para todos boas festas de ano e um excelente 2016. Tenham uma boa leitura!
Diretora executiva Michele Silva michele@falaroca.com
Assistente de projetos Monique Silva monique@falaroca.com
Diretor de produção Michel Silva michel@falaroca.com
Assistente de produção Tainara Lima tainara@falaroca.com
Diretora de redação Beatriz Calado beatriz@falaroca.com
Reportagem Michele Silva Michel Silva Beatriz Calado
Conheça mais termos do nordeste em: www.falaroca.com
Telefones úteis CEDAE Rocinha UPA Rocinha 27° Região Administrativa GRES Acadêmicos da Rocinha AMABB UPMMR AMAVL C.F Rinaldo de Lamare Complexo Esportivo da Rocinha Biblioteca Parque da Rocinha E. M Andre Urani CIEP Abelardo Barbosa CIEP 303 Ayrton Senna CIEP Dr. Bento Rubião E.M Francisco de Paula Brito Subprefeitura da Zona Sul do Rio
3324-0519 3322-7839 3322-6823/1019 3205-3303 2422-0211 3322-8273 9996-66359 3324-2454 2334-6815 2334-7097/98 2274-8055 3322-3952 3322-5607 3322-3433 3322-3525 2274-4049
Expediente Fotografia Rodolfo Menezes
Periodicidade Bimestral
Colaboração Jorge Kadinho Rafael Araujo Museu Sankofa da Rocinha
Tiragem 5 mil exemplares
Diagramação Michel Silva Rafael Bressan
Contato contato@falaroca.com facebook.com/falaroca twitter.com/fala_roca
Apoio
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Reportagem ímpar
Ano 2 | Rio de Janeiro - Dezembro de 2015 | Edição 7
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Casal desempregado abre empresa de bolos na Rocinha e conquista os moradores Além da propaganda boca a boca, eles apostam no uso das redes sociais para atrair os clientes por Beatriz Calado e Michele Silva
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Com o intuito de se diferenciar dos demais comerciantes e confeiteiros que têm na Rocinha, o casal buscou inspiração em uma matéria que viu na internet. O texto contava a história de duas irmãs de Minas Gerais que vendiam bolos de pote gelado para complementar a renda. O doce é composto por camadas de massa que se intercalam com recheios e são finalizados com uma cobertura. O casal carioca decidiu experimentar e deu certo. “Na primeira vez que vendemos (em junho), foi uma novidade para todo mundo. Fizemos mais ou menos 20 unidades. As pessoas perguntavam o que era bolo de pote, porque ninguém conhecia. Apesar da novidade, as vendas foram fracas na primeira vez”, explica a confeiteira, que vende os sabores de brigadeiro, beijinho, doce de leite e moranguinho, além dos especiais, como leite ninho e baba de moça. No começo, os potes eram grandes, tinham cerca de 500 gramas, e custavam R$ 10. Os moradores achavam caro e, por isso, as vendas eram ruins. A solução foi diminuir o tamanho e o preço passou a ser R$ 5 a unidade.
Foto: Michel Silva
ditado ‘fazer do limão uma limonada’ nunca fez tanto sentido para o casal Bárbara Araújo e Allan Alves, ambos de 23 anos. Em abril desse ano, a vida deles deu uma reviravolta. Ela era vendedora e ele trabalhava como gerente em uma padaria até que os dois foram demitidos no mesmo mês e ficaram sem renda fixa. Se nos primeiros meses a vida de desempregado teve um gosto amargo, hoje, é só doçura. Para enfrentar a crise que o país atravessa e para colocar as contas em dia, os dois viraram empreendedores ao fundar a BC Bolos, um negócio que aposta na venda de bolos de pote e em bolos decorados. Tudo começou quando Bárbara fez um bolo em casa para comemorar o aniversário do namorado em abril, mas, como não tinha muita experiência, o resultado não foi dos melhores. Em maio, ela se aventurou novamente na cozinha com a ajuda de uma amiga e, dessa vez, teve sucesso. “Depois que fiz o meu bolo, peguei algumas encomendas. Fui fazendo bolos personalizados destacando profissões e os clientes foram gostando”, diz Bárbara.
