v2n2abr-jun2010

Page 1

ISSN 2175-2338

www.eurp.edu.br

Volume 2 n. 2 – Abr/Jun 2010


EURP Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

Editor Científico Wellington de Paula Martins Editor Executivo Francisco Mauad Filho

Conselho Editorial Adilson Cunha Ferreira

João Francisco Jordão

Augusto César Garcia Saab Benedeti

Jorge Garcia

Carlos César Montesino Nogueira

Jorge Renê Arévalo

Carolina Oliveira Nastri

José Eduardo Chúfalo

Daniela de Abreu Barra

Luis Guilherme Nicolau

Fernando Marum Mauad

Procópio de Freitas

Francisco Maximiliano Pancich Gallarreta

Simone Helena Caixe

Gerson Cláudio Crott

Secretária Executiva Amanda Aparecida Vieira Fernandes

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

EURP 2008


Expediente Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives – EURP

ISSN 2175-2338

Publicação oficial da EURP Escola de Ultra-Sonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto

Diretor Presidente

Diretor Administrativo

Francisco Mauad Filho

Francisco Mauad Neto

Diretor de Pesquisa

Presidente do Departamento Científico

Fernando Marum Mauad

Wellington de Paula Martins

Secretária Geral

Bibliotecária

Janete Cristina Parreira de Freitas

Amanda Aparecida Vieira Fernandes

Responsável pelo Setor Gráfico

Responsável pelo Setor de Multimídia

Michel da Silva

Ricardo Tostes

Professores Adilson Cunha Ferreira

José Augusto Sisson de Castro

Augusto César Garcia Saab Benedeti

José Eduardo Chúfalo

Carlos César Montesino Nogueira

Heitor Ricardo Cosiski Marana

Daniela de Abreu Barra

Luiz Alberto Manetta

Fernando Marum Mauad

Luis Guilherme Carvalho Nicolau

Francisco Mauad Filho

Márcia Regina Ferreira Patton

Francisco Maximiliano Pancich Gallarreta

Procópio de Freitas

Gerson Claudio Crott

Simone Helena Caixe

Jorge Garcia

Wellington de Paula Martins

Jorge Renê Garcia Arévalo


SUMÁRIO EURP v. 2, n. 2, p 51-103 – Abr/Jun 2010

ISSN 2175-2338

Classificação ultrassonográfica dos nódulos sólidos da mama

51

The Sonographic classification of solid breast masses Alex S Leão, Carolina O Nastri, Wellington P Martins

Ecocardiografia na avaliação da doença de Chagas

55

Evaluation of Chagas’ disease by echocardiography Arnaldo L Fonseca, Wellington P Martins

Marcadores ultrassonográficos e bioquímicos na detecção precoce 60

da pré-eclâmpsia Sonographic and biochemical markers in the early detection of preeclampsia Candice Goldhardt, Wellington P Martins

Doppler da artéria oftálmica na pré-eclâmpsia

65

Ophthalmic artery Doppler in preeclampsia Christiano S Hallack, Carolina O Nastri, Wellington P Martins

Papel da ultrassonografia endoscópica na coledocolitíase

70

The role of ultrasonography in choledocholithiasis Javier R Gonzales, Wellington P Martins

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

EURP 2010


A avaliação das efusões pleurais pela ultrassonografia

73

The evaluation of pleural effusions by ultrasound Pábia F Simão, Wellington P Martins

Ultrassonografia em uroginecologia: técnica e aplicações clínicas

77

Ultrasonography in urogynecology: technics and clinical applications Patrícia de A S Reis, Wellington P Martins

Determinação do sexo fetal através da ultrassonografia

83

Determination of fetal gender by ultrasound Luiz G R Saucedo,Francisco Mauad Filho, Carolina O Nastri, Wellington P Martins

Ecocardiografia e o Coração do Atleta

93

Echocardiography and the Athlete`s Heart Armando F Machado Filho, Wellington P Martins

A utilização da ecocardiografia na avaliação da cardiotoxicidade 102

por adriamicina The use of echocardiography in the evaluation of adriamycin cardiotoxicity José Antônio F Martins, Wellington P Martins

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

EURP 2010


Artigo de Revisão Classificação ultrassonográfica dos nódulos sólidos da mama Sonographic classification of solid breast masses Alex S Leão1, Carolina O Nastri 1,2, Wellington P Martins 1, 2

A ultrassonografia é considerada principal adjuvante da mamografia na atualidade, é empregada como complemento na avaliação de lesões circunscritas, para diferenciação entre nódulos sólidos de cistos, na investigação da densidade assimétrica e importante método utilizado no direcionamento de procedimentos diagnósticos e agulhamentos pré-cirúrgicos. Apesar da alta acurácia na diferenciação entre nódulos sólidos e císticos , que varia entre 95% e 100%, sua capacidade de diferenciar nódulos sólidos benignos de malignos ainda é discutível, e a biópsia é o melhor recurso para o esclarecimento definitivo de uma lesão mamária sólida. Palavras chave: Ultrassonografia mamária; Biópsia; Neoplasias mamárias.

1- Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto (EURP) 2- Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) Recebido em 19/05/2010, aceito para publicação em 10/06/2010. Correspondências para Wellington P Martins. Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060. E-mail: wpmartins@ultrassonografia.com.br Fone: (16) 3636-0311 Fax: (16) 3625-1555

Abstract Ultrasonography is still considered an adjunct to mammography; it is used to supplement the evaluation of circumscribed lesions, to differentiate solid and cystic nodules, in the investigation of asymmetric densities, and is an important method of targeting diagnostic and preoperative procedures. Despite the high accuracy in differentiating between solid and cystic nodules, which varies between 95% and 100%, its ability to differentiate benign from malignant solid nodules is still debatable, and biopsy is the best resource for the definitive clarification of a solid breast lesion. Keywords: Ultrasonography, Mammary; Biopsy; Breast neoplasms.


52

Leão et al. – Nódulos de mama Introdução O câncer de mama representa a primeira causa de mortalidade por câncer entre as mulheres, constituindo uma doença de elevada incidência em todo mundo 1 . No Brasil, são diagnosticados aproximadamente 32.000 novos casos por ano 1, estimaram-se 31.590 casos novos e 8.670 óbitos decorrentes dessa neoplasia 2. Nas últimas décadas sua incidência vem aumentando anualmente 1,5 a 2 % em todo mundo, principalmente nas áreas de tradicional baixa incidência, como China e Japão. Por outro lado, outros países desenvolvidos já estão conseguindo reduções significativas nas suas taxas de mortalidade por câncer de mama. Acredita-se que essa redução seja devida principalmente ao seu diagnóstico precoce e às novas opções terapêuticas 2. Houve um aumento do interesse dos órgãos de saúde pública nos últimos anos, os quais têm direcionado esforços contínuos no desenvolvimento e aprimoramento de técnicas de rastreamento do câncer de mama 1. Além da redução da mortalidade, o diagnóstico precoce pode permitir tratamentos menos mutilantes, com maior possibilidade de conservação mamária e com possibilidade de um resultado estético mais favorável 2. O valor da ultrassonografia como principal adjuvante da mamografia é indiscutível na atualidade. A sua utilização como complemento da mamografia proporcionou uma redução do número de biópsias em 25% a 35%, apenas pela sua capacidade de diferenciar nódulos sólidos de císticos 1. Além de apresentar a vantagem de ser um procedimento não invasivo e bem tolerado pelas pacientes, esse exame também pode trazer informações importantes complementares ao exame físico e à mamografia 2. Outras indicações dão a avaliação inicial de paciente jovem com nódulo palpável, auxilia na avaliação da paciente com implante mamário - tanto para observação da integridade da prótese quanto para do parênquima mamário que pode estar obscurecido – além de ser constituir uma importante ferramenta para o direcionamento de procedimentos diagnósticos, como punção aspirativa com agulha fina e core-biopsy, e agulhamentos pré-cirúrgicos 3. Entretanto, apesar dos avanços, a diferenciação entre nódulos sólidos benignos e malignos ainda é controversa. Inúmeros estudos foram realizados na tentativa de desenvolver técnica ou critérios que pudessem distinguir com maior segurança os nódulos benignos dos malignos à ultra-sonografia 1, 2. Porém reconhece-se que existe uma sobreposição de características ultrassonográficas no câncer de mama em relação às lesões benignas, sendo que a biópsia corresponde ao melhor recurso para esclarecimento definitivo de uma lesão mamária sólida 1, 4. Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

Figura 1. Anatomia ultrassonográfica normal da mama em 3 uma mulher jovem. Adaptado de Fine, 2004 .

Anatomia ultrassonográfica das mamas A pele aparece como uma camada uniforme cinza na parte mais superior da imagem entre duas linhas brancas brilhantes hiperecóicas. As linhas hiperecóicas representam a interface que separa a pele do transdutor acima e da gordura subcutânea abaixo. O tecido subcutâneo aparece como uma camada hipoecóica abaixo da pele. A gordura dentro do tecido subcutâneo e da região retromamária, e até mesmo o tecido adiposo dentro do parênquima mamário tem uma similar ecogenicidade. O tecido glandular abaixo da gordura subcutânea tem uma ecogenicidade similar à pele. Todas as camadas estão esquematizadas na Figura 1. A variação na aparência do tecido glandular está relacionada à idade e paridade, variando conforme a quantidade de tecido adiposo existente. A paciente mais jovem tem pouco tecido adiposo, a camada glandular aparece mais uniforme e densa. A paciente menopausada tende a apresentar maior proporção de tecido adiposo em relação ao tecido fibro-glandular. A gordura na mama é hipoecóica, o tecido fibroso é ecogênico e o tecido glandular é de ecogenicidade intermediária. A interface entre o tecido adiposo e glandular é visível ultrassonograficamente. O tecido mamário acessório pode ocorrer em qualquer lugar ao longo da “linha do leite”, que se estende da axila até a virilha. A localização mais comum é a axila 5. O mamilo é rico em tecido fibroso e por sua vez pode produzir sombra acústica. Atrás do mamilo ductos retroareolares normais podem ser vistos como finas ramificações. Esses ductos lactíferos normais medem de 2 a 5 mm de diâmetro e são muiEURP 2010; 2(2): 51-54


53

Leão et al. – Nódulos de mama tas vezes vistos com transdutores de alta resolução 5. Ocasionalmente, cuidados devem ser tomados para lidar com artefatos de sombreamento criadas pela convergência dos ligamentos de Cooper. O músculo peitoral aparece como uma camada relativamente hipoecóica, ocasionalmente com estrias hiperecóicas, dependendo do ângulo do transdutor com as fibras musculares 3. A costela aparece como uma reflexão hiperecóica curvilínea com densa sombra posterior. Abaixo do músculo peitoral e das costelas está uma camada hiperecóica representada pela pleura ou interface do parênquima pulmonar 3. Alterar o plano de imagem, bem como reconhecer a localização característica da junção profunda do músculo peitoral ajuda a evitar confundir essa estrutura com uma lesão de mama 5. Técnicas de diagnóstico ultrassonográfico da mama A paciente é geralmente posicionada em decúbito dorsal com o braço ipsilateral elevado e um travesseiro colocado sob o ombro para ajudar a espalhar a mama sobre a parede torácica. Ocasionalmente al paciente pode ser colocada sentada para acesso a parte superior da mama. Várias técnicas de varredura das mamas podem ser utilizadas, sendo a mais freqüente a “ecografia ductal radial”. A varredura radial começa no mamilo e move-se radialmente para fora em direção à periferia do parênquima mamário. O padrão repete-se movendo no sentido horário em torno do complexo mamilo-areolar. A varredura transversal segue a varredura radial em uma análise mais profunda da mama. Quando a lesão é focal, ela é normalmente documentada tanto com um exame transversal como com um longitudinal. A orientação tangencial do transdutor de ultrassom ao lado da borda areolar permite que a região retroareolar seja visualizada adequadamente 3. Classificação dos achados ultrassonográficos A fim de assegurar a padronização de critérios de avaliação, o American College of Radiologiy (ACR) desenvolveu o Breast Imaging Reporting and Data System (BI-RADS) em 2003, que consiste em 7 categorias: 1) negativo, 2) benigno, 3) provavelmente benigno, 4) anormalidades suspeitas, 5) altamente sugestivos de malignidade e 6) malignidade conhecida. A categoria 0 (zero) é atribuído aos exames com resultados exigindo adicional por imagem, devido à avaliação limitada 6. Dentre os critérios determinantes para a descrição dos nódulos mamários sólidos observados, são usados a ecogenicidade comparativa ao parênquima glandular (hipoecogenica, hiperecogenica ou isoecogenica), a Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

presença de ecos internos homogênios e heterogênios, a relação entre o diâmetro ântero-posterior e látero-lateral, a forma (redonda, oval, lobulada ou espiculada), o contorno (pseudocápsula, lisa, irregular), a margem (circunscrita e não circunscrita), a presença ou não de halo ecogênico, a presença ou não de sombra acústica, a presença ou não de reforço acústico, presença ou não de espessamento dos ligamentos de Cooper 6. Exemplo da imagem de um fibroadenoma pode ser visto na Figuras 2.

Figura 2. Imagem ultrassonográfica de um fibroadenoma com forma oval, margens circunscritas, contorno liso, interior hipoecogênico e homogêno e relação de diâmetros lateral/ântero-posterior maior que 1. Adaptado de Fine, 3 2004 .

Critérios de análise das características ultrassonográficas Em um estudo 2, algumas características dos nódulos mamários foram analisadas quanto à correlação com malignidade. Dentre os elementos analisados, encontraram maior chance de malignidade quando qualquer uma dessas características era positiva: sombra acústica posterior, contornos irregulares, ecos internos heterogênios e diâmetro ântero-posterior maior que o látero-lateral. O achado de halo ecogênico e espessamento dos ligamentos de Cooper não tiveram importância, o primeiro pela subjetividade na sua identificação durante o exame e o segundo, devido a sua baixa ocorrência. Neste estudo, contudo, existiram dois casos de câncer que não apresentavam nenhuma das características de malignidade. Desta forma, os autores consideraram que o aspecto de benignidade à ultrassonografia, como fator isolado, não exclui a possibilidade de biópsia confirmatória, ou mesmo seguimento com intervalos mais curtos. NesEURP 2010; 2(2): 51-54


54

Leão et al. – Nódulos de mama tes casos, outros elementos, como a idade da paciente, puderam ser decisivos. Já outro estudo 1 considerou como critério mais importante para a diferenciação dos nódulos como sendo a margem, classificada como circunscrita e não circunscrita. A irregularidade e a má definição das margens foram associadas à malignidade. Em relação aos contornos, os nódulos foram classificados em macrolobulados e microlobulados e o risco de malignidade aumentou conforme aumentou o número de microlobulações (mais do que três por nódulo). O segundo critério com maior sensibilidade utilizado, no trabalho, foi a relação entre os diâmetros ânteroposterior e látero-lateral, ou seja, maior eixo longitudinal ou horizontal. No trabalho foi encontrado maior eixo horizontal entre os nódulos benignos. O halo ecogênico foi encontrado em 52% dos nódulos malignos e em 98% dos benignos. A identificação da sombra acústica posterior ocorreu em maior porcentagem nos nódulos malignos, já o reforço acústico posterior foi encontrado apenas em nódulos benignos.

5. Venta LA, Dudiak CM, Salomon CG, Flisak ME. Sonographic evaluation of the breast. Radiographics 1994; 14(1): 29-50. 6. Nothacker M, Duda V, Hahn M, Warm M, Degenhardt F, Madjar H, et al. Early detection of breast cancer: benefits and risks of supplemental breast ultrasound in asymptomatic women with mammographically dense breast tissue. A systematic review. BMC Cancer 2009; 9(335.

Considerações finais Embora possa ser impossível distinguir todos os nódulos benignos e malignos de mama utilizando apenas os critérios ultrassonográficos, uma meta razoável é o de identificar um subgrupo de nódulos sólidos que apresentem um baixo risco de malignidade. Desta forma, a opção de seguimento em curto intervalo de tempo pode ser oferecida como uma alternativa viável à biópsia. Em um estudo com quatro anos de seguimento nódulos sólidos palpáveis, com margens circunscritas, e sem calcificadas associadas (semelhante ao BI-RADS categoria 3), Graf et al. concluiu que esses casos podem ser geridos de forma adequada com curto prazo de acompanhamento, em intervalos de 6 meses por um período de dois anos. Estudos combinados, que incluiem a utilização de ultrassonografia e mamografia, demonstraram valor preditivo negativo perto de 100% para lesões de mama palpáveis, quando ambos são usados em conjunto. Referências 1. Souza LRMF, De Nicola H, De Nicola ALA, Logullo AF, Szejnfeld J. Breast nodules: correlation between ultrasound and histological findings in 433 biopsies. Rev. imagem 2005; 27(4): 225-230. 2. Paulinelli RR, Vidal CSR, Ruiz AN, Moraes VA, Bernardes Junior JRM, Freitas Junior R. Prospective Study of The Ultrasound Features in the Diagnosis of Solid Breast Lesions. RBGO 2002; 24(3): 195-199. 3. Fine RE, Staren ED. Updates in breast ultrasound. Surg Clin North Am 2004; 84(4): 1001-1034, v-vi. 4. Skaane P, Engedal K. Analysis of sonographic features in the differentiation of fibroadenoma and invasive ductal carcinoma. AJR Am J Roentgenol 1998; 170(1): 109-114.

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

EURP 2010; 2(2): 51-54


Artigo de Revisão Ecocardiografia na avaliação da doença de Chagas Evaluation of Chagas’ disease by echocardiography Arnaldo L Fonseca1, Wellington P Martins 1, 2

A ecocardiografia fornece informações valiosas adicionais sobre a estrutura e função cardíaca, que complementa as informações fornecidas pela eletrocardiografia na cardiopatia chagásica. Cerca de 1 % dos infectados apresentam a forma aguda da doença sendo a miocardite chagásica aguda ainda mais rara. A evolução para a forma crônica da miocardiopatia chagásica ocorre após décadas da infecção aguda. Alterações precoces ao Doppler incluem prolongamento do tempo de relaxamento e contração isovolumétrica. Mais da metade dos pacientes sintomáticos apresentam aneurisma apical de ventrículo esquerdo (VE) e alterações da contratilidade segmentar similares as que são encontradas na doença coronariana. A forma dilatada não segmentar é indistinguível dos demais quadros de miocardiopatia dilatada. Insuficiência mitral e tricúspide pode estar presente. O dano miocárdico crônico pode prejudicar o relaxamento ventricular e o enchimento diastólico. Outras técnicas como Doppler tecidual, modo M-colorido, ecocardiograma sob estresse farmacológico e ecocardiograma transesofágico complementam o método tradicional na avaliação do paciente chagásico, sendo importantes ferramentas na detecção da disfunção diastólica e sistólica bem como presença de trombose intracardíaca. Palavras chave: Miocardiopatia chagásica; Ecocardiografia.

1- Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto (EURP) 2- Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) Recebido em 10/06/2010, aceito para publicação em 01/07/2010. Correspondências para Wellington P Martins. Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060. E-mail: wpmartins@ultrassonografia.com.br Fone: (16) 3636-0311 Fax: (16) 3625-1555

Abstract Echocardiography provides valuable information about cardiac structure and function that complements the information provided by electrocardiography in Chagas heart disease. About 1% of those infected have the acute form of the disease and the acute chagasic myocarditis is even more rare. The evolution to the chronic form of Chagas' cardiomyopathy occurs decades after the acute infection. Early Doppler changes include prolongation of the isovolumic contraction and relaxation times. More than half of symptomatic patients have apical aneurysm of the left ventricle (LV) and alterations in segmental contractility similar to those found in coronary disease. The no segmental dilated form is indistinguishable from other presentations of dilated cardiomyopathy. Mitral and tricuspid regurgitation may be present. The chronic myocardial damage can impair ventricular relaxation and diastolic filling. Other techniques such as tissue Doppler, color M-mode, pharmacological stress echocardiography and transesophageal echocardiography complement the traditional method in the evaluation of chagasic patients, are important tools in the detection of systolic and diastolic dysfunction and presence of intracardiac thrombosis. Keywords: Chagas cardiomyopathy; Echocardiography.

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

EURP 2010; 2(2): 55-59


56

Fonseca & Martins – Ecocardiografia em Chagas Introdução A doença de Chagas é uma infecção causada pelo protozoário Trypanossoma cruzi, descoberta em 1909 pelo brasileiro Carlos Chagas. Estima-se em cerca de 16 a 18 milhões o número de pessoas infectadas na América Latina, 5 milhões dos quais no Brasil, e aproximadamente 200.000 novos casos por ano. Em torno de 100 milhões de pessoas, que habitam em regiões endêmicas, encontram-se em risco de adquirir a infecção 1. Diferentes mecanismos têm sido preconizados na patogenia da doença de Chagas, como destruição tecidual permanente pelo protozoário, anormalidades autonômicas, mecanismos auto-imunes e mais recentemente comprometimento da microcirculação coronariana responsável por lesão da microvasculatura miocárdica, miocitólise e posterior fibrose reparativa acometendo a contratilidade ventricular e causando queda do desempenho miocárdico 2. O acometimento do coração é responsável pela elevada morbimortalidade da doença secundária à morte por arritmia, insuficiência cardíaca ou por fenômenos tromboembólicos. A suspeita diagnóstica do comprometimento cardíaco se dá por dados epidemiológicos, achados clínicos, alterações eletrocardiográficas (bloqueio de ramo direito, bloqueio divisional antero-superior esquerdo, bloqueios átrioventriculares, bradicardia sinusal, arritimias ventriculares polimórficas e alterações de ondas T e Q) 3, alterações radiológicas (cardiomegalia) e através da ecocardiografia bidimensional com Doppler. Dentro os métodos propedêuticos disponíveis, a ecocardiografia bidimensional com Doppler configurase como método não-invasivo com custo relativamente baixo, que adiciona informações importantes sobre a estrutura e função cardíaca na Miocardiopatia Chagásica (MC) bem como na avaliação prognóstica. Forma aguda A forma aguda da doença de Chagas pode se manifestar como doença febril não específica com duração de 2 a 8 semanas, tornando-se manifesta em 1 % dos infectados 4 . Miocardite chagásica aguda é infreqüente, ocorrendo em cerca de 1 a 5 % dos pacientes que apresentam a fase aguda (1 a 5 de cada 10.000 infectados) 5. A escassez de descrições ecocardiográficas na fase aguda da doença transmitida de forma vetorial deve-se ao fato da grande maioria dos casos passarem despercebidos clinicamente, associado á dificuldade diagnóstica da fase aguda e precariedade de recursos em meio rural. A maior publicação contendo dados sobre alterações ecocardiográficas na fase aguda da doença de Chagas incluiu 58 pacientes 6, sendo que destes 52% apresentaram alterações ao ecocardioExperts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

grama. Em 42% foi detectado derrame pericárdico, sendo que de 12 pacientes com quadro clínico de insuficiência cardíaca 10 apresentavam derrame pericárdico de grau moderado a acentuado. A média da fração de ejeção (FE) do ventrículo esquerdo (VE) foi normal (média da FEVE: 63%), dilatação de VE foi encontrado em 6% dos casos e discinesia anterior ou apical em 21%. Em indivíduos imunodeprimidos, especialmente pós-transplantados, a doença de Chagas pode ser observada na forma de reativação da doença e manifestações ecocardiográficas como miocardite aguda, dilatação das câmaras cardíacas, alteração difusa da contratilidade e comprometimento da função sistólica de VE podem estar presentes. Forma indeterminada Define-se forma indeterminada da doença de Chagas o quadro clínico no qual os pacientes infectados não apresentam sintomas específicos ou alterações em métodos complementares como eletrocardiograma ou exames radiológicos, tendo apenas como marcador de anormalidade a presença de exames sorológicos e/ou parasitológicos específicos positivos 7. Cerca de 50% dos pacientes infectados nas áreas endêmicas encontram-se nesta fase e apresentam bom prognóstico, porém cerca de 2 a 5 % evoluem para uma das formas crônicas da doença cerca de 10 a 20 anos após a fase aguda 8. Embora a ausência de anormalidades clínicas, eletrocardiográficas e radiológicas significativas caracterize esta fase da doença, tem-se observado alterações morfofuncionais cardíacas quando métodos complementares mais sofisticados são utilizados, tais como ergometria 9, sistema Holter 24 horas, provas autonômicas não invasivas, cintilografia miocárdica 10 e ecocardiografia 11. A ecocardiografia na fase indeterminada da doença de Chagas comumente demonstra ventrículo esquerdo com diâmetros normais ou levemente aumentados, sendo a espessura das paredes dentro dos limites da normalidade bem como a função ventricular esquerda 12. Nesta fase, entretanto, podem ser encontradas alterações segmentares da contratilidade especialmente envolvendo a parede postero-inferior e o ápex do ventrículo esquerdo, sendo, não raro, o achado de pequenos aneurismas apicais. A introdução do Doppler tecidual na prática clínica tem confirmado a precocidade dos distúrbios contráteis nos pacientes com a forma indeterminada, sendo que em estudo que avaliou a dinâmica de contração e expansão longitudinal do miocárdio ventricular esquerdo foi demonstrado um retardo no tempo de contração isovolumétrico regional ao longo do septo EURP 2010; 2(2): 55-59


57

Fonseca & Martins – Ecocardiografia em Chagas interventricular, denotando distúrbio precoce da dinâmica de encurtamento no eixo longitudinal 13. Outra importante contribuição do Doppler tecidual é a avaliação do acometimento do ventrículo direito (VD) que ocorre de forma freqüente e precoce na doença de Chagas. O Doppler tecidual tem a capacidade de caracterizar o envolvimento precoce do VD a partir da avaliação de parâmetros da função sistólica (tempo de contração isovolumétrica –TCIV, e onda de contração sistólica-S) e diastólica (ondas de expansão inicial, tardia e sua relação) ao nível da parede lateral do VD e do septo interventricular (SIV) 14. É importante acrescentar que, ao contrário de estudos anteriores que sugerem ser a disfunção diastólica mais precoce do que a disfunção sistólica na doença de Chagas, o estudo com Doppler tecidual tem demonstrado que a disfunção sistólica também se apresenta precocemente na cardiopatia chagásica e que, provavelmente, os métodos para análise da função sistólica nestes estudos não eram sensíveis o bastante para a detecção de anormalidades contráteis menos pronunciadas 13. Forma crônica Estima-se que 30% dos pacientes que evoluem para a forma crônica da doença de Chagas apresentam cardiopatia crônica 8. A patogenia tem caráter multifatorial e o estudo histológico da cardiopatia chagásica crônica demonstra alterações como miocardite crônica difusa, infiltrado de células mononucleares e destruição da fibra miocárdica com fibrose 15, sendo alicerce para o amplo espectro de manifestações clínicas, eletrocardiográficas, radiológicas e ecocardiográficas da doença. A cardiopatia chagásica crônica pode se manifestar na forma de miocardiopatia dilatada não segmentar, indistinguível das demais formas de cardiopatia dilatada, onde se observa aumento, por vezes significativos, dos diâmetros cavitários bem como queda da função sistólica de VE. O comprometimento do VD é freqüente e associado à pior prognóstico. Insuficiências mitral e tricúspide podem estar presentes associadas à dilatação dos anéis valvares secundário à dilatação ventricular 16. A avaliação da função ventricular nos indivíduos chagásicos é essencial, visto a elevada prevalência de pacientes cardiopatas crônicos que se apresentam assintomáticos, ás vezes com importante aumento da área cardíaca e distúrbios de ritmo e/ou condução cardíaca, representando pior prognóstico associado a risco elevado de morte súbita. A avaliação do diâmetro sistólico de VE pela ecocardiografia de forma longitudinal bem como diminuição da fração de ejeção Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

de VE se demonstraram variáveis importantes na determinação prognóstica dos pacientes chagásicos 13 8. Um dos mais interessantes aspectos associados ao acometimento cardíaco na doença de Chagas é o envolvimento segmentar da contratilidade miocárdica, dando a esta doença aspectos similares aos da miocardiopatia isquêmica. Os segmentos predominantemente envolvidos são a parede ínfero-posterior do VE e ápex e podem ser encontrados em cerca de 20-30% dos pacientes assintomáticos e quase que invariavelmente naqueles com cardiopatia avançada 17 18. O achado de aneurisma de ventrículo esquerdo é freqüente, variando em tamanho e localização, sendo comum o aneurisma apical em “dedo de luva”. A prevalência média de aneurisma de VE em diferentes séries foi de 8,5% (variando entre 1,6 a 8,6%) 19 em indivíduos assintomáticos ou com discreto comprometimento cardiaco e 55% (variando entre 47 a 64%) em pacientes com comprometimento moderado a severo 20, estando associado a risco de trombose e acidente vascular encefálico 21. Os fenômenos tromboembólicos representam importante papel na avaliação da cardiopatia chagásica crônica pela elevada morbimortalidade associada, ocorrendo, em geral, em fase avançadas da cardiopatia chagásica. A maior prevalência de trombos cardíacos ocorre na região apical da cavidade ventricular esquerda, de fácil acesso ao estudo transtorácico, porém trombos intracavitários podem ser encontrados em todas as câmaras cardíacas sendo necessário o ecocardiograma transesofágico nos casos em que a abordagem transtorácica não for esclarecedora 22. Análise da função diastólica A compreensão da importância do enchimento ventricular na determinação de várias condições fisiopatológicas que podem acometer o coração é essencial no manejo dos pacientes cardiopatas, incluindo a cardiopatia chagásica crônica. A cardiopatia chagásica pode levar a um comprometimento de ambas as fases da diástole, inicialmente determinando alterações no relaxamento ventricular e, progressivamente, distúrbios relacionados com a complacência da câmara e, mesmo em um comprometimento focal e de menor intensidade, pode promover alterações no enchimento ventricular. A associação entre Doppler pulsado e avaliação de fluxo de enchimento mitral, fluxo de veias pulmonares e Doppler tecidual, ao nível do anel mitral, é usada para classificar os pacientes em quatro grupos de disfunção diastólica: alteração do relaxamento, padrão pseudonormal, padrão restritivo reversível e restritivo não reversível 23. EURP 2010; 2(2): 55-59


