Semana de moda A Livraria Cultura, em parceria com o IESB, promove palestras e desfiles até segunda, 25, na unidade do shopping CasaPark. 9
ComunidadeVIP Fotos: Rúbio Guimarães
BRASÍLIA, 23 A 29 DE MAIO DE 2009
Modelos comerciais ou talents da agência Scouting, com variadas idades, perfis e medidas: o conceito de beleza é relativo e nunca foi estanque ao longo dos séculos
As várias nuances e tipos de beleza A busca pelo belo sempre foi uma constante na história e muitos ambicionam atingir os padrões veiculados pela mídia. Mas há quem prefira fugir de modelos preconcebidos NATASHA DAL MOLIN nrosa@jornaldacomunidade.com.br
Para definir o que é belo não há uma única resposta, pois há variados parâmetros que envolvem a questão. O que agrada a um, não agrada ao outro; assim, trata-se de algo muito subjetivo e profundo. Na história, os padrões de beleza exterior nunca foram estanques. Na Grécia, valorizavam-se as medidas proporcionais, o que talvez explique porque os gregos foram os melhores escultores conhecidos. Já os quadros renascentistas retrataram a mulher de formas arredondadas e de quadris largos (a Vênus de Botticelli). Embora cada pessoa seja absolutamente única em seu conjunto de características físicas, muitos ambicionam uma aparência específica, nem sempre possível de se alcançar. Quem não se encaixa no padrão deve optar entre assumir a própria identidade e aprender a valorizar a si, ou se render e aceitar os modelos já existentes. Qual a sua escolha?
Cirurgias plásticas Uma pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha para a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica revelou que, de setembro de 2007 a agosto de 2008, foram realizadas 547 mil cirurgias, o que equivaleria a 1.252 procedimentos do tipo por dia no país. Para se ter uma ideia do que isso representa, em todo o ano passado foram realizadas 166.821 cirurgias cardiovasculares, incluindo angioplastias e colocação de marcapassos, de acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular. Dentre as cirurgias plásticas, a que teve maior procura foi a de implante de silicone, que ultrapassou o número de lipoaspirações. O cirurgião plástico Múcio Porto, que trabalha na área há mais de 17 anos em Brasília, reconhece que há uma influência midiática em torno da beleza. “Esses padrões surgem a partir da identificação”, avalia o médico, que já recebeu muitas clientes que queriam os seios como os da atriz
Grazi Massafera, assim como a boca de Angelina Jolie ou da atriz brasileira Suzana Vieira. Nesse processo, a figura do cirurgião é fundamental, assumindo uma postura experiente e ética. “O profissional deve dizer o que pode ou não ser feito”, afirma, lembrando que a tendência é buscar o aspecto natural, no qual a pessoa é ela mesma, mas com a aparência mais descansada e harmoniosa. “Certa vez, recebi um modelo que queria a boca do Jesus Luz, mas ele tinha um rosto longo e ficaria uma caricatura. Você faz o que a pessoa quer, mas dentro de um padrão estético lógico”, observa. “Alguém com o perfil da atriz Giulia Gam, por exemplo, não pode querer um nariz como o da atriz Julia Roberts”. Essas percepções relacionadas à harmonia não existem em livros, segundo o cirurgião, mas são aprendidas pelo profissional ao longo dos anos, com o desenvolver do seu trabalho. A crescente demanda por inserção de próteses de mama mostra o quanto a mulher bra-
sileira tem passado por transformações. Nas clínicas, a redução das mamas ainda é realizada, mas em quantidade infinitamente menor que antes. “Houve um desequilíbrio. Antigamente, 80% queria reduzir os seios; hoje, 70% prefere aumentá-los”, relata Múcio Porto. O implante de silicone está muito relacionado à autoestima das mulheres e, nesse sentido, é totalmente válido, segundo o médico, que condena apenas o excesso. “Há aquelas que querem aumentar cada vez mais os seios, até ficarem desproporcionais. Não se pode mudar o corpo como se muda de sapato”, critica o especialista. “Não compactuo com isso. Gosto de tratar de pessoas de verdade, ajudá-las a cuidar do corpo de uma forma saudável”, enfatiza. Para o médico, as escolhas sobre o tipo de seio e o próprio corpo serão cada vez mais frutos de um quesito pessoal. “Quem quiser ter seios grandes, terá. Mas não porque outra pessoa também fez”, encerra.