Foto: Michele Silva
Bárbara e Allan fundaram a BC Bolos após serem demitidos dos empregos.
Sem loja física, a estratégia para atrair os clientes foi investir na propaganda pelo Facebook, além do boca a boca. O público podia fazer encomendas pela rede social, mas muitos acabavam não “As pessoas perguntavam o que era bolo de pote, porque ninguém conhecia” buscando e o casal começou a ter prejuízo. Para alavancar as vendas, foi preciso uma dose de criatividade. “Nós sentamos um sábado na frente do prédio onde moramos, na Travessa
Palmas, e colocamos os bolos de pote em uma caixa. Avisamos no nosso perfil e fomos. As pessoas chegavam e perguntavam se ali era o BC Bolos”, relembra Bárbara. Para dar conta da grande procura, o casal passou a dividir as tarefas. Bárbara ensinou para Allan como fazia os recheios, enquanto ela cuidava das massas. Os bolos de pote começam a ser feitos na sexta e são finalizados no sábado, dia exclusivo para as vendas, que ocorrem na Travessa Palmas. “Hoje vendemos entre 150 e 200 bolos de pote por sábado. Durante a semana, nos dedicamos aos bolos personalizados e chegamos a fazer de dois a três por dia” afirma Bárbara. Pesquisa aponta que jovens de favela desejam ter o próprio negócio Pesquisa realizada pelo Instituto Data Favela em parceria com a CUFA (Central Única das Favelas) e o Data Popular afirma que o país tem 12,3 milhões de pessoas morando nas favelas. A cada dez moradores, quatro tem vontade de abrir o próprio negócio e 55% deles desejam realizar esse sonho em até
três anos. Em todo o país, 23% dos brasileiros querem empreender. Já nas favelas, 63% dos entrevistados afirmaram que desejam ter um negócio no local onde moram, como fizeram Allan e Bárbara. O estudo apontou que a principal vantagem de empreender, de acordo com os entrevistados, é o fato de não ter um chefe dando ordens. Para Allan, esse também foi um dos pontos favoráveis. “Eu sempre quis ser dono do meu próprio negócio, ter a minha própria renda. No começo, investíamos todo o dinheiro que a gente ganhava com as vendas no negócio. Agora, já conseguimos pagar as nossas contas”, afirma o empreendedor, que além de vender os bolos de pote presencialmente, também realiza entregas. Os próximos planos, segundo ele, são abrir uma loja e contratar pessoas para ajudar na confecção dos bolos de pote. Para quem deseja empreender, Bárbara dá um conselho. “Tem que lutar, porque tudo o que era fácil se torna difícil. Mas é preciso acreditar que você é capaz”, diz.
Allan realiza as entregas das encomendas com a ajuda da própria moto.
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Você sabia?
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Rocinha é marcada por deslizamentos Fortes chuvas marcaram a favela nas últimas décadas por Michel Silva
uma pedra se soltar do Morro Dois Irmãos. “Os corpos eram trazidos para a SOREG (antigo clube) e ficavam enfileirados na borda piscina”, relembra Devaldo Oliveira, 61 anos. No ano seguinte, outro temporal deixou dezenas de moradores desabrigados por causa de desabamentos de barracos nas localidades “Faz Depressa”, Rua 2 e Rua 3. Em 1988, a chuva derrubou casas e obrigou a transferência de moradores para a Cidade de Deus. Oito anos depois, em 1996, duas crianças morreram no desabamento de uma casa. Toneladas de pedras e lama desabaram sobre o túnel Zuzu Angel bloqueando as pistas da Autoestrada Lagoa-Barra. Após tragédia, Prefeitura investe em obras Em 2010, duas mulheres morreram soterradas no Laboriaux, parte alta da
Rocinha, após um forte temporal. Para evitar novas tragédias, a Prefeitura do Rio investiu cerca de R$ 26 milhões em obras de contenção na Dionéia, Vila Verde, Macega e Laboriaux. Existem nove estações de sirenes e quatro pluviômetros instalados, que são acionados em caso de identificação de fortes chuvas na região como alerta aos moradores. Além disso, se as sirenes forem acionadas, existem nove pontos de apoios em diferentes pontos da Rocinha. “Os moradores podem se abrigar no CIEP Dr. Bento Rubião; Centro Comunitário da Rua 1; Quadra da Cachopa e Rua 1; Paróquia N.S. da Boa Viagem; AMABB; GRES Acadêmicos da Rocinha; E.M Paula Brito e Oficina do Sucesso”, informa Sidnei Jataraiba, administrador regional.