58

Fonseca & Martins – Ecocardiografia em Chagas Em estudo com 169 pacientes portadores de miocardiopatia chagásica a disfunção diastólica foi evidenciada em 20 % dos pacientes, existindo uma intensa associação entre piora da função diastólica e aumento das dimensões do átrio e ventrículo esquerdo e diminuição da fração de ejeção de VE. Os dados demonstram uma correlação entre os diversos graus de disfunção sistólica relacionados com uma progressão da disfunção diastólica, desde alteração do relaxamento ventricular até evidência de importante elevação das pressões de enchimento, como observado no padrão restritivo. Velocidade de onda E’ menor que 11 cm/s ao Doppler tecidual e uma relação E/E’ menor que 7,2, com amostra septal, apresentou alta sensibilidade, moderada especificidade e ainda alto valor preditivo negativo para detectar o tipo de disfunção diastólica 19. Em outro estudo 89 pacientes foram avaliados e classificados de acordo com a presença de função diastólica normal ou padrão pseudonormal de enchimento ventricular. Pacientes com padrão pseudonormal apresentavam, com diferença estatisticamente significativa, maiores dimensões de ventrículo esquerdo e menores frações de ejeção de VE. O Doppler tecidual foi capaz de diferenciar os pacientes com cardiomiopatia chagásica que apresentavam padrão de enchimento ventricular normal daqueles com padrão pseudonormal e aumento de pressão de enchimento 13. Outras técnicas ecocardiográficas No modo M-colorido, a velocidade de entrada precoce do fluxo através da válvula mitral que se move em direção ao ápice exibe uma inclinação representando a velocidade de propagação do fluxo sangüíneo. Em um grupo de pacientes com cardiomiopatia chagásica foi evidenciado diminuição da velocidade de propagação caracterizando alteração do relaxamento, sendo que tais alterações foram mais acentuadas naqueles com aneurisma apical de VE 24. O índice de performance miocárdico (índice Tei) é um índice de função global que combina o tempo de duração da sístole e diástole através do Doppler pulsado 25. Um estudo encontrou valores anormalmente altos do índice de performance miocárdico do VE (>0,32) em um terço dos indivíduos assintomáticos, em todos os pacientes sintomáticos, e em 2% do grupo controle. Alterações eletrocardiográficas em pacientes chagásicos assintomáticos foram associados com o índice de desempenho anormal do miocárdio, mas não no grupo controle com as mesmas alterações eletrocardiográficas. Os pacientes sintomáticos apresentaram aumento acentuado do índice de perExperts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

formance miocárdico do ventrículo direito e esquerdo, sugestivo de disfunção miocárdica grave 26. Ecocardiograma e avaliação prognóstica na miocardiopatia chagásica Em diversos estudos clínicos que analisaram variáveis ecocardiográficas associadas a eventos cardiovasculares em pacientes chagásico a função sistólica e as dimensões do VE foram as únicas que se mostraram preditores significativos de mortalidade 17. Em avaliação retrospectiva de 424 pacientes portadores de miocardiopatia chagásica acompanhados por 7,9 anos, foram identificados seis fatores prognósticos sendo então atribuído pontos para cada variável proporcional ao gradiente de regressão independentes, sendo então criado um escore, denominado escore de Rassi 27. Tal escore contempla variáveis de fácil acesso na clínica diária tornando instrumento útil na determinação prognóstica do paciente chagásico (variáveis do escore de Rassi: classe funcional III ou IV pela NYHA – 5 pontos, cardiomegalia pela radiografia torácica - 5 pontos, disfunção sistólica ao ecocardiograma – 3 pontos, presença de taquicardia ventricular não sustentada durante Holter 24h – 3 pontos, baixa voltagem do complexo QRS ao eletrocardiograma- 2 pontos, sexo masculino - 2 pontos). Diante da avaliação, os pacientes são divididos em três grupos de risco: baixo risco (0-6 pontos), risco intermediário (711 pontos) e alto risco (12-20 pontos), correspondendo a uma taxa de mortalidade em 10 anos de 10%, 44 % e 84% respectivamente. Como pode ser observado, a disfunção sistólica avaliada pelo ecocardiograma contribui de forma significativa na predição de eventos cardiovasculares no paciente chagásico. Considerações finais O ecocardiograma bidimensional com Doppler, bem como modernas técnicas de avaliação através do Doppler tecidual, representa importante método de avaliação propedêutica do paciente nas diversas formas de apresentação da doença de Chagas. Na forma aguda identifica pacientes com possibilidade de pior evolução clínica, determinando presença de derrame pericárdico e risco de tamponamento cardíaco bem como avaliando função ventricular sistólica. Na forma indeterminada tem papel fundamental no acompanhamento longitudinal, detecção precoce de alterações e determinação da evolução para cardiopatia crônica. Na cardiopatia crônica estabelecida possibilita informações importantes das dimensões cavitárias, contratilidade segmentar e global ventricular, função diastólica, presença de aneurismas e trombos intracavitários, elementos de grande impacto na estratificação de risco desta doença. Diante das evidências fica EURP 2010; 2(2): 55-59


59

Fonseca & Martins – Ecocardiografia em Chagas claro que o paciente com diagnóstico de doença de Chagas deve ser submetido a estudo ecocardiográfico no intuito de determinar a forma clínica da doença e potenciais alterações cardíacas já existentes principalmente na presença de sintomas clínicos, alterações eletrocardiográficas e radiológicas.

Referências 1. Dias JC, Silveira AC, Schofield CJ. The impact of Chagas disease control in Latin America: a review. Mem Inst Oswaldo Cruz 2002; 97(5): 603-612. 2. Santos-Bush CA, Acosta AM. Pathology of Chagas’ disease. 1 ed; 1985. 3. Rosenbaum MB, Alvarez AJ. The electrocardiogram in chronic chagasic myocarditis. Am Heart J 1955; 50(4): 492-527. 4. Dias E, Laranja FS, Miranda A, Nobrega G. Chagas' disease; a clinical, epidemiologic, and pathologic study. Circulation 1956; 14(6): 1035-1060. 5. Rosenbaum MB. Chagasic Myocardiopathy. Prog Cardiovasc Dis 1964; 7(199-225. 6. Parada H, Carrasco HA, Anez N, Fuenmayor C, Inglessis I. Cardiac involvement is a constant finding in acute Chagas' disease: a clinical, parasitological and histopathological study. Int J Cardiol 1997; 60(1): 49-54. 7. Ribeiro AL, Rocha MO. [Indeterminate form of Chagas disease: considerations about diagnosis and prognosis]. Rev Soc Bras Med Trop 1998; 31(3): 301-314. 8. Bestetti RB, Muccillo G. Clinical course of Chagas' heart disease: a comparison with dilated cardiomyopathy. Int J Cardiol 1997; 60(2): 187-193. 9. Gallo L, Jr., Neto JA, Manco JC, Rassi A, Amorim DS. Abnormal heart rate responses during exercise in patients with Chagas' disease. Cardiology 1975; 60(3): 147-162. 10. Arreaza N, Puigbo JJ, Acquatella H, Casal H, Giordano H, Valecillos R, et al. Radionuclide evaluation of left-ventricular function in chronic Chagas' cardiomyopathy. J Nucl Med 1983; 24(7): 563-567. 11. Acquatella H, Schiller NB, Puigbo JJ, Giordano H, Suarez JA, Casal H, et al. M-mode and two-dimensional echocardiography in chronic Chages' heart disease. A clinical and pathologic study. Circulation 1980; 62(4): 787-799. 12. Ianni BM, Arteaga E, Frimm CC, Pereira Barretto AC, Mady C. Chagas' heart disease: evolutive evaluation of electrocardiographic and echocardiographic parameters in patients with the indeterminate form. Arq Bras Cardiol 2001; 77(1): 59-62. 13. Barros MV, Rocha MO, Ribeiro AL, Machado FS. Doppler tissue imaging to evaluate early myocardium damage in patients with undetermined form of Chagas' disease and normal echocardiogram. Echocardiography 2001; 18(2): 131-136. 14. Barros MV, Machado FS, Ribeiro AL, Da Costa Rocha MO. Detection of early right ventricular dysfunction in Chagas' disease using Doppler tissue imaging. J Am Soc Echocardiogr 2002; 15(10 Pt 2): 1197-1201. 15. Hagar JM, Rahimtoola SH. Chagas' heart disease. Curr Probl Cardiol 1995; 20(12): 825-924. 16. Acquatella H. Echocardiography in Chagas heart disease. Circulation 2007; 115(9): 1124-1131. 17. Viotti RJ, Vigliano C, Laucella S, Lococo B, Petti M, Bertocchi G, et al. Value of echocardiography for diagnosis and prognosis of chronic Chagas disease cardiomyopathy without heart failure. Heart 2004; 90(6): 655-660.

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

18. Ortiz J, Barretto AC, Matsumoto AY, Monaco CA, Ianni B, Marotta RH, et al. [Segmental contractility changes in the indeterminate form of Chagas' disease. Echocardiographic study]. Arq Bras Cardiol 1987; 49(4): 217-220. 19. Migliore RA, Adaniya ME, Tamagusuku H, Lapuente A. [Assessment of diastolic function in Chagas' disease with pulsed doppler tissue imaging.]. Arch Cardiol Mex 2004; 74(1): 31-38. 20. Camara EJ. [Segmental changes in contractility of the left heart ventricle in Chagas cardiomyopathy with and without ventricular dilatation]. Arq Bras Cardiol 1993; 60(3): 151-155. 21. Carod-Artal FJ, Vargas AP, Horan TA, Nunes LG. Chagasic cardiomyopathy is independently associated with ischemic stroke in Chagas disease. Stroke 2005; 36(5): 965-970. 22. Samuel J, Oliveira M, Correa De Araujo RR, Navarro MA, Muccillo G. Cardiac thrombosis and thromboembolism in chronic Chagas' heart disease. Am J Cardiol 1983; 52(1): 147-151. 23. Quinones MA, Otto CM, Stoddard M, Waggoner A, Zoghbi WA. Recommendations for quantification of Doppler echocardiography: a report from the Doppler Quantification Task Force of the Nomenclature and Standards Committee of the American Society of Echocardiography. J Am Soc Echocardiogr 2002; 15(2): 167-184. 24. Hoit BD, Gabel M. Influence of left ventricular dysfunction on the role of atrial contraction: an echocardiographic-hemodynamic study in dogs. J Am Coll Cardiol 2000; 36(5): 1713-1719. 25. Tei C, Ling LH, Hodge DO, Bailey KR, Oh JK, Rodeheffer RJ, et al. New index of combined systolic and diastolic myocardial performance: a simple and reproducible measure of cardiac function--a study in normals and dilated cardiomyopathy. J Cardiol 1995; 26(6): 357-366. 26. Yacoub S, Birks EJ, Slavik Z, Henein M. Early detection of myocardial dysfunction in Chagas disease using novel echocardiographic indices. Trans R Soc Trop Med Hyg 2003; 97(5): 528-534. 27. Rassi A, Jr., Rassi A, Little WC, Xavier SS, Rassi SG, Rassi AG, et al. Development and validation of a risk score for predicting death in Chagas' heart disease. N Engl J Med 2006; 355(8): 799-808.

EURP 2010; 2(2): 55-59


Artigo de Revisão Marcadores ultrassonográficos e bioquímicos na detecção precoce da pré-eclâmpsia Sonographic and biochemical markers in the early detection of preeclampsia Candice Goldhardt 1, Wellington P Martins 1, 2

A pré-eclâmpsia é uma das principais causas de morbi-mortalidade materna, fetal e perinatal em todo o mundo. Por esta razão, a identificação precoce do risco aumentado para o desenvolvimento da pré-eclâmpsia é de grande importância dentro da obstetrícia. Atualmente, observa-se um grande número de artigos publicados visando o melhor entendimento do papel de marcadores bioquímicos e ultrassonográficos no diagnóstico precoce e seguimento da patologia. O objetivo deste trabalho é fazer uma revisão da literatura sobre os métodos ultrassonográficos para o rastreamento das gestantes de risco e a aplicação conjunta de alguns marcadores bioquímicos.

Palavras chave: Pré-eclampsia; Rastreamento; Ultrassonografia Doppler; Marcadores biológicos.

1- Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto (EURP) 2- Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) Recebido em 03/05/2010, aceito para publicação em 01/07/2010. Correspondências para Wellington P Martins. Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060. E-mail: wpmartins@ultrassonografia.com.br Fone: (16) 3636-0311 Fax: (16) 3625-1555

Pre-eclampsia is a major cause of morbidity and maternal mortality, fetal and perinatal mortality worldwide. Therefore, early identification of increased risk for developing pre-eclampsia is of great importance in obstetrics. Currently, there is a large number of articles aiming the better understanding of the role of biochemical markers and ultrasound in the diagnosis and monitoring of the pathology. Our objective is to review the literature on the sonographic methods for screening of pregnant women at risk and the joint implementation of some biochemical markers. Keywords: Chagas cardiomyopathy; Echocardiography.

Abstract Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

EURP 2010; 2(2): 60-64


61

Goldhardt & Martins – Detecção precoce da pré-eclâmpsia Introdução A pré-eclâmpsia é uma desordem multi-sistêmica da gravidez, caracterizada pelo surgimento de hipertensão (pressão arterial > 140/90 mmHg) e proteinúria ( > 300 mg em urina de 24 horas) após vinte semanas de gestação em mulheres previamente normotensas 1-3. A pré-eclâmpsia ocorre em 2 – 7% das gestações no ocidente, mas complica em mais de 10% nos países em desenvolvimento, onde os cuidados emergenciais são freqüentemente inadequados. É a segunda maior causa de mortalidade materna em todo mundo 2. Dependendo do envolvimento sistêmico, muitos outros sintomas como edema, distúrbios da hemostasia, falência hepática ou renal e síndrome HELLP (hemólise, elevação das enzimas hepáticas e trombocitopenia) podem também complicar o quadro clínico da paciente, evoluindo para eclâmpsia na maioria dos casos graves. A etiologia precisa da préeclâmpsia permanece desconhecida, mas acredita-se que seja multifatorial, entretanto, existe apenas a certeza do papel central desempenhado pela placenta na fisiopatologia deste problema 1-3. Apesar de extensos ensaios clínicos, nenhum avanço terapêutico está disponível para tratamento ou prevenção da préeclâmpsia. Drogas anti-hipertensivas, corticosteróides para maturação pulmonar fetal ou sulfato de magnésio são indicados para tratar os sintomas e podem assim adiar em curto prazo o parto, tornado-o mais seguro 1, 3. Atualmente, muitos marcadores têm sido descritos sozinhos ou em combinação para detectar precocemente a pré-eclâmpsia. Entretanto, há uma necessidade por estudos prospectivos de escala mundial para confirmar a sensibilidade e especificidade desses marcadores antes de eles serem utilizados clinicamente como teste de triagem que para ser efetivo, precisa ser suficientemente sensível, específico e deve prover de um adequado valor preditivo positivo. Também, outros dados devem ser levados em consideração, como o custo da mensuração desse marcador, a aceitabilidade pelos pacientes e a possibilidade de adequado controle de qualidade 1, 4. Uma acurada predição da pré-eclâmpsia é crucial para permitir o monitoramento e tratamento preventivo das complicações maternas e perinatais. Os estudos que investigam a acurácia preditiva do Doppler das artérias uterinas têm resultados bastante variáveis. O objetivo deste trabalho é realizar uma revisão dos recentes avanços publicados sobre a importância do Doppler como marcador de detecção precoce da pré-eclâmpsia isoladamente ou combinado com os marcadores bioquímicos conhecidos. Marcadores bioquímicos Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

Fatores angiogênicos Angiogênese requer uma complexa relação entre os fatores pró angiogênicos (VEGF e PIGF) com seus receptores (flt1 e VEGFR2) que estão presentes em abundância na placenta. As células placentárias secretam uma forma solúvel do flt1 (sflt1) que está elevada no soro de pacientes com pré-eclâmpsia. A gravidade da pré-eclâmpsia é diretamente proporcional ao nível sanguíneo do sflt1 e inversamente proporcional aos níveis do VEGF e do PIGF 5. Com base nesses achados a Roche lançou na Europa um teste de triagem para pré-eclâmpsia através da mensuração do sflt1 e do PIGF no segundo trimestre da gestação 1, 3-4. Endoglina solúvel É um co-receptor do TGFβ1 e TGFβ3 expresso nas membranas celulares do endotélio vascular e do sincício trofoblasto. A forma solúvel da endoglina induz a hipertensão e o aumento da permeabilidade vascular em ratas prenhas e quando combinado com sflt1 foi capaz de induzir alterações semelhantes a síndrome HELLP nas ratas. Em gestantes, a endoglina solúvel aumenta proporcionalmente com a presença e com a gravidade da pré-eclâmpsia. Apesar de não ser um marcador específico, vários estudos recentes tem tentado melhorar este problema através da combinação com outros marcadores 1-2. P-Selectina A P- selectina é um membro da família das moléculas de adesão de superfície celular, expressa em plaquetas e células endoteliais com papel crucial no processo inflamatório através do recrutamento e ativação dos leucócitos circulantes. A pré-eclâmpsia está associada à extensa ativação plaquetária, sendo possível a detecção de micropartículas desta proteína no sangue periférico de mulheres com esta patologia. Recentemente, tem se demonstrado que o aumento sérico da P-selectina neste caso inicia-se antes mesmo do período sintomático da pré-eclâmpsia, podendo estar relacionado aos distúrbios do sistema vascular materno. Mesmo com a combinação da P-selectina com outros marcadores, não foi possível implementar clinicamente um teste de triagem devido a baixas taxas de detecção de pré-eclâmpsia (59%) 1. DNA fetal livre Desde a primeira detecção no plasma materno, muitos estudos tem testado a utilidade do DNA fetal livre (cffDNA) em técnicas diagnósticas não invasivas. Lo e cols. demonstraram pela primeira vez uma associação com a pré-eclâmpsia quando observaram aumento de cinco vezes no plasma sanguíneo de gestantes que sofriam desta patologia. Este resultado foi EURP 2010; 2(2): 60-64


62

Goldhardt & Martins – Detecção precoce da pré-eclâmpsia confirmado em estudos posteriores, entretanto busca-se melhorar os métodos quantitativos através das diferenças epigenéticas entre o DNA materno e fetal. A melhora da sensibilidade e especificidade deste marcador é obtida após combinação com outros marcadores, particularmente com a inibina A 1. ADAM 12 É uma proteína localizada na membrana celular que esta envolvida nas interações entre as células e a matriz extracelular, na fertilização, no desenvolvimento muscular e da neurogênese. Muitos estudos têm demonstrado diminuição dos níveis plasmáticos de ADAM12 em gestações cujo feto é trissômico, aneuplóide e com baixo peso ao nascer. Alguns estudos cujos resultados não foram confirmados demonstraram diminuição significativa da concentração sérica do ADAM12 em gestações que posteriormente iriam desenvolver pré-eclâmpsia 1. PP-13 A proteína placentária 13 (PP13) é um peptídeo pequeno cujo homodímero possui funções hemostáticas e imunobiológicas na interface materno fetal e no desenvolvimento da placenta. Concentrações séricas elevadas de PP13 têm sido encontradas nos últimos trimestres de gestações com pré-eclâmpsia, RCIU e partos prematuros. A combinação da medida sérica do PP13 no primeiro trimestre da gestação com avaliação ultrassonográfica da artéria uterina demonstrou um bom poder preditivo, detectando precocemente 90% dos casos de pré-eclâmpsia com uma freqüência de 6% de falso positivo 1-2. PTX3 A Pentraxina 3 pertence a mesma família da proteína C reativa (PCR) e do peptídeo amilóide sérico (SAP) com quem possui semelhança em uma das extremidades. É produzido em vários tecidos em resposta a um estímulo inflamatório. Durante a gravidez, o PTX3 é expresso no epitélio amniótico do mesoderma coriônico, nos vilos terminais trofoblásticos e no estroma perivascular da placenta. Alguns estudos mostram que este aumento é ainda maior em gestações que evoluirão para pré-eclâmpsia 1-2. PAPP-A É uma peptidase de 1628 aminoácidos que pode ser detectada durante a gravidez na circulação materna. É supostamente envolvida em processos proliferativos locais e nos últimos anos, os níveis séricos diminuídos tem sido relatados em mulheres com préeclâmpsia. Além disso, uma correlação diretamente Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

proporcional entre peso ao nascimento e níveis plasmáticos de PAPP-A materno tem sido relatado 1, 4. Novos candidatos a biomarcadores Visfatina É uma enzima secretada pelo tecido adiposo, envolvida na biossíntese da NAD. Muitos estudos têm mostrado que essa proteína encontra-se alterada no plasma em diferentes desordens: diabetes melitus tipo 2, obesidade, retardo de crescimento fetal e diabetes melitus gestacional. Recentemente, um estudo realizado por Hu e cols. mostrou que os níveis plasmáticos materno da Visfatina estavam significantemente diminuídos em mulheres com pré-eclâmpsia leve e ainda mais reduzido em mulheres com pré-eclâmpsia grave, entretanto, resultados opostos foram relatados por Fasshauer e cols. demonstrando a necessidade de mais estudos para avaliar o potencial da Visfatina como marcador da pré-eclâmpsia 1. Adrenomedulina É um peptídeo com efeito hipotensor duradouro que foi isolado pela primeira vez de um feocromocitoma, por Kitamura em 1993. É expresso em todos os órgãos, mas é encontrado predominantemente nas células endoteliais e musculares lisas vasculares, regulando a circulação e a permeabilidade vascular. Os níveis séricos de Adrenomedulina aumentam durante uma gravidez normal e elevam-se em gestações com pré-eclâmpsia. Os dados iniciais foram confirmados após a observação de elevados níveis de RNAm da Adrenomedulina no tecido placentário 1. Auto anticorpos contra receptor da angiotensina II tipo 1 (AT1) Há uma forte evidência pelo papel do sistema renina-angiotensina na pré-eclâmpsia. Há dez anos foi descoberto que pacientes com pré-eclâmpsia desenvolvem auto anticorpos contra o receptor AT1 1. Muitos estudos in vitro confirmaram que esses anticorpos podem estar relacionados a uma desordem hipertensiva, entretanto, não são específicos para préeclâmpsia podendo ser encontrados em outras intercorrências gestacionais. Atualmente, acredita-se que o auto anticorpo AT1 pode ser a primeira etapa da ativação de fatores angiogênicos como sflt-1 5-6. Doppler das artérias uterinas Doppler e pré-eclâmpsia Durante uma gravidez normal a invasão trofoblástica provoca um remodelamento vascular das artérias uterinas espiraladas. Este fato é necessário para o aumento fisiológico do suporte sanguíneo aos espaços intervilosos da gravidez 7. Uma invasão trofoblástica EURP 2010; 2(2): 60-64


63

Goldhardt & Martins – Detecção precoce da pré-eclâmpsia defeituosa esta associada ao desenvolvimento de préeclâmpsia, retardo de crescimento fetal e outras complicações gestacionais 1-2. Nestes casos a circulação útero placentária permanece em um estado de alta resistência que causa lesão endotelial generalizada comprometendo a integridade vascular das arteríolas resultando em oclusão venosa, isquemia local e necrose. Estas condições circulatórias perpetuam a alta resistência vascular associada a um baixo fluxo que pode ser mensurado não invasivamente pela ultrassonografia Doppler 8-9. A ultrassonografia Doppler avalia a velocidade do fluxo sanguíneo nas artérias uterinas, a persistência da incisura diastólica precoce após vinte semanas de gestação ou uma razão anormal das velocidades de fluxo 10. Gestações em que são observadas essas alterações (alto índice de pulsatilidade e/ou presença da incisura diastólica) estão associadas ao aumento de mais de seis vezes na freqüência de pré-eclâmpsia 1, 1112 . Os estudos mostram que o Doppler das artérias uterinas realizada no segundo trimestre gestacional é capaz de detectar de 80 a 90% dos casos de préeclâmpsia de início precoce. Quando realizado no primeiro trimestre a detecção cai para 40 - 60% dos casos de pré-eclâmpsia, com uma taxa de falso positivo de 5% 8, 13. Apesar de nenhum teste de triagem isolado ainda ter sido adotado na prática clinica, a triagem pelo Doppler de artérias uterinas é o melhor entre todos os testes clínicos disponíveis até hoje e certamente o mais estudado 11. Trabalhos promissores almejam melhorar a taxa de detecção e reduzir a freqüência de falsos positivos através de outros marcadores ultrassonográficos da placentação errônea (volume placentário tridimensional ou morfologia placentária) 8. Triagem com Doppler das artérias uterinas e marcadores bioquímicos maternos Um dos campos de estudos atuais é associação do Doppler das artérias uterinas com marcadores mensurados na circulação materna na tentativa de melhorar a sensibilidade, especificidade e valor preditivo positivo. Essa idéia surgiu com os testes de triagem para Síndrome de Down. A cada dia, surgem estudos com as mais variadas combinações de marcadores sorológicos com o Doppler das artérias uterinas com resultados bastante distintos 8. Um modelo combinando marcadores bioquímicos com o índice de pulsatilidade média da artéria uterina no primeiro trimestre foi desenvolvido. Ele foi capaz de predizer os casos de eclâmpsia da seguinte maneira: o índice de pulsatilidade media da artéria uterina detectou 50% dos casos; o PAPP-A detectou 5%; o Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

βHCG, 10%; inibina A, 35% e a activina A previu 44% dos casos. Combinando o marcador ultrassonográfico com a activina A ou a inibina A sérica materna foi possível detectar, respectivamente, 75% e 92% das pacientes que posteriormente desenvolveram préeclâmpsia, com uma taxa de falso positivo de 5 e 10%. Quando associado com PAPP-A o índice de pulsatilidade da artéria uterina foi capaz de prever 62% dos casos de pré-eclâmpsia com uma taxa de 5% de falso positivo 8. Esses resultados levantaram uma dúvida a respeito da importância de uma avaliação ultrassonográfica no segundo trimestre gestacional em mulheres que tiveram resultados alterados nos testes bioquímicos de triagem realizados no primeiro trimestre. Os estudos que abordaram esse tema até hoje mostram um aumento da sensibilidade e especificidade com a combinação dos testes, entretanto, estudos complementares são ainda necessários, pois as amostras populacionais estudadas foram muito pequenas 8. Considerações finais Com base nos dados apresentados podemos observar a grande importância do Doppler das artérias uterinas na predição e prognóstico da pré-eclâmpsia. Levando-se em consideração apenas os marcadores (índice médio de pulsatilidade e incisura diastólica precoce uni ou bilateral) citados no texto é visível que a realização de tal exame é fundamental nesta prevalente patologia. Estudos futuros ainda podem demonstrar que outros marcadores ultrassonográficos podem ser identificados auxiliando a taxa de predição do Doppler. Se pensarmos que associação com marcadores bioquímicos torna o Doppler das artérias uterinas ainda mais sensível e específico, podemos perceber a necessidade de implementar tal procedimento na prática clínica. Apesar do fato de ser um exame não invasivo e da facilidade de sua realização, a disponibilidade deste exame no Brasil é muito restrita. A fração da população que possui acesso a este procedimento ainda é muito pequena.

Referências 1. Grill S, Rusterholz C, Zanetti-Dallenbach R, Tercanli S, Holzgreve W, Hahn S, et al. Potential markers of preeclampsia--a review. Reprod Biol Endocrinol 2009; 7(70. 2. Huppertz B. Placental origins of preeclampsia: challenging the current hypothesis. Hypertension 2008; 51(4): 970-975. 3. Hawfield A, Freedman BI. Pre-eclampsia: the pivotal role of the placenta in its pathophysiology and markers for early detection. Ther Adv Cardiovasc Dis 2009; 3(1): 65-73.

