O CINEMA DIGITAL E A PRODUÇÃO CINEMATOGRÁFICA: O futuro dos filmes em uma era sem filme.

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Fernando Murta Delfini

O CINEMA DIGITAL E A PRODUÇÃO CINEMATOGRÁFICA: O futuro dos filmes em uma era sem filme.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo para a obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda. Orientador: Prof. Dr. Luiz Guilherme de Carvalho Antunes

São Paulo 2015 3


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FERNANDO MURTA DELFINI

O CINEMA DIGITAL E A PRODUÇÃO CINEMATOGRÁFICA: O futuro dos filmes em uma era sem filme.

Banca Examinadora: Nome: _________________________________________________ Assinatura:_______________ Nome: _________________________________________________ Assinatura:_______________ Nome: _________________________________________________ Assinatura:_______________ Aprovação em: São Paulo, ___ de ________________ 2015

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AGRADECIMENTOS

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Agradeço à minha Mãe e ao meu Pai por tudo o que fizeram por mim até hoje, por terem me apoiado durante todos os meus estudos, que se resumem neste trabalho. Agradeço também à pessoa que me ajuda em tudo o que eu preciso, e me acompanha em todos os projetos malucos da minha vida. Este foi apenas mais um destes projetos. Agradeço aos meus avós, Amadi e Alcides, por terem ajudado na minha educação, e meus tios avós Elza e Arnaldo, por tudo o que fizeram também. Este trabalho é para vocês. Por fim, agradeço à toda minha família, à Universidade de São Paulo e aos seus professores que sempre apoiam seus alunos e os transformam em pessoas com uma visão mais ampla do mundo.

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RESUMO

O presente trabalho tem como intuito observar as mudanças que as tecnologias digitais causaram nas estéticas e nas técnicas cinematográficas, considerando não somente o cinema, mas as produções audiovisuais como um todo. Utilizando base bibliográfica e jornalística, e buscando a opinião de teóricos da área para obter informações sobre o mercado e o panorama das produções, se buscará entender quais os possíveis rumos do cinema com o advento do digital, quais foram as mudanças já ocorridas, e quais os desafios futuros para os teóricos e para os profissionais. Desta forma, será estabelecido um diagnóstico das vantagens e desvantagens que as tecnologias trouxeram, para grandes e pequenas produções, e se tentará definir qual a real transformação que estas causaram. Palavras-chave: Cinema Digital; Cinematografia; CGI;

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ABSTRACT

The present paper aims to observe the results that digital and computer technologies have been causing in cinema aesthetics and techniques. Considering not only film productions, but everything else related to the use of a video camera. This paper is based on the work of film critics and theorists and also journalistic material, trying to understand the possible future of cinema with the introduction of digital tech. The study will track which kind of change has been already done, and which are the new challenges for the theorists and filmmakers. The objective is to set a diagnosis of the advantages and disadvantages that new technologies brought to small and big productions, trying to define the real transformation they have caused. Keywords: Digital Cinema; Cinematography; CGI;

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INTRODUÇÃO 12 A CRIAÇÃO DO CINEMA E SUA EVOLUÇÃO ATÉ O CINEMA DIGITAL 15 O sistema de produção hollywodiano 21 Movimentos de câmera 21 Technicolor 21 Efeitos Especiais 22 As novas tecnologias e o widescreen 25 Videoteipe 30

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O CINEMA DIGITAL 33 Introdução ao cinema digital 34 As características do cinema digital 36 Sensores 36 Ruído 37 Latitude ou Dynamic Range 38 Espaço de Cor 39 Compressão 40 RAW 42 3D LUT 42 LOG Gamma Curves 43 Captação Digital 44 Pós-Produção Digital 52 Motion capture 56 Match moving (sincronia de movimentos) 58 Estudo do filme: Gravidade 60 O efeito do uncanny valley 63 As técnicas fotorrealistas 64 Distribuição Digital 68

1. Viagem à Lua (1902) 2.As Aventuras de Pi (2012) 3.Exemplo de HDR 4.Mad Max: Estrada da Fúria (2015) 10


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AS TÉCNICAS E AS ESTÉTICAS DO DIGITAL 77 Timelapse 80 HDR 83 Câmeras POV (Point of View) 85 Super Slow Motion 86 Vídeos Interativos 88 GIF e loops 90 Instagram e Vine 91 Imagens Aéreas 94

CINEMA: O NEGATIVO VERSUS A EXPERIÊNCIA DO ESPECTADOR 97 O fim do negativo e um conceito de realismo 98 Chaos Cinema e o Plano Sequencia 110 Estudo do filme: Birdman 118 CGI, a simulação da realidade e um cinema de atrações 120 Estudo do filme: Mad Max: A Estrada da Fúria 136 YouTube, Vimeo e Netflix – O valor da experiência 142 CONSIDERAÇÕES FINAIS 153 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 164

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O cinema, como forma de arte, sempre foi regido por uma série de regras e definições que o caracterizam como tal. Seu suporte, o negativo, foi utilizado por mais de um século. A cinematografia (do grego, “escrita com movimento”) tem sua própria gramática e sua linguagem visual. A escolha das lentes, do enquadramento, do tipo de negativo e do movimento de câmera possui significado dentro da narrativa, e caracteriza movimentos artísticos e períodos da história do cinema.

INTRODUÇÃO

Porém, o cinema tradicional, em especial o hollywoodiano, depende de grandes investimentos financeiros para a obtenção dos padrões estabelecidos pela indústria. Durante a maior parte da história do cinema, o acesso aos equipamentos foi limitado aos grandes produtores. Questões básicas, como a duração dos filmes, eram limitadas pelo alto custo da compra de equipamentos, da própria película cinematográfica, do transporte dos rolos de filme e de sua posterior montagem, entre outros diversos fatores. Ao longo do tempo, com o surgimento da televisão, foi criado o Vídeo, nome que definia tudo o que era gravado com fitas de vídeo, suporte com características próprias, algumas valorizadas, outras criticadas. Posteriormente, a adoção do digital e o surgimento de equipamentos mais acessíveis criou uma nova geração de produtores de filmes, culminando em uma profunda mudança nos conceitos estéticos tradicionais. As mesmas críticas endereçadas à fotografia digital, que constantemente tem seu valor questionado, graças as possibilidades maiores de manipulação via software, chegaram também ao cinema, uma vez que, com a evolução tecnológica das câmeras e projetores, não é mais necessária a utilização da película, e seu uso passou a ser apenas uma opção estética. Ao mesmo tempo, o campo dos efeitos visuais e dos softwares de edição de vídeo foi crescendo de maneira exponencial, criando recursos nunca antes

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imaginados desde o surgimento do cinema. Tidos como elementos importantes no desenvolvimento da narrativa cinematográfica, os efeitos especiais foram utilizados desde os primeiros filmes e atravessaram toda a história do cinema, servindo como um auxílio na produção de cenas consideradas impossíveis e como um elemento mágico para o encantamento dos espectadores. Entretanto, essas mudanças criam novos embates e discussões sobre o que é considerado cinema, atualmente, e qual é o seu futuro, uma vez que, com o digital, seu caráter verídico é questionado, seus efeitos especiais são tidos como falsos, e acredita-se que suas narrativas sejam rasas. As grandes produtoras do mercado ainda dependem do retorno econômico e financeiro que seus filmes geram para garantir sua reputação e sua sobrevivência. Ao mesmo tempo, produtores independentes ganham pequenas fortunas distribuindo seus filmes pela internet e outros meios digitais, graças à democratização do acesso. Apesar disso, tanto os filmes independentes quando os blockbusters dividem uma estética cinematográfica que se modificou com o avanço da tecnologia e, em especial com o advento do digital. Hyperlapses, timelapses, cenários e personagens totalmente criados em computação gráfica, com perfeição fotorrealista, sensores hipersensíveis à luz e ultra resoluções são somente alguns dos elementos deste novo cinema.

Para isto, será apresentado um histórico da evolução tecnológica do cinema e da forma como esses novos recursos foram utilizados a favor da narrativa cinematográfica ao longo do tempo. Logo após, será apresentado um panorama das modificações que o digital provocou na forma de se produzir filmes ou qualquer material audiovisual. O objetivo será identificar as origens de algumas das tendências atuais, que já existiam antes do digital, e que se intensificaram com as possibilidades das novas técnicas que ele trouxe. As novas técnicas e possibilidades estéticas do cinema digital pedem uma revisão gramatical da linguagem cinematográfica e trazem indícios do surgimento de uma nova linguagem visual. A intenção deste estudo é observar essas mudanças para entender o que pode vir a ser esse “novo cinema”. Por fim, serão analisadas algumas teorias, que questionam o valor indicativo do cinema, no que diz respeito ao fim do negativo, ao mesmo tempo em que a sétima arte caminha para uma definição focada na experiência do espectador, com produções ainda maiores, feitas para serem vistas em uma tela grande, com som cristalino, dentro de uma sala de exibição, suas principais características.