Foto: Val DiOlyvera
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om a chegada do verão, a cidade começa a se preparar para as fortes chuvas do período, que chega a alagar ruas e causar deslizamentos, principalmente nas favelas cariocas. Segundo um estudo da Geo-Rio, elaborado em 2011, cerca de 1.655 moradias na Rocinha estão localizadas em áreas de risco de deslizamento de terra. A Rocinha é um bairro vulnerável às tempestades por causa de suas características geográficas. O crescimento demográfico e o desmatamento irregular contribuem para esses deslizamentos. A Rocinha possui um histórico de temporais que deixaram lembranças negativas para os moradores. Em 1966, dezenas de moradores morreram e outras ficaram feridas após
Desabamento na Estrada da Gávea, n° 242, próximo a jaqueira da Rua 1.
Memória
Moradores lutam por saneamento básico há 50 anos por Museu Sankofa da Rocinha
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após muita pressão por meio de mobilização, organização e lutas coletivas. Os mutirões na Rocinha, por exemplo, eram estratégias utilizadas pelos moradores para se manterem na localidade, contribuindo para a melhoria da saúde, da consciência acerca do lixo produzido, não depositando-o em rios e valas. Tais mutirões, que começaram a surgir na metade da década de 70, possibilitaram reflexões sobre os direitos à coleta do lixo, à água encanada da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), à saúde, etc. A o rg a n i z a ç ã o d o s moradores nos chamados mutirões contribuiu, inclusive, para a criação do primeiro Posto de Saúde na Favela da Rocinha, há 33 anos – o Centro Municipal de Saúde Dr. Albert Sabin. Na foto ao lado, moradores
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fazem uma mobilização convidando a população para limpeza das valas, na região do Campo Esperança, nos anos 80. Observa-se em uma das faixas a frase “A vala é um problema de todos”. Nesta época, existiam casas de alvenaria e barracos em meio ao chão de barro. No
fundo, mostra-se o topo de um prédio no bairro de São Conrado. As mulheres foram fundamentais nos mutirões porque, enquanto os homens trabalhavam fora da favela, elas ficavam responsáveis por resolver problemas do cotidiano, como falta d’água,
luz, enchentes e outros. O grupo “Mulheres Voluntárias da Rocinha”, por exemplo, lutou por melhores condições de vida e contribuiu para que um maior número de moradores, em especial as crianças, pudessem ser vacinadas nas campanhas de vacinação. Foto: Thierry Linard
Rocinha nunca foi diferente das demais favelas, sempre conviveu com a politica da ausência estatal nos quesitos moradia, saneamento básico, dentre outros. Não é de agora que os moradores lutam para ter direito à moradia e permanecer em sua localidade sem o fantasma da remoção. O crescimento populacional, seguido da necessidade de moradia, aguçou os moradores a serem mais criativos para superar a politica da ausência do Estado. A solidariedade entre os moradores para ultrapassar as dificuldades transformou-se em resistência e luta por direitos. Os direitos básicos, previstos constitucionalmente e que deveriam ser de todo cidadão brasileiro, infelizmente, para moradores de favelas, só são reconhecidos
Moradores se mobilizam na década de 80 para limpeza das valas.
