Embaixador da Esperança Edição 96. Setembro 2015 www.fazenda.org.br
Redescobrir-se pai
Foto: Stock Photos
Relacionamentos familiares renascem a partir do perdão entre pais e filhos
A vida recomeça quando os jovens conseguem reatar o relacionamento com seus familiares
O
s jovens chegam às Fazendas da Esperança porque querem, geralmente, se afastar das drogas e do álcool. Alguns também vêm por conta da depressão, da dependência de remédios ou de jogos de azar, etc. Esses problemas são reflexos de algo que, quase sempre, envolve o relacionamento com outros membros da família: pai, mãe, irmão(s). No início deste ano o Papa Francisco refletiu sobre a ausência paterna, tema tão pertinente a nossos jovens, seus familiares e também aos que não sofrem de dependência química. De acordo com ele, “chega-se a afirmar que nossa sociedade seria uma ‘sociedade sem pais’” e que, a princípio, isso é percebido como uma libertação: “do pai-patrão, do pai como representante da lei que se impõe de fora, do pai como censor da felicidade dos filhos e (do pai como) obstáculo da emancipação e da autonomia dos jovens”. O Papa lembrou que no passado reinava o autoritarismo, até em situações de opressão. “… pais que tratavam os filhos como servos, não respeitando as exigências pessoais do crescimento deles; pais que não os ajudavam a empreender o seu caminho com liberdade…; pais que não os ajudavam a assumir as próprias responsabilidades para construir o seu futuro e o da sociedade”. Nos tempos de hoje não são poucos os casos que nos apresentam o extremo disso. “Os pais estão, por vezes, tão concentrados em si mesmos e no próprio trabalho e às vezes nas próprias realizações individuais a ponto de esquecer a família”, escreveu Francisco. Muitas vezes o Papa – quando ainda era bispo em Buenos Aires (Argentina) – perguntava aos pais se eles brincavam e se tinham coragem de perder tempo com os filhos. Na maioria dos casos a resposta era negativa e a justificativa mais comum era o trabalho. Aqui podemos acrescentar que o distanciamento paterno pode ser evidenciado em inúmeras situações: no futebol, na televisão, no churrasco com os amigos… Não é regra, mas essas e outras ocasiões vividas em excesso deixam o pai ausente na vida do(s) filho(s).
2 - Boletim do Embaixador - Edição 96 - setembro 2015
Esse sentido de orfandade produz feridas que podem ser muito graves. Em nossas comunidades observamos que vários acolhidos se inseriram no mundo das drogas porque buscavam a felicidade não encontrada em casa. Frei Hans, fundador da Fazenda da Esperança, sempre frisa que o jovem não sai de seu lar por causa da droga, mas sai porque busca a felicidade e, na rua, ela lhe é apresentada através da droga. O traficante não diz ao jovem que a alegria da droga é passageira e ele sempre quer consumir mais. Com o uso, o dependente percebe que ao invés de felicidade ele encontrou tristeza, solidão, egoísmo. Vencendo as forças que o deixaram viciado ele busca ajuda e, na Fazenda da Esperança, compreende que uma das maneiras de deixar os vícios e ser feliz é encontrar um sentido para a vida. Na comunidade os acolhidos e acolhidas também encontram pessoas com dificuldades semelhantes às suas, mas que buscam, em ambiente familiar, recuperar as frustrações trazidas pelas drogas e pelo álcool. Os que compreendem e conseguem, gradativamente, perdoar quem um dia lhes fez mal, dão um grande passo para serem homens e mulheres novos. Os responsáveis, padrinhos e coordenadores (voluntários e jovens que já passaram pela recuperação e doam seu tempo) têm papel importantíssimo no processo, pois passam a assumir o papel de pais, buscando estar presentes na vida dos “filhos” que eles assumem por um ano. Quando precisam, eles, literalmente, carregam os jovens que chegam enfraquecidos pelas experiências negativas das drogas e do relacionamento familiar. Na continuidade da reflexão sobre a importância do pai na família, o Papa Francisco lembrou que São José foi tentado a deixar Maria quando ela estava grávida, mas permaneceu junto à esposa. Esse pensamento pode nos remeter aos pais que não abandonam seus filhos à deriva no mar das dependências e são um apoio para suas mudanças. Walter José Cardoso, pai do ex-recuperando e voluntário Guilherme Cruz, acompanhou o processo de recuperação de seu filho; mais que isso foi
cativado pelo novo estilo de vida que a Fazenda oferece. “A Fazenda da Esperança entrou em nossa vida por um motivo muito ruim, que era a drogadição do Guilherme. Felizmente isso se transformou numa coisa muito boa, numa coisa divina. Sempre que venho à Fazenda sinto meu coração cheio de alegria. É um ramo de minha videira que recebi de volta; está plantado e eu espero que germine, dê flores e frutos”.