O intuito deste trabalho é apresentar as mudanças que aconteceram no cinema ao longo do tempo e pensar em como se pode caracterizar o que seria o cinema nos dias atuais, do ponto de vista da imagem, da montagem e da distribuição, buscando entender como essa mudança está inserida dentro do conceito de uma estética digital, e qual o seu impacto na experiência do espectador com a narrativa. 13


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A CRIAÇÃO DO CINEMA E SUA EVOLUÇÃO ATÉ O CINEMA DIGITAL

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5 Figura 5: Kinetograph de Edison. Fonte: National Media Museum Science & Society Picture Library Figura 6: Cinematógrafo de Lumière. Fonte: Blog História do Cinema [1] Thompson, K; Bordwell, D. Film history: an introduction. 2. ed. Boston: McGraw-Hill, 2003.

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Tomando como base os estudos de THOMPSON e BORDWELL (2003)1, será apresentado um breve histórico da evolução das técnicas cinematográficas, com foco nas produções de Hollywood, visando entender qual o impacto desses avanços na arte do cinema. O cinema foi criado durante os anos de 1890, pouco depois do automóvel, do telefone, do fonógrafo e de tantas outras invenções revolucionárias. Não por acaso, se ouve falar desde aqueles tempos na existência de uma “indústria cinematográfica”, pois o cinema, além de ser um tipo de arte e um meio de comunicação, é também uma grande indústria que, desde o início, buscou aprimorar suas maneiras de produzir e reproduzir filmes. A criação do cinema se deu com a evolução tecnológica de outras áreas, em especial, a fotografia. Para a gravação de imagens em movimento, era necessário um negativo feito de material flexível e com sensibilidade à luz suficiente para permitir um tempo de exposição inferior a um segundo. A solução para esses entraves surgiu somente em 1888: o negativo de celuloide, que continha as características necessárias para ser usado em uma “máquina de filmar”. Surgiram, então, alguns fotógrafos que se interessaram pelo estudo do movimento, entre eles Eadweard Muybridge e Étienne Jules Marey, os quais desenvolveram dispositivos criados especialmente para este fim. Nessa época, ocorreram também primeiras apresentações de filmes de animação da época. Por meio destes estudos, em 1891, Thomas Edison e W.K.L. Dickson criaram o kinetograph e o kinetoscope, máquinas que rodavam o negativo de celuloide expondo-o à luz, capturando 46 quadros por segundo, uma taxa até superior ao padrão a ser adotado no futuro.

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Entretanto, para o cinema realmente despontar como uma maneira de capturar imagens em movimento, o kinetograph ainda era muito grande e complexo, e o kinetoscope permitia que apenas uma pessoa visse o conteúdo dos pequenos filmes. Foi então que os irmãos Lumière desenvolveram o cinematógrafo, um pequeno aparelho que conseguia tanto captar quanto projetar as imagens. A novidade foi um sucesso e as primeiras exibições de filmes dos Lumière criavam filas imensas nos cafés onde eles os exibiam.

Figura 7: Imagem retirada do filme Viagem à Lua (1902) de George Méliès, na qual se pode ver o uso da técnica de pintura à mão. Fonte: Wikipédia [2] Idem. Ibidem. p.21 [3] Idem. Ibidem. p.42

De acordo com os historiadores Kristin Thompson e David Bordwell (2003, p.21)2, nesta época os filmes eram produzidos em apenas uma tomada, com a câmera colocada em um ponto fixo e toda a ação acontecendo em um único plano, assim como no teatro. Somente tempos depois, foram criados filmes montados usando várias tomadas e também alguns contendo efeitos especiais, como os do diretor Georges Meliès. Méliès trabalhava como mágico e, em suas produções, utilizava vários efeitos que, para a época, eram extremamente inovadores como, por exemplo, o stop-motion, o uso de fumaça, a pintura de frames à mão e a sobreposição de imagens, entre outros efeitos que são análogos a técnicas utilizadas até hoje, ainda que com muito mais tecnologia e possibilidades. O uso de efeitos e cortes se tornou uma convenção e, em 1904, o cinema americano se voltou completamente ao estilo de narrativa clássica, dando início ao que se chamou de “estilo cinematográfico”, e que veio a ser transmitido por praticamente todos os filmes de Hollywood até hoje. (THOMPSON e BORDWELL , p.42)3 Neste período, foram definidos diversos padrões estéticos de cor, luz e continuidade, que perduram até hoje. Na época, apesar de os filmes serem ainda em preto e branco, alguns cineastas pintavam os negativos já revelados com alguns tons que remetiam à cena apresentada. Tons de azul, por exemplo, indicavam que era uma cena noturna, enquanto tons quentes revelavam explosões e chamas. 17


8 Figura 8 - Cena de Vento e Areia (1928) utilizando a técnica de suavizar a imagem. Fonte: De Tudo um Pouco

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Os primeiros estúdios contendo cenários e luz controlada também surgiram nessa época, ainda com raízes no teatro. Entretanto, já começavam a ser projetados para adicionar efeitos dramáticos à narrativa, além de possibilitarem a criação de planos diferentes da tradicional câmera centralizada enquadrando todo o cenário. As ações dentro da mesma cena, então, poderiam ocorrer em planos diferentes e o foco da ação poderia mudar durante uma mesma tomada. Com o mesmo intuito, foram pensados os primeiros conceitos de continuidade na edição, considerando que, agora, um mesmo filme poderia possuir diversas tomadas de cobertura e poderia ser gravado em locações e dias diferentes e todas essas precisariam lidar com relações de tempo e espaço dentro da história, para que o espectador não ficasse desorientado. Avançando em relação à tecnologia, no final dos anos 1920, houve um grande avanço em relação às técnicas de filmagem, voltado a enriquecer o padrão de qualidade hollywoodiano. Nesta época, com diversos movimentos artísticos acontecendo fora dos Estados Unidos, como o impressionismo francês, o expressionismo alemão e a corrente chamada “Montage” na União Soviética, foram trabalhados diversos efeitos visuais para enriquecer as produções, como o uso de filtros, tecidos e telas que desfocavam as imagens, criando um efeito soft muito valorizado na época, por conseguir isolar planos com maior precisão e gerar um efeito tridimensional a cena. O esquema de luz de 3 pontos, com uma luz principal, uma luz de contorno e uma luz de preenchimento também ganhou destaque neste período. A película cinematográfica também evoluiu, passando de ortocromática, sensível somente às cores azul e verde, para pancromática, que permitia que todo o espectro de luz fosse aproveitado pelo negativo, conferindo maior contraste à cena, ainda que, na época, os filmes ainda fossem em preto-e-branco.

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Figura 9 - Cabine à prova de som, no ano de 1926. Fonte: awn.com

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Já se utilizava, também, nos primeiros desenhos animados, a técnica da rotoscopia, que consistia em mesclar desenhos com imagens reais, permitindo a criação de personagens muito mais realistas e com movimentos mais fluidos. O cinema entra nos anos 1930 com a adição do som e, finalmente, se torna um meio audiovisual. Cabe, neste momento, ressaltar alguns problemas que o som gerou para a estética cinematográfica. No início, o som era gravado em apenas uma pista sonora, pois não havia como gravar múltiplas trilhas separadamente. Logo, todo o áudio dos filmes deveria ser gravado em uma única tomada, de modo que a orquestra tocava a música de fundo ao mesmo tempo em que os atores contracenavam. As câmeras, muito barulhentas, tinham que ser postas em pesadas caixas à prova de som, para que a quase perfeita mixagem de áudio acontecesse. Por causa das limitações impostas pela gravação de áudio, as câmeras tinham pouca mobilidade e, por isso, foi sugerida a ideia de se gravar a mesma cena com várias câmeras rodando ao mesmo tempo. Assim, os cortes de áudio seriam muito mais práticos e precisos. Mas estas limitações duraram pouco. Os microfones, que antes eram somente omnidirecionais, logo obtiveram a opção unidirecional, permitindo a gravação de áudio em múltiplas pistas, resolvendo parte dos problemas de som. Enquanto isso, as caixas à prova de som, utilizadas para eliminar o ruído da câmera, foram adaptadas para facilitar a movimentação de câmera, dando mais liberdade ao operador. 19