Esporte
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Moradores oferecem futebol como ferramenta de inclusão social Intuito da ação é despertar sentimentos como cidadania e respeito ao próximo por Michel Silva
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paixão nacional usada como instrumento de inclusão de crianças e adolescentes na localidade onde vivem na Rocinha. Foi com esse propósito que três moradores se uniram para oferecer futebol para as crianças e adolescentes da Vila Verde e Cachopa. Além de incentivar a prática de atividade física, a ação se destaca ao despertar nos participantes sentimentos como cidadania e respeito ao próximo. Cerca de 30 jovens, entre sete e 14 anos, participam todos os domingos, de 10h às 12h, no campo sintético da Vila Verde, de jogos de futebol comandado pelo comerciante Pedro Santana, 46 anos. Segundo ele, qualquer pessoa pode participar do jogo, entretanto, precisa cumprir os princípios considerados básicos. “Nós ensinamos aos jovens o que é bom, para eles não se envolverem com condutas ilícitas. Também queremos que eles saibam respeitar ao próximo”, conta Pedro que nos dias de semana cuida da própria mercearia. Além dele, as moradoras Francisca Rosemeire, 35 anos, e Maria Graceny, 32 anos, preparam o lanche
após a atividade. Sem patrocinador, o valor da refeição é financiado pelo trio. Às vezes, os pais das crianças contribuem com R$ 2 ou R$ 5, mas a doação não é obrigatória. “Nós compramos 60 pães e nem sempre dá. Quando não podemos oferecer pão com queijo e presunto, oferecemos cachorro quente com refrigerante”, lembra Francisca. O trio não tem material adequado para oferecer aos participantes. Os coletes utilizados são de um antigo time que Pedro participava. As dificuldades encontradas pelos organizadores não afastam os participantes, pelo contrário, muitos deles estão animados pelo lazer. “As crianças chegam antes do horário e vão até a casa do Pedro para ele não acordar atrasado para o futebol”, brinca Maria. Os jogos só não acontecem em domingos de chuva. Pedro Henrique Pandini tem 14 anos e sempre participa dos jogos. Ele atua como lateral-direito porque gosta de fazer cruzamentos. “O Pedro (Santana) dá oportunidade para todo mundo jogar em diferentes posições. Ele sempre pergunta quem quer ser o goleiro da rodada e isso
Fotos: Michel Silva
Pedro Santana (camisa roxa) e crianças se divertem aos domingos de manhã apesar da falta de vestuário.
é bom porque podemos ser o que quisermos no futebol”, conta o jovem. O objetivo inicial do moradores era tirar crianças e jovens das ruas e, com isso, promover melhoria de qualidade de vida. Porém, se algum deles seguir a carreira futebolística, Pedro Santana não descarta o apoio. “Quem sabe possa surgir alguma oportunidade (profissional) para eles? Se a gente puder fazer alguma coisa por eles, iremos fazer”, afirma ele. Pedro Santana observa as crianças disputando um lance.
