Série Nossos Frades - Frei Hans Stapel

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FREI HANS STAPEL “O carisma é algo de Deus, não se pode prender”

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o dia 29 de junho, a Fazenda da Esperança celebrou seus 35 anos de fundação. Na ocasião, os fundadores Frei Hans Stapel, Iraci Leite, Lucilene Rosendo e Nelson Giovanelli fizeram uma viagem à Terra Santa, onde ocorreu a entronização do Vitral “O Sim de Maria” na Basílica da Anunciação em Nazaré. Esta foi a primeira viagem internacional de Frei Hans após o tratamento contra um linfoma não Hodkins no pulmão, diagnosticado em setembro de 2017. Neste tempo de celebração, Frei Hans faz um recorrido de sua trajetória como frade menor e fundador da Fazenda da Esperança, que hoje conta com mais de 139 casas, em 22 países. Comunicações – Frei, como e quando surgiu sua vocação? Frei Hans Stapel: Tive uma experiência que marcou muito a minha história. Na escola, com 7 ou 8 anos, o professor perguntou se alguém sabia o que queria ser. Eu, muito espontâneo, levantei e disse: “Quero ser padre”. Talvez por influência do pároco que tinha na época, não sei por quê. E ele começou a rir e disse: “Mas para ser sacerdote precisa ser muito inteligente e você não é”. Então eu esqueci, nunca mais falei de vocação. Terminei a escola, depois me formei como gráfico, mas com 18 anos o desejo de ser sacerdote voltou de novo. Mas pensei: “Não posso ser padre porque tem que ser inteligente”. Mas era muito forte. Então pensei: “Vou tentar, se não der, paciência”.

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Entrei aos 18 anos, precisava estudar Latim, Grego, foram seis anos de estudos. Mas consegui. Nesta época, a Nigéria estava em guerra. Com um grupo de estudantes fizemos uma campanha e fomos para lá, levar alimentos, medicamentos. Alugamos um avião e enchemos de coisas. Esta experiência foi muito forte. Ali nasceu o desejo da missão. Depois decidi vir para o Brasil e assim cheguei à Província, aos 26 anos, em 1972. Comunicações – E por que ser franciscano? Frei Hans: Quando trabalhava e estudava para ser gráfico, nós tínhamos o costume de ir à missa dos franciscanos. Era uma missa silenciosa. O padre não dizia nenhuma palavra. Chegava, fazia os ritos e só. Foi muito bom para mim, tive tempo de conversar com Deus. Ali nasceu o desejo de ser frade, mas depois, na África, isso se confirmou. Lá havia os padres brancos, que eram responsáveis pela missão. Depois vim para o Brasil, fiz toda a formação

na Província. A primeira transferência foi para Guaratinguetá, onde fiquei 12 anos como pároco na Paróquia Nossa Senhora da Glória. E aqui nasceu este trabalho com os drogados, mães solteiras, crianças abandonadas. Estando aqui, a Província perguntou se eu não queria ser liberado para este trabalho. Eu aceitei, com uma condição, que naquele tempo não gostei. A Província não poderia enviar nenhum frade para me ajudar e também não contribuiria financeiramente. Eu precisava entender o que Deus queria de mim, só mais tarde entendi. Para poder nascer a Fazenda, precisava de uma certa liberdade. Se dependesse do definitório ou das decisões de fora, hoje não teríamos tantas Fazendas. Comunicações – O trabalho da Fazenda da Esperança surgiu a partir da realidade local? Frei Hans: Como pároco, chegavam vários problemas na minha porta: mães solteiras, crianças abandonadas, drogados, travestis. Acolhi todos na