[4] BAZIN, A. The Evolution of the Language of Cinema, In BRAUDY, L; COHEN, M. Film Theory and Criticism. Nova Iorque: Oxford Press, 2004, p.41

Desse modo, em um primeiro momento, as diversas adaptações exigidas para a produção dos filmes com som representaram um obstáculo para os cineastas, mas, rapidamente, a indústria cinematográfica conseguiu contorná-los e retomar seu padrão, sem que fosse necessário alterar de modo significativo a forma de produzir. Por isso, a introdução do som, para alguns autores, não representou uma revolução estética no cinema. O teórico de cinema André Bazin, em seu texto “The Evolution of the Language of Cinema” (A Evolução da Linguagem do Cinema, em português) diz que: É fato que, agora que o som provou que veio não para destruir, mas para enriquecer o velho testamento do cinema, nós podemos nos perguntar se a revolução técnica criada pela trilha sonora foi, em algum aspecto, uma revolução técnica. Em outras palavras, foram os anos de 1928 a 1930 testemunhas do nascimento de um novo cinema? Certamente, no que se refere edição, a história não mostra a grande quebra que seria esperada entre o cinema mudo e o cinema sonoro. (BAZIN, 1967, p.41, tradução minha)4 A discussão da evolução do cinema por meio da tecnologia é o fio condutor de todo o trabalho, mas, logo na primeira transição de épocas - uma vez que ainda não chegamos nos primeiros filmes coloridos - já nos deparamos com este questionamento: será que a tecnologia realmente evolui a estética do cinema?

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O SISTEMA DE PRODUÇÃO HOLLYWOODIANO Figura 10: Equipamento de movimento de câmera chamado Fearless Panoram Dolly. Fonte: Southwest Museum of Engineering [5] BORDWELL, D. The Classical Hollywood Cinema Twenty-Five Years Along. Blog do autor. 2010. Disponível em: http://www.davidbordwell.net/essays/classical.php Acesso em: 25 Mar. 2015

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Seguindo o curso da história, finalmente chegamos no que BORDWELL5 chama de Hollywood Studio System quando, em 1932, novos elementos foram introduzidos no cinema hollywoodiano, sendo eles:

MOVIMENTOS DE CÂMERA Foram desenvolvidas gruas e dollyies, capazes de movimentar as grandes e pesadas câmeras da época, a alturas superiores a 15 metros, atravessando portas e janelas, permitindo aos operadores criar movimentos fluidos e tomadas espetaculares.

TECHNICOLOR Como citado anteriormente, por serem preto-e-branco, os filmes podiam ter cor somente por meio de processos de tingimento ou pintura à mão quadro a quadro. Com o avanço e a popularização do cinema, era impossível manter estes sistemas, pois eram muito demorados e complicados, além de gerarem resultados esteticamente não ideais.

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Figura: 11: Cena de O Mágico de Oz (1939), mostrando as cores obtidas pelo Technicolor. Fonte: http://www.stamfordadvocate.com [6] Para produção deste trecho foi utilizado como base as informações contidas no artigo Hollywood history on faking it: The evolution of greenscreen compositing. Disponível em: http:// filmmakeriq.com/lessons/hollywoodshistory-of-faking-it-the-evolution-ofgreenscreen-compositing/ Acesso em 25 mar. 2015

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Em 1932, foi criado o sistema Technicolor, que consistia em um prisma que separava os raios de luz, e, por meio de um filtro, captava as cores Vermelho, Verde e Azul em películas preto-e-branco separadas, que depois, processadas juntas, geravam cores realistas. No início, o uso da cor era utilizado em filmes de contos de fadas e histórias fantasiosas como As Aventuras de Robin dos Bosques (1938) e O Mágico de Oz. (1939).

EFEITOS ESPECIAIS6 Com o uso de múltiplas câmeras, a introdução do som e, principalmente, a criação de roteiros muito complexos de se produzir, como as narrativas adaptadas de livros de fantasia, foram criados os departamentos de efeitos especiais, para resolver diversos problemas sem solução, ou que consumiriam muito tempo e recursos nos sets de filmagem.


12 Figura: 12: Cena de um filme sendo gravada com o uso da retroprojeção. Fonte: http://www.cuttingedgeproductions.tv/studio7.php Figura 13: Exemplo atual do uso do bluescreen. Fonte: Wikipédia

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Um dos primeiros métodos de efeitos especiais foi a retroprojeção, na qual filmagens de outros ambientes eram projetadas no fundo dos estúdios, simulando estradas ou mares, enquanto a ação real acontecia com carros, navios entre outros veículos estacionados dentro do set. Foram incorporados também os métodos chamados de matte painting (pintura de máscaras) e optical printing (gravação por projeção) cujas técnicas são utilizadas até hoje com o digital, ainda que de forma análoga e muito mais rebuscada. 23


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15 Figura 14: Cena de Os Dez Mandamentos (1956). O plano de fundo da cena com o mar era uma imagem pintada a mão. Fonte: Filmmaker IQ Figura 15: Matte Painting do filme Star Wars Episódio VI: O Retorno de Jedi (1983). O optical printer projetava na área negra do vidro a gravação feita com os atores. Fonte: http://cinefex. com/blog/category/vfx-abc/

Os efeitos especiais da época evoluíram, das duplas exposições de George Méliès em “Un homme de têtes” (1898), e máscaras simples para a criação do optical printer. Usando o sistema Technicolor, criou-se o bluescreen. Os objetos eram filmados contra um fundo azul, e, na pós-produção, era criada uma máscara usando a película azul do Technicolor, permitindo que o fundo fosse totalmente removido uma vez que, tudo o que estivesse em azul, apareceria como preto chapado no filme. Então, o optical printer entrava em ação, funcionando como um projetor e sensibilizando o filme através da máscara, criando, assim, dois filmes, um somente com o fundo, tendo o primeiro plano recortado; e outro somente com o primeiro plano. Os dois eram, então, finalmente mesclados, gerando a montagem. Já o matte painting era uma técnica de se criar backgrounds (planos de fundo) por meio de pintura manual que, somada às máscaras criadas, tornava possível inserir elementos de cena como grandes exércitos, grandes paisagens ou, muitas vezes, cenários de épocas antigas, como no filme Os Dez Mandamentos (1956), dando a impressão da imensidão do cenário.

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AS NOVAS TECNOLOGIAS E O WIDESCREEN

Retornando à história do cinema, esta então atravessa a Segunda Guerra Mundial e traz uma diversidade de novos gêneros cinematográficos, como o documentário, crescente na era de propaganda política durante as grandes guerras.

[7] HESS, John. The Changing Shape of Cinema: The History of Aspect Ratio Disponível em: http://filmmakeriq. com/lessons/the-changing-shape-ofcinema-the-history-of-aspect-ratio/ Acesso em: 25 Mar. 2015

O negativo colorido Eastman também foi introduzido nessa época, permitindo que todas as cores fossem gravadas em um único negativo, 10 com a vantagem de ser mais barato, mas, com um problema que viria a ser descoberto no futuro: o negativo não era tão durável, e perdia sua cor com o tempo, além de ter cores menos ricas que o Technicolor. Na década de 1950, com o crescimento da televisão, o cinema começou a perder público. Por isso, se fez necessário desenvolver algumas inovações para chamar a atenção dos espectadores. Uma das principais mudanças foi o formato da tela7. O cinema foi criado no formato 4:3, ou 1,33 no formato decimal. Com o advento do som, teve de ser inserida uma faixa no negativo para gravação do áudio em sincronia, modificando o padrão para 1,37, o chamado Academy Ratio. A televisão foi criada pensando neste padrão, o 4:3, pois praticamente todos os filmes até então seguiam este formato. Para se diferenciar da TV, então, foi criado o Cinerama, um sistema no qual uma câmera utilizando 3 rolos de filme na vertical e 3 lentes de mesma distância focal, captava um campo de visão de 147 graus e razão de 2,59. Para a reprodução eram utilizados 3 projetores e, devido ao campo de visão amplo, era praticamente impossível utilizar este sistema para filmes que não fossem de turismo, mostrando belas paisagens americanas e outras belezas naturais. 25


16 Figura 16: Desenho explicativo da tecnologia Cinerama. Fonte: http://www. highdefdigest.com/blog/screenx-theaters/ [8] RED Cameras. Understanding Anamorphic Lenses. 2013. Disponível em: http://www.red.com/learn/red101/anamorphic-lenses Acesso em: 25 Mar 2015

Nisto, alguns outros sistemas foram desenvolvidos, utilizando um rolo único de filme 35mm. O primeiro foi o Cinemascope, baseado no sistema de lentes anamórficas, e o VistaVision, baseado no uso da película na posição horizontal. Ambos os sistemas foram pensados pois o grande diferencial do Cinerama era a gigante tela de 32 metros de largura por 10 metros de altura. Porém, utilizando apenas um negativo e um projetor, a imagem tinha que ser ampliada para a grande tela e a resolução da imagem caia drasticamente. O Cinemascope, por outro lado, utilizando as lentes anamórficas8, permitia que a imagem widescreen fosse achatada, encaixando na área completa do frame. Assim, quando a imagem fosse esticada para a sua forma original, as perdas de qualidade seriam menores. Já o VistaVision mudava a posição do filme para a horizontal e, logo, a largura da imagem era gravada ao longo do comprimento do filme, de modo a utilizar uma área maior, resultando também em menores perdas. Os dois formatos foram amplamente utilizados em Hollywood, inclusive com o advento futuro do 65mm e 70mm, formatos de negativo mais largos e com uma área de captura maior, permitindo o uso do formato widescreen com cada vez mais qualidade.