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Sociedade
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Moradora da Rocinha é aprovada em exame da OAB na 8ª tentativa Advogada foi aluna de escola pública e cursou a faculdade com bolsa integral por Michele Silva
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studar e chegar a uma universidade é um feito e tanto, mas concluir a graduação ainda é para poucos. Segundo o instituto Data Popular, que realiza pesquisas com as classes C,D e E, apenas 5% dos moradores de favelas têm ensino superior completo. As dificuldades são muitas, mas ainda assim há muitos jovens que não desistem e conseguem o tão sonhado, e suado, diploma universitário. Esse é o caso da Ismária Mendes de Paiva, 26 anos, moradora da Rocinha. Ismária é filha de nordestinos de São Benedito, no Ceará. Seus pais vieram em busca de uma vida melhor, assim como grande parte dos nordestinos da Rocinha. O objetivo era viver de música. Eles chegaram até a obter
registro de compositores, mas carreira artística não se tornou a principal atividade e eles buscaram uma profissão mais estável. Hoje o pai de Ismária é garçom e a mãe diarista. Quando criança, Ismária sonhava em ser pediatra. Estudante de escola pública no ensino fundamental e médio, ela fez o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) e aproveitou a nota para tentar uma bolsa em universidades privadas através do PROUNI (Programa Universidade Para Todos). Deu certo. Ismária foi selecionada para cursar a faculdade de Direito na Cândido Mendes com bolsa de estudos integral. A parte mais difícil para ela viria após a conclusão do curso. Ismária encarou seu maior desafio: passar na prova da OAB (Ordem dos
Advogados do Brasil). Só é possível exercer a profissão portando este registro. Ela fez a prova sete vezes e chegou a pensar em desistir dessa área devido à dificuldade de conquistar seu registro. “Perdi o sono e pensei em desistir, fazer outra coisa. A cada tentativa parecia mais difícil” afirma a advogada, que conseguiu o registro na oitava vez. Formada e apta a exercer sua profissão, Ismária já têm planos para o futuro. “Vou continuar estudando e fazer concursos públicos”. Sua trajetória é motivo de orgulho para toda a família e exemplo para o irmão mais novo, Renato Mendes, de 16 anos, que também já tem planos: “Quero ser músico e fazer uma faculdade para me dar mais estabilidade.”
Foto: Michele Silva
Quando criança, Ismária sonhava em ser pediatra.
Para quem também tem o sonho de concluir uma faculdade ou mesmo começar, ela dá um conselho. “Você precisa olhar pra trás, nunca esquecer de onde você veio,
da sua família, respeitar seus pais e se esforçar para dar esse orgulho à eles”, disse a agora advogada Ismária Mendes de Paiva.
cidades do interior. Quando elas viajam de avião, dependendo para onde elas estão indo, precisam embarcar em outra condução até chegar a cidade de destino”, explica Valter Ramos, gerente da VRM Turismo. A facilidade em transportar mercadorias para o Nordeste e pagar pouco pelo trajeto foram alguns motivos que conquistaram o cearense
José Marques, de 66 anos, morador da Paula Brito. “Sempre que eu viajo, meus amigos e vizinhos pedem para eu levar algum eletrodoméstico ou roupas para os familiares”, diz ele, que viaja a cada cinco meses através da lei de gratuidade para idosos.
Rocinha tem ônibus direto para o Nordeste Com paradas em cidades do interior, trajeto chega a durar 50 horas por Monique Silva e Michel Silva
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entre o Nordeste e a Rocinha. Em parceria com a empresa de ônibus Itapemirim, os veículos transportam os passageiros que desejam fazer esse trajeto. Um ônibus sai todo sábado da Rocinha e faz uma parada em Rio de Pedras, zona oeste da cidade, para embarque de mais pessoas. Enquanto
Foto: Michel Silva
avião é considerado o meio de transporte mais seguro do mundo. Mesmo assim, muitas pessoas preferem viajar de ônibus. Atenta ao crescimento da Rocinha, que só aumenta desde as décadas de 60 e 70, quando muitos nordestinos vieram para cá, a empresa VRM Turismo criou uma rota
José Marques viaja a cada cinco meses para ver a família no Nordeste.
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um ônibus vai em direção ao Nordeste aos sábados, outro ônibus da Itapemirim retorna para o Rio de Janeiro aos domingos. O ponto de encontro para quem sai da Rocinha é embaixo do viaduto, que divide São Conrado com a Rocinha. A passagem de ônibus é equivalente ao valor da passagem aérea. Apesar da viagem ser mais demorada, quase três dias, os moradores preferem viajar de ônibus por quatro motivos: as pessoas tem medo de voar; a taxa extra de bagagem é mais barata que a taxa aérea; o passageiro tem a facilidade de pegar o ônibus e descer perto de casa e a última vantagem é que o passageiro não precisa fazer baldeação. “As pessoas preferem viajar de ônibus porque ao contrário do avião, o ônibus vai parando em diversas
Passatempo
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Você sabia?