EURP 2010; 2(2): 60-64


64

Goldhardt & Martins – Detecção precoce da pré-eclâmpsia 4. Carty DM, Delles C, Dominiczak AF. Novel biomarkers for predicting preeclampsia. Trends Cardiovasc Med 2008; 18(5): 186194. 5. Espinoza J, Romero R, Nien JK, Gomez R, Kusanovic JP, Goncalves LF, et al. Identification of patients at risk for early onset and/or severe preeclampsia with the use of uterine artery Doppler velocimetry and placental growth factor. Am J Obstet Gynecol 2007; 196(4): 326 e321-313. 6. Stepan H, Faber R, Dornhofer N, Huppertz B, Robitzki A, Walther T. New insights into the biology of preeclampsia. Biol Reprod 2006; 74(5): 772-776.

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

7. Prefumo F, Sebire NJ, Thilaganathan B. Decreased endovascular trophoblast invasion in first trimester pregnancies with highresistance uterine artery Doppler indices. Hum Reprod 2004; 19(1): 206-209. 8. Papageorghiou AT, Leslie K. Uterine artery Doppler in the prediction of adverse pregnancy outcome. Curr Opin Obstet Gynecol 2007; 19(2): 103-109. 9. Ganapathy R, Ayling LJ, Whitley GS, Cartwright JE, Thilaganathan B. Effect of first-trimester serum from pregnant women with high-resistance uterine artery Doppler resistance on extravillous trophoblast invasion. Hum Reprod 2006; 21(5): 12951298. 10. Cnossen JS, Morris RK, ter Riet G, Mol BW, van der Post JA, Coomarasamy A, et al. Use of uterine artery Doppler ultrasonography to predict pre-eclampsia and intrauterine growth restriction: a systematic review and bivariable meta-analysis. CMAJ 2008; 178(6): 701-711. 11. Conde-Agudelo A, Lindheimer M. Use of Doppler ultrasonography to predict pre-eclampsia. CMAJ 2008; 179(1): 53; author reply 53-54. 12. McLeod L. How useful is uterine artery Doppler ultrasonography in predicting pre-eclampsia and intrauterine growth restriction? CMAJ 2008; 178(6): 727-729. 13. Carbillon L. Uterine artery Doppler and changes in endothelial function before clinical disease in preeclamptic women. Hypertension 2006; 47(4): e16.

EURP 2010; 2(2): 60-64


Artigo de Revisão Doppler da artéria oftálmica na pré-eclâmpsia Ophthalmic artery Doppler in preeclampsia Christiano S Hallack1, Carolina O Nastri 1,2, Wellington P Martins 1, 2

O estudo do fluxo da artéria oftálmica através do Doppler é uma técnica nova que vem ganhando espaço no acompanhamento de gestações de alto risco, com interesse especial nos casos de pré-eclâmpsia. Em razão de suas semelhanças embriológicas, anatômicas e funcionais com os vasos cerebrais, além de ser um ramo direto da artéria carótida interna, permite o estudo da circulação cerebral sem o uso de contrastes, radiação ou exames invasivos. O Doppler da artéria oftálmica pode ser utilizado para diferenciar os estados hipertensivos na gestação (hipertensão crônica e pré-eclâmpsia) e triar as pacientes com risco de complicações mais graves, ao avaliar o fenômeno de “centralização materna”, tal como visto na adaptação circulatória de fetos em sofrimento. Entretanto, o estudo do fluxo da artéria oftálmica não se mostrou como um método útil na predição de pré-eclampsia e nem no seguimento das pacientes com tal patologia. Palavras chave: Ultra-donografia Doppler; Artéria oftálmica; pré-eclâmpsia.

1- Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto (EURP) 2- Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) Recebido em 10/08/2009, aceito para publicação em 02/07/2010. Correspondências para Wellington P Martins. Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060. E-mail: wpmartins@ultrassonografia.com.br Fone: (16) 3636-0311 Fax: (16) 3625-1555

The study of flow through the ophthalmic artery Doppler is a new technique that has gained importance in monitoring high risk pregnancies, with special interest in cases of preeclampsia. Because of its embryological similarities in anatomy and function with cerebral vessels, and the fact that it is a branch of the carotid artery, allows the study of cerebral circulation without the use of contrast agents, radiation or invasive tests. The ophthalmic artery Doppler can be used to differentiate hypertensive states in pregnancy (chronic hypertension as it assesses the phenomenon of “centralization” in the mother - as seen in the circulatory adaptation fetuses in distress. However, the study of ophthalmic artery flow does not constitute a useful method neither for predicting preeclampsia nor in the follow-up of these patients. Keywords: Ultrasonography, Doppler; Ophthalmic Artery; Preeclampsia.

Abstract Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

EURP 2010; 2(2): 65-69


66

Hallack et al– Artéria oftálmica na pré-eclâmpsia Introdução Os primeiros relatos de pacientes com préeclâmpsia surgiram a mais de 4.000 anos 1. Com o passar do tempo várias técnicas foram descritas e testadas, no intuito de prevenir, tratar ou melhorar o prognóstico destas pacientes, sem, no entanto, atingir um objetivo satisfatório 2. Pela sua elevada incidência (em torno de 12 a 22% das gestações) e alta taxa de morbiletalidade (no Brasil, é responsável por aproximadamente 24% das mortes maternas 3), o estudo da pré-eclâmpsia vem se mantendo em foco, em busca testes que possam predizer ou realizar a detecção precoce da doença, permitindo assim medidas que promovam a redução da morbiletalidade. Inúmeros marcadores foram estudos na tentativa de predizer a ocorrência de pré-eclâmpsia, sendo que a maioria dos estudos apresentaram resultados inconsistentes e contraditórios 4, não permitindo a sua aplicação na clínica obstétrica 5-6. O uso do Doppler na obstetrícia foi introduzido por McCallum et al. em 1977, e não demorou a que ele se destacasse como um método de grande valia para propedêutica obstétrica, o que diminuiu as indicações de exames invasivos, a mortalidade perinatal e proporcionou aos clínicos um melhor entendimento dos mecanismos circulatórios ocorridos intra-útero, principalmente nas gestações de alto risco 7. Recentemente, vem surgindo uma nova aplicação para o uso do Doppler no acompanhamento de gestações de alto risco, que é o estudo do fluxo da artéria oftálmica, com interesse especial nos casos de préeclâmpsia. Anatomia das artérias orbitais A circulação orbital (Figura 1) é composta por vasos originados da artéria oftálmica, que, por sua vez, é ramo direto da artéria carótida interna, raramente originando-se das artérias comunicantes anteriores ou meníngea média. O vaso tem origem na região temporal e posterior ao nervo óptico, dirigindo-se anteriormente para a região nasal. Na órbita, encontra-se localizada lateralmente ao nervo óptico. Após cruzar o nervo óptico, dá origem à grande parte dos seus ramos: artéria central da retina, artérias ciliares posteriores, artéria lacrimal, artéria supratroclear e artéria supra-orbital 8-10. A artéria central da retina é identificada junto à veia de mesmo nome e ao nervo óptico. Termina na retina sem anastomoses significativas. É um vaso terminal, com mecanismo próprio de auto-regulação, não sendo sujeita à ação do sistema nervoso autônomo, e, portanto, não servindo para a avaliação em questão 8-10. As artérias ciliares perfuram a esclera para irrigarem o corpo ciliar, a íris e a coróide. Podem Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

ser identificadas ao nível da face posterior da região do globo ocular 8-9. A artéria lacrimal se origina da artéria oftálmica quando esta ainda percorre lateralmente o nervo óptico. Segue lateral e anterior e dá origem a um ramo meníngeo recorrente que se anastomosa com a artéria meníngea média fazendo a comunicação entre as artérias carótida interna e externa 8-9 . A artéria supra-orbital é de difícil identificação ao exame, pois pode se originar de vários pontos da artéria oftálmica, assim como é de difícil identificação a artéria supratroclear, que irriga o fronte e o couro cabeludo 8-9. Uso do Doppler da artéria oftálmica A idéia de se utilizar a artéria oftálmica da gestante para o acompanhamento das pacientes de alto risco veio como uma possibilidade de se estudar a circulação cerebral materna de maneira não invasiva e sem o uso de contrastes, o que esbarraria em questões técnicas e éticas 11. O estudo dos vasos oftálmicos através do Doppler se iniciou no final da década de 80, inicialmente para investigação de doenças oculares e retro-bulbares. Em 1992, o método começou a ser utilizado para o estudo da circulação materna nos casos de pré-eclâmpsia, o que levantou questionamentos sobre a, até então clássica, teoria da vasoconstrição sistêmica e trouxe novas teorias para explicar a fisiopatologia da doença, ao encontrar diminuição dos índices de resistência nestes casos, e não a vasoconstrição (comemorativo da pré-eclâmpsia) como se pensava na época. A hiperperfusão e vasodilatação no território oftálmico foram constatadas em vários estudos posteriores 9, 12. Verifica-se uma falha na auto-regulação do fluxo cerebral, na vigência da encefalopatia hipertensiva, nas pacientes com eclampsia 11. Para este fato, têm-se duas teorias propostas: a do hiperfluxo (ou vasodilatação forçada) e a do vasoespasmo 13-14. A primeira delas descreve o aumento do débito cardíaco seguido por vasodilatação sistêmica compensatória, para manter a pressão arterial estável. Com a progressão da doença, haveria elevação da resistência vascular caracterizada pela vasoconstrição 9, 12, 15. A segunda baseia-se na hipótese de que o vasoespasmo na pré-eclâmpsia predominaria na microvasculatura, levando à isquemia local. Assim, inicialmente haveria um processo compensatório caracterizado pela dilatação de artérias de maior calibre (p.ex: artéria oftálmica), com o intuito de aumentar a perfusão nas áreas isquêmicas. Acredita-se que a queda da resistência nos leitos orbitais possa ser decorrente de mecanismos auto-regulatórios vasculares para manter a oxigenação adequada aos territórios nobres, como o sistema nervoso central, através da abertura de vias EURP 2010; 2(2): 65-69


67

Hallack et al– Artéria oftálmica na pré-eclâmpsia secundárias, neste caso, da artéria carótida externa para artéria carótida interna através da artéria oftálmica 9, 16-17. Uma confirmação da teoria do hiperfluxo decorre da observação de que, ao insonar as artérias cerebral anterior e posterior em pacientes normotensas e com pré-eclâmpsia, encontraram aumento da perfusão cerebral com diminuição no índice de resistência nas pacientes com pré-eclâmpsia, quando comparadas com as normotensas 10, 18. A escolha dos vasos orbitais para o estudo da circulação intracraniana é pelo fato de que, embriológica, anatômica e funcionalmente, estes vasos são similares aos vasos intracranianos de pequeno calibre 19. A preferência caiu sobre a artéria oftálmica pois esta é ramo direto da carótida interna, responsável por grande parte da irrigação cerebral. A artéria oftálmica compõe um dos eixos secundários que ligam o sistema carotídeo externo ao interno, a fim de manter o suporte sanguíneo ao sistema nervoso central 9, 11, 20. Este eixo é ativado na presença de aumento significativo da resistência da artéria carótida interna (p.ex.: estenose hemodinamicamente significativa) 9; nesta situação é de importância primária o desenvolvimento de potenciais atalhos de fluxo colateral nos territórios hipoperfundidos, gerando, assim, proteção ao hemisfério contra eventos isquêmicos. Deste modo, a obtenção de informações acerca desses atalhos é do mais alto interesse clínico 20, sendo a artéria oftálmica, como demonstrado por Kerty em pacientes com estenose ou oclusão da artéria carótida interna, um “importante atalho colateral” nos pacientes com estenose ou oclusão da artéria carótida interna, contribuindo como reserva de perfusão cerebral 10, 20. Baseada nesse princípio, e ao contrário do esperado anteriormente, a literatura nacional e internacional vem valorizando a pesquisa da hiperperfusão ocular nas gestantes com pré-eclâmpsia 10. Técnica de exame A técnica de exame foi padronizada por Diniz et al.. O exame é realizado após um período de repouso de 10 minutos, com a paciente em decúbito dorsal e com o transdutor colocado transversalmente sobre a pálpebra com uma pequena quantidade de gel 8. Utilizase o transdutor linear de 7,5MHz. O ângulo de insonação deve ser inferior a 20 graus com filtro de 50Hz, PRF de 125 kHz e amostra de volume de 2mm 8. Sem pressionar o transdutor (a fim de não provocar alterações no fluxo), o examinador realiza movimentos no sentido cranial e caudal para identificar o vaso. A artéria oftálmica deve ser identificada medialmente ao nervo óptico (Figura 2), e, em qualquer ponto de seu trajeto (preferencialmente a 15 mm do disco óptico), Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

seu fluxo deve ser registrado até que se obtenha pelo menos seis ondas sem mudança de padrão 8-9. Após a aquisição da imagem e registro das ondas, realiza-se o cálculo dos índices e parâmetros Doppler. Dentre os índices utilizados, vem ganhando atenção a razão entre os picos de velocidade, ou peak ratio (Figura 3). Este índice foi descrito por Nakatsuka et al. em 2002 para avaliar as ondas com padrão dicrótico, como é o caso da artéria oftálmica. O peak ratio é obtido dividindo o segundo pico de velocidade pelo pico de velocidade sistólica, (PVS2/PVS1) 17, assim, quanto maior for o PVS2, maior será o peak ratio, configurando um quadro de hiperperfusão no território das artérias oftálmicas 8-9. Além do peak ratio, também podem ser utilizados outros índices; o índice de resistência e o índice de pulsatilidade têm a característica de serem ângulo independentes, uma vantagem quando se trata de vasos de trajetória tortuosa, como a artéria oftálmica 11. Doppler em pacientes saudáveis O padrão espectral normal da artéria oftálmica é uma onda de padrão dicrótico, verificado pela presença de onda monofásica, com ascensão sistólica rápida e diástole com duas incisuras, proto e mesodiastólicas; há pequena elevação na velocidade de fluxo após as incisuras, durante a diástole arterial 9, 11. Os índices mais utilizados são os índices de resistência de Pourcelot e índice de pulsatilidade, e os parâmetros: pico de velocidade sistólica, velocidade diastólica final e o peak ratio, descrito por Nakatsuka et al., comentado anteriormente. 8, 11. Não há diferenças estatisticamente significativas dos dados obtidos de um ou outro lado da paciente, seja se tratando da normalidade ou de doenças sistêmicas, o que faz com que, a não ser em situações distintas de doenças oculares ou retro-bulbares, não haja a necessidade de se examinar os dois lados, diminuindo pela metade o tempo de realização do exame 8-9. Outro dado importante é o fato de se tratar de um exame reprodutível, fato confirmado por vários autores 9, 11, 16, 21. Em média, o tempo para a realização do exame varia de 5 a 10 minutos 8. Diniz (2005) identificou que os valores dos índices Doppler durante uma gestação normal, não sofriam modificações significativas nas artérias oftálmicas durante o segundo e o terceiro trimestres da gestação 9, 16 , dados confirmados posteriormente por outros pesquisadores em estudos com maior número de pacientes 11, 22-24. Neste estudo, também foram determinados os valores médios de referência para a normalidade, a pré-eclâmpsia leve e a pré-eclâmpsia grave (Tabela 1). Carneiro (2006) determinou os intervalos de valores normais para os seguintes índices e EURP 2010; 2(2): 65-69


68

Hallack et al– Artéria oftálmica na pré-eclâmpsia parâmetros Doppler: índice de resistência, índice de pulsatilidade, velocidade de pico sistólico, velocidade diastólica final, velocidade de fluxo diastólico final e peak ratio, ao estudar gestações normais entre 20 e 40 semanas 11, 22. Doppler em pacientes com pré-eclâmpsia As modificações hemodinâmicas no sistema nervoso central observadas na pré-eclâmpsia se refletem em alterações significativas nos formatos de onda do Doppler da artéria oftálmica, com aumento do fluxo diastólico após a incisura protodiastólica, o que não é observado nos casos de gestações normais 12. Nas gestantes com pré-eclâmpsia, observa-se aumento significativo do segundo pico de velocidade (pico diastólico - PSV2), quando comparados aos traçados de pacientes normais 9-10, 25. O encontro de elevação do segundo pico (mesodiástole, após a incisura protodiastólica) e formação de grande corcunda (Figura 4) é o achado característico dos casos de pré-eclâmpsia 9, 12. Na comparação dos casos leves e graves, os segundos apresentam elevação significativa nos parâmetros: pico de velocidade sistólica, velocidade diastólica final e peak ratio, sendo estas alterações proporcionais ao agravamento do quadro. Para os demais índices não houve diferença significativa entre os casos leves e graves 9, 12, 16-17. Aplicabilidade Ao estudar a correlação entre a ocorrência de préeclâmpsia, a elevação da PAM e os índices de resistência na artéria oftálmica, verificou-se que o método é capaz de realizar a diferenciação dos estados hipertensivos na gestação e que os índices de resistência diminuem na proporção inversa à elevação da pressão arterial 26. O método também pode ser utilizado para a triagem de pacientes de risco de complicações centrais graves, como a eclampsia e fazer a diferenciação entre pacientes com pré-eclâmpsia leve e grave. 9 Quando ao seu uso como teste preditivo, em estudo realizado, utilizando-se o índice de resistência da artéria oftálmica em primigestas com menos de 26 semanas não foi demonstrada validade na predição para o surgimento da pré-eclampsia. Este resultado é condizente com os conhecimentos teóricos que admitem que, para que aconteça o hiperfluxo encefálico, a paciente já deve estar hipertensa, descaracterizandose o conceito de método preditivo 10. Considerações finais O Doppler da artéria oftálmica é um método relativamente novo, de fácil realização e reprodutível, que permite o estudo da circulação central da gestante, Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

agregando as vantagens de ser não invasivo e de não utilizar contrastes, não esbarrando, assim, em questões técnicas ou éticas. O desenvolvimento desta nova técnica abriu um novo horizonte para o entendimento da fisiopatologia da pré-eclâmpsia. Como método para o acompanhamento de gestantes com pré-eclâmpsia, pode ter serventia para diferenciar os estados hipertensivos na gestação (hipertensão crônica x pré-eclâmpsia). Sabe-se que os parâmetros Doppler se alteram na proporção da elevação da pressão arterial e da vasoconstrição materna, porém, nestes casos, estas medidas refletem “o momento” da realização do exame. Como valor prognóstico a artéria oftálmica poderia triar as pacientes com risco de complicações mais graves, ao avaliar o fenômeno de “centralização materna”, tal como visto na adaptação circulatório de fetos em sofrimento. Como método preditivo, porém, a o estudo do fluxo da artéria oftálmica não apresentou dados estaticamente significantes, pois, para que esta tenha seu fluxo alterado, a vasoconstrição já deve estar estabelecida. O estudo do fluxo da artéria oftálmica é um campo aberto às pesquisas e pode trazer informações importantes para o acompanhamento das pacientes com pré-eclâmpsia, porém sua aplicabilidade ainda carece ser mais bem estabelecida.

Referências 1. Lindheimer MD, Cunningham FG, Roberts JM, Chesley LC. Chesley's hypertensive disorders in pregnancy. 2nd ed. Stamford, CT: Appleton & Lange; 1999. 2. Zuspan FP, Ward MC. Treatment of Eclampsia. South Med J 1964; 57(954-959. 3. DATASUS. Óbitos por Ocorrência por Grupo CID10 segundo Região Período: 2006. Disponível em http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sim/cnv/matuf.def. Acesso em 31 jul. 2009. Available at: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sim/cnv/matuf.def. 4. Conde-Agudelo A, Villar J, Lindheimer M. World Health Organization systematic review of screening tests for preeclampsia. Obstet Gynecol 2004; 104(6): 1367-1391. 5. Dekker GA, Sibai BM. Early detection of preeclampsia. Am J Obstet Gynecol 1991; 165(1): 160-172. 6. Visser W, Wallenburg HC. Prediction and prevention of pregnancy-induced hypertensive disorders. Baillieres Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol 1999; 13(1): 131-156. 7. Costa GC. Histórico e Alicabilidade da Dopplervelocimetria em Obstetrícia. Femina 2005; 33(7): 5. 8. Diniz AL. Doppler dos vasos orbitais - técnica de exame. Radiol Bra 2008; 37(4): 287-290. 9. Diniz AL. Dopplervelocimetria da artéria oftálmica: método aplicável à rotina de acompanhamento das gestantes com préeclâmpsia. Femina 2008; 36(4): 249-255. 10. Melca LAV. Estudo do índice de resistência da artéria oftálmica como preditor dopplerfluxométrico da pré-eclâmpsia. [Mestrado].

EURP 2010; 2(2): 65-69


Hallack et al– Artéria oftálmica na pré-eclâmpsia

69

Belo Horizonte: Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais; 2007. 11. Carneiro RS, Sass N, Diniz AL, Souza EV, Torloni MR, Moron AF. Ophthalmic artery Doppler velocimetry in healthy pregnancy. Int J Gynaecol Obstet 2008; 100(3): 211-215. 12. Diniz AL, Moron AF, dos Santos MC, Sass N, Pires CR, Debs CL. Ophthalmic artery Doppler as a measure of severe pre-eclampsia. Int J Gynaecol Obstet 2008; 100(3): 216-220. 13. Dahmus MA, Barton JR, Sibai BM. Cerebral imaging in eclampsia: magnetic resonance imaging versus computed tomography. Am J Obstet Gynecol 1992; 167(4 Pt 1): 935-941. 14. Sibai BM. Diagnosis, prevention, and management of eclampsia. Obstet Gynecol 2005; 105(2): 402-410. 15. Easterling TR, Benedetti TJ. Preeclampsia: a hyperdynamic disease model. Am J Obstet Gynecol 1989; 160(6): 1447-1453. 16. Diniz AL. Dopplervelocimetria das Artérias Oftálmica e Central da Retina em Gestantes Normais e com Pré-eclâmpsia [Doutorado]. São Paulo: Medicina (Obstetrícia), Universidade Federal de São Paulo; 2005. 17. Nakatsuka M, Takata M, Tada K, Kudo T. Effect of a nitric oxide donor on the ophthalmic artery flow velocity waveform in preeclamptic women. J Ultrasound Med 2002; 21(3): 309-313. 18. Riskin-Mashiah S, Belfort MA. Preeclampsia is associated with global cerebral hemodynamic changes. J Soc Gynecol Investig 2005; 12(4): 253-256. 19. Belfort MA, Saade GR. Retinal vasospasm associated with visual disturbance in preeclampsia: color flow Doppler findings. Am J Obstet Gynecol 1993; 169(3): 523-525. 20. Kerty E, Nyberg-Hansen R, Dahl A, Bakke SJ, Russell D, Rootwelt K. Assessment of the ophthalmic artery as a collateral to the cerebral circulation. A comparison of transorbital Doppler ultrasonography and regional cerebral blood flow measurements. Acta Neurol Scand 1996; 93(5): 374-379. 21. Matthiessen ET, Zeitz O, Richard G, Klemm M. Reproducibility of blood flow velocity measurements using colour decoded Doppler imaging. Eye 2004; 18(4): 400-405. 22. Carneiro RS. Intervalos de Referência dos Índices Dopplervelocimétricos da Artéria Oftálmica em Gestantes Normais. [Mestrado]: Medicina (Obstetrícia), Universidade Federal de São Paulo; 2006. 23. Oliveira CA. Doppler Velocimetry of the Ophthalmic Artery in Normal Pregnancy. J Ultrasound Med 2009; 28(563-569. 24. Oliveira CA. Dopplervelocimetria da artéria oftálmica em gestantes - curva de normalidade. [Mestrado]. Niterói: Medicina, Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense; 2008. 25. Takata M, Nakatsuka M, Kudo T. Differential blood flow in uterine, ophthalmic, and brachial arteries of preeclamptic women. Obstet Gynecol 2002; 100(5 Pt 1): 931-939. 26. Roquette AB. Correlação entre o índice Dopplerfluxometrico de resistência da artéria oftálmica e os níveis plasmáticos dos peptídeos vasoativos ANP e BNP, em gestantes portadoras de préeclâmpsia forma grave [Doutorado]: Medicina - Ginecologia e Obstetrícia, Universidade Federal de Minas Gerais; 2002.

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

EURP 2010; 2(2): 65-69


Artigo de Revisão Papel da ultrassonografia endoscópica na coledocolitíase The role of ultrasonography in choledocholithiasis Javier R Gonzales 1, Wellington P Martins 1, 2

A ultrasonografia endoscópica (UE) tem uma sensibilidade de 97% para o diagnóstico de coledocolitíase e o seu valor preditivo negativo é de 100%; superior à ultrasonografia abdominal, tomografia computarizada (TC), TC helicoidal e ao exame microscópico da bílis duodenal. Não apresenta diferença estadísticamente significativa com a pancreato colangiografia retrógrada endoscópica (PCRE), colangio ressonância e a colangiografia intra-operatória (CIO). A PCRE continua sendo o método padrão para o diagnóstico de litíase da via biliar principal, porém, por apresentar complicações em 3 – 6% dos casos sem esfinterotomia e de 6-12% com esfinterotomia. Este método é reservado só aos casos confirmados de coledocolitíase, ou com alto risco de coledocolitíase. A ultrasonografia endoscópica vem substituindo a PCRE como método diagnóstico da coledocolitíase em casos de baixo e mediano risco de litíase da via biliar principal, devido a sua alta sensibilidade e baixo índice de complicações, sendo o método de escolha para grávida e indivíduos alérgicos aos meios de contraste. Palavras chave: Coledocolitíase; Endosonografía.

1- Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto (EURP) 2- Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) Recebido em 20/04/2010, aceito para publicação em 08/06/2010. Correspondências para Wellington P Martins. Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060. E-mail: wpmartins@ultrassonografia.com.br Fone: (16) 3636-0311 Fax: (16) 3625-1555

Abstract Endoscopic ultrasonography (EU) has a sensitivity of 97% for the diagnosis of choledocholithiasis and its negative predictive value was 100%, higher than the one found for abdominal ultrasound, computerized tomography (CT), helical CT and microscopic examination of duodenal bile. Do not present significative statistical difference with pancreato endoscopic retrograde cholangiography (PCRE), resonance cholangiopancreatography and intraoperative cholangiography (IOC). The PCRE remains the standard method for diagnosis of lithiasis of the bile, however, it complicates in 3-6% of cases without and in 6-12% of cases with sphincterotomy. This method is reserved only to confirmed cases of choledocholithiasis or patients at high risk of choledocholithiasis. Endoscopic ultrasonography is replacing the PCRE as a diagnostic tool of choledocholithiasis in cases of low and medium risk of lithiasis of the bile, due to its high sensitivity and low complication rate, and the method of choice for pregnant and allergic individuals the means of contrast. Keywords: Choledocholithiasis; Endosonography.