Recomeçar Anderson Ivo Alves está no sexto mês de recuperação. Ele conta como conseguiu criar um novo relacionamento com seu pai. “Conheci a droga em festas e, num primeiro momento gostei, porque tirava minha timidez. Mas foi um mundo de ilusão. Naquela época eu trabalhava em minha cidade, Taubaté, mas chegou um tempo que ficou difícil eu permanecer no trabalho porque fui me afundando nas drogas. Vi que várias portas foram se fechando, e, nos trabalhos que eu entrava, ficava poucos meses. Meu pai sempre procurou me dar o de melhor, mas eu me abria mais com minha mãe. Ele também tinha o problema do alcoolismo e a gente não conseguia se relacionar bem. Um amigo meu que tinha se recuperado me falou da Fazenda e eu também quis mudar de vida. Decidi viver de forma diferente e no dia a dia fui revendo os conceitos que tinha sobre meu pai. A formação oferecida aqui na Fazenda me fez descobrir que meu pai também tinha suas dificuldades, me demonstrava amor da forma que ele sabia, mas eu estava fechado nas drogas. Conversei com um amigo, desabafei sobre a situação entre meu pai e eu e, com cinco meses de recuperação, procurei meu pai durante a visita para conversar sobre o que eu sempre queria, mas não tinha coragem. Falei para ele que era importante, pedi perdão por tê-lo julgado e passei a olhá-lo de outro modo. Redescobri o amor do meu pai, ele deixou o alcoolismo e vivemos um relacionamento novo, com alegria”.
Aconteceu comigo Na minha família sempre tive um bom relacionamento com meus pais, mas conheci as drogas aos 24 anos. Hoje eu moro no Centro Feminino, em Guaratinguetá/SP e faço parte da Escola de Comunhão, onde vivemos uma experiência intensa de família. Cada uma que esta na Escola, traz consigo os relacionamentos que viveu com seus familiares, em especial eu trago o que vivo com meu pai. Mesmo tendo sofrido com a separação de minha mãe com meu pai, sempre tivemos um bom relacionamento. Um fato que me marcou muito nessa época foi meu aniversário de 15 anos, que planejávamos há algum tempo. Quando chegou o dia não aconteceu da forma como eu esperava, porque meu pai e minha mãe já estavam separados nessa época. Eu estava triste de não ter me encontrado com ele durante o dia, até que no início da noite, de surpresa, ele chegou em casa todo arrumado, usando terno e com um buquê de rosas lindo. Aquilo me deixou muito feliz. Durante minha recuperação na Fazenda, meu pai esteve presente, inclusive nas visitas, parece que ele sempre soube o que eu estava precisando. Às vezes ele me trazia alguma coisa que eu necessitava e eu nem havia pedido. E também, mesmo quando tive um problema, uma recaída, depois de oito meses de recuperada, meu pai foi o primeiro a me deixar livre para eu escolher meu caminho, me estendeu a mão e ofereceu ajuda para recomeçar. Essas e tantas outras experiências me deixam muito feliz, porque sei que para muitas meninas é difícil ter este laço de amizade com o pai. Graças a Deus tenho um pai presente até hoje. Depois de concluir minha recuperação quis me dedicar à Fazenda e fui convidada a fazer a Escola de Comunhão, que é uma oportunidade de aprofundar a espiritualidade e nossa formação para quem deseja se doar à Fazenda da Esperança. No mês de julho, nós da Escola recebemos o convite para participar da missão de abertura da unidade da Fazenda feminina na Itália. Recebi essa notícia com muita alegria, porque senti que esse chamado, a doação, é como dizer um “sim” à minha vocação. A experiência que vivo na Fazenda é muito intensa. Sinto saudade dele mas sei que estamos fazendo a vontade de Deus. Juliana Maria Barbosa, 30 anos, Fortaleza/CE
A-notável
Significado da Aliança
A congregação das Irmãs Franciscanas de Siessen foi fundada em 1854, na Alemanha, e chegou ao Brasil em 1936. Sua missão é trabalhar com a juventude excluída, desde aquela época, jovens que não tinham oportunidade de ter formação educacional.