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O Pombal A favela foi removida durante a construção do túnel Dois Irmãos por Ocimar Santos
V A primeira escola pública da Rocinha foi a Cruzada Nacional de Educação. Criada na Era Vargas, a escola oferecia ensino primário e fazia parte da campanha do Governo para diminuir o analfabetismo no Brasil.
Antigamente existiam muitos centros espíritas na Rocinha, em locais como a Dionéia, Laboriaux, Rua 2 e Rua 3. Segundo moradores, Seu João Belizário, que tinha um centro espírita na Rua 2, curou muita gente.
ocê sabia que no passado a Rocinha também teve uma fachada colorida próxima a passarela de pedestres? Era o tempo do Pombal. O nome deu-se a um conjunto de barracos de madeira com tábuas pintadas por diversas cores que foi construído de forma improvisada nas margens da autoestrada Lagoa-Barra, para abrigar moradores que foram desalojados do local em virtude da construção da via no final dos anos 60. O DNER (Departamento Nacional de Estradas e Rodagens) desapropriou 19 dos 53 mil metros quadrados do Condomínio Bairro Barcellos, parte baixa da favela, no ano de 1968. Com a expansão do elo de ligação entre os bairros da Lagoa e Barra da Tijuca,
e a consequente construção do Túnel Dois Irmãos (hoje Zuzu Angel) o Pombal passou a fazer parte desse cenário. Mas não durou muito tempo, pois apesar da resistência dos moradores em deixar o local, mesmo com vários avisos, foi inevitável a remoção. A remoção Como nas canções de Adoniran Barbosa: “Os homens chegaram com as ferramentas”. Não teve jeito. O Pombal foi desativado pelo Governo e algumas famílias removidas para Santa Cruz em meio a choradeiras, lamentos e protestos, como relatou a moradora Maria das Dores de Melo, a ‘Dona Maria do Teatro’, no livro ‘Varal de Lembranças, em novembro de 1980.
Procure estas palavras no caça-palavras. POMBAL BARRACOS MORADORES EXPANSÃO CONSTRUÇÃO TÚNEL
RESISTÊNCIA REMOÇÃO GOVERNO SANTA CRUZ PASSARELA CENÁRIO
Culinária
Leitora ensina como fazer um Arroz de Camarão por Michel Silva
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ão é preciso circular muito pela Rocinha para perceber a variedade de restaurantes em que o morador pode se sentar e degustar de uma boa refeição. Muitos dos estabelecimentos, principalmente os que ficam na parte baixa do morro e ao longo da Estrada de Gávea, oferecem comidas típicas do Nordeste. Fora da rota desses restaurantes, no alto do morro, fica a Pensão da Katia, aberta há dois anos. Localizada em uma viela da Rua 1, próximo ao Guesthouse, a moradora Katia Melo, de 41 anos, vende pratos com preços acessíveis que deixam qualquer um salivando. “Todo dia eu faço uma comida diferente, mas o povo adora comer frango”, brinca Katia, se referindo ao gosto de seus fregueses. Natural da cidade de Varjota, no Ceará, ela veio
para o Rio de Janeiro ainda na adolescência e morou com uma tia em Madureira, nos anos 80. Após se casar, ela se mudou para Niterói, onde permaneceu por 12 anos. Após a morte do marido, ela decidiu vir morar com os pais na Rocinha, em 2007. Katia realizou um trabalho temporário como arrumadeira em uma casa de família na Barra da Tijuca. A patroa gostou de Katia e ofereceu
um emprego como ajudante de cozinha. Após ganhar experiência na cozinha, ela teve a ideia de abrir uma pensão perto de casa. Antes, Katia buscou especializações. “Eu fiz cursos de confeitaria e aprendi muitas outras coisas na cozinha”, diz. Confira abaixo a receita do Arroz de Camarão.