71

Gonzales e Martins – Coledocolitíase Introdução Cerca de 15 a 20 % dos casos de litíase vesicular sintomática tem coledocolitíase concomitante 1. Quando o paciente apresenta dor no hipocôndrio direito, icterícia e acolia são necessários exames bioquímicos: dosagem de bilirrubinas sérica, fosfatase alcalina, gama glutamil transferase. Os resultados elevados orientarão a uma icterícia obstrutiva, sendo a causa mais freqüente a coledocolitíase ou litíase da via biliar principal. Para confirmação diagnóstica é necessária a utilização de métodos de imagem, objetivando a visualização da litíase; aqui é onde a ultrasonografia endoscópica tem grande vantagem em relação aos outros métodos de imagem, como a ultrasonografia abdominal, tomografia computarizada, tomografia computarizada helicoidal e é preferida ante a colangioressonância, PCRE e colangiografia intraoperatória. Métodos de imagem para coledocolitiase O exame inicial mais solicitado é a ultrasonografia abdominal, que tem uma baixa sensibilidade para o diagnóstico de colédocolitíase (63%) 1 devido à interposição de gás duodenal. A pancreato colangiografia retrógrada endoscópica (PCRE) é considerada o método padrão-ouro para o diagnóstico de coledocolitíase, porém, suas complicações são consideráveis, chegando a 3-6% nos casos de PCRE sem esfinterotomia e de 6-12% no PCRE com esfinterotomia 1. As complicações reportadas são: pancreatite aguda, dor abdominal transitória e sangramento tardio 2. Foram desenvolvidos outros métodos não invasivos para o diagnóstico de coledocolitíase, ou com menor incidência de complicações, como a tomografia computarizada (com sensibilidade de 70%) e a tomografia computarizada helicoidal (com sensibilidade de 85%). A colangioressonância surgiu como um método não invasivo de sensibilidade similar à PCRE (91%), porém apresenta limitação da resolução permitindo o diagnóstico apenas de cálculos maiores que 1,5 mm. Além disso, a colangioressonância apresenta algumas zonas anatômicas “cegas”, como a região papilar e peri-papilar. A colangiografia intra-operatória tem uma sensibilidade similar à PCRE, porém é considerada não conclusiva em cerca de 9% dos casos, além de que a retirada da pedra por essa via é tecnicamente difícil 1. Ultrasonografia endoscópica A ultrasonografia endoscópica ou endosonografia, com transdutores de alta freqüência (7,5-12 e 20 Megahertz), tem uma alta sensibilidade (97%), valor preditivo negativo de 100% e acurácia de 97%, valores Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

semelhantes à PCRE, colangioressonância e colangiografia intra-operatória. O transdutor é introduzido via endoscopia dentro da segunda porção do duodeno, dirigindo-se ao bulbo duodenal. A ultrasonografia é feita a través da parede duodenal. A curva de aprendizado exige com experiência mínima de um ano 1 ou mais de 100 procedimentos 3. As complicações são mínimas e em quantidade 5 vezes menor que da PCRE 2 . Sendo tão sensível quanto a PCRE e tendo menor incidência de complicações, a ultrasonografia endoscópica é o método preferido para o diagnóstico de coledocolitíase. Porém, depois do diagnóstico, precisará de uma PCRE com esfinterotomia como tratamento. Essa estratégia aumentaria o número de procedimentos endoscópicos para o paciente? O Dr. Polowski (Polonia) demonstrou que não tem diferença estadisticamente significativa no número de procedimentos endoscópicos entre: a UE diagnóstica seguida de PCRE terapêutica versus a PCRE diagnóstica e terapêutica; isso devido a que a PCRE diagnóstica precisa repetir o procedimento após um primeiro exame falido em um 20% dos casos, enquanto que a ultrasonografia endoscópica não 2. Ultrasonografia endoscópica Vs PCRE O Dr. Sgouros (Grécia) concluiu que o método diagnóstico de coledocolitíase de eleição é a ultrasonografia endoscópica, sobretudo em grávidas e alérgicos ao meio de contraste, exceto em casos onde a endoscopia este contra-indicada (Bilroth II, estenose pilórica, divertículo duodenal, idade muito avançada); nesses casos a colangioressonância é preferível. A PCRE seria reservada só como terapêutica nos casos já diagnosticados ou com alto risco de coledocolitíase 1. Risco de coledocolitíase O risco de coledocolitíase foi classificado em vários graus pelo Dr Larghi (Itália), segundo a tabela 1 4. Observe se que pacientes assintomáticos, com bioquímica e diâmetro de colédoco normais, podem ter coledocolitíase em um 2–3% dos casos e podem ser detectados pela UE. Fluxograma em casos suspeitos de coledocolitíase Com toda essa informação foi elaborada uma estratégia de ultrasonografia endoscópica para pacientes suspeitos de coledocolitíase 1, esquematizado na fig. 1. Demonstrou-se que os pacientes com ultrasonografia endoscópica negativa têm pouca probabilidade de precisar de PCRE durante um ano 5. Considerações finais EURP 2010; 2(2): 70-72


Gonzales e Martins – Coledocolitíase

72

Estima-se que 15 a 20 % dos casos de litíase vesicular sintomática apresentam coledocolitíase concomitante. Os casos suspeitos podem ser classificados em baixo, médio ou alto risco de ter coledocolitíase, segundo o quadro clínico, exames bioquímicos e diâmetro do colédoco. Até 69% dos casos suspeitos são classificados como médio ou baixo risco. A ultrasonografia endoscópica seria o método de escolha para o diagnóstico de coledocolitíase, sobretudo em gestantes e indivíduos alérgicos ao meio de contraste. Os positivos serão submetidos à PCRE terapêutica, assim como os pacientes primariamente classificados como de alto risco (31%). Dessa maneira a PCRE ficaria reservada principalmente como terapêutica, evitando complicações desnecessárias nos casos em que a probabilidade de coledocolitíase é menor. As contra-indicações da ultrasonografia endoscópica são as mesmas que às da endoscopia (Bilroth II, estenose pilórica, divertículo duodenal, idade avançada). Nesses casos a colangioressonancia é a preferida por ser um método não invasivo de alta sensibilidade. A tomografia computarizada helicoidal é recomendada para avaliar a via biliar intra-hepática e o conduto hepático direito, áreas onde a ultrasonografia endoscópica não alcança. A colangiografia intra-operatória teria só uma vantagem, a demonstração de variantes anatômicas da via biliar. A ultrasonografia endoscópica tem uma sensibilidade de 97% para o diagnóstico de coledocolitíase, o seu valor preditivo negativo é de 100% e sua acurácia é de 97%; superior à ultrasonografia abdominal, tomografia computarizada e tomografia computarizada helicoidal. Não tem diferença estadisticamente significativa com a PCRE, colangioressonância e a colangiografia intra-operatória. Suas complicações são mínimas, sendo 5 vezes menor que da PCRE. Referências 1. Sgouros SN, Bergele C. Endoscopic ultrasonography versus other diagnostic modalities in the diagnosis of choledocholithiasis. Dig Dis Sci 2006; 51(12): 2280-2286. 2. Polkowski M, Regula J, Tilszer A, Butruk E. Endoscopic ultrasound versus endoscopic retrograde cholangiography for patients with intermediate probability of bile duct stones: a randomized trial comparing two management strategies. Endoscopy 2007; 39(4): 296-303. 3. Lachter J. Fatal complications of endoscopic ultrasonography: a look at 18 cases. Endoscopy 2007; 39(8): 747-750. 4. Larghi A, Petrone MC, Galasso D, Arcidiacono PG. Endoscopic ultrasound in the evaluation of pancreaticobiliary disorders. Dig Liver Dis 2010; 42(1): 6-15. 5. Napoleon B, Dumortier J, Keriven-Souquet O, Pujol B, Ponchon T, Souquet JC. Do normal findings at biliary endoscopic ultrasonography obviate the need for endoscopic retrograde cholangiography in patients with suspicion of common bile duct stone? A prospective follow-up study of 238 patients. Endoscopy 2003; 35(5): 411-415.

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

EURP 2010; 2(2): 70-72


Artigo de Revisão A avaliação das efusões pleurais pela ultrassonografia The evaluation of pleural effusions by ultrasound Pábia F Simão1, Wellington P Martins 1, 2

A efusão pleural ocorre devido a um desequilíbrio entre a produção e absorção de líquido pelas pleuras e vasos linfáticos do espaço pleural. Sua presença pode ser avaliada pelo exame físico e utilizando-se exames de imagem para confirmar ou descartar sua existência, que são o raio-X, a tomografia computadorizada e o ultrassom. Cada um desses exames apresenta vantagens, desvantagens e limitações, sendo que a ultrassonografia pleural fornece as características da efusão, as maneiras de estimar seu volume e como auxiliar na realização da punção com baixo risco de complicações. Palavras chave: Efusão pleural; Ultrassom pleural; Toracocentese.

1- Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto (EURP) 2- Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) Recebido em 18/08/2009, aceito para publicação em 02/05/2010. Correspondências para Wellington P Martins. Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060. E-mail: wpmartins@ultrassonografia.com.br Fone: (16) 3636-0311 Fax: (16) 3625-1555

The pleural effusion occurs due to an imbalance between production and absorption of fluid by the lymphatic vessels of the pleura and pleural space. Their presence can be assessed by physical examination and by using imaging tests to confirm or discard its existence; which are the X-ray, the computed tomography and ultrasound. Each of these tests has advantage, disadvantage and limitations, and the ultrasound provides characteristics of pleural effusion, the ways to estimate its volume and assist in achieving the puncture with a low risk of complication. Keywords: Pleural effusion; Pleural ultrasound; Thoracentesis.

Abstract

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

EURP 2010; 2(2): 73-76


74

Simão & Marins – Efusões pleurais Introdução A efusão pleural é um evento que pode ser esperado em algumas patologias (como nas insuficiências cardíaca e hepática) ou pode representar uma mudança inesperada (como nos processos infecciosos e hemorrágicos) nas condições clinicas de um paciente, alterando sua evolução e prognóstico. Sendo assim, na suspeita de sua presença pelo exame clinico, é imperiosa a utilização de exames de imagem para definir sua real existência, e quando presente suas características, seu volume e auxiliar no seu diagnóstico através da realização de punção para analise bioquímica. Para esta avaliação, existem três tipos de exame de imagem: a radiografia de tórax nos decúbitos dorsal e lateral, a tomografia computadorizada e a ultrassonografia (USG). A mais utilizada e a primeira a ser realizada é a radiografia. Quando não há restrições para a realização do decúbito lateral, é um exame com alta acurácia no diagnóstico da efusão1. Quando não é possível sua realização, somente o raio-X em decúbito dorsal não ajuda a definir o diagnóstico e outros exames se fazem necessários. A tomografia computadorizada (TC) é o melhor exame para fornecer informações de toda a cavidade pleural, mas é necessária a remoção do paciente ao setor de propedêutica e a exposição à radiação. Se há restrições a remoção do paciente devido à instabilidade hemodinâmica ou existência de múltiplos dispositivos (respirador, acessos venosos profundos, monitoramento cardíaco, etc.), a TC torna-se inviável. Nestes casos, a USG torna-se o método de escolha pela possibilidade de ser realizada a beira do leito, não acarretar em exposição à radiação, poder ser repetida quantas vezes forem necessárias 2, sendo útil para guiar a punção da efusão, mesmo em pacientes sob ventilação mecânica 3 e fornece informações como volume e ecogênicidade que auxilia na elaboração de um diagnóstico etiológico.

Anatomia e fisiologia da cavidade pleural A cavidade pleural é um espaço potencial existente entre as pleuras visceral e parietal, e a distância entre ambas é inferior a um milímetro 4, o que associado ao fato de cada pleura apresentar uma espessura de 0,20,4mm, dificulta a individualização das mesmas no exame normal. A pleura visceral envolve o parênquima pulmonar e desliza sobre a pleura parietal devido à existência de uma fina camada de líquido produzida para permitir este movimento sem gerar atrito. Esta camada é formada pela transudação de pequena quantidade de líquido intersticial para o espaço pleural, carreando Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

proteínas teciduais, que lhe confere aspecto mucoso e é mantida constante pela ação dos vasos linfaticos. A efusão pleural ocorre por diversas causas que afetam este equilíbrio5, como o bloqueio da drenagem linfática, o aumento das pressões capilares com aumento da transudação de fluido para a cavidade pleural, a queda da pressão coloidosmótica do plasma, levando a aumento da transudação e os processos infecciosos ou inflamatórios acometendo as superfícies pleurais, lesando as membranas capilares e permitindo a passagem livre de proteínas e liquido para o interior da cavidade pleural. Avaliação das efusões pleurais Na suspeita clinica de efusão pleural, inicia-se a investigação com a realização da radiografia de tórax em duas incidências, postero-anterior(PA) e em decúbito lateral com raios horizontais(DL). Por essas duas incidências pode-se evidenciar a existência de líquido na cavidade pleural,sendo que em PA visualiza-se efusões com volume mínimo de 200ml e o DL com apenas 50 ml 3. Nos pacientes na terapia intensiva (UTI), somente a radiografia em decúbito dorsal é realizada, com o paciente deitado no leito (incidência ântero-posterior) e apresenta várias limitações 6, desde dificuldades técnicas para se controlar a dispersão da radiação até limitações dos próprios pacientes (como edema, obesidade, pouca ou nenhuma colaboração), o que explica a dificuldade de se fechar um diagnóstico de efusão pleural com uma imagem sem qualidade técnica, com achados que podem significar tanto uma consolidação como uma efusão ( exemplos: perda da silhueta do diafragma, opacificação dos seios costo-frênicos ou do hemitórax). Desta forma, a radiografia em decúbito dorsal, para diagnóstico de uma efusão pleural tem baixa acúracia. Quando o RX não é conclusivo, o exame a ser solicitado vai depender das condições clínicas do paciente. Se for um paciente estável, que não há restrições a seu transporte e sem grandes aparatos (dispositivos de monitoramento, acessos multiplos, etc.) a TC é um excelente exame para avaliar toda a cavidade pleural e fornecer informações sobre presença da efusão e seu volume. Se houver impedimentos ao transporte do paciente ao setor de propedeutica, a USG. Existem várias estruturas no tórax que não permitem uma boa avaliação ultrassonografica de toda a cavidade torácica. A existência de um esqueleto osseo, que absorve todo o feixe acústico, cercando uma estrutura aerada, que reflete o feixe totalmente, seria o pior contexto para a realizacão da USG. Mas a avaliação da cavidade pleural se torna possível a partir do momento em que a mesma é acometida por patologias que alteram esse panorama. É o que ocorre com a EURP 2010; 2(2): 73-76


75

Simão & Marins – Efusões pleurais efusão pleural, constituida por líquido com densidade intermediária entre osso e ar, que permite a passagem do feixe acústico e sua reflexão na medida certa para formação de imagem. A existência da efusão pleural pode ser avaliada pela ultrassonografia com transdutores lineares ou setoriais, estando o paciente em decubito dorsal ou sentado. Tem a vantagem de poder ser realizada a beira do leito, sem mudança de decubito, de identificar minimos volumes de ate 5ml 7 e fornece características que podem sugerir um exsudato ou um transudasto, mas com a desvantagem de não realizar uma varredura ampla de todo o torax, sendo direcionada para a avaliação das alterações encontradas na radiografia. A efusão pleural é relativamente frequente na UTI devido a múltiplos fatores3, como a infusão de grandes volumes de fluidos à internação (pacientes em choque), o uso de ventilação mecânica prolongada, a existência de patologias sistêmicas (insuficiência cardíaca, hepática e renal), pós-operatório de cirurgia cardíaca e abdominal, as internações prolongadas predispondo a infecções (pneumonia) e a migração de cateteres intravasculares. A avaliação da efusão se torna importante para diferenciar estas várias causas, que podem alterar o tratamento e prognóstico dos pacientes, sendo a toracocentese o método para o diagnóstico etiológico. Achados do ultrassom pleural Pela USG pleural podemos avaliar a presença ou ausência de efusão pleural, descartar a existência de pneumotórax e avaliar algumas alterações no parênquima pulmonar periférico. Segundo Mayo 7, existem alguns achados que demonstram a existência da efusão e a ausência de pneumotórax, a saber: 1- presença do sinal da água-viva, que é a flutuação do parênquima pulmonar colapsado no liquido pleural, ocorrendo com volumes moderado a grande; 2- sinal da cortina, que é a flutuação do pulmão normal sobre a efusão pleural, dificultando sua visibilização, ocorre com efusões de pequeno volume; 3- hepatização pulmonar, que é a presença de parênquima pulmonar com densidade semelhante ao parênquima hepático, correspondendo à área pulmonar pouco ventilada; 4pulmão deslizante, que consiste na presença do deslizamento entre as pleuras visceral e parietal normal, que exclui a presença de pneumotórax. A ausência deste sinal é forte indicio, mas não absoluto, da existência do pneumotórax. 7. O diagnóstico de pneumotórax é a parte mais difícil do treinamento em ultrassonografia 2 e que demanda mais experiência. Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

Avaliação do volume da efusão pleural Existem várias formulas e técnicas para se avaliar o volume da efusão pleural. A maneira mais simples é a que depende da experiência do examinador, que observando a efusão a classifica 8 em: mínima (quando acomete somente o ângulo costofrênico), pequena (quando abrange o ângulo e uma área inferior a imagem formada pelo transdutor), moderada (quando acomete até duas vezes a área da imagem do transdutor) ou volumosa (quando é maior que duas vezes a área de abrangência do transdutor), sem precisar o volume. Sendo necessária uma medida volumétrica, Eibenberger 1, correlacionou a espessura da efusão pleural com o volume da mesma, sendo essa a maior medida perpendicular entre a parede torácica e a superfície pulmonar posterior, com o paciente em decúbito dorsal. Em seus resultados observou que espessura de 20 mm correspondia a um volume de 380 ml +-130 ml (DP) e 40 mm correspondia a 1000 ml +- 330 ml (DP). Outra técnica de se avaliar o volume pleural seria utilizando a fórmula descrita por Goecke et.al.9 que soma a distância da base do pulmão ao diafragma com a profundidade máxima (paciente em posição sentada) da efusão vezes uma constante (70) que resulta no volume aproximado, com coeficiente de correlação de 0,87.

Avaliação da ecogênicidade da efusão pleural As efusões podem se apresentar com quatro aparências ao ultrassom 10-11: anecoícas, complexas não septadas, complexas septadas e ecogênicas. As anecóicas são livres de debris e comumente representam transudatos, apesar de que exsudatos também podem ter essa aparência. As outras três aparências somente ocorrem nos exsudatos. Estes podem ser homogêneos ou heterogêneos. Os homogêneos contêm alta celularidade e são comumente causados por empiemas ou hemotórax. As efusões com alta celularidade podem também apresentar-se com aspecto heterogêneo, quando ocorre a separação da parte fluida da parte celular, principalmente após repouso, gerando uma imagem conhecida como sinal do hematócrito. As efusões heterogêneas podem conter septos e produzir loculações do fluido. A existência de espessamento pleural e lesão no parênquima pulmonar são indicativas de exsudato 11. Apesar de fornecer informações que ajudam na diferenciação entre transudatos e exsudatos, o diagnósEURP 2010; 2(2): 73-76


76

Simão & Marins – Efusões pleurais tico definitivo será feito com a análise de líquido após a toracocentese. Toracocentese diagnóstica A ultrassonografia de tórax pode localizar e guiar punções de efusões pleurais com relativa segurança, reduzindo os riscos de complicações e pode ser realizada em pacientes sobre ventilação mecânica. As contra-indicações ao procedimento3, guiado ou não por ultrassom são as mesmas: agitação, hipóxia severa e instabilidade hemodinâmica. Para ser realizada em segurança é necessária uma distância mínima de 15 mm entre o parênquima pulmonar e a parede torácica na inspiração, e a avaliação precisa da ausência de interposição do pulmão, coração, fígado ou baço durante o movimento respiratório. Com todos esses cuidados, Mayo 12 relatou 1,3% de pneumotórax (3 casos em 232 pacientes)e Azoulay3 teve uma incidência de 7% de pneumotórax em pacientes em ventilação mecânica com pressão positiva e nenhuma punção inadvertida de órgãos. A incidência de complicações foi baixa nos dois trabalhos, mostrando que a punção guiada reduz os riscos de pneumotórax e torna mais segura a toracocentese em pacientes sobre ventilação mecânica.

2. Bouhemad B, Zhang M, Lu Q, Rouby JJ. Clinical review: Bedside lung ultrasound in critical care practice. Crit Care 2007; 11(1): 205. 3. Azoulay E. Pleural effusions in the intensive care unit. Curr Opin Pulm Med 2003; 9(4): 291-297. 4. Beckh S, Bolcskei PL, Lessnau KD. Real-time chest ultrasonography: a comprehensive review for the pulmonologist. Chest 2002; 122(5): 1759-1773. 5. Guyton AC. Tratado de Fisiologia Médica. Oitava edição ed; 1992. 6. Pneumatikos I, Bouros D. Pleural effusions in critically ill patients. Respiration 2008; 76(3): 241-248. 7. Paul H. Mayo M, T, Peter Doelken, MDb. Pleural Ultrasonography. Clin Chest Med 27 (2006) 2006; 215 – 227. 8. Ferreira ACF, Francisco Mauad; Braga, Tatiana; Fanstone, Glenda D.;Chodraui, Ivan C. B.; Onari, Nilton. Papel da ultrasonografia na avaliação da efusão pleural. Radiologia Brasileira 2006; 39 (2)(145-150. 9. Schmidt G. Atlas de Diagnóstico Diferencial em Ultra-sonografia Primeira edição ed: Guanabara Koogan; 2008. 10. Koh DM, Burke S, Davies N, Padley SP. Transthoracic US of the chest: clinical uses and applications. Radiographics 2002; 22(1): e1. 11. Yang PC, Luh KT, Chang DB, Wu HD, Yu CJ, Kuo SH. Value of sonography in determining the nature of pleural effusion: analysis of 320 cases. AJR Am J Roentgenol 1992; 159(1): 29-33. 12. Mayo PH, Goltz HR, Tafreshi M, Doelken P. Safety of ultrasound-guided thoracentesis in patients receiving mechanical ventilation. Chest 2004; 125(3): 1059-1062.

Considerações finais Portanto, a USG pleural é o exame a ser solicitado quando a suspeita de efusão pleural, não claramente evidenciado ao RX. Além de avaliar se há ou não efusão, fornece informações de suas características ecográficas, que permite uma correlação com transudatos e exsudatos podendo indicar um diagnóstico etiológico possível, que só será confirmado com a toraconcentese. Além disso, possibilita uma estimativa do volume pleural sem formulas ou uma aferição com 87% de correlação com o volume real 9 e auxilia a punção, até em pacientes sobre ventilação mecânica, reduzindo os riscos de complicações nessa população. Desta forma, a ultrassonografia esta se tornando o exame de imagem mais utilizado por sua mobilidade e facilidade de ser realizada a beira do leito e por fornecer informações importantes que são ferramentas úteis para orientar um diagnóstico e tratamento, permitindo ao médico atendente concluir o diagnóstico do paciente e conduzir a decisão do melhor tratamento a ser realizado em cada caso. Referências 1. Eibenberger KL, Dock WI, Ammann ME, Dorffner R, Hormann MF, Grabenwoger F. Quantification of pleural effusions: sonography versus radiography. Radiology 1994; 191(3): 681-684.

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

EURP 2010; 2(2): 73-76


Artigo de Revisão Ultrassonografia em uroginecologia: técnica e aplicações clínicas Ultrasonography in urogynecology: technics and clinical applications Patrícia de A S Reis1,2, Wellington P Martins 1, 2

A ultrassonografia representa recurso útil na avaliação da anatomia normal e patológica do assoalho pélvico. Após um breve comentário acerca do estado atual do conhecimento da morfofisiologia do assoalho pélvico e suas disfunções, esta revisão apresenta os aspectos mais relevantes das técnicas ultrassonográficas utilizadas em uroginecologia e suas aplicações clínicas.

Palavras chave: Ultrassonografia; Assoalho pélvico; Levantador do ânus; Incontinência urinária; Prolapso genital.

1- Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto (EURP) 2- Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) Recebido em 08/07/2009, aceito para publicação em 09/07/2010. Correspondências para Wellington P Martins. Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060. E-mail: wpmartins@ultrassonografia.com.br Fone: (16) 3636-0311 Fax: (16) 3625-1555

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

Abstract The ultrasonography represents useful resource in evaluation of normal and pathologic anatomy of the pelvic floor. After a brief comment about the present state of knowledge referent to the morphophisiology of the pelvic floor and its dysfunctions, this review presents the most relevant aspects of the ultrasonographic technics used in urogynecology and its clinical applications. Keywords: Ultrasonography; Pelvic floor; Levator ani; Urinary incontinence; Pelvic organ prolapsed.

EURP 2010; 2(2): 77-82


78

Reis & Martins – Ultrassonografia em uroginecologia Introdução Ao longo da história, várias teorias foram propostas para explicar a fisiologia normal do assoalho pélvico e a etiopatogenia de suas disfunções 1. Embora algumas apresentem bases bem fundamentadas, nenhuma delas é isoladamente capaz de explicar todos os casos de incontinência urinária e prolapso genital. O desconhecimento fisiológico passa pelo desconhecimento morfológico, uma vez que a anatomia normal do assoalho pélvico constitui ainda hoje objeto de divergência na comunidade científica 2. Torna-se a cada dia mais evidente que a avaliação clínica isolada da anatomia e função do assoalho pélvico parece insuficiente para a obtenção de um diagnóstico preciso 3. Além de exigir razoável habilidade e treinamento por parte do examinador, esta permite apenas a observação da anatomia da superfície, o que pode levar a erros de interpretação e a equívocos na indicação da abordagem terapêutica mais adequada. Este fato, aliado à falta de um conhecimento mais profundo acerca da fisiopatologia da disfunções do assoalho pélvico, explica em parte os maus resultados frequentemente observados após cirurgias reconstrutivas pélvicas ou as diversas modalidades de tratamento clínico atualmente disponíveis 4. Tal contexto justifica que se volte a atenção para o estudo e desenvolvimento da ultrassonografia como recurso valioso dentro da uroginecologia, necessidade que vai de encontro com uma tendência contemporânea mundial. A revisão da literatura científica internacional atual mostra que a maioria dos estudos morfológicos recentes acerca do trato urinário inferior e assoalho pélvico feminino envolvem a participação da ultrassonografia 4. No intuito de fornecer alguma contribuição, divulgando informações gerais sobre o papel da ultrassonografia em uroginecologia e abordando alguns de seus fundamentos básicos, foi elaborada esta monografia. Anatomia funcional do assoalho pélvico Os órgãos pélvicos são mantidos em suas posições fisiológicas por um sistema composto de músculos, ligamentos, aponeuroses e fáscias 5. As estruturas musculares constituem os diafragmas pélvico e urogenital. O diafragma urogenital, de importância secundária na manutenção da estática pélvica, pode ser didaticamente dividido em um compartimento superficial, formado pelos músculos transverso superficial do períneo, bulboesponjoso, isquiocavernoso e esfíncter estriado uretral, e um compartimento profundo, formado pelo músculo transverso profundo do períneo e esfíncter estriado anal. O diafragma ou assoalho pélvico, de maior destaque, representa o sistema muscular que oclui inferiormente a pelve, estendenExperts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

do-se do púbis ao cóccix, e de uma parede lateral pélvica à outra. É formado pelos músculos levantadores do ânus e músculos coccígeos ou isquiococcígeos, assim como pelas fáscias que os revestem superiormente. O músculo levantador do ânus, componente mais importante do assoalho pélvico, é classicamente dividido em três segmentos: puborretal, pubococcígeo e ileococcígeo. Os segmentos puborretal e pubococcígeo inserem-se no osso púbico bilateralmente e seguem contornando a bexiga, vagina e reto até convergirem na linha média posterior como o platô ou placa do levantador do ânus. As fibras da parte proximal do platô do levantador do ânus inserem-se no sacro e cóccix, e as da parte mais distal se mesclam com as fibras do esfíncter anal externo. O segmento ileococcígeo insere-se bilateralmente na aponeurose do músculo obliquo interno, músculo que delimita lateralmente a pelve óssea, ao longo de uma linha de condensação de tecido conjuntivo denominada arco tendíneo do levantador do ânus, que vai do púbis às espinhas ciáticas. O músculo coccígeo ou isquiococcígeo, segundo componente muscular do assoalho pélvico, mantém por sua vez uma íntima relação com o ligamento sacroespinhoso. O tecido conjuntivo que reveste superiormente o diafragma muscular e fixa os órgãos às paredes pélvicas é denominado fáscia endopélvica. A porção da fáscia endopélvica responsável pela fixação do útero é denominada paramétrio, a porção que fixa a vagina é denominada paracolpo, e a vagina encontrase ainda lateralmente fixa às paredes pélvicas através da sua conexão de cada lado com uma linha de condensação da fáscia endopélvica denominada arco tendíneo da fáscia pélvica. Esta estrutura insere-se anteriormente no púbis, em uma região mais medial em relação ao arco tendíneo do músculo levantador do ânus, e posteriormente nas espinhas ciáticas. A área da fáscia endopélvica compreendida entre os arcos tendíneos da fáscia pélvica e sobre a qual repousa a bexiga e a uretra é denominada fáscia pubocervical ou fáscia vesicovaginal, a qual se funde com a parede vaginal anterior para constituir uma estrutura de suporte importante para a bexiga e a uretra. Posteriormente à vagina, esta fáscia constitui a fáscia retovaginal, que também se funde com a parede vaginal posterior para exercer o suporte do compartimento posterior. Condensações da fáscia endopélvica constituem ainda os ligamentos cardinais e uterossacros. Outras estruturas ligamentares que merecem menção por sua relevância dentro da teoria integral 6, uma das mais aceitas para explicar a fisiopatologia das disfunções do assoalho pélvico, são os ligamentos uretroEURP 2010; 2(2): 77-82