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Neste ponto, com diversos avanços no estilo cinematográfico, mudando os padrões de composição, luz, cor, som e outros elementos, surgiram algumas correntes estilísticas na Europa para criticar a técnica hollywoodiana e valorizar a criação do filme por seu diretor. Nasce então a ideia de Auteur, desenvolvida na revista francesa Cahiers du cinéma, criada por alguns dos primeiros críticos do cinema, dentre estes, François Truffaut, André Bazin e Alexander Astruc.

Figura 17: O diretor Alfred Hitchcock ao lado da câmera VistaVision. Fonte: http://www.widescreenmuseum.com/ widescreen/wingvv4.htm [9] ASTRUC, A. L’écran français n° 144, 1948. Traduzido por Matheus Cartaxo Disponível em: http://www. focorevistadecinema.com.br/FOCO4/ stylo.htm Acesso em 30 Mar. 2015

Tendo como ponto focal o artigo de Astruc, intitulado La Camérastylo, o grupo postulava que o cineasta deveria escrever com sua câmera assim como o escritor escreve com sua caneta. O cinema, desta forma, deveria ser analisado por meio do trabalho do diretor, sua personalidade e seu estilo. Todo o resto deveria estar ali para ajudar o seu fluxo de criação. Citando seu artigo, Astruc propõe: É por isso que eu chamo a esta nova era do cinema a Caméra stylo. Essa imagem tem um sentido bastante preciso. Ela quer dizer que o cinema irá se desfazer pouco a pouco dessa tirania do visual, da imagem pela imagem, da narrativa imediata, do concreto, para se tornar um meio de expressão tão flexível e sutil como o da linguagem escrita.9 (ASTRUC, 1948) 27


Figura 18: Comparação entre o negativo 35mm e o negativo 70mm do sistema IMAX – Fonte: Wikipedia [10] MURRAY,H. depoimento. 2013. Entrevistado por: Germain Lussier. Slash Film. Disponível em: http://www.slashfilm.com/film-interview-imax-executives-talk-the-hunger-games-catchingfire-and-imax-misconceptions/ Acesso em: 05 Jun 2015

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Além disso, para o grupo, grandes blockbusters inspirados em histórias antigas como contos da Grécia antiga, Roma, histórias épicas, eram filmes sem personalidade, e seus diretores apenas eram adaptadores de histórias para o cinema. Não eram verdadeiros homens de cinema. Surge, então, a Nouvelle Vague, um movimento que pretendia diferenciar o chamado cinema de arte do industrial sistema de produção hollywoodiano. Nos anos 70, em Hollywood, temos diretores como Francis Ford Coppolla, Stanley Kubrick, George Lucas e Steven Spielberg criando grandes blockbusters, como O Poderoso Chefão (1972), 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968), Star Wars (1977) e Tubarão (1975). Destaque para Star Wars, vencedor do Oscar de melhores efeitos visuais, com vasto uso de optical printing e matte painting, com a criação do estúdio “Industrial, Lighting and Magic” (ILM), considerado atualmente como um dos maiores estúdios de computação gráfica do mundo. Um formato interessante a ser citado neste ponto, é a tecnologia IMAX, presente até hoje na indústria cinematográfica. O formato, criado nos anos 70, consiste no uso de um negativo de 70mm, disposto na horizontal, assim como sistema VistaVision, por exemplo. O resultado é um nível de detalhe impressionante. A empresa, detentora da tecnologia, afirma que se consegue três vezes mais resolução utilizando este sistema em comparação com o uso do 35mm10. Um dos últimos sucessos de ficção científica, o filme Interestelar (2014), foi gravado utilizando esta tecnologia, com a ideia de alcançar um realismo nas imagens não compatível com nenhuma tecnologia digital disponível no momento.

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Figura 19: Diretor de Fotografia Hoyte van Hoytema utilizando uma câmera IMAX, em Interestelar. Fonte: IMAX Figura 20: Imagem do imenso rolo de negativo IMAX, do filme Interestelar. Fonte: IMAX

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Neste momento, os avanços em tecnologia existem, porém não se percebem grandes mudanças na maneira de se produzir filmes a partir deste ponto. Em paralelo, surgem novos meios de captação, principalmente baseados na necessidade da televisão em reduzir seus custos de produção e permitir a gravação de seus programas, saindo da necessidade do ao vivo. Surge então o videoteipe.

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VIDEOTEIPE Ainda que o foco do trabalho seja o cinema, é impossível não considerar sua relação com a televisão. Com a necessidade da gravação dos programas ao vivo para posterior transmissão, foi criado o videoteipe. No início, o videoteipe consistia no chamado quadruplex uma fita magnética larga que necessitava de equipamentos enormes e permitia somente gravações dentro do estúdio dado o tamanho das câmeras e gravadores deste tipo de formato. Mas, foi com a criação do U-matic e do Betacam, que o videoteipe despontou na época, com o desenvolvimento de câmeras que permitiam gravações fora do estúdio, e possuíam tamanho reduzido, dando liberdade de criação para os produtores de cinema. Figura 21: O imenso gravador Quadruplex. Fonte: Wikipédia.

As primeiras câmeras a utilizar este suporte ainda não possuíam os sensores digitais atuais e, em seu lugar, eram utilizados vaccum tubes, uma espécie de sensor que convertia a luz em sinais elétricos e, estes, medidos em impulsos elétricos, eram processados e gravados no videoteipe. Este formato foi amplamente utilizado para a criação de filmes independentes, pelo baixo custo de gravação da fita de vídeo. Clipes musicais também foram gravados com estas câmeras, com o boom da MTV, rede de televisão americana baseada apenas nestes clipes.

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Em 1990, o tubo de raios catódicos foi substituído pelos sensores CMOS e CCD, os quais estão hoje presentes nas câmeras digitais. Com a criação da edição não-linear, câmeras menores, sistemas computadorizados e a introdução, em 1996, do DV, nosso histórico finalmente chega à era do cinema digital.

Figura 22: Modelo de câmera UMatic, portátil, podendo ser usada portando-a no ombro. Fonte: http:// www.mancini99.freeser ve.co.uk/ Sony_1640_came.html