No mês de julho, Irmã Odete Aparecida dos Anjos, que vivia na Fazenda São Libório, foi morta por uma pessoa que invadiu a comunidade. O fato chamou a atenção para que todos seguissem o caminho da santidade e exercitassem o perdão.
O ano de 1996 foi marcado por fortes mudanças e após uma reflexão de quais novas frentes de atuação poderiam ser assumidas pela congregação, surgiu a possibilidade de voltar à raiz da vocação: ser Franciscana nos dias de hoje. Assim, as Irmãs de Siessen chegaram à Guaratinguetá/SP em 1997, para dar início ao trabalho junto aos jovens na comunidade da Fazenda da Esperança São Libório.
Isso ficou claro no dia 2 de agosto, uma semana após o ocorrido, quando foi celebrado o dia de Nossa Senhora da Porciúncula; na espiritualidade Franciscana a data também é chamada “Dia do Perdão”. Todos foram motivados a fazer atos concretos de perdão, como por exemplo: escrever uma carta ou fazer um telefonema de reconciliação; visitar alguém que guardo mágoas; rezar o terço, fazer momentos de Adoração ao Santíssimo e colocar intenções na missa na pelos nossos inimigos e por aqueles que ferem a humanidade com violência.
Através do convite que frei Hans fez à então madre geral, Judith Jung, foi feita uma aliança com a Fazenda da Esperança e as irmãs Franciscanas de Siessen passaram a viver nas comunidades. Essa aliança é renovada diariamente como intenção nos terços que as duas comunidades rezam. São diversas as unidades da Fazenda que recebem as irmãs e elas desenvolvem diversos trabalhos como: assistência aos portadores de HIV em fase terminal, na Casa Sol Nascente; atendimento às crianças em situação de risco, na Casa da Criança Laura Vicuña; pastoral catequética com os (as) jovens em recuperação.
A respeito dessa motivação, Irmã Rosa Maria Severino, Superiora Provincial, escreveu: “Considerando que Irmã Odete faleceu aos pés de um quadro de São Francisco de Assis, Deus em sua misericórdia veio em nosso socorro e inspirou um caminho para conseguirmos oferecer o perdão. Aproveitamos a ocasião para fazermos uma corrente de oração e gestos concretos pedindo a graça da conversão e do perdão”.
O trabalho e a doação para as atividades e formação dos jovens recuperandos são vistos em diversas atividades, de forma sútil e presente, como Maria.
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OBRA SOCIAL NOSSA SENHORA DA GLÓRIA - FAZENDA DA ESPERANÇA Departamento Retorno à Vida - Caixa Postal 529 - CEP 12511-970 Guaratinguetá-SP Tel.: (12) 3128 8900 E-mail: adm.rv@fazenda.org.br