79

Reis & Martins – Ultrassonografia em uroginecologia pélvicos, importantes elementos de sustentação uretral que conectam a parede vaginal anterior ao púbis. A anatomia do assoalho pélvico pode ser estudada através de dissecção convencional, observação cirúrgica, análise seccional por secções anatômicas ou métodos de imagem. O estudo em cadáveres apresenta como limitações a perda do tônus muscular, a distorção causada pelas técnicas de preparo e preservação, o uso de espécimes de multíparas com atrofia e lesões do diafragma pélvico, e o difícil acesso à dissecção, que faz com que o procedimento freqüentemente altere relações anatômicas, destrua pontos de referência e remova estruturas relevantes. A observação intra-operatória tem como desvantagens a invasibilidade e a dificuldade de discernimento e distorção morfológica de algumas estruturas durante a cirurgia. A melhor alternativa para estudo da anatomia do assoalho pélvico em indivíduos vivos é representada atualmente pelos métodos de imagem. A tomografia computadorizada não fornece bom contraste de partes moles e a ressonância magnética, embora proporcione a melhor resolução de imagem, tem como limitações o alto custo, a dificuldade em se obter avaliações dinâmicas e o expressivo consumo de tempo no processo de reconstrução tridimensional (semiautomática). A ultrassonografia constitui portanto o método de imagem de escolha para avaliação e estudo do assoalho pélvico, por sua inocuidade, custo acessível, possibilidade de avaliação dinâmica e tecnologia de reconstrução tridimensional automática 3. Disfunções do assoalho pélvico As disfunções do assoalho pélvico são desordens comuns em mulheres, com baixa morbidade e mortalidade, mas que afetam muito a qualidade de vida. As principais disfunções do assoalho pélvico são o prolapso genital e a incontinência urinária 4. O prolapso genital, definido como a descida anormal dos órgãos pélvicos pelo canal vaginal, pode apresentar-se de diversas formas. Os defeitos do compartimento anterior manifestam-se como procidência de parede vaginal anterior (uretrocele, cistocele, uretrocistocele), os do compartimento médio ou apical como prolapso uterino ou de cúpula vaginal (póshisterectomia), e os do compartimento posterior como procidência de parede vaginal posterior (retocele, enterocele). Mais freqüentemente, observa-se uma associação de diferentes tipos de prolapso 3. A incontinência urinária, definida como a perda involuntária de urina, pode ser classificada de acordo com sua etiopatogenia em incontinência de esforço, bexiga hiperativa, incontinência mista e incontinência por retenção crônica de urina 7. A incontinência urinária de esforço ocorre por comprometimento do meExperts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

canismo esfincteriano, extrínseco ou intrínseco. O mecanismo esfincteriano extrínseco, representado pelo assoalho pélvico, garante o adequado posicionamento e mobilidade do colo vesical e uretra proximal. O defeito neste mecanismo leva à incontinência de esforço por hipermobilidade uretral. O mecanismo esfincteriano intrínseco, representado pelo pregueamento da mucosa, plexo vascular da submucosa, e pelas fibras musculares uretrais lisas e estriadas, é responsável pelo selamento da luz uretral. O defeito neste mecanismo leva à incontinência de esforço por deficiência esfincteriana intrínseca. Na bexiga hiperativa a perda se dá por contrações involuntárias do detrusor, na incontinência mista há a associação de incontinência de esforço com bexiga hiperativa, e na incontinência por retenção crônica de urina (anteriormente denominada “por transbordamento”), a perda se dá quando a capacidade de armazenamento da bexiga é superada por esvaziamento vesical deficiente (decorrente de hipocontratilidade do detrusor ou obstrução infravesical). O estudo urodinâmico representa o padrão ouro na investigação das disfunções do trato urinário inferior 8. Tem como objetivo reproduzir estas disfunções sob condições de observação, através do registro simultâneo do fluxo urinário e das pressões vesical e abdominal durante o enchimento e esvaziamento da bexiga. Não permite entretanto diferenciar a incontinência de esforço por hipermobilidade uretral da deficiência intrínseca quando a Pressão de Perda ao Esforço (menor pressão ao esforço que causa a perda) assume valores intermediários, entre 60 e 90 cmH2O. Nesta eventualidade, a conduta deve ser baseada em dados clínicos e propedêutica adicional, assumindo posição de destaque a avaliação ecográfica da mobilidade do colo vesical. Técnica do exame ecográfico São utilizadas em uroginecologia as vias de acesso transabdominal, transvaginal, introital e translabial ou transperineal 9. O uso da via transabdominal restringe-se à medidas do volume vesical e da espessura da parede vesical ou músculo detrusor. Já as vias transvaginal e introital permitem todas as outras avaliações de importância em uroginecologia, entretanto a presença do transdutor endocavitário no canal ou intróito vaginais é apontada como possível causa de distorção anatômica 4. A via translabial ou transperineal é a mais amplamente empregada, e requer para a ecografia bidimensional básica um transdutor convexo com freqüência entre 3,5 e 6 MHz e equipamento com função cineloop. Preconiza-se que a paciente, com bexiga confortavelmente cheia, seja colocada em posição de litotomia EURP 2010; 2(2): 77-82


80

Reis & Martins – Ultrassonografia em uroginecologia e que o transdutor, protegido por luva sem talco e lubrificado por solução gelatinosa de contato, seja posicionado entre os pequenos lábios ou o sobre o períneo de modo a se obter uma imagem do plano sagital medial que inclua a sínfise púbica, a uretra e o colo vesical, a vagina e o colo uterino, o reto e o canal anal. Não há consenso na literatura científica quanto à orientação da imagem. Planos parassagitais e transversos podem oferecer informações adicionais 4. Aplicações clínicas da ultrassonografia em uroginecologia Segundo consenso publicado este ano pela Associação Internacional de Uroginecologia e Sociedade Internacional de Continência 9, as possíveis aplicações na rotina atual para a ultrassonografia em uroginecologia e urologia feminina incluem o estudo do colo vesical (posição, mobilidade, abertura), a identificação de defeitos do assoalho pélvico (músculo levantador do ânus), a visualização dos prolapsos genitais, o diagnóstico de anormalidades da uretra (ex: divertículo) e bexiga (ex: tumor, corpo estranho), a avaliação pósoperatória de cirurgias antiincontinência, a determinação do resíduo urinário pós-miccional e a investigação do posicionamento uterino e de outras doenças pélvicas associadas. O estudo do colo vesical inclui a avaliação da posição e mobilidade do colo vesical em repouso, durante o esforço e durante a contração do assoalho pélvico. Envolve ainda a determinação dos ângulos de inclinação da uretra, o ângulo retrovesical () e o ângulo pubouretral (), a identificação do movimento de rotação da uretra proximal e/ou observação do seu afunilamento durante o esforço, e a verificação visual da perda urinária. Não há ainda padronização da metodologia de estudo da topografia e mobilidade do colo vesical, nem consenso quanto ao valor de corte para a determinação de hipermobilidade uretral 9. Também permanece pouco clara a associação do achado ecográfico de hipermobilidade uretral com o diagnóstico de incontinência urinária de esforço pela urodinâmica 10 . Entretanto, algumas diretrizes têm sido propostas para a avaliação da mobilidade do colo vesical 9, 11-12: o transdutor deve ser submetido a pressão leve, apenas suficiente para a obtenção de boa imagem, a bexiga deve estar moderadamente cheia (200-300 ml), uma vez que a repleção excessiva reduz sua mobilidade, e a mensuração da topografia do colo vesical em repouso e de sua mobilidade durante manobras de esforço deve utilizar a sínfise púbica como ponto de referência. Na metodologia mais empregada para avaliação da mobilidade do colo vesical, mede-se a distância que vai do ponto médio do colo vesical até um plano horiExperts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

zontal que passa pela borda inferior da sínfise púbica no repouso e no esforço, sem alteração da posição do transdutor. A diferença entre as duas medidas corresponde à amplitude de deslocamento ou mobilidade do colo vesical. Em nosso meio, valores superiores a 10 mm são considerados hipermobilidade do colo vesical 9, 12. A integridade anatômica e funcional do assoalho pélvico pode ser ainda avaliada através da análise do deslocamento do colo vesical e das outras estruturas pélvicas durante sua contração 13-14. A contração adequada do assoalho pélvico, sobretudo do levantador do ânus, tem como consequência o deslocamento cranioventral dos órgãos pélvicos. A demonstração visual desta mobilidade pode ser utilizada para biofeedback, ensinando aos indivíduos submetidos à fisioterapia do assoalho pélvico a contração mais adequada e eficiente do ponto de vista terapêutico. A avaliação do posicionamento e mobilidade do colo vesical durante os esforços e a contração do assoalho pélvico abrange ainda a determinação dos ângulos de inclinação da uretra, que também integram a padronização recente da Associação Internacional de Uroginecologia e Sociedade Internacional de Continência 9. O ângulo retrovesical, também denominado ângulo uretrovesical posterior (), é formado pelo eixo da uretra e a linha que passa pela parede posterior da bexiga, junto ao colo vesical. Em condições normais, varia de 90° a 110°. Tem como principal aplicação a avaliação do grau de inclinação da uretra em repouso e do seu movimento de rotação pósteroinferior durante o esforço. Por exemplo, um ângulo β anormalmente aumentado durante o esforço, característico da cistouretrocele, costuma associar-se mais com quadros de incontinência de esforço, enquanto um ângulo β preservado ou reduzido, indicador de cistocele isolada sem uretrocele concomitante, associa-se mais frequentemente com distúrbios de esvaziamento, eventualmente com bexiga hiperativa ou incontinência por retenção crônica de urina secundárias à obstrução infravesical pelo prolapso 4. O ângulo pubouretral () é formado pelo eixo central da sínfise púbica e a linha que vai da borda inferior da sínfise púbica à parede anterior do colo vesical. É menos utilizado em relação ao ângulo , o que se deve em parte ao fato de nem sempre ser conseguida boa visualização do eixo da sínfise púbica devido à sua sombra acústica. A medida do ângulo , além de representar mais um parâmetro para determinação da posição e mobilidade da uretra, serve também para avaliar seu deslocamento em direção ao púbis durante a contração do assoalho pélvico e diagnosticar as situações de hipercorreção uretral pós cirurgia antiinEURP 2010; 2(2): 77-82


81

Reis & Martins – Ultrassonografia em uroginecologia continência, situação onde é comumente verificado um ângulo  inferior a 40°. A observação do afunilamento ou abertura do meato uretral interno e uretra proximal durante o esforço encontra-se frequentemente, mas não necessariamente, associado com incontinência urinária 15. Os parâmetros para determinação desta alteração baseiam-se no achado, durante manobras de esforço, da abertura do meato uretral com conformação “em funil” da uretra proximal, constituindo um cone com base de diâmetro de pelo menos 3 mm e altura da base ao ápice também igual ou superior a 3 mm. A visualização ecográfica da perda urinária caracteriza-se pela abertura completa da uretra durante as manobras de esforço 9. Neste aspecto, também o Doppler colorido constitui recurso útil para demostração da passagem de urina através da uretra. A visualização ecográfica do prolapso genital, como já abordado, pode ser de grande auxílio em situações onde a avaliação clínica deixa dúvidas, particularmente nos casos de defeitos associados. Nestas situações, a participação da ultrassonografia pode ter papel decisivo para melhor definição diagnóstica, com conseqüente impacto direto no resultado do tratamento proposto 3. Na avaliação pós-operatória de cirurgias antiincontinência, a ultrassonografia permite a localização fácil da faixa sintética (hiperecogênica) nos casos de disfunção urinária após cirurgias de alça 9. Além disso, resultados insatisfatórios e recidivas associam-se muitas vezes com a constatação ecográfica de persistência de hipermobilidade uretral, e sintomas obstrutivos e irritativos são frequentemente associados com hipercorreção do posicionamento do colo vesical (ângulo  menor que 40°). Uma boa aplicação da ultrassonografia em uroginecologia é permitir a medida do volume urinário residual de forma não invasiva, detectando e selecionando casos de mau esvaziamento vesical para uma avaliação mais específica. O volume vesical é calculado pelo produto das medidas longitudinal, ânteroposterior e lateral da bexiga pela constante 0,52. O resíduo considerado normal é de até 30 ml, quando medido imediatamente após a micção, ou de 50-100 ml, se medido cerca de 10 minutos depois 9. Aplicações clínicas em desenvolvimento A medida da espessura total da parede vesical ou do músculo detrusor da bexiga tem sido proposta para constatação de hipertrofia muscular, o que é indicativo de bexiga hiperativa e/ou obstrução infravesical (bexiga de esforço). As recomendações para esta avaliação 9 99(9)(9)(9)envolvem o uso transdutores de alta freqüência e a insonação em um ângulo Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

perpendicular à parede vesical. A espessura aferida parece não variar de modo significativo nos diversos segmentos da bexiga. Não há ainda um consenso internacional acerca da melhor técnica para determinação da espessura da parede vesical, e são propostas hoje três metodologias. A medida transabdominal da espessura total da parede, proposta pela escola italiana, com valor de corte de 5 mm, a medida transabdominal do músculo detrusor (área hipoecóica central da parede), proposta pela escola alemã, com valor de corte de de 2 a 2,5 mm e a medida transvaginal da espessura total da parede 16-17, proposta pela escola inglesa e mais utilizada entre os ginecologistas. Segundo esta última, com a bexiga vazia (volume < 50 ml) e transdutor endocavitário posicionado dentro da vagina próximo à bexiga, obtém-se a média da medida da espessura total da parede vesical na região anterior, ápice e base posterior (trígono). O valor de corte estabelecido também é de 5 mm. A ultrassonografia tridimensional, em franco aprimoramento, permite avaliar a morfologia e biometria do músculo levantador do ânus, assim como a integridade de suas inserções. A avulsão uni ou bilateral do segmento puborretal do levantador do ânus do púbis, geralmente em decorrência do parto vaginal, está associada com prolapso genital e incontinência urinária 18-19. O aumento do hiato genital durante o esforço pela excessiva distensibilidade do puborretal associase também com prolapso genital 18, 20, o que pode ser verificado pela medida de alguns diâmetros e da área do hiato genital (normal até 25 cm2). São consideradas ainda aplicações em desenvolvimento da ultrassonografia em uroginecologia a vídeourodinâmica utilizando a ecografia como método de aquisição de imagens simultâneas ao registro pressórico 9, o estudo Doppler do plexo vascular da submucosa uretral 21 e a endossonografia anal para avaliação esfincteriana 9. Considerações finais A simples avaliação do grau de mobilidade do colo vesical não permite inferir sobre a estabilidade do detrusor ou a integridade do mecanismo esfincteriano intrínseco. Deste modo, em pacientes sob avaliação pré-operatória, o significado do achado ecográfico de hipermobilidade do colo vesical deve ser sempre interpretado com base nos dados clínicos e do estudo urodinâmico. Entretanto, embora apresente limitações e não disponha de uma metodologia de consenso em muitas situações, a ultrassonografia constitui hoje procedimento já reconhecido e estabelecido como integrante do arsenal propedêutico da incontinência urinária feminina e das desordens do assoalho pélvico. A utiliEURP 2010; 2(2): 77-82


82

Reis & Martins – Ultrassonografia em uroginecologia zação mais ampla deste recurso, além de fornecer importante contribuição em diversos casos, permitirá estabelecer parâmetros que auxiliem no aperfeiçoamento e padronização da técnica.

Referências 1. Cundiff GW. The pathophysiology of stress urinary incontinence: a historical perspective. Rev Urol 2004; 6 Suppl 3(S10-18. 2. Kearney R, Sawhney R, DeLancey JO. Levator ani muscle anatomy evaluated by origin-insertion pairs. Obstet Gynecol 2004; 104(1): 168-173. 3. Dietz HP. The role of two- and three-dimensional dynamic ultrasonography in pelvic organ prolapse. J Minim Invasive Gynecol 2010; 17(3): 282-294. 4. Dietz HP. Pelvic floor ultrasound: a review. Am J Obstet Gynecol 2010; 202(4): 321-334. 5. Ashton-Miller JA, DeLancey JO. Functional anatomy of the female pelvic floor. Ann N Y Acad Sci 2007; 1101(266-296. 6. Petros PE, Woodman PJ. The Integral Theory of continence. Int Urogynecol J Pelvic Floor Dysfunct 2008; 19(1): 35-40. 7. Holroyd-Leduc JM, Tannenbaum C, Thorpe KE, Straus SE. What type of urinary incontinence does this woman have? Jama 2008; 299(12): 1446-1456. 8. Santiagu SK, Arianayagam M, Wang A, Rashid P. Urinary incontinence-pathophysiology and management outline. Aust Fam Physician 2008; 37(3): 106-110.

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

9. Haylen BT, de Ridder D, Freeman RM, Swift SE, Berghmans B, Lee J, et al. An International Urogynecological Association (IUGA)/International Continence Society (ICS) joint report on the terminology for female pelvic floor dysfunction. Neurourol Urodyn 2010; 29(1): 4-20. 10. Lewicky-Gaupp C, Blaivas J, Clark A, McGuire EJ, Schaer G, Tumbarello J, et al. "The cough game": are there characteristic urethrovesical movement patterns associated with stress incontinence? Int Urogynecol J Pelvic Floor Dysfunct 2009; 20(2): 171-175. 11. Dalpiaz O, Curti P. Role of perineal ultrasound in the evaluation of urinary stress incontinence and pelvic organ prolapse: a systematic review. Neurourol Urodyn 2006; 25(4): 301306; discussion 307. 12. Tunn R, Schaer G, Peschers U, Bader W, Gauruder A, Hanzal E, et al. Updated recommendations on ultrasonography in urogynecology. Int Urogynecol J Pelvic Floor Dysfunct 2005; 16(3): 236-241. 13. Raizada V, Bhargava V, Jung SA, Karstens A, Pretorius D, Krysl P, et al. Dynamic assessment of the vaginal high-pressure zone using high-definition manometery, 3-dimensional ultrasound, and magnetic resonance imaging of the pelvic floor muscles. Am J Obstet Gynecol 2010; 14. Yang SH, Huang WC, Yang SY, Yang E, Yang JM. Validation of new ultrasound parameters for quantifying pelvic floor muscle contraction. Ultrasound Obstet Gynecol 2009; 33(4): 465-471. 15. Harms L, Emons G, Bader W, Lange R, Hilgers R, Viereck V. Funneling before and after anti-incontinence surgery--a prognostic indicator? Part 2: tension-free vaginal tape. Int Urogynecol J Pelvic Floor Dysfunct 2007; 18(3): 289-294. 16. Kuo HC. Measurement of detrusor wall thickness in women with overactive bladder by transvaginal and transabdominal sonography. Int Urogynecol J Pelvic Floor Dysfunct 2009; 20(11): 1293-1299. 17. Panayi DC, Khullar V, Fernando R, Tekkis P. Transvaginal ultrasound measurement of bladder wall thickness: a more reliable approach than transperineal and transabdominal approaches. BJU Int 2010; 18. Abdool Z, Shek KL, Dietz HP. The effect of levator avulsion on hiatal dimension and function. Am J Obstet Gynecol 2009; 201(1): 89 e81-85. 19. Panayi DC, Khullar V. Urogynaecological problems in pregnancy and postpartum sequelae. Curr Opin Obstet Gynecol 2009; 21(1): 97-100. 20. Shek KL, Dietz HP. The effect of childbirth on hiatal dimensions. Obstet Gynecol 2009; 113(6): 1272-1278. 21. Yang JM, Yang SH, Huang WC. Functional correlates of Doppler flow study of the female urethral vasculature. Ultrasound Obstet Gynecol 2006; 28(1): 96-102.

EURP 2010; 2(2): 77-82


Artigo de Revisão Determinação do sexo fetal através da ultrassonografia Determination of fetal gender by ultrasound Luiz G R Saucedo1, Francisco Mauad Filho 1,2, Carolina O Nastri 1,2 , Wellington P Martins 1, 2

Muito além da tarefa de saciar a curiosidade dos pais, a determinação do sexo fetal tem importante valor nas gestações com risco de anomalias congênitas. O gênero apresenta íntima relação com doenças hereditárias, tanto com as ligadas ao cromossomo X, como a distrofia muscular de Duchanne e hemofilia, como também em doenças autossômicas recessivas com diferentes formas de acometimento conforme o gênero, tais como a hiperplasia congênita de adrenal. Desta forma, a determinação do sexo fetal em estágios precoces da gravidez torna-se de grande relevância. Nesta revisão, abordamos alguns aspectos atuais na determinação precoce do sexo fetal.

Palavras chave: Determinação do Sexo; Ultrassonografia; Doenças genéticas inatas.

1- Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto (EURP) 2- Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) Recebido em 08/09/2009, aceito para publicação em 01/06/2010. Correspondências para Wellington P Martins. Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060. E-mail: wpmartins@ultrassonografia.com.br Fone: (16) 3636-0311 Fax: (16) 3625-1555

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

Abstract Beyond the task to quench the curiosity of parents, fetal sex determination has important value in pregnancies at risk for congenital anomalies. The genus has a close relationship with inherited diseases, both with X-linked, such as muscular dystrophy and hemophilia Duchanne, but also in autosomal recessive diseases with different forms of involvement by gender, such as congenital adrenal hyperplasia. Thus, fetal sex determination at early stages of pregnancy becomes highly relevant. In this review, we discuss some current issues in the early determination of fetal sex.

Keywords: Sex determination; Ultrasonography; Genetic diseases, Inborn.

EURP 2010; 2(2): 83-92


84

Saucedo et al – Determinação do sexo fetal Introdução O desenvolvimento tecnológico dos aparelhos ultrassonográficos associado ao aprimoramento das técnicas utilizadas tem permitido o diagnóstico cada vez mais precoce do sexo fetal, até mesmo no final do primeiro trimestre de gestação 1-3. Muito além de saciar a curiosidade dos pais, a determinação do sexo tem grande importância nas gestações com risco de anomalias genéticas ligadas ao cromossomo X, como a distrofia muscular de Duchenne e hemofilia, bem como nas gestações com risco genético de hiperplasia congênita de adrenal (de herança autossômica recessiva), na qual a determinação do sexo auxilia no manejo clínico para os casos suspeitos 4-6. A confirmação do sexo masculino nas gestações suspeitas de hiperplasia congênita de adrenal, bem como a de sexo feminino nas gestações suspeitas de distrofia muscular de Duchenne e hemofilia exigem uma investigação secundária através de biópsia de vilo corial. Tal exame normalmente é realizado a partir da décima primeira semana de gestação e por ser um procedimento invasivo carrega um pequeno porém significativo risco de perda gestacional. Nota-se, portanto, que o aprimoramento das técnicas de determinação do sexo no primeiro trimestre é muito importante no sentido de evitar perdas fetais desnecessárias. A confiabilidade da ultrassonografia na predição do sexo fetal a partir do final do segundo trimestre é hoje em dia bem estabelecida, contudo são poucos os estudos que apresentam alto índice de sucesso no final do primeiro trimestre e começo do segundo. Por implicações médicas e éticas a maioria dos estudos tem apenas se concentrado na visualização da genitália externa e não na diferenciação dos órgãos internos 7. O risco potencial de abortamento seletivo relacionado ao sexo também implica problemas relacionados à ética na determinação do sexo em estágios tão precoces da gestação 8. O diagnóstico ultrassonográfico do sexo fetal realizada no primeiro trimestre é principalmente baseado na direção apontada pelo ‘apêndice genital’ em um corte sagital.Estes apêndices seriam os precurssores do pênis e do clitóris e apontariam no sentido cranial em fetos de sexo masculino e no sentido caudal em fetos do sexo feminino. Os estudos baseados na direção do apêndice genital (“sagital sign”) 1-3, 9-14 mostram uma crescente taxa de acerto na determinação do sexo comforme o aumento da idade gestacional. Isto se deve principlamente a progressiva direção no sentido cranial que é assumida pelo tubérculo genital nos fetos do sexo masculino e que não se altera significativamente nos fetos do sexo feminino durante o resto da gestação. Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

Outros estudos determinam diferentes marcadores sonográficos para a determinação do sexo fetal 1520 ,tais como uma maior distância ano-genital e sua proporção com o comprimento do fêmur em fetos do sexo masculino,saco escrotal fetal,a linha média da rafe peniana,as linhas labiáis,o útero,os testículos descendentes e a direção e origem do jato miccional em fetos do sexo masculino. Mal-formações da genitália prejudicam a determinação do sexo fetal e são fator causador de inacurácia.O desenvolvimento da ultrassonografia tridimensional aponta como importante ferramenta na visualização e diagnóstico de tais mal-formações como também mostrou-se eficaz na determinação do sexo no final do primeiro e começo do segundo trimestre. Recentes trabalhos 14 também sugerem bons resultados na determinação do sexo quando outro exame não-invasivo como a análise do DNA fetal livre no plasma materno é associado à ultrassonografia. Desenvolvimento da genitália externa No início da quarta semana do período embrionário desenvolve-se o tubérculo genital em ambos os sexos, na extremidade cefálica da membrana cloacal. Saliências lábio-escrotais e pregas urogenitais se desenvolvem de cada lado da membrana cloacal e o tubérculo genital se alonga formando o falo. Ao final da sexta semana o septo uro-retal divide a membrana cloacal em membranas anal e urogenital.As membranas se rompem cerca de uma semana depois,formando o ânus e o orifício urogenital.Na ausência de andrôgenos ocorre a feminilização da genitália externa indiferenciada,no qual o crescimento do falo cessa gradualmente transformando-se no clitóris. Nota-se então que até a sétima ou oitava semana os genitais externos são similares em ambos os sexos, sendo, portanto impossível de ser diferenciado até tal período. As características sexuais específicas começam a aparecer durante a nona semana de gestação, contudo os genitais externos ainda não estão completamente diferenciados até a décima segunda semana (Figura 1).

EURP 2010; 2(2): 83-92


85

Saucedo et al – Determinação do sexo fetal

Figura 1. Fetoscopia mostrando o tubérculo genital em um feto de 9 semanas (acima), época em que não é possível a diferenciação ultrassonográfica da genitália. Abaixo vemos a fetoscopia do genital masculino de um feto de 12 semanas.

Determinação do sexo fetal no final do primeiro e começo do segundo trimestre A determinação do sexo fetal em estágios precoces da gestação baseado no “sinal sagital” foi descrito pela primeira vez em 1989 9. Os fetos foram estudados em um plano na linha sagital média sendo descrita uma saliência continuando o contorno da nádega, o “tubérculo genital”, o qual corresponderia ao precursor do pênis ou do clitóris. Nos casos em que tal tubérculo apontasse no sentido caudal o feto seria do sexo feminino, e nos casos em que apontasse no sentido cranial seria do sexo masculino. A acurácia da determinação sexo fetal melhorou significativamente Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

conforme a progressão da gestação, o que também pode ser observado nos estudos que se seguiram a este. Os estudos publicados diferem um pouco na forma de cálculo da idade gestacional, podendo ser realizada através comprimento cabeça- nádega (CCN) ou do diâmetro bi-parietal (DBP). Ainda que o CCN seja o parâmetro biométrico mais confiável para datar as gestações de primeiro trimestre 21-23 e tenha sido utilizado em diversos estudos sobre a predição do sexo fetal 13, 14, 24 a DBP também foi utilizada em vários outros estudos 3, 9, 10, 20. De fato, o DBP apresenta boa correlação com a idade gestacional e com CCN no final do primeiro e início do segundo trimestre 21. Em um estudo publicado em 1990 25 foram utilizados os seguintes critérios para a determinação do sexo fetal através da ultrassonografia transvaginal: para determinação do sexo masculino foram avaliados a presença do “sinal da cúpula” (representação ultrassonográfica do escroto), a direção cranial do falo e a presença de rafe longitudinal na base do pênis. Para determinação do sexo feminino, os critérios usados foram a presença de duas ou quatro linhas paralelas (que representariam os lábios vaginais) e a direção caudal do falo (que no caso trataria-se de um clitóris). Em tal estudo a acurácia também aumentou com a idade gestacional bem como no decorrer dos anos da pesquisa em razão da experiência obtida pelos operadores. Nos dois primeiros anos do estudo a acurácia para predição do sexo fetal entre 15 e 16 semanas foi de 91.7% e 99.7% para o sexo masculino e feminino respectivamente, enquanto que nos dois últimos anos foi de 93.3% e 100%. A princípio o parâmetro utilizado para a verificação da direção tomada pelo tubérculo genital foi puramente subjetivo 9, 25 (Figura 2). Cerca de uma década depois, foi proposta a avaliação da direção do tubérculo genital através da medida do ângulo formado entre o tubérculo e uma linha horizontal que passaria através da pele na superfície lombo-sacral (Figuras 3), sempre fazendo-se a medida com o feto em posição neutra (não muito fletido ou em hiper-extensão) 1. O sexo masculino foi considerado em fetos que apresentaram tal ângulo > 30°, e feminino em fetos nos quais o tubérculo genital apresentou-se paralelo ou convergente à linha horizontal (ângulo <10°).Os casos que apresentaram ângulo intermediário (10o a 30°) foram classificados como indeterminados. As idades gestacionais foram calculadas através do CNN e todos os achados ultrassonográficos foram comparados ao fenótipo após o nascimento, havendo sido avaliadas 656 gestantes. Através de tal método a determinação do sexo foi possível em 93% dos casos. Nos demais 7%, o ângulo do tubérculo genital mostrou-se interEURP 2010; 2(2): 83-92


Saucedo et al – Determinação do sexo fetal mediário, ou apresentaram-se dificuldades para a obtenção das imagens, como posição fetal inadequada ou tecido adiposo materno excessivo, entre outros. A determinação do sexo foi confiável em 85% dos fetos entre 12 semanas e 12 semanas e 3 dias, em 96% daqueles entre 12 semanas e 4 dias e 12 semanas

86

e 6 dias; e em 97% dos fetos entre 13 semanas e 13 semanas e 6 dias. A acurácia para o sexo masculino foi entre 99 e 100% para todas as idades, enquanto que para o sexo feminino a acurácia foi de 91,5%; 99% e 100% nos respectivos intervalos.

Figura 2. (A) Corte ultrassonográfico na linha sagital média de um feto masculino com 11 semanas mostrando a inclinação cranial do tubérculo genital (seta). (B) Corte no plano transverso de um feto masculino mostrando o sinal da cúpula escrotal. em corte sagital. (C) Corte ultrassonográfico na linha sagital média de um feto feminino com 11 semanas mostrando o tubérculo genital (seta) com inclinação caudal. (D) Corte no plano transverso de um feto feminino mostrando três linhas paralelas corres13 pondendo aos lábios genitais. Adaptado de Whitlow et al, 1999 .