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O CINEMA DIGITAL

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INTRODUÇÃO AO CINEMA DIGITAL As primeiras câmeras digitais surgiram ainda nos anos 80, mas seu uso massivo se iniciou com o formato miniDV, no qual os arquivos digitais eram gravados em uma fita magnética e, posteriormente, transferidos para um computador. As fitas eram muito mais baratas que o negativo e com melhor qualidade que o videoteipe o que abriu campo para diversos cineastas realizarem produções independentes ou de baixo custo nesse tipo de câmera. A resolução de imagem obtida com a miniDV era baixa, no padrão 720x480 pixels, uma vez que este formato, na verdade, foi criado para a televisão, que ainda não tinha suporte para alta definição. Já nos anos 2000, foram introduzidas as primeiras câmeras em alta resolução, com o formato de gravação Full HD (1920x1080 pixels). Ainda utilizando fitas magnéticas para gravação. Essas câmeras conseguiam gravar mais de uma hora de conteúdo em uma única fita. Considerando que, no cinema, um rolo de 1000 pés equivale a, aproximadamente, 11 minutos de gravação, já se percebe uma enorme vantagem neste aspecto, uma vez que este fato permitiu tanto um custo de gravação muito baixo como abriu margem para usos criativos desta vantagem, como a criação de filmes longos feitos em uma única tomada. Foi neste momento que foi criada a primeira câmera digital voltada para a produção cinematográfica, a Sony HDW-F900, que permitia a gravação em alta definição no formato 16:9 (1920x1080) e 34

em 24 frames progressivos. O primeiro filme a utilizar esta tecnologia foi Vidocq (2001), sendo este captado completamente em suporte digital. Outra referência importante da época foi o filme Arca Russa (2002), o primeiro a utilizar a ideia da tomada longa com o suporte digital, tendo este sido gravado em apenas uma tomada de 99 minutos de duração. Neste momento, vale ressaltar, os sensores digitais estavam distantes de conseguir um resultado de imagem próximo ao obtido com a película, e seu uso então era limitado a algumas produções tidas como vanguarda. Um dos primeiros filmes de sucesso a utilizar estas tecnologias foi Star Wars Episódio II: O Ataque dos Clones (2002). Segundo os produtores do filme, foram economizados quase três milhões de dólares, pelo uso do digital no lugar da película11. Simultaneamente a introdução das primeiras câmeras digitais projetadas para uso no cinema, surgiram os primeiros processos de correção de cor digital. O processo de telecine, ou seja, a conversão da imagem da película para uma fita magnética ou outro suporte, já era conhecido dos sistemas de televisão que o utilizava para gravar e editar programas captados em película. Deste modo, foi pensando neste sistema que foi criado o DI (Digital Intermediate). Com o desenvolvimento de sistemas computadorizados de edição, colorização e pós-produção, se criou um fluxo de trabalho que permitia que, primeiramente, a película sofresse o processo de telecine, para que fosse trabalhada em um computador, e, posteriormente, regravada em outra película virgem. O primeiro filme de Hollywood a utilizar este sistema foi E Aí, Meu Irmão, Cadê Você? (2000)12 filme dirigido pelos irmãos Cohen, com fotografia de Roger Deakins. O sistema DI permitia que todas as


correções de cor, antes feitas em laboratório durante a transferência do negativo para o interpositivo, fossem feitas digitalmente, permitindo ao diretor de fotografia um total controle da estética que este gostaria para o filme, além de poder testar diversas possibilidades de cor e contraste antes de regravar o DI em uma película. No filme em questão, Roger Deakins decidiu por uma imagem desaturada, com tonalidades de marrom, visando um aspecto dusty (empoeirado) como ele mesmo aponta no documentário Painting with Pixels13. Para o diretor, o processo de correção de cor digital é mais completo que o sistema tradicional de tratamento de cor pois permite o uso de efeitos e gradações de cor com um nível maior de precisão. Durante o processo de gravação do filme, Deakins procurou diversos processos químicos que chegassem próximos ao resultado que ele queria, porém nada se comparou ao resultado obtido na manipulação digital.

[11] DIGITAL Cinema coming of age. Video Technology Magazine. Disponível em: http://www.videotechnology.com/old0604.html Acesso em: 30 Mar. 2015 [12] TARANTOLA, A. O Brother, This Was the First Movie to Use All-Digital Color Grading. Gizmodo. Disponível em: http://gizmodo.com/o-brotherthis-was-the-first-movie-to-use-all-digital-1595466651 [13] PAINTING With Pixels (O’ Brother, Where Art Thou). Sparkhill Productions. Disponível em: https:// www.youtube.com/watch?v=pla_pd1uatg Acesso em: 30 Mar. 2015

Tanto a captação digital quanto a edição em sistema digital evoluíram rapidamente ao longo do tempo e cabe, neste ponto, uma pausa para explicar e exemplificar alguns termos e modelos que surgiram com o digital, e que são necessários no acompanhamento e evolução dos sistemas que serão apresentados aqui. 35


AS CARACTERÍSTICAS DO CINEMA DIGITAL

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SENSORES Os sensores utilizados nas câmeras digitais são formados por diversos pontos que são capazes de captar luz e interpretar sua intensidade convertendo-a em sinais elétricos. Para conseguir reproduzir cores, na frente do sensor existe um filtro colorido, assim como nos negativos e no sistema Technicolor. O mais comum destes filtros é chamado Bayer Pattern. Este modelo consiste em dividir os pontos nas cores RGB, e logo cada ponto pode captar apenas uma das cores primárias. Para recriar as outras duas cores o sinal sofre um processo chamado demosaicing no qual a câmera interpola a informação, criando digitalmente as outras cores de acordo com a informação obtida e formando a imagem completa. Além disso, os pontos que captam a luz não são exatamente juntos um do outro e, assim, existe um espaço, ainda que microscópico, que gera perda de luz no sistema. Ao longo do tempo foram criadas microlentes que ocuparam este espaço, direcionando a luz que seria perdida para algum dos pontos. Com o aumento da resolução dos sensores, cada vez mais pixels são inseridos em um sensor de mesmo tamanho. Assim, os pixels são cada vez menores, o que também diminui a capacidade de receber luz da câmera, pois o ponto que recebia certa quantidade de luz agora é menor e logo recebe menos luz. Assim outros modelos de sensores estão sendo desenvolvidos, buscando sempre diminuir o espaço entre os pixels, gerando um melhor balanço entre tamanho dos pixels e quantidade. A título de curiosidade, atualmente existem protótipos de câmeras com sensores do tamanho do negativo de 65mm, como a Arri Alexa 65, lançada no final de 2015, capazes de uma resolução de 6,5K.14 36


Figura 23: Esquema demonstrando o Bayer Pattern à direita, e à esquerda, um novo modelo de sensor que possui pixels mais próximos, evitando a perda de luz. Fonte: Wikipédia e Sony. Figura 24: Esquema diferenciando o sinal do ruído de fundo. Fonte: Cambridge In Colour Figura 25: Diferenças de ruído entre ISO 25600 e ISO 100. Fonte: Dpreview [14] ARRI ALEXA 65 launches in Hollywood. Disponível em: http://www.arri. com/news/news/alexa-65-launchesin-hollywood/ Acesso em: 10 Jun 2015

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RUÍDO Uma das principais características do negativo é a textura que temos na imagem, causada pelo tamanho dos grãos de prata, presentes no material fotossensível. Dependendo do negativo e sua especificação ISO/ASA percebemos um grão mais grosso ou mais fino. Negativos com ISOs altos como 1600, são mais sensíveis a luz, e possuem grãos grossos. ISOs baixos como um cromo ISO 50 possuem grão muito fino e uma imagem mais limpa. Já o ruído digital possuí características diferentes. Normalmente este tipo de ruído é associado com a capacidade da câmera de captar a luz e conseguir distingui-la do restante dos sinais eletromagnéticos captados. Quanto menos interferência a câmera capta, mais limpo é o sinal e menos ruído a imagem terá. Este ruído aumenta conforme o ISO selecionado na câmera. ISOs mais altos são mais ruidosos pois a sensibilidade do sensor aumenta e, portanto, mais interferência externa é captada. 37


26 Figura 26: Exemplo da recuperação da área de altas luzes por meio da alta latitude do sensor digital Fonte: The Online Photographer Figura 27: Imagem em contraluz mostrando a perda de detalhes nas sombras. Fonte: PetaPixel [15] DYNAMIC RANGE Cambridge in Colour. Disponível em: http://www. cambridgeincolour.com/tutorials/ dynamic-range.htm Acesso em: 10 Abr 2015 [16] CAMERA Comparison. Autor Desconhecido. Disponível em: http:// nino.macbay.de/Stuff/2013_Camera_ Comparison_Chart_v20.pdf Acesso em: 10 Abr. 2015

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LATITUDE OU DYNAMIC RANGE15 A latitude de uma fotografia é simplesmente a diferença entre os tons mais escuros e mais claros de uma imagem. Porém, quando vamos tratar de sensores digitais, podemos falar de latitude como a capacidade que este sensor tem de captar estas diferenças de luminosidade. Os primeiros sensores possuíam latitudes baixas, e esta foi uma das causas de a película ainda ser muito valorizada no cinema. As películas modernas possuem até 16 stops de latitude.16 Isso significa que o tom mais claro que a película pode captar é 65.536 (2 elevados a 16a potência) vezes mais claro que o tom mais escuro. As câmeras digitais atuais chegam entre 14 e 15 stops, porém as primeiras câmeras digitais possuíam uma latitude muito mais baixa, suficiente para perda de detalhes em uma cena de contraluz, por exemplo. 38


ESPAÇO DE COR Considere todas as cores que o olho humano consegue identificar. Se todas estas cores fossem colocadas em um gráfico, este gráfico seria como o apresentado abaixo. 28

Figura 28: Esquema de espaços de cor, saindo do menor (ITU-709) até o maior (F65). Fonte: Sony

Os espaços de cor são padrões criados para simbolizar graficamente quanto do espectro visível determinado espaço de cor consegue reproduzir. Quanto maior este espaço, mais cores são possíveis e mais próxima do real é a imagem. Utilizando o gráfico acima, podemos visualizar alguns padrões comuns na indústria, como o ITU-709, padrão utilizado pela televisão, passando pelo espaço de cor da película cinematográfica (Print Film) até chegar no padrão de uma câmera moderna (Sony F65), que consegue ultrapassar as cores reproduzidas na película.