Fraternidades casa paroquial. Paralelamente, Nelson, um jovem que ficava na esquina com os drogados, vinha pedir ajuda para eles. Começamos a nos encontrar, viver juntos a Palavra, colocar o Evangelho em prática e eles conseguiam se libertar. Mas existia o desejo de ficar junto. Alugamos uma casa e eles mesmos pagavam aluguel, trabalhavam, iam nas casas cortar grama, cuidar do jardim. E isso sobreviveu. Depois a coisa cresceu, ganhamos um terreno, construímos a primeira casa e até hoje não para de crescer. Hoje são 139 Fazendas, em 22 países. Temos mais 50 terrenos que já foram doados, que serão futuras Fazendas. Vamos preparar o espaço e pensar numa equipe para atuar nestes locais. A maior parte das Fazendas está no Brasil, são 90 até o momento. Comunicações – Quais traços que o senhor vê da espiritualidade franciscana na Fazenda da Esperança? Frei Hans: Tem tudo a ver com ele. Para mim, o drogado é o leproso daquele tempo. Aquele que está abandonado, sozinho, destruído, às vezes não compreende nem a si mesmo e não é compreendido pelos outros, os pais não aguentam mais. Eles estão em desespero. Francisco viu Jesus no outro, isso é colocar em prática o Evangelho. Quando víamos Jesus no outro, isso dava um resultado bom, fez com que eles se recuperassem. Todas as frases do Evangelho te levam ao amor. Não tem nenhuma frase que leve o ser humano a fechar-se em si mesmo. Todos tem que sair de si. Mesmo se sou agredido, se alguém bate na esquerda, dê a direita, se roubam a túnica dê o manto. O Evangelho nada mais é do que um ensinamento de amor. E isso é a solução para o problema. A droga é um grito do amor. Eles não receberam

amor. Os pais às vezes estão separados, ou foram abusados muito cedo. Tantas coisas que levam para este caminho: colegas, desejo de descobrir o mundo, comprar a felicidade e acabam frustrados. Uma vez entrando neste jeito de amar, sair de si, eles descobrem uma alegria que dá força para se recuperar este drama do egoísmo, da droga, do álcool, do sexo. Tudo é uma mesma coisa: o egoísmo. É bonito ver como eles conseguem e a alegria que encontram. É muito bonito. Comunicações – A Igreja no Brasil este ano vive o Ano do Laicato. Como foi o processo de fundação da Fazenda ao lado de leigos, na época? Frei Hans: Desde o início, minha casa sempre esteve aberta para jovens que queriam fazer uma experiência. Vieram muitos jovens da Europa e ficavam um ano comigo, também jovens do Brasil. Sempre dei a chance para eles poderem se doar. E muitos encontraram sua vocação. Dom Bernardo, que hoje é bispo de Óbidos, no Pará, ficou dois anos comigo quando jovem, Padre Cristian, que hoje é responsável pela Fazenda em Pedrinhas, veio aqui quando era jovem. São muitas vocações! Padres, freiras do mundo todo, que encontraram a vocação aqui. Tam-

bém o Nelson, que começou comigo este Projeto, era um jovem da Paróquia que queria viver a Palavra. E assim nasceu nele o desejo de se encontrar com aqueles na esquina. Depois chegaram sempre mais. Tinha um grupo grande que começou a se consagrar através das minhas mãos, mas como uma consagração pessoal. O Cardeal Aloísio Lorscheider, que era arcebispo de Aparecida na época, quando viu que eram muitos jovens, me chamou e disse: “Frei, você tem que fazer alguma coisa”. Eu respondia que não queria fundar nada e ele dizia: “Você está muito seguro, você é frade, quando ficar velho tem a Província. E esses jovens, como ficam?”. Isso me tocou. Juntos fizemos o estatuto e nasceu essa Família da Esperança, uma associação de fiéis, que recebeu a aprovação da Arquidiocese de Aparecida. Depois a coisa cresceu e nos outros países os bispos diziam a mesma coisa. Assim fomos para Roma e, depois de cinco anos, recebemos a aprovação definitiva. Hoje somos mais de mil membros que fazem parte da família. São padres, consagrados masculinos e femininos, celibatários que se doam totalmente, famílias internas que vivem nas Fazendas e os voluntários da Esperança que também fazem parte da família e doam tudo o que podem, tornando isso possível. Com estes é possível ir ao mundo

Frei Hans e o cofundador da Fazenda da Esperança, Nelson Giovanelli Comunicações Outubro de 2018

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inteiro, porque são disponíveis. Se quisesse fazer tudo isso com funcionários, seria impossível. É necessário contar com pessoas que se doem totalmente. Confesso que para mim foi sempre uma novidade. Tudo crescia, e eu não tinha planejado. Queria viver o Evangelho e descobrir a força que existe quando dois ou três estão unidos, pois Deus se torna presente. Isso é uma coisa extraordinária. E onde Ele está, faz os milagres que toda vida Ele fez. Ele não pode ser diferente. O ser d’Ele é um doar-se totalmente. Hoje Ele expulsa demônios, cura, multiplica os pães e chama as vocações, como Ele sempre chamou. Para mim, este crescimento todo tem muito a ver com essa presença d’Ele entre nós. Sempre procuramos fazer este pacto de querer dar a vida um pelo outro, buscar viver o Evangelho. Lembro-me de uma vez, em Assis, no túmulo de São Francisco, Nelson e eu fizemos um pacto de nos dispormos a dar a vida um pelo outro. Mais tarde, fizemos o mesmo com as duas fundadoras, Luci e Iraci, responsáveis pela parte feminina da Fazenda. Juntos, fizemos este pacto no túmulo de São Francisco. Eu tenho a convicção: quando as pessoas se querem bem e Deus se torna presente, é que acontecem os milagres. Porque Deus é sempre o mesmo. E onde Ele está, Ele faz os milagres.