Em outro estudo com 524 gestantes 13 foi utilizada, além do corte sagital, a visualização em corte transversal da genitália. Neste estudo foi utilizada preferencialmente a via abdominal, sendo utilizada a via transvaginal nos casos em que tal mostrou-se necessária (em 26% dos casos). A genitália fetal masculina foi identificada quando subjetivamente o tubérculo Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

apontasse na direção cranial ao corte sagital, e no corte transversal, quando visualizada uma estrutura em formato de abóbada representando o escroto fetal e/ou quando fosse vista na base do pênis uma linha média ecogênica (representando rafe média peniana). A genitália feminina foi identificada ao corte sagital pela direção caudal do falo (tubérculo genital); e ao corte transversal, pela visualização de duas ou EURP 2010; 2(2): 83-92


Saucedo et al – Determinação do sexo fetal quatro linhas paralelas, representando os lábios menores e maiores. Os resultados de tal estudo não demonstraram diferença significativa na predição sexual em ambos os sexos e obtiveram taxa de sucesso também crescente conforme o aumento da idade gestacional, com 45% de acertos na 11ª semana, 75% na 12ª semana, 79% na 13ª semana, e 90% na 14ª semana, obtendo uma média de 80% de acertos na determinação do sexo entre 12 e 14 semanas. Outro estudo 19, incluindo 106 gestantes, também utilizou o plano transversal na determinação do sexo bem como o reconhecimento do sexo masculino através de um terceiro ponto (ou linha ecogênica) somado aos dois pontos ou linhas presentes em ambos os sexos nesse plano. A porcentagem de acertos variou de 77% entre 11 semanas e 11 semanas e 6 dias à 90% até 13 semanas e 6 dias, obtendo uma média de 82% de sucesso. Hyett et al. 14 realizaram estudo em um grupo de gestantes com risco aumentado de anomalias genéticas ligadas ao cromossomo X e desenvolvimento ambíguo de genitália. Foram oferecidos testes não invasivos para a determinação do sexo fetal,como o isolamento do DNA fetal no plasma materno (ffDNA) e visualização da genitália externa através da ultrassonografia de primeiro trimestre,em alternativa à biópsia de vilo corial (CVS). À ultrassonografia o padrão usado foi o ângulo do tubérculo genital descrito por Efrat et al. 1 e o sexo foi identificado em 23 dos 28 casos. A média para determinação do sexo foi de 12 semanas e a predição sexual foi bem sucedida em todos os casos. A análise do ffDNA foi realizada na média de 10 semanas e 1 dia e também obteve 100% de sucesso na determinação do sexo, o qual foi confirmado no pós-natal ou na biópsia de vilo corial à qual algumas pacientes do estudo foram submetidas (em decorrência de maior risco de acometimento apresentado após a verificação do sexo). Tal estudo conseguiu evitar a CVS em 50% dos casos suspeitos e, além de concordar com estudos anteriores quanto à inviabilidade de se determinar o sexo antes das 11 semanas, apresentou a pesquisa de ffDNA no plasma materno como um instrumento que pode ser utilizado principalmente frente aos quadros de genitália ambígua suspeitada e na hiperplasia congênita de adrenal, onde a precocidade no manejo clínico pode trazer benefícios.

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

87

Figura 3. Determinação do ângulo formado enter o tubérculo genital e a superfície da pele em um corte ultrassonográfico sagital na linha média de um feto com 12 semanas. O feto é considerado como sendo masculino quando o o ângulo é maior que 30 (A) e como sendo feminino quando o este ângulo é menor que 10 (B). Adaptado de Efrat et al, 24 2006 .

A maior casuística já utilizada em estudos acerca da predição do sexo fetal através da ultrassonografia em estágios precoces da gravidez foi de 2593 casos 10. Após exclusão dos casos em que a determinação do sexo não foi possível e daqueles em que o segmento foi perdido, foram estudados 2182 fetos. O estudo restringiu-se a fetos que apresentaram a DBP entre 18 e 29 mm e utilizou-se do padrão baseado na subjetividade para designar a direção cranial (que indicaria sexo masculino) ou caudal do tubérculo genital (que indicaria o sexo feminino). O resultado também apresentou acurácia crescente com a DBP, de 32% aos 18 mm a 100% aos 22 mm na predição do sexo masculino. A acurácia para o sexo feminino foi de 97% para DBP de 18 mm e 100% para fetos com DBP de 24 mm. EURP 2010; 2(2): 83-92


88

Saucedo et al – Determinação do sexo fetal Na média geral a acurácia variou de 74% para os fetos com DBP de 18 mm para 100% com 24 mm. Entre DBPs de 18 e 23 mm a discrepância entre o sexo real dos fetos e aquele determinado pela ultrassonografia foi de 33% para fetos masculinos que foram documentados como femininos (128 em 338) e 1,4% para fetos femininos que foram documentados como masculinos (10 em 721 casos). Tais resultados levaram os autores a determinar a não-confiabilidade da predição do sexo fetal que apresentarem DBP menor que 22 mm, principalmente nos casos suspeitos de anomalias genéticas ligadas ao cromossomo X ou hiperplasia congênita de adrenal, uma vez que abaixo dos 22mm a predição sexual é inclinada para o sexo feminino. Ultrassonografia tridimensional (US3D) A utilização da US3D na predição do sexo fetal foi avaliada em alguns estudos 2, 12. Um destes estudos 2 foi realizada a predição sexual em 44 fetos entre 10 e 24 semanas utilizando o US3D transvaginal. No único feto avaliado com 10 semanas a predição foi incorreta, mas nos outros 12 fetos entre 11 e 14 semanas o índice de acerto foi de 100%. Em outro estudo 12, que incluiu 200 fetos e avaliou a ultrassonografia tridimensional por via transvaginal, os autores demonstraram este pode ser um meio efetivo e rápido de identificar o sexo no primeiro trimestre. Nos resultados não foi observada uma crescente taxa de acerto com o aumento do número de semanas e pôde-se observar ligeira discrepância nos resultados entre os 2 examinadores que realizaram os exames. A posição fetal inadequada (feto com as coxas fechadas ou feto na posição cefálica com a região sacral muito longe do transdutor), o cordão umbilical no meio das pernas e a aquisição de blocos insatisfatórios (em decorrência de artefatos de movimento) foram as principais causas da não identificação ou da identificação incorreta do sexo fetal. Pode-se afirmar que uma das grandes contribuições da US3D na predição do sexo no primeiro e começo do segundo trimestre deve-se principalmente à facilidade oferecida pelos planos seccionais na visualização do sinal sagital (Figuras 4 e 5). No segundo e terceiro trimestres a visualização da genitália pode ser feita mais claramente.

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

Figura 4. Bloco tridimensional de uma genitália externa de um feto com 12 semanas, visualizado no modo multiplanar. Em A observa-se o plano coronal, em B o plano sagital médio e em C o plano transversal. O tubérculo genital (setas) em inclinação cranial indica o sexo masculino. Adaptado 12 Michailides et al, 2003 ..

EURP 2010; 2(2): 83-92


89

Saucedo et al – Determinação do sexo fetal

Figura 5. Bloco tridimensional de uma genitália externa de um feto com 12 semanas, visualizado no modo multiplanar. Em A observa-se o plano coronal, em B o plano sagital médio e em C o plano transversal. O tubérculo genital (setas) em inclinação caudal indica o sexo feminino. Adaptado 12 Michailides et al, 2003 .

Determinação do sexo fetal no segundo e terceiro trimestres No segundo trimestre a determinação do sexo já não se baseia mais na visualização do sinal sagital, em virtude da genitália já poder ser nitidamente observada. No sexo masculino é baseada na visualização do pênis e do escroto enquanto que no sexo feminino Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

procura-se a visualização dos lábios maiores e menores, representados por 2 ou 4 linhas paralelas. Um dos primeiros trabalhos publicados a este respeito, em 1980 20, utilizou-se a visualização do feto em planos sagital e transversal, após a 25a semana. Os testículos descendentes também puderam ser observados e os fetos de sexo feminino só foram assim designados após a visualização dos lábios vaginais. Este estudo obteve taxa de acerto de 64%. Com o grande avanço da tecnologia nos aparelhos de ultrassonografia a determinação do sexo no segundo trimestre ficou muito mais fidedigna e permitiu ainda que novos parâmetros pudessem ser avaliados. Já em 1984 um que incluiu 1879 fetos 18) medindo apresentou acurácia de 99,9% na determinação do sexo fetal entre 12 e 40 semanas, através da medida da distância ano-genital e o ângulo ísquio-genital. Achiron et al. 15 em 1998, criaram um gráfico que demonstra o crescimento do escroto fetal com a idade gestacional. O crescimento peniano também foi aferido em alguns trabalhos 26, 27 e demostrou aumento de aproximadamente 20 mm entre 14 e 38 semanas. Ultrassonografia tridimensional A US3D mostrou-se melhor que a US2D na avaliação da presença de útero fetal 28. Neste trabalho o útero fetal foi identificado em 50% dos fetos com o US2D e em 82% a 87% dos fetos (dependendo do examinador) utilizando-se US3D, para fetos entre 20 e 22 semanas. Já para fetos entre 32 e 34 semanas a taxa de identificação do útero foi maior, sendo de 80% a 85% com a US2D e de 95% a 100% para o US3D. Em estudo plubicado em 2007 numa população de 205 fetos, Glanc et al. 17 propuseram-se a analisar a confiabilidade na predição do sexo através da análise sonográfica dos órgãos pélvicos no segundo e terceiro trimestres de gravidez. A presença de útero fetal era estimada através da medida da distância entre a parede posterior da bexiga e a parede anterior do reto, através de corte transversal da pelve com as artérias umbilicais cruzando o ponto mediano da bexiga (Figura 6). Distâncias menores que 3,3 mm foram aferidas em 100% dos fetos masculinos e maiores que 3,3mm em 94% dos fetos femininos. No terceiro trimestre verificou-se que 96% dos fetos masculinos apresentaram medidas menores que 4,7mm e 100% dos fetos femininos apresentaram valores superiores a este. A presença de útero fetal é de crucial importância na avaliação dos casos de genitália ambígua.

EURP 2010; 2(2): 83-92


90

Saucedo et al – Determinação do sexo fetal

Figura 6. O útero fetal (no asterisco) pode ser visualizado num corte transversal baixo como uma massa ecogênica entre a bexiga (B) anteriormente e o reto (R) posteriormen29 te. Adaptado de Orit et AL, 2002 .

Nas epispádias (onde o orifício da uretra se encontra na face dorsal do pênis) o pênis pode chegar a apresentar-se completamente dividido em função da fusão incompleta do tubérculo genital. Na ultrassonografia podem ser visualizadas duas protuberâncias no lugar do pênis. Tal achado costuma estar associado a extrofia de bexiga, a qual no ultrassom pode ser visualizada como uma massa herniando do abdome inferior, ou na ausência da própria bexiga em uma gestação com quantidade de líquido amniótico normal 30-33. A genitália ambígua é outro achado que pode confundir o examinador ao exame ultrassonográfico e pode ser dividida em três categorias: pseudohermafroditismo feminino e masculino e desordens na diferenciação gonadal 34. Alterações de sinais referentes aos tamanhos de pênis e escroto, à visualização de utero, à descida dos testículos e à aparência normal da genitália externa podem ser indícios de genitália ambígua. Em estudo realizado em 2002, Orit et al. 35 ,avaliando discrepâncias entre genótipo e fenótipo e presença de genitália ambígua em mais de 10000 gestantes, conseguiram pré-diagnosticar 16 casos e fazer correlação dos achados ecográficos com cariótipo (via biópsia de vilo) e níveis hormonais (medidos através da quantidade de metabólitos dos hormônios esteróides no líquido amniótico). Tal estudo concluiu que exames ultrassonográficos realizados entre 13 e 14 semanas não são bons preditores de subseqüente normalidade e que as desordens na diferenciação sexual devem envolver também exames ultrassonográficos de segundo trimestre; além de ressaltar a importância da visualização do útero em exames a partir de 19 semanas. Considerações finais Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

A maior parte da literatura existente a respeito da predição sexual no primeiro trimestre e começo do segundo vê a ultrassonografia como ferramenta importantíssima no cumprimento desta tarefa, principalmente nos casos suspeitos de doenças genéticas ligadas ao cromossomo X, genitália ambígua e hiperplasia congênita de adrenal. Existem algumas contradições quanto à necessidade ou não de se realizar exames de cariótipo nos casos suspeitos entre 12 e 14 semanas. Baseados em estudos que obtiveram grande acurácia na predição de fetos masculinos neste período 24, 36 poderíamos contra-indicar a bíópsia de vilo corial nestes casos, também levando em consideração a acurácia relativamente alta na detecção do sexo feminino nos mesmos períodos. Contudo, levando-se em consideração a superioridade dos exames invasivos em detrimento da ultrassonografia, como foi apresentado por outro estudo 13, frente aos quadros altamente suspeitos seríamos tentados a nos utilizar da aminiocentese ou biópsia de vilo para obter uma resposta definitiva quanto ao sexo fetal. A grande questão é até que ponto o risco de abortamento e mal-formações proveniente de tais procedimentos compensariam a pequena discrepância de acurácia em relação à ultrassonografia. Nos casos suspeitos de hiperplasia congênita de adrenal, por exemplo, que tem uma prevalência de 1 para 11500 nascidos vivos, a não virilização que a administração de corticoesteróides antes das 9 semanas pode vir a oferecer, não supera os risco de efeitos colaterais do tratamento. Se ainda for levado em consideração o fato de 7 entre 8 gestações tratadas não serão afetadas 14, 37 um exame invasivo muito precoce apresenta necessidade ainda mais duvidosa, uma vez que entre a 12ª e 13ª semanas o exame ultrassonográfico já apresenta alto índice de acurácia. Em sua associação com métodos também não invasivos, tais como a pesquisa de DNA fetal, a ultrassonografia atinge acurácia ainda maior e seria, portanto uma alternativa mais plausível frente a realização de testes invasivos precoces. Porém,o alto preço da pesquisa de DNA fetal inviabiliza seu uso no dia-a-dia principalmente nos países em desenvolvimento, colocando então novamente a ultrassonografia como ferramenta principal dentre os métodos não invasivos na predição sexual. No segundo e terceiro trimestre de gestação os estudos são mais focados na visualização de malformações como genitália ambígua, hipospádia, epispádia, extrusão de bexiga e pseudo-hermafroditismos masculinos e femininos. A ultrassonografia 3D mostrou-se eficaz na detecção de tais mal-formações como na predição do sexo no início da gestação. EURP 2010; 2(2): 83-92


91

Saucedo et al – Determinação do sexo fetal Outro ponto importante que é citado nos principais estudos a respeito da predição sexual em estágios precoces da gestação é o embasamento ético de tal linha de pesquisa. A importância da predição sexual para melhorar a sobrevida e a qualidade de vida de fetos atingidos por doenças hereditárias e malformações é indiscutível. O ponto-chave seria o mal uso que os avanços em tais pesquisas poderiam oferecer para fins de abortamento baseados pura e simplesmente no sexo fetal. A ultrassonografia mostrou-se por hora incapaz de diferenciar o sexo fetal antes das 11 semanas, principalmente em função da indiferenciação do falo neste período embriológico. O limite é definido pela grande maioria dos estudos como de 12 semanas.

Referências 1. Efrat Z, Akinfenwa OO, Nicolaides KH. First-trimester determination of fetal gender by ultrasound. Ultrasound Obstet Gynecol 1999; 13(5): 305-307. 2. Lev-Toaff AS, Ozhan S, Pretorius D, Bega G, Kurtz AB, Kuhlman K. Three-dimensional multiplanar ultrasound for fetal gender assignment: value of the mid-sagittal plane. Ultrasound Obstet Gynecol 2000; 16(4): 345-350. 3. Mazza V, Contu G, Falcinelli C, Battafarano S, Cagnacci A, Vito G, et al. Biometrical threshold of biparietal diameter for certain fetal sex assignment by ultrasound. Ultrasound Obstet Gynecol 1999; 13(5): 308-311. 4. Bartha JL, Finning K, Soothill PW. Fetal sex determination from maternal blood at 6 weeks of gestation when at risk for 21hydroxylase deficiency. Obstet Gynecol 2003; 101(5 Pt 2): 11351136. 5. Chiu RW, Lau TK, Cheung PT, Gong ZQ, Leung TN, Lo YM. Noninvasive prenatal exclusion of congenital adrenal hyperplasia by maternal plasma analysis: a feasibility study. Clin Chem 2002; 48(5): 778-780. 6. Rijnders RJ, van der Schoot CE, Bossers B, de Vroede MA, Christiaens GC. Fetal sex determination from maternal plasma in pregnancies at risk for congenital adrenal hyperplasia. Obstet Gynecol 2001; 98(3): 374-378. 7. Ali QM. Determination of foetal sex by ultrasound: state of the art. East Afr Med J 1992; 69(12): 703-706. 8. Mielke G, Kiesel L, Backsch C, Erz W, Gonser M. Fetal sex determination by high resolution ultrasound in early pregnancy. Eur J Ultrasound 1998; 7(2): 109-114. 9. Emerson DS, Felker RE, Brown DL. The sagittal sign. An early second trimester sonographic indicator of fetal gender. J Ultrasound Med 1989; 8(6): 293-297. 10. Mazza V, Di Monte I, Pati M, Contu G, Ottolenghi C, Forabosco A, et al. Sonographic biometrical range of external genitalia differentiation in the first trimester of pregnancy: analysis of 2593 cases. Prenat Diagn 2004; 24(9): 677-684. 11. Mazza V, Falcinelli C, Paganelli S, Contu G, Mantuano SM, Battafarano SD, et al. Sonographic early fetal gender assignment: a longitudinal study in pregnancies after in vitro fertilization. Ultrasound Obstet Gynecol 2001; 17(6): 513-516. 12. Michailidis GD, Papageorgiou P, Morris RW, Economides DL. The use of three-dimensional ultrasound for fetal gender

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

determination in the first trimester. Br J Radiol 2003; 76(907): 448-451. 13. Whitlow BJ, Lazanakis MS, Economides DL. The sonographic identification of fetal gender from 11 to 14 weeks of gestation. Ultrasound Obstet Gynecol 1999; 13(5): 301-304. 14. Hyett JA, Gardener G, Stojilkovic-Mikic T, Finning KM, Martin PG, Rodeck CH, et al. Reduction in diagnostic and therapeutic interventions by non-invasive determination of fetal sex in early pregnancy. Prenat Diagn 2005; 25(12): 1111-1116. 15. Achiron R, Pinhas-Hamiel O, Zalel Y, Rotstein Z, Lipitz S. Development of fetal male gender: prenatal sonographic measurement of the scrotum and evaluation of testicular descent. Ultrasound Obstet Gynecol 1998; 11(4): 242-245. 16. Birnholz JC. Determination of fetal sex. N Engl J Med 1983; 309(16): 942-944. 17. Glanc P, Umranikar S, Koff D, Tomlinson G, Chitayat D. Fetal sex assignment by sonographic evaluation of the pelvic organs in the second and third trimesters of pregnancy. J Ultrasound Med 2007; 26(5): 563-569; quiz 570-561. 18. Natsuyama E. Sonographic determination of fetal sex from twelve weeks of gestation. Am J Obstet Gynecol 1984; 149(7): 748757. 19. Pedreira DA. In search for the 'third point'. Ultrasound Obstet Gynecol 2000; 15(3): 262-263. 20. Scholly TA, Sutphen JH, Hitchcock DA, Mackey SC, Langstaff LM. Sonographic determination of fetal gender. AJR Am J Roentgenol 1980; 135(6): 1161-1165. 21. Grisolia G, Milano K, Pilu G, Banzi C, David C, Gabrielli S, et al. Biometry of early pregnancy with transvaginal sonography. Ultrasound Obstet Gynecol 1993; 3(6): 403-411. 22. Lasser DM, Peisner DB, Vollebergh J, Timor-Tritsch I. Firsttrimester fetal biometry using transvaginal sonography. Ultrasound Obstet Gynecol 1993; 3(2): 104-108. 23. Robinson HP, Fleming JE. A critical evaluation of sonar "crownrump length" measurements. Br J Obstet Gynaecol 1975; 82(9): 702-710. 24. Efrat Z, Perri T, Ramati E, Tugendreich D, Meizner I. Fetal gender assignment by first-trimester ultrasound. Ultrasound Obstet Gynecol 2006; 27(6): 619-621. 25. Bronshtein M, Rottem S, Yoffe N, Blumenfeld Z, Brandes JM. Early determination of fetal sex using transvaginal sonography: technique and pitfalls. J Clin Ultrasound 1990; 18(4): 302-306. 26. Johnson P, Maxwell D. Fetal penile length. Ultrasound Obstet Gynecol 2000; 15(4): 308-310. 27. Zalel Y, Pinhas-Hamiel O, Lipitz S, Mashiach S, Achiron R. The development of the fetal penis--an in utero sonographic evaluation. Ultrasound Obstet Gynecol 2001; 17(2): 129-131. 28. Jouannic JM, Rosenblatt J, Demaria F, Jacobs R, Aubry MC, Benifla JL. Contribution of three-dimensional volume contrast imaging to the sonographic assessment of the fetal uterus. Ultrasound Obstet Gynecol 2005; 26(5): 567-570. 29. Meizner I, Mashiach R, Shalev J, Efrat Z, Feldberg D. The 'tulip sign': a sonographic clue for in-utero diagnosis of severe hypospadias. Ultrasound Obstet Gynecol 2002; 19(3): 250-253. 30. Bronshtein M, Riechler A, Zimmer EZ. Prenatal sonographic signs of possible fetal genital anomalies. Prenat Diagn 1995; 15(3): 215-219. 31. Jaffe R, Schoenfeld A, Ovadia J. Sonographic findings in the prenatal diagnosis of bladder exstrophy. Am J Obstet Gynecol 1990; 162(3): 675-678.

EURP 2010; 2(2): 83-92


Saucedo et al – Determinação do sexo fetal

92

32. Mirk P, Calisti A, Fileni A. Prenatal sonographic diagnosis of bladder extrophy. J Ultrasound Med 1986; 5(5): 291-293. 33. Wilcox DT, Chitty LS. Non-visualisations of the fetal bladder: aetiology and management. Prenat Diagn 2001; 21(11): 977-983. 34. Meyers-Seifer CH, Charest NJ. Diagnosis and management of patients with ambiguous genitalia. Semin Perinatol 1992; 16(5): 332-339. 35. Pinhas-Hamiel O, Zalel Y, Smith E, Mazkereth R, Aviram A, Lipitz S, et al. Prenatal diagnosis of sex differentiation disorders: the role of fetal ultrasound. J Clin Endocrinol Metab 2002; 87(10): 4547-4553. 36. Hsiao CH, Wang HC, Hsieh CF, Hsu JJ. Fetal gender screening by ultrasound at 11 to 13(+6) weeks. Acta Obstet Gynecol Scand 2008; 87(1): 8-13. 37. Lajic S, Wedell A, Bui TH, Ritzen EM, Holst M. Long-term somatic follow-up of prenatally treated children with congenital adrenal hyperplasia. J Clin Endocrinol Metab 1998; 83(11): 38723880.

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

EURP 2010; 2(2): 83-92


Artigo de Revisão Ecocardiografia e o Coração do Atleta Echocardiography and the Athlete`s Heart Armando F Machado Filho1, Wellington P Martins 1, 2

O coração de um atleta pode expressar diversas modificações morfológicas e funcionais em conseqüência aos estímulos intensos e freqüentes, comuns a quem pratica atividades físicas com fins competitivos. Estes achados muitas vezes podem ser a origem de um sério conflito diagnóstico, pois podem “alertar” o clínico inexperiente para condições cardíacas que na verdade inexistem, bem como podem mascarar doenças potencialmente letais, cujas manifestações são por vezes sobrepostas com aquelas do coração do atleta. Neste presente trabalho, nos propomos a fazer uma revisão deste tema, com ênfase nas alterações adaptativas possíveis de serem observadas, além de rever as principais causas de morte súbita em atletas jovens; também faremos considerações sobre o papel do ecocardiograma na avaliação rotineira destes indivíduos, destacando os principais pontos de distinção, quando da utilização deste exame, entre o coração do atleta e as principais patologias com as quais este pode ser confundido. Palavras chave: Coração do atleta; Ecocardiografia; Morte súbita.

1- Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto (EURP) 2- Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) Recebido em 18/08/2009, aceito para publicação em 05/05/2010. Correspondências para Wellington P Martins. Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060. E-mail: wpmartins@ultrassonografia.com.br Fone: (16) 3636-0311 Fax: (16) 3625-1555

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

Abstract The heart of an athlete can express several morphological and functional modifications, which are result of intense and frequent stimuli, common to those who practice physical activities with competitive purposes. These findings can often be the source of a serious conflict diagnosis, as can "alert" the inexperienced clinical for cardiac conditions that actually do not exist, and may mask potentially lethal disease, whose manifestations are sometimes overlapped with those of the athlete's heart . In this work, we propose a review of this topic, emphasizing the adaptive potential of the observance, in addition to reviewing the main causes of sudden death in young athletes, we will also discuss the role of echocardiography in the routine evaluation of these individuals, highlighting the main points of differentiation, when use of this practice, between the heart of the athlete and the main pathologies with which this can be confused. Keywords: Athlete`s heart; Echocardiography; Sudden death.