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COMPRESSÃO A primeira fita magnética utilizada para gravar vídeo digital possuía uma taxa de dados de gravação de 173Mbps, uma taxa altíssima considerando a capacidade de armazenamento dos computadores da época.17 Para resolver este problema, foram criados algoritmos capazes de reduzir o tamanho dos arquivos, mantendo a melhor qualidade de imagem possível. Dentro de cada modelo de compressão existente, existem 5 elementos chave: codec, bitrate, bit depth, chroma subsampling e blocking18. O codec tem seu significado de compressor/descompressor, e é um algoritmo que transforma os dados obtidos pelo sensor digital e produz um arquivo possível de ser lido e modificado utilizando softwares apropriados. Quanto mais avançado e moderno o codec, menores são os arquivos gerados e com maior qualidade de imagem.

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Já o bitrate é basicamente a taxa de dados em que o codec trabalha. Esta taxa não é fixa e o operador da câmera ou finalizador pode escolher o melhor bitrate para cada tipo de codec. Basicamente, quanto mais moderno o codec, existe uma melhor qualidade de imagem em uma taxa de dados menor. O bit depth por outro lado trabalha com conceitos de cor da imagem. Os sensores digitais trabalham com o sistema de cor RGB, vermelho, verde e azul, e, para cada cor, existe uma imagem formada e processada pela câmera, que depois será unificada em uma única imagem. Apesar de captar um grande espectro de cor, a informação obtida pelos sensores tem que ser simplificada para que o tamanho final dos arquivos seja compatível com o fluxo de trabalho posterior. Logo, os valores binários possíveis entre o branco puro e o preto são representados pelo bit depth, representando assim qual o número de cores aquela câmera consegue processar. Quanto mais cores possíveis, mais perfeita é a gradação entre os tons.


[17] HESS, John. The Evolution of Modern Non-Linear Editing: Part 2 – the Digital Revolution Disponível em: http://filmmakeriq.com/lessons/the-evolution-of-digitalnon-linear-editing-part-2-the-digital-revolution/ Acesso em: 25 Abr. 2015 [18] Nota: Termos sem tradução

Figura 29: Diferenças de gradação de tons entre o modelo 8-bit e o 16-bit. Fonte: Creative Cow Figura 30: Esquema explicativo do sistema de chroma subsampling. Fonte: Filmmaker IQ

30 Figura 31: Exemplo dos artefatos causados pelo efeito blocking. Fonte: Stack Exchange

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Por exemplo, um codec 8-bits significa que entre o branco puro e o preto puro existem 254 tons de cinza, ou numa escala colorida 254 tons de vermelho, verde ou azul. Já um codec profissional 14-bits permite 16384 tons de cada cor, permitindo a reprodução de trilhões de cores. O chroma subsampling segue a mesma lógica, do bit depth, porém atuando em uma simplificação ainda maior das cores captadas pelo sensor. Representados por razões matemáticas, os tipos mais comuns de razão são 4:4:4, 4:2:2 e 4:2:0. No 4:4:4, a cada oito pixels, oito mantém sua informação de luminância e cor cada. No 4:2:2, a cada oito pixels, existem quatro cores

diferentes, ou seja, temos metade da informação de cor. Já no último modelo temos apenas duas cores representadas no grupo de 8 pixels. O blocking também é um recurso de simplificação da imagem digital. Imagine uma cena de um céu limpo com alguns pássaros passando. Esta imagem provavelmente será formada por uma grande massa de pixels representando tons de azul, e outra muito menor representando os pássaros. Esses tons de azul não mudam durante a cena, e somente a pequena faixa onde os pássaros passam muda. É aí que o conceito de blocking entra. Como os tons de azul não mudam, o codec mantém a informação do primeiro quadro como um modelo e apaga tudo o que não muda nos quadros seguintes. 41


RAW Atualmente tido como sinônimo de negativo digital, os arquivos RAW tem este nome pois são considerados arquivos “crus”, ou seja, sem nenhum tipo de manipulação ou compressão feita na câmera como o que acontece quando se grava utilizando algum codec. As vantagens deste tipo de gravação são várias, principalmente a maleabilidade do arquivo durante a pós-produção no computador. Como o arquivo em RAW contém toda a informação obtida pelo sensor, se consegue aproveitar toda a capacidade de reprodução de cores da câmera e também toda a latitude do sensor, gerando imagens com mais definição e qualidade. Como desvantagem, o arquivo em RAW possui taxas de gravação muito mais elevadas que os codecs comuns e, por ele ser um arquivo sem manipulação, ele obrigatoriamente precisa ser manipulado antes de ser utilizado, o que demanda um fluxo de trabalho mais complexo do que outros codecs que já saem da câmera prontos para edição.

3D LUT Com o uso do DI, a imagem passava a ter seus ajustes de cor feitos no computador e, deste modo, a precisão do ajuste era determinada pelo monitor no qual os ajustes eram feitos e, também, em que tipo de negativo o filme final seria regravado. Assim foram criados os LUTs, abreviação de lookup table, que funcionam como um filtro, simulando as características do filme no qual o trabalho seria impresso. Assim, o colorista do filme conseguia visualizar na tela o resultado final em questão de cor, antes da gravação na película. O LUT funciona como uma matriz matemática na qual, para cada valor dentro do espaço de cor RGB, o LUT modifica estes valores para se adequar ao espaço de cor do filme em questão.

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Figura 32: Esquema da matriz LUT, na qual os valores RGB são modificados por outros. Fonte: 75 and Sunny Figura 33: Exemplo de conversão de uma imagem utilizando uma curva LOG em uma imagem corrigida para Rec.709 com o uso de LUTs Fonte: Criada pelo autor. Figura 34: Gráfico da curva LOG Gamma em comparação com a curva Rec. 709 Fonte: Provideo Coalition Figura 35: Cartão de referência de cor, filmado em LOG nas imagens superiores e REC 709 nas cores inferiores. Fonte: Arri.com

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LOG Gamma Curves Com a criação dos padrões HDTV, se desenvolveu o espaço de cor Rec.709. Além deste espaço de cor ter uma gama de cores baixa, também possui uma latitude reduzida, uma vez que menos cores podem ser reproduzidas e, logo, menores contrastes entre branco e preto (que representam aproximadamente 5-6 stops). Porém, considerando as câmeras atuais, que possuem por volta de 14 stops de latitude, existia a necessidade de conseguir preservar o maior número de tons originais dentro do padrão Rec.709. Desta forma,foram criadas as curvas logarítmicas. Uma curva de contraste normalmente é apresentada em um gráfico, no qual o eixo y representa os níveis de luminância do suporte, no caso um monitor Rec 709, e o eixo x os níveis de luminância que a cena apresenta. O que a curva logarítmica faz, em azul, é dispor o gradiente de tons de tal forma que todos os 14 stops consigam caber no espaço padrão R.709. Ela o faz captando muito mais as altas luzes do que as baixas. Como podemos ver no gráfico, a maior parte da curva está acima do ponto médio de brilho. A curva logarítmica então consegue captar até 800% de luminância da cena, enquanto a curva Rec709 capta 100%.

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As vantagens são próximas do que se tem em uma imagem RAW, mas com os benefícios de um arquivo menor e mais prático de se trabalhar na pós-produção. 43


CAPTAÇÃO DIGITAL [19] KROLL, Noam. How To Make Video Footage Look Like Film. Disponível em: http://noamkroll.com/how-tomake-video-footage-look-like-film/ Acesso em: 30 Abr 2015 [20] HARDY, Robert. Check out DP Reed Morano’s Petition to Nix That Awful ‘Smooth Motion’ Effect on TVs. No Film School. Disponível em: http:// nofilmschool.com/2014/10/dp-reedmorano-petition-to-nix-smooth-motioneffect-on-tvs Acesso em: 30 Abr 2015 [21] Idem. Ibidem.