Foto: Rodolfo Menezes
INGREDIENTES • 2 xícaras de arroz • 500 g de camarão pequeno • 4 colheres de azeite • 1 tomate picado grande • 1/4 de pimentão verde • 1 cebola picada • 2 alhos picado • Suco de 2 limões pequenos • 1 colher de sopa de molho de tomate e sal a gosto
MODO DE PREPARO • Lave os camarões e deixe de molho no suco de limão e com sal a gosto por 15 minutos • Faça o arroz como de costume • Escorra o camarão, reserve 1 colher de sopa do suco de limão • Refogue o alho e a cebola, em seguida coloque os camarões com um pouquinho do suco de limão • Misture bem e deixe refogar mais um pouco • Coloque os tomates e o pimentão, mexa bem até o tomate amolecer • Coloque o molho de tomate, • Mexa por mais 3 minutos e pronto
Kátia mostra pratos com carne de carneiro e arroz de camarão.
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Da minha janela posso ver...
Ano 2 | Rio de Janeiro - Dezembro de 2015 | Edição 7
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eservamos um espaço para você, morador, mostrar, em forma de fotografia, o que vê pela janela da sua casa, seja uma vista para o mar, a janela do vizinho, o Cristo Redentor, um beco, um valão, etc. O objetivo desta coluna é permitir que você expresse seus sentimentos através da fotografia, sejam eles bons ou ruins. Envie sua foto com nome, local onde mora na Rocinha e complete a frase “Da minha janela posso ver..” para o e-mail janela@falaroca.com.
CONFIRA AS IMAGENS ESCOLHIDAS PARA ESTA SEÇÃO.
Lendas da Rocinha por Rafael da Rocinha* Foto: Rafael Araujo
Eliana Souza, mora na Paula Brito Da minha janela posso ver o crescimento vertical da Rocinha e o bairro de São Conrado.
Meu nome é Tia Mariquinha Cria da Rua 1 A Mariquinha Juntamente com a sua mãe, por muitos e muitos anos vendia churrasco na porta da Quadra da Rua 1 em épocas de baile, samba e outros eventos. Desfilava como destaque nos carnavais da Rocinha e ainda tinha a sua frente a Quadrilha da Rua 1, sempre foi uma guerreira. Quem aí já comeu o churrasquinho da Tia Mariquinha?
Marcos Barros, mora na Curva do “S” Da minha janela posso ver o contorno da Curva do “S” e o contraste entre os barracos da favela e os prédios de São Conrado, todos agraciados pela beleza da Pedra da Gávea.
Isso é um sinal que você também é da antiga e não está de bobeira. Quem não conhece essa coroa aí, na moral, na moral não mora na Rocinha. Antiguidade é posto e vamos respeitar os crias da nossa favela.
Daiane Silva, mora na Cachopa Da minha janela posso ver a Rocinha verticalizando e a populaçao aumentando.
Lucas Oliveira, mora na Raiz (Rua 2) Da minha janela posso ver a Rocinha em forma de pisca pisca.
Foto: M.DJ Fotos
Rapidinhas
Duda é ativista comunitário desde os anos 90
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Eleições UPMMR 2015
Amarildo em cena
Carlos Eduardo Barbosa, conhecido como Duda, é o novo presidente da União Pró-Melhoramentos dos Moradores da Rocinha. Junto com sua vice-presidente, Adriana Pirozi, obtiveram 1328 votos. O mandato da dupla vai até 2019.
“O Estopim”, da TVa2 Produções, venceu o Festival Internacional de Televisão de São Paulo. O filme venceu nas categorias de “Melhor documentário”, “Melhor direção” e o Grand Prix do Júri. O filme é sobre a vida do pedreiro Amarildo de Souza.
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*Rafael Araujo é morador da Rocinha e descreve os moradores antigos em forma de poesia com uma foto do personagem.