EURP 2010; 2(2): 93-96


94

Simão & Martins – Efusões pleurais Introdução A prática intensiva de exercícios físicos, no contexto dos esportes competitivos, desafia o coração de um atleta a desempenhos acima do usualmente requerido para o ser humano comum. Em tais condições, as necessidades de oxigênio circulante podem tornar-se bastante elevadas, sendo, portanto, necessário um processo adaptativo. Na descrição clássica, este envolve aumento do diâmetro e espessura parietal de câmaras cardíacas, bem como do enchimento diastólico e redução da freqüência cardíaca, no intuito de garantir um débito cardíaco à altura desta demanda 1. A este conjunto de compensações morfofuncionais dá-se o nome de Coração do Atleta. Apesar de já extensamente descritas, as alterações cardíacas observadas nos atletas ainda suscitam controvérsias. Embora a grande maioria dos autores admita isto como um processo meramente adaptativo, muitos ainda questionam se tais alterações teriam algum potencial de induzir a longo prazo alterações patológicas. Além disto, em muitos atletas, a magnitude das alterações observadas atingem níveis compatíveis com algumas patologias cardíacas, principalmente a cardiomiopatia hipertrófica. Este tipo de consideração ganha ainda mais força sempre que ocorre um episódio de morte súbita em um atleta. Tais fatos têm um grande impacto tanto na população leiga quanto na comunidade médica, pois estas mortes fragilizam a percepção de que os atletas treinados representam o segmento mais saudável da sociedade moderna 2. Embora a incidência real de morte súbita em atletas ainda seja incerta, alguns trabalhos falam de 1 caso para 200.000 por indivíduos ao ano 3 e acreditase que muitas mortes poderiam ter sido prevenidas pelo diagnóstico prévio das condições que as causaram. No entanto, na prática clínica muitas vezes torna-se uma tarefa muito difícil e de grande responsabilidade, a distinção entre o coração do atleta e uma doença cardíaca; se por um lado, a identificação de uma doença pode ser a base para retirar o atleta da competição a fim de minimizar riscos, por outro lado, o diagnóstico inapropriado de doença cardíaca pode indevidamente afastar o atleta de sua profissão, pondo um fim em sua carreira. O Coração do Atleta A primeira descrição das alterações cardíacas encontradas no atleta foi feita por Henschen em 1899. Através de uma cuidadosa percussão torácica, ele reconheceu o aumento cardíaco em esquiadores “cross country” e concluiu que tanto dilatação quanto hipertrofia encontravam-se presentes, envolvendo ambos os lados do coração 4. Nas décadas seguintes, Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

outros exames que se tornaram comuns na avaliação cardíaca, tais como a radiografia do tórax e o eletrocardiograma puderam reproduzir seus achados. No entanto, somente a partir do emprego das imagens obtidas à ecocardiografia, os cardiologistas puderam fazer medidas relativamente acuradas, tanto de espessura das paredes, quanto das dimensões das câmaras cardíacas 5. As facilidades do exame ecocardiográfico estimularam o surgimento de muitos estudos envolvendo grupos de atletas e estabeleceram que as alterações diferiam conforme o tipo de atividade física exercida. Observou-se que aqueles envolvidos com exercícios isométricos (como levantamento de peso, etc) tinham um volume ventricular normal ao final da diástole, porém com freqüência, a massa ventricular esquerda e a espessura das paredes apresentavam-se aumentadas, similarmente ao que ocorre nos corações submetidos à sobrecarga crônica de pressão; por outro lado, aqueles que desempenhavam exercícios isotônicos (como natação, corrida de longa distância, etc), também tinham um aumento da massa ventricular, sem, no entanto apresentarem espessamento das paredes ventriculares, algo semelhante ao que ocorre em situações de sobrecarga crônica de volume 6. Nos que praticam atividades mistas as quais combinam força e resistência, como é o caso do ciclismo, poderemos encontrar apresentações variáveis entre os dois modelos acima. Hoje se sabe que, o coração do atleta, submetido a constantes estímulos para que realize um trabalho cada vez mais eficaz, poderá apresentar basicamente duas modificações morfofuncionais: 1- Aumento do tamanho ventricular, secundário à sobrecarga de pressão e ou volume, levando a uma hipertrofia que pode ser concêntrica ou excêntrica, caso a espessura das paredes acompanhem ou não o aumento das câmaras. Isto possibilita uma maior força de contração por parte do miocárdio, bem com um maior enchimento diastólico final, o que possibilita um volume ejetado de sangue em cada sístole, ainda maior. 2-Bradicardia Sinusal: nos atletas, em especial no momento entre os treinos observa-se uma menor freqüência cardíaca, que se dá à custa de uma maior estimulação parassimpática e diminuição do tônus simpático; o número de batimentos por minuto, só excepcionalmente atinge níveis menores que 40. Com a freqüência cardíaca reduzida, aumenta o período da diástole, permitindo a otimização no enchimento das câmaras ventriculares, o que também contribui para um maior volume de ejeção; tais níveis de freqüência falam também da maior resistência cardiovascular do atleta, permitindo que o mesmo desempenhe um EURP 2010; 2(2): 93-101


95

Simão & Martins – Efusões pleurais trabalho físico de alta carga por mais tempo, antes que sobrevenha a fadiga 7. Ao exame ecocardiográfico, o tamanho normal da cavidade do ventrículo esquerdo é de até 55 mm e a espessura da parede é de até 12 mm. A maioria dos atletas tem dimensões dentro desses parâmetros, no entanto, sabe-se que cerca de 35% dos atletas adultos têm uma cavidade ventricular esquerda maior que 55 mm e em 5 % esta é maior que 60 mm; no entanto, apenas uma pequena percentagem, aproximadamente 2 % tem uma espessura parietal acima de 12 mm 8. Quanto às funções sistólica e diastólica, apresentamse em níveis normais, similares às da população em geral; o maior débito sistólico do atleta, conforme acima já referido deve-se a um volume diastólico final aumentado e não a uma alta fração de ejeção. Outras alterações comumente relatadas são: aumento do volume atrial esquerdo, o que pode ser evidenciado em cerca de 20% e à monitorização eletrocardiográfica durante a realização do ecocardiograma, podem ser também evidenciados, além da bradicardia sinusal, ectopias atriais e ou ventriculares, bem como bloqueio atrioventricular de primeiro ou de segundo grau do tipo Mobitz I e até mesmo ritmo juncional 9. Sabe-se que funcionalmente, pouco tempo após iniciado o treinamento, podem já ser observadas alterações no organismo dos indivíduos. Por acompanhamento ao ecocardiograma puderam ser visualizadas, tanto em atletas de força, quanto nos de resistência, a ocorrência de significantes mudanças na estrutura e função cardíaca já aos 90 dias após o início de atividades, em atletas anteriormente sedentários 10 . Por outro lado, também já é amplamente conhecida a característica reversibilidade das alterações apresentadas pelo coração do atleta, uma vez que os treinos sejam interrompidos, podendo já haver regressão de 2 a 5 mm na hipertrofia após 3 meses de descondicionamento, embora muitas vezes, a redução do tamanho da cavidade seja incompleta e a dilatação possa persistir em até 20% dos atletas 11. O Exame Ecocardiográfico e o Atleta O ecocardiograma, a despeito da sua importância em relação ao tema aqui discutido, não é um exame que deva ser realizado rotineiramente em atletas, no tocante à avaliação inicial destes antes da participação de atividades esportivas, pois além de representar um alto custo oferecer o exame a todos os atletas, demandaria um grande número de profissionais treinados para tal. Em caso contrário, se sua realização tornar-se necessária, o exame deveria ser idealmente Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

feito por ecocardiografista familiarizado com as alterações cardiovasculares encontradas nos atletas 4. Segundo a última Diretriz da AHA, que norteia o rastreamento de pré-participação para atletas competitivos, a adição de testes diagnósticos não invasivos tem o potencial de aumentar a detecção de doenças cardiovasculares em atletas jovens, mas os mesmos só deveriam ser solicitados após os atletas serem submetidos aos assim conhecidos “doze passos”de investigação pré-participação (vide tabela 1), os quais são questões ou dados a serem checados na história pessoal, familiar, bem como no exame físico do paciente, que objetivam a possibilidade de desmascarar qualquer patologia subjacente; se um desses “passos” tiver uma resposta positiva ou mostrar alterações sugestivas de patologia, o atleta deverá ser encaminhado para uma investigação mais aprofundada 12. Tabela 1. Os doze passos da avaliação pré-participação, segundo a diretriz da American Heart Association (adapta12 do de Maron et al, 2007 ) HISTÓRICO MÉDICO DO ATLETA E DE SUA FAMÍLIA Antecedentes Pessoais: 1-Desconforto ou dor torácica aos esforços. 2-Síncope ou Pré-sincope de etiologia não explicada. 3-Dispnéia ou fadiga excessiva associada aos exercícios. 4-História prévia de “Sopro Cardíaco”. 5-Elevação da Pressão Sanguínea. História Familiar: 6-Morte prematura de causa cardíaca (súbita e inesperada), em 1 ou mais parentes com menos de 50 anos. 7-Parente próximo com menos de 50 anos, incapacitado por doença cardíaca. 8-Conhecimento de certas condições cardíacas em membros da família: cardiomiopatia hipertrófica ou dilatada, síndrome do QT longo ou outras canalopatias, Síndrome de Marfan ou arritmias de importância clínica. EXAME FÍSICO: 9-Busca de sopros cardíacos à ausculta. 10-Palpar pulsos femorais, para excluir Coarctação da Aorta. 11-Buscar à inspeção, por estigmas da Síndrome de Marfan. 12-Aferir a Pressão Artéria Sistêmica (em posição sentada).

Segundo a 36ª. Conferência de Bethesda, realizada em 2005, o ecocardiograma é a principal modalidade diagnóstica para a identificação clínica da Cardiomiopatia Hipertrófica e, além disto, representa um importante papel em detectar e definir outras cardiopatias associadas com morte súbita, tais como doença valvar (prolapso mitral e estenose aórtica), aneurisma aórtico presente na Síndrome de Marfan ou em outras Síndromes correlatas e disfunção ou dilatação do venEURP 2010; 2(2): 93-101


96

Simão & Martins – Efusões pleurais trículo esquerdo, presentes, por exemplo, na miocardite ou Cardiomiopatia Dilatada 13.

aumento, em respectiva ordem decrescente de magnitude.

Determinantes das Modificações Morfofuncionais A “Síndrome do Coração do Atleta” não é no entanto, um fenômeno ubíquo, especialmente no tocante às modificações estruturais. Trabalhos relatam que cerca de 50% de atletas, apesar da ótima performance esportiva, não apresentam ao exame ecocardiográfico, alterações dimensionais, como as consideradas até aqui. Este tipo de observação implica que a resposta cardíaca ao treinamento não é induzida unicamente pelo estresse hemodinâmico relacionado ao exercício. Outras questões, a este aspecto relacionadas, têm a ver com a observação de que as respostas são variáveis entre diferentes indivíduos. Em um grupo de atletas que participam do mesmo esporte, sendo submetidos por isto a estímulos de graus semelhantes, ainda assim podem haver medidas ecocardiográficas bem diversas entre eles; já em alguns atletas, as mudanças podem ser tão proeminentes, que chegam muitas vezes a serem erroneamente confundidas com os achados de determinadas patologias cardíacas. Muitos fatores a influenciar na determinação do perfil adaptativo de cada atleta são hoje reconhecidos, como exemplo, temos os fatores genéticos, tendo sido identificado que os indivíduos homozigotos DD para o gene responsável por 50% da ECA circulante, parecem ser mais predispostos a desenvolver maiores graus de hipertrofia cardíaca em resposta ao treinamento físico 14. Outros possíveis determinantes são fatores hormonais, sexo, idade e etnia. Normalmente mulheres, crianças e pessoas de mais idade apresentam alterações mais discretas, provavelmente devido ao treinamento menos intenso e aos menores níveis de testosterona, diferentemente de homens mais jovens, onde os maiores níveis de testosterona contribuem para uma maior massa muscular, permitindo níveis mais intensos de treino. É observada também, uma maior tendência à hipertrofia nos indivíduos negros, uma possível explicação para tal achado, seriam os níveis naturalmente mais elevados de pressão arterial nestes indivíduos em resposta ao exercício 15. Por último, podemos ressaltar outro fator de extrema importância nesta discussão, que é o tipo de atividade física desempenhada pelo atleta. O tênis de mesa, por exemplo, é o que apresenta menor impacto relativo sobre a dilatação ventricular. As maiores taxas de aumento, tanto das dimensões cavitárias, quanto das espessuras de parede tem sido observadas nos atletas de elite praticante de remo, esqui, ciclismo e natação 11. Outros esportes populares como futebol, tênis e volleyball, apresentam níveis intermediários de

Morte Súbita em Atletas Morte súbita ocorrendo em atleta já foi considerada uma síndrome misteriosa e indefinida. Após anos de pesquisa, hoje se dispõe de uma extensa literatura que define as causas cardiovasculares, bem como de outras etiologias não cardíacas, responsáveis por tais eventos trágicos, os quais felizmente são extremamente raros em atletas jovens 16. Sua ocorrência, porém, será mais comum em atletas amadores e/ou de meia idade ou mais idosos, porém mesmo nestes grupos o risco é muito menor que na população sedentária. A morte súbita relacionada com o exercício é considerada quando o evento fatal ocorre durante a atividade física e até uma hora após o seu término, sendo porém mais associada com o esforço que com o período de descanso. Em jovens atletas, ocorre predominantemente em meio ao treino ou competição, na ausência de sintomas prévios; em tais circunstâncias o exercício agiria como um gatilho para taquiarritmias ventriculares letais, dada a suscetibilidade imposta pela cardiopatia (geralmente insuspeitada) subjacente 17. Pode ser associada a mais de trinta tipos diferentes de esportes; os mais comuns são o basquete e o futebol americano nos Estados Unidos e o futebol, nos países da Europa. Ocorrem também com uma freqüência muito maior em atletas do sexo masculino, com uma proporção de 9 atletas homens mortos para apenas 1 atleta do sexo feminino, além de haver também uma maior predisposição a atletas de etnia negra; atualmente já são reconhecidas as principais causas cardíacas que podem levar atletas jovens à morte súbita, bem como sua respectiva prevalência 18. Conforme disposto na tabela 2, a Cardiomiopatia Hipertrófica constitui-se na causa principal de morte súbita em atletas jovens, respondendo por cerca de um quarto dentre todos os casos, embora alguns autores aumentem sua responsabilidade para um terço dos casos, alegando que muitos que apresentavam hipertrofia indeterminada do ventrículo esquerdo na verdade seriam portadores de Cardiomiopatia com apresentações menos comuns. O “Commotio Cordis” presente na segunda posição refere-se a uma taquiarritmia ventricular maligna ocorrida por conseqüência a um trauma torácico contuso, não penetrante. Enquanto nesta faixa etária, a doença aterosclerótica coronariana responde por uma parcela muito pequena, nos atletas de maior idade (acima dos 35 anos), esta se constitui na causa predominante de morte súbita 4.

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

EURP 2010; 2(2): 93-101


97

Simão & Martins – Efusões pleurais Tabela 2. Distribuição por ordem de prevalência das principais causas de morte súbita em atletas, adaptado de 4 Maron e Pelliccia, 2006 . Causa de Morte Súbita em Atletas JoPrevalência vens Cardiomiopatia Hipertrófica 26% “Commotio Cordis” 20% Anomalia de artérias coronarianas 14% Hipertrofia do VE indeterminada 7% Miocardite 7% Ruptura de Aneurisma 3% Displasia Arritmogênica do VD 3% Ponte Miocárdica 3% Estenose Aórtica 2,5% Doença Coronariana Aterosclerótica 2,5% Outras Causas: Abuso de drogas, trau12% matismo, asma, etc

Seria ainda interessante mencionar a emergência de um perfil demográfico diferente, relacionado com a morte súbita em atletas jovens, especialmente na região nordeste da Itália, onde a displasia arritmogênica do ventrículo direito é referida como a causa principal de morte súbita, algo muito diferente dos achados reportados nos Estados Unidos. Tal informação, mais do que uma mera predisposição genética desta população estudada a apresentar tal patologia, pode refletir na verdade o modelo otimizado e até mesmo rigoroso adotado na Itália no tocante à avaliação pré participação em atividades esportivas; neste modelo que vai além dos doze passos adotados nos EUA, todos os indivíduos são, além de submetidos a anamnese e exame físico, também avaliados por ECG, com realização de exames complementares caso surja qualquer indício suspeito de cardiopatia 12. Este “screening” sistemático teria menos chance de identificar e desqualificar das competições atletas com displasia do VD, que aqueles com doenças mais facilmente identificáveis através da realização de ECG e confirmadas ao Ecocardiograma, como a Cardiomiopatia Hipertrófica. Coração do atleta ou cardiomiopatia É algo extremamente notório. A literatura dedicada à questão do “coração do atleta” direciona-se na maioria das vezes, a um denominador comum: a cardiomiopatia hipertrófica. Esta se trata de uma doença genética, de transmissão autossômica dominante, que ocorre em 1 a cada 500 pessoas, relacionada com um potencial mórbido, haja visto a possibilidade de ocorrerem arritmias cardíacas graves e letais, sendo a morte súbita a primeira manifestação clínica em muitos pacientes. Estas arritmias que podem levar à morte podem ocorrer no Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

repouso, mas tipicamente estão relacionadas com esforço físico 19. Por tais motivos torna-se tão importante considerar tal patologia em indivíduos que têm a atividade atlética como profissão. Além disto, como já anteriormente discutido, esta patologia é a principal causa de morte súbita em atletas jovens. A princípio constitui tarefa relativamente simples, realizar o diagnóstico de cardiomiopatia hipertrófica em um atleta, basta logicamente que haja antes de tudo, uma suspeita clínica despertada por sintomas ou dados sugestivos presentes na história clínica pessoal ou familiar do indivíduo. A partir daí, o exame ecocardiográfico assume uma posição relevante, pois além de ser uma ferramenta de relativa disponibilidade, constitui ainda a melhor opção no diagnóstico desta patologia. No entanto, em muitos casos, esta pode apresentar-se como uma tarefa repleta de dificuldades. Em circunstâncias normais, um atleta pode exibir um aumento de 15 a 20% na espessura septal e da parede posterior do ventrículo esquerdo. Em termos de valores absolutos, a hipertrofia ocorrida nos atletas, não ultrapassa os 12 mm, medidas consideradas normais mesmo dentro do preconizado até para indivíduos sedentários 20. O grande conflito diagnóstico surge se a remodelação ocorrida no coração do atleta ultrapassa os limites da normalidade, por exemplo, quando é visualizado um septo com espessura entre 12 e 16 mm, valores estes que podem ser também evidenciados em indivíduos com cardiomiopatia hipertrófica de apresentação fenotípica mais discreta, o que ocorre em 10 a 15% dos casos 21. Diz-se encotrarem-se numa zona cinzenta de dubiedade entre o coração do atleta ou cardiomiopatia hipertrófica, aqueles que apresentamse ao exame ecocardiográfico com medidas dentro deste intervalo. Acima de 16 mm, a hipertrofia mais provavelmente tenderá para o patológico, muito embora tenham sido encontrados atletas com septos medindo até 19 mm, ainda que isto ocorra de forma muito isolada 22. Também devemos lembrar que, no tocante às dimensões da cavidade ventricular esquerda, muitos atletas podem apresentar um diâmetro diastólico final que extrapola o valor normal máximo de 55 mm, dado que pode demandar a distinção com cardiomiopatia dilatada. Para definir com firmeza e exatidão o diagnóstico do paciente, especialmente daqueles que vão se enquadrar na chamada zona cinzenta é necessário, além de conhecer a fundo as alterações possíveis de encontrar-se num atleta ao exame ecocardiográfico, um conhecimento detalhado das patologias a que se propõe diagnosticar/descartar e procurar averiguar semEURP 2010; 2(2): 93-101


98

Simão & Martins – Efusões pleurais pre, o maior número de parâmetros que possibilitem a mais perfeita diferenciação. Cardiomiopatia hipertrófica X coração do atleta: diagnóstico diferencial Antes de partir diretamente para a aquisição de imagens ultrassonográficas a fim de diferenciar estas duas condições, outrossim caso a dúvida tenha surgido exatamente durante o exame, algumas informações iniciais sobre o atleta podem ser de extrema ajuda nesta tarefa. Os estudos demonstram que o perfil do atleta, que se encontra na zona cinzenta, geralmente é o de pertencer ao sexo masculino e com idade acima dos 16 anos. Desta forma, o achado de hipertrofia em atletas do sexo feminino e em adolescentes são mais condizentes com uma condição patológica 23. Os atletas de etnia negra, quando comparados aos caucasianos, enquadram-se mais comumente na zona de indefinição diagnóstica. Enquanto na população em geral, a porcentagem esperada é de cerca de 2 %, nesse segmento em particular, o índice pode chegar até a 18% dos atletas 24. O tipo de esporte praticado pelo atleta também pode ser de ajuda na diferenciação. Dois grandes estudos fizeram uma correlação entre o achado de hipertrofia ventricular e os tipos de modalidades esportivas onde esta característica era mais comumente observada. No primeiro, um estudo italiano envolvendo 947 atletas olímpicos, todos os atletas que apresentaram hipertrofia ventricular estava relacionado a um dos seguintes esportes: remo, canoagem ou ciclismo 25; o outro estudo, realizado na Grã-bretanha, envolveu 3000 atletas e identificou hipertrofia apenas nos praticantes de natação, futebol, rugby e tênis 21. É razoável presumir que quando hipertrofia ventricular for evidenciada em praticantes de outros esportes ou ainda, de esportes considerados mais leves, devem ser avaliados com mais rigor. Atletas com queixas de palpitações, dificuldade respiratória desproporcional ao exercício realizado, tonturas, dores no peito ou relato de síncope (de etiologia ainda não explicada), sendo todos estes sintomas possíveis de serem apresentados por pacientes com cardiomiopatia hipertrófica, devem, portanto ser investigados para tal. Também contribuem para a suspeita, antecedentes de arritmias e/ou de alterações ao ECG (ainda que inespecíficas) e por último, mas não menos importante, os antecedentes familiares de um caso diagnosticado num parente de primeiro grau, onde a investigação torna-se formalmente obrigatória. O ecocardiograma é o exame de escolha para a diferenciação entre a cardiomiopatia hipertrófica e a hipertrofia fisiológica do ventrículo esquerdo enconExperts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

trada no atleta altamente treinado. Para tanto, durante sua realização vários parâmetros morfológicos e funcionais devem ser sistematicamente procurados, avaliados e medidos, em sua forma de apresentação e magnitude. Em primeiro lugar, a avaliação da hipertrofia. No coração do atleta, ela atinge limites máximos de 16 mm, conforme já referido, além disso, tende a ser homogênea e simétrica. Na cardiomiopatia hipertrófica, a maioria dos indivíduos exibe o clássico padrão de hipertrofia septal assimétrica, podendo haver um padrão heterogêneo de hipertrofia, mesmo em porções contíguas do ventrículo esquerdo (RAWLINS, 2008). Além disto, na maioria dos pacientes, a cavidade ventricular apresenta-se pequena, medindo menos do que 45 mm, caracterizando uma disparidade entre a espessura das paredes e o diâmetro da cavidade, achado típico desta patologia. Ao contrário disto, quase todos os atletas que apresentam hipertrofia, concomitantemente mostrarão também um aumento na cavidade ventricular esquerda, a qual pode variar de 55 a 65 mm 23. Outro dado ecocardiográfico reconhecidamente observável nos pacientes com cardiomiopatia hipertrófica é a obstrução dinâmica da via de saída do ventrículo esquerdo. Esta geralmente é piorada com o exercício e ocorre devido ao movimento anterior sistólico do folheto mitral anterior em direção ao septo interventricular. Nos atletas, logicamente não se espera encontrar qualquer tipo de obstrução, mesmo na vigência de hipertrofia. A avaliação do padrão de enchimento diastólico ventricular realizada a partir do Doppler pulsado ao nível da borda dos folhetos mitrais e das veias pulmonares, com informações adicionais obtidas pelo Doppler tecidual ao nível da borda do anel mitral, também são de grande relevância. Enquanto no atleta estes parâmetros costumam apresenta-se sem anormalidades, no paciente com cardiomiopatia hipertrófica, devido à rigidez muscular secundária ao desarranjo dos miócitos e ao processo de fibrose entre estes, podem ser evidenciados reversão na relação entre as ondas E e A, prolongamento do tempo de desaceleração da onda E e do tempo de relaxamento isovolumétrico, além de reversão na relação S/D às veias pulmonares.Ao Doppler tecidual, nos indivíduos com a patologia, a relação e/a constitui um importante parâmetro. Em um paciente da zona cinzenta, o achado da relação e/a < 1 é um dado que aposta fortemente para um diagnóstico patológico 26. A relação E/e também pode ser útil na diferenciação, pois quando apresenta um valor maior que 12 é indicativa de alta pressão de enchimento ao nível do átrio esquerdo, um marcador fisiopatológico, enquanto nos atletas, tal EURP 2010; 2(2): 93-101


99

Simão & Martins – Efusões pleurais relação costuma ter valores normais, ou seja, menores que 8 27. A despeito de todos os aspectos enumerados até aqui, em alguns casos eles ainda não são suficientes para definir ou afastar com precisão a possibilidade desta patologia no atleta. É preciso então fazer uso de outras opções como o teste genético, o qual pode hoje em dia ser obtido com rapidez; este vai avaliar a existência no DNA do paciente das mutações mais comumente associadas com a cardiomiopatia hipertrófica. Sua limitação consiste no alto índice de testes falso negativos (RAWLINS, 2009). A realização de teste ergoespirométrico pode mostrar padrões reduzidos de VO2 máximo compatíveis com a doença (ANASTASAKIS, 2005). A ressonância magnética pode ser muito útil na demonstração de fibrose miocárdica e nos casos de hipertrofia apical. O descondicionamento pode também ser uma manobra utilizada no diagnóstico diferencial, haja vista a redução que ocorre na espessura da parede após um pequeno período de interrupção nos treinos, como 3 meses por exemplo; sua principal limitação, logicamente, é a dificuldade de convencer um atleta altamente motivado a interromper suas atividades esportivas, ainda que por pouco tempo. Diagnóstico diferencial com outras patologias O ecocardiograma representa também um exame de extrema importância no diagnóstico de outras condições associadas à morte súbita em atletas. Em alguns esportistas, as dimensões do ventrículo esquerdo podem ultrapassar o limite normal máximo de 55 mm (diâmetro diastólico final), atingindo valores iguais aos observados na cardiomiopatia dilatada primária ou secundária a condições tais como hipertensão arterial sistêmica, doença coronariana, doença de Chagas, etc. É importante pesquisar na história do paciente por condições predisponentes. A ausência de sintomas ou sinais sugestivos de insuficiência cardíaca falam a favor de dilatação fisiológica do ventrículo esquerdo 28. Ao ecocardiograma, a presença de um ventrículo esquerdo que pode medir até mais do que 60 mm, porém sem achados de disfunção sistólica e de alterações do relaxamento e complacência ventricular , também são dados favoráveis a esta hipótese. A miocardite geralmente tem uma etiologia infecciosa e inflamatória, embora em alguns casos esta pode ser conseqüência do uso de drogas como cocaína, podendo provocar morte súbita em conseqüência de arritmias complexas, que podem, como apresentação da doença, ocorrer de forma isolada. O diagnóstico diferencial com o coração do atleta é auxiliado pelos dados clínicos como surgimento num indivíduo anteriomente hígido, de arritmias, síncope, palpitaExperts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

ções e nos casos mais sérios de insuficiência cardíaca franca, às vezes refratária até mesmo à medicação usual 28. Embora em muitas vezes o diagnóstico venha a depender da realização de biópsia endomiocárdica, o ecocardiograma pode ser útil na avaliação de disfunção cardíaca de origem recente. A estenose aórtica tem como etiologias mais comuns, a valva aórtica bicúspide, doença reumática e de causa degenerativa, esta mais relacionada com o envelhecimento. Por ser uma das condições cardíacas congênitas mais comuns, podem ser logicamente encontrados muitos atletas portadores de valva bicúspide. A ecocardiografia é o método padrão para o diagnóstico e avaliação de gravidade da estenose valvar aórtica e permite o acompanhamento de atletas com lesão congênita ou reumática com mínimo grau de estenose, o que não contra indica a atividade atlética29. A displasia arritmogênica do ventrículo direito desponta em algumas regiões da Europa, como a causa principal de morte súbita em atletas jovens. Trata-se de uma cardiomiopatia caracterizada por infiltração gordurosa das paredes do VD e pode cursar assintomaticamente, porém apresenta alto potencial arritmogênico, podendo evoluir com disfunção e dilatação do ventículo direito. Alguns atletas, fisiologicamente, podem manifestar alterações eletrocardiográficas como arritmias leves e benignas e pequenos graus de bloqueio atrioventricular, além de certo grau de dilatação do ventrículo direito, assim como ocorre com o ventrículo esquerdo; nestes casos a possibilidade desta patologia poderia ser aventada. O ecocardiograma, apesar de não haver ainda critérios padronizados para o diagnóstico desta patologia utilizando este exame, pode ser de grande ajuda na sua identificação. Os achados geralmente são os de dilatação e disfunção do ventrículo direito, além de poderem ser visualizados hiperrefringência da banda moderadora e ao nível da parede ventricular a presença de aneurismas e padrão grosseiro de trabeculação 30.

Considerações finais O coração de um atleta é uma máquina programada para manter níveis circulatórios adequados, mesmo diante de um trabalho físico extremo. Em nosso entender, a despeito de um vasta literatura disponível dedicada a este fenômeno corporal adaptativo, não podemos ignorar uma aura de certo mistério que ainda paira sobre ele. Antes de tudo, o fato de não ser encontrado universalmente, conforme a clássica descrição de Henschen, tornando sempre impossível prever a forma de remodelamento que irá ocorrer no coração de um EURP 2010; 2(2): 93-101


100

Simão & Martins – Efusões pleurais indivíduo que está a iniciar-se numa carreira de atleta. Outro dado que torna este tema ainda mais sombrio é o de que algumas mortes de atletas ocorreram mesmo naqueles que tinham sido avaliados de forma correta e por profissionais competentes. Também é intrigante o fato de que alguns atletas não mostraram quaisquer alterações à autópsia, supondo-se que algumas doenças arrítmicas raras seriam a causa por trás de tais mortes, doenças estas que não despertam um mínimo nível de suspeita, a despeito de uma avaliação criteriosa. Felizmente este tipo de acontecimento é bastante incomum, no entanto seria um pesadelo para qualquer profissional médico, ser o responsável relacionado a qualquer um destes eventos, sempre tão extensivamente explorados pela mídia. O diagnóstico do coração do atleta é, sem dúvida, muito desafiante para o médico, quer este seja generalista, cardiologista ou qualquer outro envolvido com o exame de atletas. Um erro de diagnóstico pode representar a destruição de uma carreira ou a morte do atleta. Uma conduta ideal seria avaliar cuidadosamente as modificações observadas, munindo-se do maior número possível de informações, para tentar responder se aquelas alterações representam uma adaptação fisiológica ao treinamento ou uma condição patológica. Neste processo, o ecocardiograma representa um papel muito importante, pois além de ser bem acessível hoje em dia, não ser um exame caro, nem invasivo ou muito menos inócuo, permite acessar com detalhes dados estruturais e funcionais do ventrículo esquerdo e, se usado de forma adequada por profissional com experiência nestes casos, é um objeto de valor inestimável para dissipar qualquer nuvem cinzenta que esteja a confundir o clínico, permitindo-o chegar de forma clara ao diagnóstico correto.

Referências 1. Ghorayeb N, Batlouni M, Pinto IM, Dioguardi GS. [Left ventricular hypertrophy of athletes: adaptative physiologic response of the heart]. Arq Bras Cardiol 2005; 85(3): 191197. 2. Stout M. Athletes' heart and echocardiography: athletes' heart. Echocardiography 2008; 25(7): 749-754. 3. Maron BJ, Gohman TE, Aeppli D. Prevalence of sudden cardiac death during competitive sports activities in Minnesota high school athletes. J Am Coll Cardiol 1998; 32(7): 1881-1884. 4. Maron BJ, Pelliccia A. The heart of trained athletes: cardiac remodeling and the risks of sports, including sudden death. Circulation 2006; 114(15): 1633-1644. 5. Shephard RJ. The athlete's heart: is big beautiful? Br J Sports Med 1996; 30(1): 5-10.