Os elementos e nomenclaturas apresentados anteriormente surgiram com a necessidade de se padronizar a captura de imagem digital e estes foram evoluindo tecnologicamente criando novas possibilidades na captação da imagem cinematográfica, de modo a ultrapassar os obstáculos do negativo e das grandes câmeras que inviabilizavam certas tomadas de câmera. Entretanto, do lado criativo, se por um lado as novas e modernas câmeras abrem campo para criações nunca vistas, por outro se tem uma incansável busca por imitar os padrões existentes no negativo, desde suas cores, grão e características, até a criação do termo “look cinematográfico”. Em uma simples pesquisa no Google, se consegue achar desde diversos cursos e tutoriais de como alcançar este estilo de imagem usando câmeras digitais, até petições contra a maneira que a televisão reproduz certos materiais, transformando os 24fps originais do material em 60fps, ou seja, “destruindo” todo o trabalho que o diretor de fotografia teve para alcançar este look. A diretora de fotografia Reed Morano, coloca em sua petição que: “Como artistas, estas novas televisões HD não permitem que se veja o trabalho como ele foi produzido, e isso afeta a experiência do espectador com a história pois as imagens parecem algum tipo de filme amador ou algum tipo de novela gravada em vídeo.” (MORANO, tradução minha). A grande diferença entre vídeo e cinema sempre foi dada devido as características que a imagem cinematográfica possui, e que as câmeras de vídeo não conseguiam alcançar em seus primeiros modelos de câmera. Cabe aqui citar algumas destas diferenças. O primeiro grande problema era o tamanho do sensor e a óptica. O cinema tinha como padrão o filme 35mm, ou tamanhos maiores como o 65mm e 70mm e as lentes utilizadas nas produções, devido sua qualidade de imagem e por serem lentes claras, que geravam belos desfoques, sempre foram detalhes essenciais na procura por um determinado look da imagem.

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Figura 36: Diversos tamanhos de sensores comparados com os novos sensores digitais. Detalhe para a diferença entre o sensor 1/3”, comum nas primeiras câmeras digitais, e o Super 35mm. Fonte: Creative Cow Figura 37: Calculadora de profundidade de campo. Na simulação, uma lente 50mm em f/5.6 acoplada a um sensor 1/3” geraria a mesma profundidade de campo de uma lente 360mm em f/40.4 acoplada a um sensor 35mm. Fonte: Cambridge in Colour.

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Mesmo o formato 16mm, também utilizado em grande parte do cinema, principalmente em produções de baixo custo, documentários e produções de TV, possuía as características da imagem cinematográfica, graças a latitude do filme e o tamanho do sensor. Outro elemento importante eram as lentes. Algumas ópticas utilizadas no cinema até possuem inclusive seu nome atrelado a um look específico, como é o caso das lentes Cooke22. No site do fabricante, em uma campanha publicitária, diversos depoimentos de diretores de fotografia atestam a nitidez, as cores próximas ao real, a presença que a imagem possui e que nenhuma outra lente pode reproduzir.

Figura 38: Diferenças entre uma baixa profundidade de campo e uma alta profundidade de campo. Fonte: Vimeo [22] COOKE Optics. What is the Cooke Look. Disponível em: http:// www.cookeoptics.com/t/look.html Acesso em; 30 Abr 2015

Porém, as primeiras câmeras digitais possuíam sensores menores que o formato 35mm e muitas delas possuíam óptica não intercambiável, normalmente lentes zoom com aberturas pequenas, que abrangiam tanto os planos abertos quanto closes em uma mesma objetiva. A conjunção entre sensor pequeno e lentes zoom escuras gerava uma menor capacidade de desfoque, uma vez que esta característica é relacionada entre a abertura da lente, seu comprimento focal e o tamanho do sensor/negativo.

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[24] DEAKINS, R. depoimento. Entrevistador: Jay Holben. Roger Deakins, ASC, BSC adopts digital capture on the sci-fi thriller In Time. 2011. Entrevista concedida à ASC Magazine. Disponível em: https:// www.theasc.com/ac_magazine/November2011/InTime/page1.php Acesso: 05 Mai 2015

Entretanto, os avanços tecnológicos permitiram a criação de câmeras com sensor do tamanho do 35mm e latitude próxima dos negativos modernos. Uma das câmeras mais utilizadas no cinema, a Arri Alexa23, mantém as mesmas características do cinema com negativo, mas com as vantagens do digital. O sensor de tamanho maior garante os desfoques presentes no cinema tradicional e, a câmera é compatível com as lentes já utilizadas em película, resolvendo possíveis problemas. Roger Deakins, diretor de fotografia indicado a 12 Oscars de melhor fotografia diz, em artigo à revista da Associação de Cinematografia Americana, ASC, que as capacidades desta câmera já ultrapassaram as possibilidades que se tinha com a película. (DEAKINS, 2011)24

[25] ZHANG, M. House Season Finale Filmed Entirely with Canon 5D Mark II. PetaPixel. Disponível em: http://petapixel.com/2010/04/09/ house-season-finale-filmed-entirelywith-canon-5d-mark-ii/ Acesso em: 05 Mai 2015

Porém, estas câmeras estão distantes de serem populares em outros tipos de produção, como o cinema independente voltado para web. Para estes tipos de produção, certamente a grande mudança foi a introdução da Canon 5D Mark II, a primeira câmera fotográfica DSLR que capturava vídeo no padrão Full HD, 24fps.

[23] V, Renée. Which Cameras Were Used on the Oscar-Nominated Films of 2015? No Film School. Disponível em: http://nofilmschool.com/2015/02/ which-cameras-were-used-oscar-nominated-films-2015 Acesso em: 05 Mai 2015

[26] RUBIDIUM, W. The 5D Generation from a filmmaker’s perspective. Planet 5D. Disponível em: http://blog.planet5d. com/2014/03/5d-generation-the dslr-revolution-has-only-just-begun/ Acesso em 05 Mai 2015 [27] REVERIE. Direção: Vincent LaForet. Disponível em: https://vimeo. com/7151244 Acesso em 05 Mai 2015.

Extremamente mais acessível que câmeras como a Alexa, a 5D se tornou praticamente o padrão de câmera para produção de baixo custo, pois possuía sensor grande, no formato 35mm, e utilizava lentes fotográficas, mais baratas, com algumas permitindo desfoques maiores que os possíveis com as lentes criadas para uso em cinema. Na época de seu lançamento, inúmeros blogs e livros sobre como obter o máximo de sua capacidade surgiram e alguns seriados e filmes chegaram a utilizá-la aproveitando suas vantagens e seu look diferenciado25. Um desses blogs, especializado em produções com DSLR, como o planet5D, publicou determinada vez um artigo sobre a revolução que a câmera criou no mercado, uma vez que abriu espaço para filmes de baixo custo com esta qualidade cinematográfica.26 O primeiro vídeo gravado com a 5D Mark II, chamado Reverie27, com direção de fotografia de Vincent LaForet, se tornou referência na época, por se tratar de um curta feito somente com cenas noturnas, indicando também o potencial de gravação em baixa luminosidade que a câmera possuía. O blog de LaForet também fez enorme sucesso, publicando os bastidores do curta e, posteriormente, diversas dicas e tutoriais sobre o uso da câmera, e é claro suas evoluções ao longo do tempo. Ainda assim, tanto as câmeras de alta tecnologia quanto as mais acessíveis não possuem as cores e texturas que a película possuía, pois, o sensor digital não possuí o grão da película, ainda que possa

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simular suas cores, além de gerar uma imagem muito mais limpa. Para isso, é necessário o tratamento da imagem na pós-produção, assim como acontecia com o DI, porém agora utilizando diretamente o arquivo digital. Para esta simulação, existem dois tipos principais de software, os plug-ins e os 3D Luts. Um destes plug-ins, chamado FilmConvert, simula diversos tipos de negativo, tanto coloridos quanto preto-ebranco, e converte as cores da imagem em cores similares as obtidas com a respectiva película.

Figura 39: Comparação entre a imagem captada por um negativo e sua simulação usando o plug-in FilmConvert. Fonte: FilmConvert Figura 40: Cena do filme Reverie. Fonte: http://alumni.jhu.edu/Laforetbio

O programa utiliza então curvas de contraste específicas para cada tipo de câmera, tanto as que gravam no padrão Rec.709 quanto as que gravam em Log Gamma. Estas curvas simulam a curva de contraste de determinado negativo, permitindo uma simulação realista.