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Mesmo quando a Província não pôde me ajudar, e hoje a obra cresceu e se espalhou no mundo inteiro, também com muitos bens e estrutura, nunca faltou nada. A providência nunca faltou. É extraordinário! Basta ser fiel neste amor recíproco, na vivência do Evangelho. E isso tem tudo a ver com São Francisco. Ele vivia o Evangelho com radicalidade. Eu sempre me perguntei: como é possível? Tão jovem, havia tantos que o seguiam, tantas vocações, cinco mil no Capítulo das Esteiras. Não tinha rádio, carro, não tinha nada disso, mas a mensagem se espalhava tão rápido! Depois outro fato pra mim muito importante, já como jovem, antes de chegar ao Brasil, tive a possibilidade de conhecer o movimento dos Focolares. Conheci a fundadora Chiara Lubich e isso também me ajudou muito. Ela também tem o costume de viver a Palavra, colocar em prática o Evangelho. Vi que ela era da Ordem Terceira e que ela colocava em prática aquilo que Francisco tinha já vivido mais de 800 anos atrás. Eu digo que as duas espiritualidades, o carisma da unidade e da fraternidade, são a origem do carisma da esperança. Há 3 anos elegemos a nova presidência da Fazenda. Isso é muito bom. Observo, acompanho, mas eles levam

para frente. Quando tínhamos que tomar a decisão, pouco tempo depois o Papa Bento renunciou. Foi a confirmação. O caminho é esse, não se pode se apegar às coisas. Tem que ser aberto e confiar. Os quatro membros são da Família da Esperança. Vemos tudo juntos, mas a responsabilidade é deles. Já podemos ver em vida que a obra vai para frente. É absurdo quando o fundador fica preso, depois morre e tudo acaba. O carisma sempre é algo de Deus, que a gente não pode prender. Não gosto quando fazem este culto da pessoa. O carisma é de Deus e todos que entram na Família são fundadores, são eles que levam o carisma para frente, não só o fundador. Como São Francisco. Quando ele morreu, os frades continuaram. O carisma vai muito além da pessoa que Deus escolheu para levar para frente. Isso me dá muito alegria. Temos que ter o cuidado de não deixar entrar divisão numa obra. Temos que conversar. Se existe um problema, temos que falar. Todo mês temos uma videoconferência com todas as Fazendas do mundo. Isso é importante, pois a divisão é um grande perigo. Comunicações – O senhor e o Nelson tiveram uma audiência com o Papa Francisco em 2016. Ele já conhecia a Fazenda da Esperança? Como foi o encontro?


Fraternidades Frei Hans: Sim, ele já conhecia a de Buenos Aires. Começamos na Argentina na Diocese de Deán Funes, com um bispo franciscano, Dom Aurelio José Kühn. Ele, na Conferência dos Bispos, falava das Fazendas, que estavam crescendo. Hoje são onze Fazendas na Argentina. Bergoglio, naquele tempo, sempre dava um dinheirinho para ele e dizia: para as suas Fazendas. Então ele já ajudava economicamente as Fazendas. Estivemos com ele por outras razões, mas ele se interessava pelas Fazendas. Foram diversos encontros com ele, muito profundos. Tínhamos tempo, podíamos conversar sobre tudo, foi muito bom. Ele é muito concreto, muito inteligente. Pouco tempo atrás chamou o Nelson para fazer parte da Pontifícia Comissão para a Tutela de Menores. Nelson faz parte desta equipe. Ele é um homem muito concreto, que coloca em prática as coisas simples, vive, fala. É um homem certo e justo neste tempo em que estamos. Comunicações – Quais são os planos da Fazenda para os próximos anos? Frei Hans: Para ser sincero nunca tivemos planos. Lembro bem no início, quando a Fazenda cresceu, foi preocupação para a Província, porque estava crescendo algo novo. Tinham medo do que poderia acontecer depois, algum escândalo ou problema para a Província. Então mandaram uma Comissão para conversar. O frade que fazia parte sempre perguntava onde eu queria chegar. Eu dizia: “Não quero chegar a lugar nenhum”. “Mas quantas Fazendas você quer?”, ele perguntava. Eu respondia: “Não sei, pergunte a Deus. Eu não quero nada, eu não sei o que Deus quer, mas eu quero fazer a vontade d’Ele. Estou disposto a realizar o que Ele deseja”. Se você me perguntar, tenho que dizer a mesma coisa: “Não sei o que Deus quer”. Mas sinto que a obra ainda é com crianças,