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

6. Morganroth J, Maron BJ, Henry WL, Epstein SE. Comparative left ventricular dimensions in trained athletes. Ann Intern Med 1975; 82(4): 521-524. 7. Oakley D. General cardiology: The athlete's heart. Heart 2001; 86(6): 722-726. 8. Sharma S. Athlete's heart--effect of age, sex, ethnicity and sporting discipline. Exp Physiol 2003; 88(5): 665-669. 9. Cavallaro V, Petretta M, Betocchi S, Salvatore C, Morgano G, Bianchi V, et al. Effects of sustained training on left ventricular structure and function in top level rowers. Eur Heart J 1993; 14(7): 898-903. 10. Baggish AL, Wang F, Weiner RB, Elinoff JM, Tournoux F, Boland A, et al. Training-specific changes in cardiac structure and function: a prospective and longitudinal assessment of competitive athletes. J Appl Physiol 2008; 104(4): 1121-1128. 11. Pelliccia A, Maron BJ, De Luca R, Di Paolo FM, Spataro A, Culasso F. Remodeling of left ventricular hypertrophy in elite athletes after long-term deconditioning. Circulation 2002; 105(8): 944-949. 12. Maron BJ, Thompson PD, Ackerman MJ, Balady G, Berger S, Cohen D, et al. Recommendations and considerations related to preparticipation screening for cardiovascular abnormalities in competitive athletes: 2007 update: a scientific statement from the American Heart Association Council on Nutrition, Physical Activity, and Metabolism: endorsed by the American College of Cardiology Foundation. Circulation 2007; 115(12): 16431455. 13. Maron BJ, Zipes DP. Introduction: eligibility recommendations for competitive athletes with cardiovascular abnormalities-general considerations. J Am Coll Cardiol 2005; 45(8): 1318-1321. 14. Alvarez R, Terrados N, Ortolano R, Iglesias-Cubero G, Reguero JR, Batalla A, et al. Genetic variation in the reninangiotensin system and athletic performance. Eur J Appl Physiol 2000; 82(1-2): 117-120. 15. Ekelund LG, Suchindran CM, Karon JM, McMahon RP, Tyroler HA. Black-white differences in exercise blood pressure. The Lipid Research Clinics Program Prevalence Study. Circulation 1990; 81(5): 1568-1574. 16. Burke AP, Farb A, Virmani R, Goodin J, Smialek JE. Sports-related and non-sports-related sudden cardiac death in young adults. Am Heart J 1991; 121(2 Pt 1): 568-575. 17. Corrado D, Basso C, Rizzoli G, Schiavon M, Thiene G. Does sports activity enhance the risk of sudden death in adolescents and young adults? J Am Coll Cardiol 2003; 42(11): 1959-1963. 18. Maron BJ. Sudden death in young athletes. N Engl J Med 2003; 349(11): 1064-1075. 19. Maron BJ. Hypertrophic cardiomyopathy: a systematic review. JAMA 2002; 287(10): 1308-1320. 20. Pluim BM, Zwinderman AH, van der Laarse A, van der Wall EE. The athlete's heart. A meta-analysis of cardiac structure and function. Circulation 2000; 101(3): 336-344. 21. Basavarajaiah S, Boraita A, Whyte G, Wilson M, Carby L, Shah A, et al. Ethnic differences in left ventricular remodeling in highly-trained athletes relevance to differentiating physiologic left ventricular hypertrophy from hypertrophic cardiomyopathy. J Am Coll Cardiol 2008; 51(23): 2256-2262. 22. Nagashima J, Musha H, Takada H, Murayama M. New upper limit of physiologic cardiac hypertrophy in Japanese

EURP 2010; 2(2): 93-101


Simão & Martins – Efusões pleurais

101

participants in the 100-km ultramarathon. J Am Coll Cardiol 2003; 42(9): 1617-1623. 23. Pelliccia A, Maron BJ, Spataro A, Proschan MA, Spirito P. The upper limit of physiologic cardiac hypertrophy in highly trained elite athletes. N Engl J Med 1991; 324(5): 295-301. 24. Basavarajaiah S, Wilson M, Whyte G, Shah A, McKenna W, Sharma S. Prevalence of hypertrophic cardiomyopathy in highly trained athletes: relevance to preparticipation screening. J Am Coll Cardiol 2008; 51(10): 1033-1039. 25. Spirito P, Pelliccia A, Proschan MA, Granata M, Spataro A, Bellone P, et al. Morphology of the "athlete's heart" assessed by echocardiography in 947 elite athletes representing 27 sports. Am J Cardiol 1994; 74(8): 802-806. 26. Cardim N, Oliveira AG, Longo S, Ferreira T, Pereira A, Reis RP, et al. Doppler tissue imaging: regional myocardial function in hypertrophic cardiomyopathy and in athlete's heart. J Am Soc Echocardiogr 2003; 16(3): 223-232. 27. Rawlins J, Bhan A, Sharma S. Left ventricular hypertrophy in athletes. Eur J Echocardiogr 2009; 10(3): 350-356. 28. Maron BJ, Pelliccia A, Spirito P. Cardiac disease in young trained athletes. Insights into methods for distinguishing athlete's heart from structural heart disease, with particular emphasis on hypertrophic cardiomyopathy. Circulation 1995; 91(5): 1596-1601. 29. Vahanian A, Baumgartner H, Bax J, Butchart E, Dion R, Filippatos G, et al. Guidelines on the management of valvular heart disease: The Task Force on the Management of Valvular Heart Disease of the European Society of Cardiology. Eur Heart J 2007; 28(2): 230-268. 30. Yoerger DM, Marcus F, Sherrill D, Calkins H, Towbin JA, Zareba W, et al. Echocardiographic findings in patients meeting task force criteria for arrhythmogenic right ventricular dysplasia: new insights from the multidisciplinary study of right ventricular dysplasia. J Am Coll Cardiol 2005; 45(6): 860-865.

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

EURP 2010; 2(2): 93-101


Artigo de Revisão A utilização da ecocardiografia na avaliação da cardiotoxicidade por adriamicina The use of echocardiography in the evaluation of adriamycin cardiotoxicity José Antônio F Martins 1, Wellington P Martins 1, 2

A cardiotoxicidade por quimioterápicos utilizados na prática oncológica é uma das causa de miocardiopatia na população exposta a estas drogas. Dentre elas se destaca a Adriamicina (ADR) como agente classicamente cardiotóxico amplamente utilizado no tratamento de tumores sólidos em adultos e crianças. O seguimento da função cardíaca dos pacientes expostos a ADR é recomendada por diretrizes, inclusive com protocolos específicos de descontinuidade do tratamento em casos de miocardiopatia secundária a cardiotoxicidade. Dentre os exames para avaliação da função cardíaca, a ecocardiografia é dos exames indicados para o seguimento dos pacientes em tratamento com ADR. Tradicionalmente, utiliza-se a avaliação da Fração de Ejeção do Ventriculo Esquerdo (FE) como parâmetro ecocardiográfico para o segmento da função cardíaca em pacientes expostos a ADR. Porém devido as limitações técnicas intrínsecas e extrínsecas da ecocardiografia bidimensional e baixa reprodutibilidade das aferições realizadas por diferentes examinadores, novas tecnologias e indicadores ecocardiográficos são apresentados para otimizar a avaliação sistólica, diastólica e tecidual do ventrículo esquerdo em pacientes expostos a ADR. Palavras chave: Ecocardiografia; Cardiotoxicidade; Adriamicina.

1- Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto (EURP) 2- Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) Recebido em 22/06/2010, aceito para publicação em 30/06/2010. Correspondências para Wellington P Martins. Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060. E-mail: wpmartins@ultrassonografia.com.br Fone: (16) 3636-0311 Fax: (16) 3625-1555

Abstract The cardiotoxicity of chemotherapeutic agents used in oncology practice is one of cause of cardiomyopathy in the population exposed to these drugs. Among them stands out to Adriamycin (ADR) as classically cardiotoxic agent widely used in the treatment of solid tumors in adults and children. The follow-up of cardiac function of patients exposed to ADR is recommended by guidelines, including protocols for discontinuing treatment in cases of cardiomyopathy secondary to cardiotoxicity. Among the tests for evaluation of cardiac function, echocardiography examinations is indicated for the monitoring of patients treated with ADR. Traditionally used to evaluate the fraction left ventricular ejection (EF) and echocardiographic parameter for the segment of cardiac function in patients exposed to ADR. But due to technical limitations intrinsic and extrinsic two-dimensional echocardiography and low reproducibility of measurements taken by different examiners, new technologies and echocardiographic indicators are presented to optimize the evaluation systolic and diastolic left ventricular tissue in patients exposed to ADR. Keywords: Cardiotoxicity.

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

Echocardiography;

Adriamycin;

EURP 2010; 2(2): 102-108


103

Martins & Martins – Cardiotoxicidade por adriamicina Introdução A utilização de agentes quimioterápicos na prática oncológica expõe pacientes ao risco de desenvolvimento de cardiopatias resultante da cardiotoxicidade destes agentes. As antraciclinas pertencem a uma das classes de quimioterápicos reconhecidamente cardiotóxica 1. Dentre as causas de miocardiopatia as resultantes da cardiotoxicidade por antraciclinas apresentam uma sobrevida dos pacientes, em torno de 40% em cinco anos, (Figura 1) 2 . No grupo das antraciclinas destaca-se a doxorribicina ou adriamicina (ADR). A ADR é um antibiótico glicosídeo utilizado como quimioterápico principalmente no tratamento de tumores sólidos e

linfomas, inclusive indicado em protocolos quimioterápicos para neoplasias de mama 3. A cardiotoxicidade pela ADR está ligada diretamente a dose utilizada, apesar de existir evidências de lesão miocárdica histológica desde a primeira aplicação de ADR, os mecanismos de citotoxicidade pela ADR são múltiplos, dentre os principais destacam se as alterações relacionadas ao Cálcio intracelular dos miócitos, a interferência na síntese de proteína contrátil, complexo actina-miosina dos miócitos, alterações nos receptores beta adrenérgicos em especifico o B1, o surgimento de edema intersticial no miocárdio e a apoptose celular 4.

2

Figura 1. Curva de sobrevida de pacientes de acordo com a etiologia da miocardiopatia. Adaptado de Felker, 2000 .

Os resultados da cardiotoxicidade são lesões cardíacas agudas e crônicas. Devido tais constatações a cardiotoxidade por ADR é classificada em: aguda surge no inicio do tratamento desde a primeira dose de ADR, sub-aguda – surge semanas ou meses após o inicio do tratamento e geralmente de maneia insidiosa e a forma crônica que se subdivide em precoce – após seis meses de tratamento ou tardia – até vários anos do tratamento com ADR 5. A incidência de cardiopatia por ADR oscila de acordo com o grupo exposto à droga, variando de 7Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

8% na população pediátrica até 40% população adulta. Os principais fatores que influem no desenvolvimento de cardiopatia são: a idade do paciente ocorrendo maior incidência acima dos setenta e abaixo dos quinze anos, no sexo feminino apresenta maior incidência de miocardiopatia por ADR, a presença de radioterapia como tratamento prévio, a história de comorbidades cardíacas prévias também aumentam o risco de desenvolvimento de cardiomiopatia por ADR, a trissomia do cromossomo 21 também aumenta a incidência de cardiotoxicidade, EURP 2010; 2(2): 102-108


Martins & Martins – Cardiotoxicidade por adriamicina a raça negra possui maior risco que a raça branca, a presença de mutação HFE (hemocromatose) aumenta o risco e doses cumulativas acima de 450mg/m2 de superfície corporal aumentam o risco de cardiotoxicidade por ADR 6, 7. O seguimento cardiológico do paciente exposto a ADR é fundamental para orientação terapêutica e identificação precoce de alteração cardíacas. A biópsia miocárdica é o exame de maior sensibilidade e especificidade para detecção de lesão miocárdica por quimioterápico. 8, 9 Porém o aspecto invasivo e possíveis complicações limitam seu uso. As diretrizes recomendam o segmento de pacientes tratados com ADR através da avaliação da função sistólica e diastólica do ventrículo esquerdo (VE). Diversos exames complementares são utilizados para avaliação da função de VE, os principais exames são: ventriculografia redioscopica, ventriculografia nuclear, ressonância magnética cardíaca, ecocardiografia e angiotomografia multislide. Outros exames também são utilizados no seguimento cárdico do pacientes submetidos a tratamento com adriamicina como os marcadores cardíacos (troponina e creatinofosfoquinase), pepitideo natriurético, monitorização Hollter e Teste ergométrico 10-13. A ecocardiografia é reconhecida há diversos anos como método mais utilizado para avaliação da função cardíaca14. Algumas desvantagens são apontadas a este método principalmente em relação a sua reprodutibilidade, quando comparado com outros exames diagnósticos como tomografia e ressonância magnética 15, 16. Entretanto os avanços dos recursos tecnológicos da ecocardiografia trazem novas perspectivas e melhorias na avaliação ventricular. Pretende-se por tanto apresentar a aplicação da ecocardiografia e seus recursos na avaliação da função cardíaca no paciente tratados com ADR. Avaliação da função sistólica do ventrículo esquerdo. A avaliação cardíaca em pacientes expostos a ADR antes, durante e após a quimioterapia, consiste inicialmente na utilização da ecocardiografia bidimensional para avaliação da função sistólica de VE obtida através da Fração de Ejeção de VE (FE) que é calculada a partir da estimativa dos volumes do ventrículo esquerdo, tanto na diástole (Vol D) como na sístole (Vol S), obtidos com a aplicação da fórmula de TEICHHOLZ, 17 :

104

Outra forma de obter a FE de VE é através do Método Simpson, que sofre menor interferência de eventuais alterações geométricas ou estruturais de VE. Neste método o VE é dividido em vários cilindros em alturas semelhantes e a FE é calculada em cada cilindro obtendo uma média resultante (Figura 2) 18.

Figura 2. Esquema de cálculo da FE de VE através do 18 Método Simpsom. Adaptado de Bednarz, 1995 .

A função sistólica de VE também pode ser avaliada pelo calculo da Fração de Encurtamento ou Encurtamento percentual (%vD), que é estimada a partir dos diâmetros internos de VE e a redução percentual durante a sístole.10 Obtida pela fórmula: %vD = VEd – VEs x 100/VEd VEd= Diâmetro interno diastólico de VE; VEs= Diâmetro interno sistólico de VE.

FE = Vol D – Vol S x 100/Vol D Vol D=Volume diastolico de VE; Vols S= Volume sistolico de VE.

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

A obtenção da FE norteia o inicio ou interrupção do tratamento do paciente com ADR, de acordo com a FE do paciente há uma orientação terapêutica EURP 2010; 2(2): 102-108


105

Martins & Martins – Cardiotoxicidade por adriamicina proposta por diretrizes, por isso a FE deve ser obtida previamente ao tratamento, durante o tratamento para avaliar a cardiotoxicidade aguda e após o tratamento para avaliar a cardiotoxicidade tardia. Previamente e durante o tratamento, dependendo da FE do paciente propõem-se as seguintes medidas7: Monitoramento e manuseio da cardiotoxicidade através da FE de VE pela ecocardiografia antes do inicio do tratamento e durante o tratamento. Pacientes com fração de ejeção inicial normal, preconiza realizar uma avaliação seqüencial da FE a cada três meses, independente da dose. De acordo com a evolução da FE é possível continuar a quimioterapia, nos casos em que a FE encontrada mantenha-se normal ou apresente uma redução menor de 10% dos valores obtidos antes da quimioterapia. Caso ocorra a a diminuição da FE de 10% a 15% no valor absoluto ou diminuição de 1% 5% abaixo do limite inferior da normalidade ou a diminuição da FE de 16% no valor absoluto, não respectivo ao limite inferior da normalidade, esta indicada a suspensão ou mesmo interrupção da quimio terapia com ADR. Os paciente com disfunção cardíaca prévia a quimioterapia, deve ser classificado com alto risco para cardiotoxicidade e ter a FE do VE avaliada préviamente a cada ciclo de quimioterapia, ser interrompida a quimioterapia no caso da diminuição absoluta de 10% da FE inicial. Em pacientes com FE pré quimioterapia inferior a 30% deve-se avaliar o custo benefício da quimioterapia com ADR. Nos pacientes com clínica de Cardiotoxicidade sub-aguda ou aguda deve manter a avaliação de FE a cada 6 a 12 meses após o término da quimioterapia. Ecocardiografia 3D e Ecocardiografia Stress na avaliação por cardiotoxicidade por ADR. A obtenção da FE através do ecocardiograma bidimensional sofreu diversas críticas, principalmente em relação a sua reprodutibilidade e inexatidão em pacientes com alterações estruturais de VE. Sendo assim outras tecnologias da ecocardiografia foram e estão sendo desenvolvidas permitindo a otimização da avaliação da função cardíaca. Além de novas técnicas, outros indicadores da função sistólica e diastólica foram incluídos para avaliação da cardiotoxicidade por ADR. Dentre as novas tecnologias testadas e validadas está a 3D ECO real-time (Ecocardiografia três dimensões em tempo real). Diversos estudos validaram sua utilização para avaliação da função de VE 15, 16. Porém as limitações em relação a reprodutibilidade e a fatores intrínsecos dos próprios Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

pacientes geraram críticas em relação a este recurso. Em comparação com a Ressonância Nuclear magnética e a Tomografia Computadorizada a 3D ECO RT apresentou menor reprodutibilidade, tanto, entre diferentes examinador, quanto diferentes avaliações do mesmo examinador, (Tabela 1) 15. Tabela 1. Variabilidade inter e intra observador do Volume diastólico (EDV) e Volume sistólico (ESV) e Fração de Ejeção (EF) de VE. Nota-se que a EF apresenta menor variação nos resultados na tomografia computadorizada cardíaca e ressonância magnética cardíaca do que na ecocardiografia três dimensões em tempo real. Adaptado de Teichholz, 16 1995 . Variabilidade Variabilidade inter-observador (%) intra-observador (%) EDV CCT

2,6

2,0

CMR

6,3

2,4

RT3DE

11,2

3,9

CCT

5,7

2,2

CMR

7,7

6,3

RT3DE

14,2

5,6

CCT

6,5

2,1

CMR

8,5

6,2

RT3DE

10,5

5,6

ESV

EF

CCT = tomografia computadorizada cardíaca; CMR = ressonância magnética cardíaca; RT3DE = ecocardiografia três dimensões em tempo real.

Outro questionamento ocorre a cerca da avaliação da função ventricular de VE em repouso, fato que limitaria a detecção precoce da cardiotoxicidade por ADR, pois a lesão dos miocitos e a perda da reserva contrátil cardíaca ocorrem, geralmente de maneira irreverssivel, antes da queda significativa da FE. Aplicou-se então a utilização da Ecocardiografia de Stress para detecção precoce da cardiotoxicidade por ADR. Civelli em um estudo, comparando a FE obtida através da ecocardigrafia de repouso e FE através da ecocardiografia por stress por dobutamina, obteve resultados significativos (p<0,0001) na detecção precoce da redução da FE, sugerindo a utlização deste recurso para detecção precoce da cardiotoxicidade por ADR 19. EURP 2010; 2(2): 102-108


106

Martins & Martins – Cardiotoxicidade por adriamicina Avaliação ecocardiográfica da função diastólica, sisto-diastólica e tecidual nos pacientes expostos a ADR. Além das limitações técnicas do exame ecocardiográfico e baixa reprodutibilidade também é destacado a limitação intrínsecas da avaliação da função cardíaca quando utilizada como único parâmetro a FE. Diversas limitações intrínsecas deste indicador (FE) são apresentadas, entre elas, a FE avalia apenas a função mecânica de bombeamento e não contratilidade, a FE obtidas pelos diferentes métodos pode sofrer interferência da frequencia cárdica, a FE pode apresentar-se dentro dos limites da normalidade apesar de alterações segmentares ou perda da reserva contrátil e a FE não reflete a função diastólica de VE e não reflete a clínica do paciente. Alguns autores classificam a FE como a medida do desespero, considerando a que classificar a função cardíaca através da FE de VE é o mesmo que classificar o câncer pelo nível de hemoglobina.20. Visando a otimização da avaliação da função cardíaca, diversos indicadores foram propostos para avaliar a função diastólica, sisto-diastólica, segmentar e tecidual de VE. A função diastólica é avaliada através de diversos parâmetros que são utilizados para quantificação de disfunções distólica, dentre eles, a relação da onda E e onda A do fluxo mitral, a avaliação da onda E’ e A’ do Doppler tecidual e a avaliação do fluxo da veia pulmonar resultando na classificação da disfunção diastólica em três padrões: Alteração de relaxamento, Psudonormal e restritivo. Abaixo as principais modalidades de avaliação da função diastólica 21. Na avaliação da função sisto-diastolica através da ecocardiografia apresenta-se o Indice de Permformance Cardiaca (IPC). Este índice propõem a avaliação global da função cardíaca através da combinação de medidas sistólicas e diastólicas de VE obtido através da fórmula (Figura 3) 22: IPC = Tempo de relaxamento isovolumétrico de VE + tempo de contração isovolumétrica de VE / Tempo de ejeção de VE. A aplicação deste índice na cardiotoxicidade por ADR foi demonstrada por diversos estudos que relataram uma elevação precoce do índice mesmo antes da alteração da FE.23, 24. Algumas vantagens são atribuídas ao índice como a fácil obtenção, reprodutibilidade e menor influência de outras variáveis como freqüência cardíaca, pressão arterial e geometria do coração. 22, 24, 25. Porém a influência da

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

pré carga e pós caga no índice levanta questionamento da sua aplicabilidade em diferentes cardiopatias.

Figura 3. Demonstração esquemática do cálculo do índice de performance cardíaca, calculado pela fórmula: IPC = ICT + IRT / a; onde Ict = tempo de contração isovolumétrica de VE; Irt= tempo de relaxamento isovolumétrico de VE; a = 22 tempo de ejeção de VE. Adaptado de Tei, 1995 .

Recentemente com o advento do Doppler tecidual, tecnologia que permite a avaliação da mobilidade das paredes cardíacas, diversos estudos aplicaram este recurso na avaliação da cardiotoxicidade por quimiterapicos. O strain e strain rate são as duas principais modalidades para a avaliação do grau de deformação miocárdica segmentar. Esta tecnologia permite maior reprodutibilidade e exatidão na avaliação da função diastólica de VE. Abaixo a leitura de um exame aplicando a nova tecnologia26: A aplicação do Strain e Strain rate na detecção dos efeitos do quimioterápico cardiotóxicos, demonstrou alteração diastólica apesar da normalidade da FE, permitindo a detecção precoce da cardiotoxicidade. 27 . O strain e strain rate apresentam-se como uma ferramenta promissora na detecção precoce de alteração cardíaca em pacientes expostos a ADR, porém mais evidência são necessárias para a padronização do método para tal fim (Figura 4).

EURP 2010; 2(2): 102-108


107

Martins & Martins – Cardiotoxicidade por adriamicina

26

Figura 4. Exemplo de Doppler tecidual e Strain. Adaptado de Stolen, 2003 .

Considerações finais A ecocardiografia é um exame indicado no segmento do paciente em tratamento com drogas cardiotóxicas como a ADR. As características presentes na ecocardiografia como a fácil realização, grande acesso dos pacientes a tecnologia e ser um procedimento não invasivo, tornam-na um método amplamente utilizado na avaliação cardíaca em pacientes expostos a ADR. Porém, algumas características são apontadas como limitações da ecocardiografia, entre elas a baixa reprodutibilidade dos resultados de algumas medidas, além da limitação da FE como único indicador da avaliação da função cardíaca. Diante destas limitações outros indicadores e recursos estão sendo propostos e validados para avaliação da função sisto-diastolica, diastólica e segmentar de VE. Dentre as novas propostas se destaca o Indice de performance cardíaca, Doppler tecidual, avaliação da função diastólica e strain. A boa reprodutibilidade e concordância destes novos indicadores quando comparados com outros métodos diagnóstico em estudos preliminares, demonstra a evolução da ecocardiografia enquanto exame de avaliação da função global cardíaca. Em especifico na avaliação cardíaca em pacientes expostos a cardiotoxicidade por ADR os indicadores Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

diastólicos e recursos como strain são elementos que podem ser incluídos na avaliação cardíaca pelo ecocardiograma, nesta população. Referências 1. Braunwald E. Tratado de medicina cardiovascular. São Paulo: Roca; 1999. 2. Felker GM, Thompson RE, Hare JM, Hruban RH, Clemetson DE, Howard DL, et al. Underlying causes and long-term survival in patients with initially unexplained cardiomyopathy. N Engl J Med 2000; 342(15): 1077-1084. 3. Singal P. Adriamycin-induced heart failure: mechanism and modulation. Mol Cell Biochem 2000; 207( 4. Shan K, Lincoff A, Young J. Anthracycline-induced cardiotoxicity. Ann Intern Med 1996; 125(47-58. 5. Lipshultz S, Sanders S, Goorin A, Krischer J, Sallan S, Colan S. Monitoring for anthracycline cardiotoxicity. Pediatrics 1994; 93(3)(433-437. 6. Kremer L, Van Dalen E, Offringa M, Ottenkamp J, Voute P. Anthracycline-induced clinical heart failure in a cohort of 607 children: long-term follow-up study. J Clin Oncol. 2001; 9(1).(191-196. 7. Sá MPBdO. Cardiotoxicidade e quimioterapia. Revista Brasileira de Clinica Medica 2009; 7(5. 8. Mason JW, Bristow MR, Billingham ME, Daniels JR. Invasive and noninvasive methods of assessing adriamycin cardiotoxic effects in man: superiority of histopathologic assessment using endomyocardial biopsy. Cancer Treat Rep 1978; 62(857-864.

EURP 2010; 2(2): 102-108


108

Martins & Martins – Cardiotoxicidade por adriamicina 9. Billingham ME, Bristow MR. Evaluation of anthracycline cardiotoxicity: predictive ability and functional correlation of endomyocardial biopsy. Cancer Treat Symp 1984; 3(7176. 10. OLIVEIRA MB, VM. Avaliação da cardiotoxicidade tardia induzida por antraciclinas em crianças após tratamento de leucemia linfocítica aguda. UFMG 2006; 11. Bauch M, Ester A, Kimura B, Victorica BE, Kedar A, Phillips MI. Atrial natriuretic peptide as a marker for doxorubicin-induced cardiotoxic effects. Cancer 1992; 69(1492-1497. 12. Nousiainen T, Jantunen E, Vanninen E, Remes J, Vuolteenaho O, Hartikainen J. Natriuretic peptides as markers of cardiotoxicity during doxorubicin treatment for non-Hodgkin's lymphoma. Eur J Haematol 1999; 62(135141. 13. Meinardi MT, van Veldhuisen DJ, Gietema JA, Dolsma WV, Boomsma F, van den Berg MP, et al. Prospective evaluation of early cardiac damage induced by epirubicincontaining adjuvant chemotherapy and locoregional radiotherapy in breast cancer patients. J Clin Oncol 2001; 19(2746-2753. 14. Nascimento M. Cardiomiopatia induzida por Adriamicina: Uma revisão. Arq Cienc Saude 2005; 12(2)(111-115. 15. Sugeng L, Weinert L, Lang RM. Left ventricular assessment using real time three dimensional echocardiography. Heart 2003; 89(suppl 3): iii29-iii36. 16. Sugeng L, Mor-Avi V, Weinert L, Niel J, Ebner C, Steringer-Mascherbauer R, et al. Quantitative Assessment of Left Ventricular Size and Function: Side-by-Side Comparison of Real-Time Three-Dimensional Echocardiography and Computed Tomography With Magnetic Resonance Reference. Circulation 2006; 114(7): 654-661. 17. Teichholz L. Problems in echocardiographic volume determinations: echocardiographic-angiocardiographic correlations in the presence or absence of asynergy. Am J Cardiol 1976; 37(715-721. 18. Bednarz JE. Technical guidelines for performing automated border detection studies. J Am Soc Echocardiography 1995; 8(293-305. 19. Civelli, al e. Early reduction in left ventricular contractile reserve detected by stress echo predicts high-dose chemotherapy-induce cardiotoxicit. Int J Cardiol 2006; 111(12-126. 20. Manisty C, al. e. Ejection fraction: a measure of desperation? Heart 2008; 94(400 - 401. 21. Redfield M. Doppler criteria for classification of diastolic function. JAMA 2003; 289(194-202. 22. Tei C, al. e. New index of combined systolic and diastolic myocardial performance: a simple and reproducible measure of cardiac function - a study in normals and dilated cardiomyopathy. . J Cardiol 1995; 26(357-366. 23. Marin D, al e. Early detection of anthracyclines-induced cardiomyopathy by means of a new echocardiography Doppler-index. J Am Coll Cardiol 1999; 4300A - 1A.(

Experts in Ultrasound: Reviews and Perspectives

24. Ishii M. Sequential evaluation of left ventricular myocardial performance in children after anthracycline therapy. Am J Cardiol 2000; 86(1279-1281. 25. Brunch C, al e. Tei-index in patients with mild-tomoderate congestive heart failure. Eur Herat J 2000; 21(1888-1895. 26. Støylen A. Strain and strain rate parametric imaging. A new method for post processing to 3-/4-dimensional images from three standard apical planes. Preliminary data on feasibility, artefact and regional dyssynergy visualisation. Cardiovascular Ultrasound 2003; 1:11( 27. Jurcut R, al e. Strain Rate Imaging Detects Early Cardiac Effects of Pegylated Lipossomal Doxorubicin as Adjuvant Therapy in Elderly Patients wtih Breast Cancer. J Am Soc Echocardiography 2008; 21(1283-1289.

EURP 2010; 2(2): 102-108


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.