Revelação da mentalidade ocidental Especialista em História da Arte e doutorando em teoria, história e crítica da arte na Universidade de Brasília (UnB), o professor Farlley Derze explica que a definição do que é belo pode ser tão controversa quanto a própria definição do que é arte. O tema não ficou de fora da análise de muitos filósofos que, ao longo dos séculos, tentaram achar um conceito que melhor o explicasse. “A ideia do que é belo sempre refletiu as mentalidades de cada época na sociedade”, afirma. Ele diz que, em um momento, o belo é empregado e associado à moral e comportamento; noutro, é a expressão de Deus e toda sua criação. Em outra ocasião, com
base na proporção do corpo humano combinado às ideias do arquiteto e engenheiro romano Vitrúvio, a beleza está ligada à expressão da simetria, harmonia e proporções entre elementos representados. Depois, o belo sugere a noção de gosto, na medida em que satisfaz e produz prazer. “Nesse período, a partir da inserção do termo ‘estética’ no vocabulário do séc. XVIII, por Baumgarten, há uma ‘hemorragia’ de pensamentos filosóficos dos alemães sobre o significado do belo. Nisto, podemos citar, além de Baumgarten, Kant, Burke, Hegel, Solger, até chegar a Charles Darwin. Na concepção darwiniana, o belo é entendido como primordial para a preservação
O mundo da moda Apontada por muitos como a maior responsável em estabelecer os tais padrões de beleza, a moda tem realmente suas particularidades e exigências. Booker da agência de modelos Scouting, Ellen Menezes, 25 anos, é a profissional que analisa as vontades dos clientes e oferece os modelos que melhor representem a ideia que se quer passar. A especialista considera que o padrão de beleza do mundo da moda se difere do dia-a-dia. Como exemplo, ela recorda de pessoas que procuram a agência com o intuito de serem modelos de passarela e, embora sejam lindas, acabam ficando de fora, pois não têm o perfil físico exigido para esse tipo de trabalho. Embora considere que ter um “corpão” é super valorizado no País, ela lembra que, nas passarelas, o que se vê são sempre mulheres altas (em geral, acima dos 1,75m) e magras. Outra medida importante, segundo Ellen, é a dos quadris, que geralmente não passam dos 90 cm. “Aqueles que não se encaixam nesse padrão, contudo, podem ser indicados para trabalhos publicitários como modelos comerciais, os chamados talents”, explica a booker. O mercado, neste caso, é bem mais generoso. Há vagas para baixinhos, gordinhos, carecas, idosos, crianças, adolescentes, enfim, gente de todos os tipos e medidas.
Academias lotadas Mulheres e homens das mais variadas idades, desde a adolescência até à terceira idade, suam atrás de formas mais bonitas. Para muitos, a saúde que a atividade física proporciona é apenas resultado e não a meta principal. Segundo o
Ellen Menezes: “A passarela exige um perfil físico bem definido”
coordenador de musculação da academia A! Body Tech, Marcelo Galvão, 90% dos alunos buscam a atividade física pela estética. Ele lembra que, infelizmente, alguns almejam essa meta com tanto afinco que acabam comprometendo a saúde, por conta dos excessos. Apesar disso, ele conta que há diferentes “padrões” de beleza na academia. “Há as mulheres mais magras, com perfis de modelo; as malhadoras, mais marombeiras; e as senhoras que já passaram por cirurgias”. Seguir um certo padrão, segundo ele, não é um mal em si, mas é necessário ter cuidado, pois o exercício físico em demasia pode ser lesivo. Embora surjam diferentes ícones midiáticos de tempos em tempos, Marcelo diz que há uma certa constância nos padrões corporais atuais: “As mulheres com abdômen definido e as pernas grossas, e o homem com braços e peitoral grandes”, frisa. As características pessoais, como metabolismo, biotipo, preparo físico, enfim, a individualidade biológica de cada um é levada em consideração na avaliação física, sempre realizada assim que o aluno entra na academia. Continua na página 2
O que é belo, afinal? POR FARLLEY DERZE
• ANTIGUIDADE GREGA (a..C..) – O belo é associado ao bem, à verdade. • IDADE MÉDIA – O belo é a manifestação de Deus. • RENASCIMENTO (SÉCS. XV E XVI) – O belo é a expressão da harmonia, matemática e simetria baseada na proporção do corpo humano. • BARROCO (SÉCS. XVII E PARTE DO XVIII) – O belo caracteriza o dinamismo da vida, certeza versus incerteza, perfeições versus imperfeições, católicos versus protestantes, metafísica versus cartesianismo. Enfim, o belo é o que tem a força ou o poder de afetar as paixões e os sentimentos, mas também o intelecto de quem observa. • ILUMINISMO E BAUMGARTEN (SÉC. XVIII) – Surge o termo “estética” como estudo da experiência sensorial que apreende o belo, uma espécie de “ciência do belo”. A beleza seria determinada a partir de uma organização dos objetos, o que sugere “a formação do gosto”. • KANT – O belo está na natureza. É bela a obra que produz prazer, um prazer desprovido de conceito, um prazer das sensações. Nesse sentido, a beleza é a natureza. O filósofo falava da beleza esparsa nas coisas e aquela que ornamenta as coisas. Kant, diante da questão do gosto, diz que o belo seria a representação simbólica daquilo que é ou está correto. Nesse sentido, é um conceito ausente e uma adequação de um conceito. O belo se dá subjetivamente no processo do juízo. • BURKE – O belo estaria relacionado à satisfação, ao prazer (portanto, finito).
Farlley Derze: “A ideia do belo sempre refletiu as mentalidades de cada época”
das espécies e a beleza funciona como atração”, analisa. Os filósofos do século XIX, segundo o professor, vão associar o termo belo à liberdade. Época em que surgem os “ismos” (impressionismo, expressionismo, pontilhismo, realismo e adentra o séc. XX, com o cubismo, futurismo,
raionismo e dadaísmo). “A relação entre beleza e arte sofre o golpe irônico de Duchamps, ao colocar um bidê, uma roda de bicicleta e uma pá expostos em uma galeria, como obras artísticas. É o século XX, o século da relatividade, no qual até a beleza é relativa”, conclui.
• HEGEL – O belo é visto como a aparição sensível da ideia. • SOLGER – O “bom” é a superação das contradições, enquanto o “belo” é a união das contradições. • DARWIN: NATURALISMO (SÉC. XIX) – A beleza é fundamental para a preservação da espécie e funciona como atração para 86% dos seres humanos. • ROMANTISMO (SÉC. XIX) E PERÍODO DA INDEPENDÊNCIA DAS COLÔNIAS – O belo só é inteligível por meio da liberdade, da liberação das regras (defendidas na escolarização, no academicismo da época). Baudelaire chega a associar o termo “belo” a instinto. CMYK