jovens, até 35 anos. Deus deve ter muitos planos e nós estamos atentos para descobrir. Sempre tem coisas novas. No início eu pensava que só se tratava de drogados. Mas depois vimos os pais, que precisavam de tanta ajuda, tanta esperança. Aí vieram os jovens, as religiosas. Hoje temos mais de vinte congregações religiosas que trabalham conosco. Depois veio o grupo Esperança Viva, que são os ex-acolhidos da Fazenda, que continuam se encontrando, trazem os familiares. São mais de 200 grupos em todo o mundo. Eles se encontram toda semana e procuram juntos se apoiar para ficar em pé e também ajudam outros que ainda estão na droga. Vão nas cracolândias da vida, nas cadeias. Tudo isso nasceu sem planejar. Era a necessidade diante do que acontecia, nós acompanhamos. Estou aberto para aquilo que Deus quer. Mas sinto que ainda tem muita coisa para crescer. A droga infelizmente se espalha sempre mais. E com ela, cresce a violência. Sinto que a esperança precisa chegar a muitos lugares. Na política, na educação. Em tudo falta a esperança. Comunicações – Quantas pessoas já passaram pelas Fazendas? Frei Hans: Hoje, pela estatística, já passaram mais de 30 mil pessoas. No momento estão mais de 3 mil pessoas conosco nas Fazendas. Eles ficam um ano conosco e depois alguns permanecem. Outros ficam mais um ano. Depende de cada um. Cada um é uma história. Comunicações – Como era sua relação com o Papa Bento XVI? Frei Hans: Tinha-o encontrado uma vez. Foi na Praça São Pedro. Eu disse: “Sua Iminência, sou Frei Hans, frade alemão, estudo em Petrópolis, sou aluno de Leonardo Boff. Ele disse: “Então me ajude a compreender seu confrade”. E ele falou de algumas

coisas que estavam acontecendo naquele tempo e que ele não entendia. Foi a única conversa que tivemos. Depois, quando eu soube que ele viria ao Brasil, pensei que ele poderia vir à Fazenda, já que estaria tão perto. Mas não sabia como fazer. Senti o apelo de convidá-lo cada vez mais forte. Então falei com o Nelson, vimos com alguns bispos amigos. Comecei a pedir aos bispos e cardeais se poderiam escrever uma carta convidando-o. Juntei 80 cartas. Quando tinha tudo pronto, recebi um convite de um cardeal da Alemanha, meu antigo professor, que me convidou para que desse um testemunho durante o primeiro Congresso da Encíclica ‘Deus caritas est’. Todos que deram testemunho tiveram a oportunidade de falar pessoalmente com o Papa Bento. Apresentei-me rapidamente e perguntei: “Santo Padre, posso contar com a sua presença no meio desses jovens como pai que abraça o filho pródigo?”. Ele respondeu em alemão: “Sim, pode”. Assumi isso, entreguei todas estas cartas e começamos a nos preparar. Oficialmente a confirmação demorou bastante, mas estávamos bem adiantados. E ele veio realmente. Isso foi muito marcante para ele e também para nós. Ele ficou muito tocado. Cada vez que o encontrava depois, em outras ocasiões, ele sempre me falava destes testemunhos dos jovens, afirmando ser obra de Deus. Uma vez tendo este relacionamento, nunca deixei de visitá-lo quando estava em Roma, principalmente agora, que ele é emérito. Ele tem mais tempo, pode sentar-se no sofá e conversar. Ele tem uma boa visão, uma abertura muito grande. Sua humildade em renunciar foi muito bacana. Já convidei também o Papa Francisco, vamos ver. Onde os Papas pisam, acontece a história, é impressionante. Érika Augusto Comunicações Outubro de 2018

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