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Figura 41: Cena do filme O Grande Hotel Budapeste. Fonte: https://thenypost.files.wordpress.com/2014/03/ grand_budapest_hotel_d7ca.jpg [28] VISION COLOR. Site Institucional do Fabricante. Disponível em: http://www.vision-color.com/impulz/ Acesso em: 05 Mai 2015

O outro tipo de conversão, os 3D LUTs, funcionam da mesma forma como estes funcionavam para regravação do DI na película, usando como base os valores RGB de cada câmera, e transformando-os para os valores do negativo em questão. Nos sites dos fabricantes28, são vendidas ideias como: “look cinematográfico instantâneo”, “dê ao seu vídeo digital a aparência da película”, “transforme digital em filme” entre outros bordões que reforçam a ideia desta busca nostálgica pela aparência que os filmes possuíam antes do digital. Em resumo, as características da imagem cinematográfica parecem remontar o inconsciente das pessoas pois a memória visual de décadas de referências do que é cinema não somem de uma hora para outra. Certamente, hoje é difícil diferenciar um material filmado em película e outro filmado em digital, principalmente para o espectador que desconhece as novas tecnologias. Porém, esta nostalgia persegue as produções, e se percebe que mesmo quando o suporte digital é elogiado por cineastas e diretores de fotografia, se tem sempre a comparação de que “parece filme” ou “é melhor que filme”. Assim, se elogia a tecnologia, desde que ela melhore um padrão, e permita um visual que seja referenciado na linguagem tradicional do cinema. Ao mesmo tempo que o digital traz possibilidades que vão além do cinema tradicional, se percebe o quão complicado é ir contra os padrões estabelecidos durante praticamente todo o primeiro século de criação da arte cinematográfica.

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Porém, esta nostalgia persegue as produções, e se percebe que mesmo quando o suporte digital é elogiado por cineastas e diretores de fotografia, se tem sempre a comparação de que “parece filme” ou “é melhor que filme”. Assim, se elogia a tecnologia, desde que ela melhore um padrão, e permita um visual que seja referenciado na linguagem tradicional do cinema. Ao mesmo tempo que o digital traz possibilidades que vão além do cinema tradicional, se percebe o quão complicado é ir contra os padrões estabelecidos durante praticamente todo o primeiro século de criação da arte cinematográfica.

[29] YEOMAN, R. In SAVE FILM. 39 US releases shot on 35mm film in 2014. 2014. Disponível em: http://www. savefilm.org/news/39-us-releasesshot-on-35mm-film-in-2014/ Acesso em 06 Mai 2015 [30] SAVE FILM. Ibidem [31] SCORSESE, M. depoimento. Entrevistador: Michael Goldman. 2013. Entrevista concedida a ASC Magazine 28 Disponível em: http://www.theasc. com/ac_magazine/December2013/ TheWolfofWallStreet/page1.php Acesso em: 06 Mai 2015

Atualmente, se questiona o “fim da película”, uma vez que grandes produtoras, como a Paramount, já declararam que não irão mais lançar filmes com cópias em película, e somente irão distribuir as versões digitais. O “medo” do negativo não existir mais é grande por parte de alguns produtores, que inclusive criaram petições como a Savefilm.org que propõe a manutenção da gravação cinematográfica em película, e publica diversas matérias sobre blockbusters recentes que ainda utilizam o negativo. Em uma dessas matérias, se pode observar os elementos já propostos anteriormente no trabalho, ao analisar alguns relatos feitos por diretores de fotografia. Robert Yeoman, DP do filme The Grand Budapest Hotel propõe que “o digital permite uma liberdade que muitas vezes é prejudicial para a concentração da equipe no set de filmagem. O baixo custo de regravação da cena gera um relaxamento por parte da equipe que acaba prejudicando o resultado final.29” (YEOMAN, 2014, tradução minha). Outro relato é o das características da imagem. Boyhood (2014), filme produzido durante 12 anos, não teve problemas em relação ao look da imagem pois o negativo usado ao longo deste tempo foi o mesmo. A matéria então propõe que se o mesmo filme tivesse sido gravado em digital, os avanços tecnológicos estariam claros durante a produção, uma vez que a qualidade de imagem avançou muito nos últimos anos.30 O primeiro filme a ser distribuído somente em digital, O Lobo de Wall Street (2013), curiosamente, foi gravado utilizando os dois formatos, película e digital. Martin Scorsese, diretor do filme, coloca que: “Nós aproveitamos as vantagens dos dois mundos, filmando a maior parte do filme em película e, então, usando a Alexa para as cenas noturnas, experiências com a velocidade de obturador e cenas com efeitos visuais.31” (SCORSESE, 2013, tradução minha). 49


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43 Figura 42: Cena do filme Boyhood (2014) Fonte: http://moargeek.com/ wp-content/uploads/2014/09/boyhoodstill2.jpg Figura 43: Cena do filme O Lobo de Wall Street (2013) Fonte: https:// identidadecinefila.files.wordpress. com/2014/08/vlcsnap-2014-08-1810h47m02s251.png

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Percebe-se então a necessidade de um balanço entre as duas tecnologias, dependendo da ideia do diretor e do diretor de fotografia, e qual a imagem que estes querem obter em seu projeto. Os avanços na área do digital são contínuos, e ainda que não se possa ter certeza do futuro da película, parece-me que as qualidades do negativo serão emuladas no digital. Esta emulação acontecerá, certamente, através da pós-produção e edição, fatores que fazem parte do cinema digital e são considerados partes essenciais para a obtenção de todo o potencial que as novas tecnologias trazem para a criação dos filmes.


Figura 44: Cena do filme E Aí, Meu Irmão, Cadê Você? (2000) - Fonte: ht tps://t wscritic.files.wordpress. com/2012/08/o-brother-where-artthou1.jpg

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45 Figura 45: Cena do filme Essence Man Teste do LUT Vision Color - Direção: Olan Collardy Fonte: Vimeo

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PÓS-PRODUÇÃO DIGITAL

Figura 46: Cena do filme Mary Poppins (1964) - Um dos primeiros a utilizar a técnica de Vlahos. Fonte: http:// pipocamoderna.virgula.uol.com.br/ wp-content/uploads/2013/02/marypoppins.jpg [32] HESS, John. Hollywood’s History of Faking It: The Evolution of Greenscreen Compositing. Disponível em: http://filmmakeriq.com/lessons/ hollywoods-history-of-faking-it-the evolution-of-greenscreen-compositing/ Acesso em: 07 Mai. 2015

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Como abordado anteriormente, o uso de efeitos visuais no cinema remonta sua criação, com os filmes de Georges Méliès. O uso de máscaras, rotoscopia, optical printing e matte painting são técnicas que foram apenas sendo aperfeiçoadas ao longo da história do cinema. O compositing, ato de mesclar diferentes negativos criando uma montagem, já foi discutido anteriormente, mas cabe um maior detalhamento nesta parte do trabalho. O método de utilizar o greenscreen ou o bluescreen foi aperfeiçoado pelo engenheiro e inventor Petro Vlahos, nos anos 1950, usando um sistema complexo no qual eram criados positivos e negativos para cada uma das cores primárias, usando o sistema Technicolor. Algumas vezes eram utilizados mais de 12 negativos para conseguir alcançar um perfeito recorte dos atores contra o fundo. Este sistema garantiu diversos prêmios para Vlahos, e, basicamente, todos os outros sistemas de compositing foram criados a partir de sua ideia.32 A técnica atual de greenscreen começa pela escolha da cor verde para o fundo da ação. Esta escolha acontece porque os sensores digitais possuem mais sensibilidade ao verde graças ao Bayer Pattern. Além disso, a cor verde é menos comum nos itens de vestuário e também funciona melhor por não criar interferência com o céu durante captações externas, como acontece com a cor azul. Com isso, é possível captar os atores em um estúdio com o plano de fundo verde, e aplicar os efeitos especiais digitalmente.

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Na figura, temos uma cena do filme Os Vingadores (2012), no qual o personagem Thor contracena com o Capitão América, o Homem de Ferro e o Hulk. Analisando a figura, percebemos que todo o fundo da ação é formado pelo fundo verde, que permite o posterior recorte, e percebemos também que o ator Mark Ruffalo, que interpreta o personagem Hulk, utiliza uma roupa especial que permite que um software analise seus movimentos em cena e aplique-os no Hulk, feito completamente em computação gráfica.

Figura 47: Bastidores do filme Os Vingadores (2012). Fonte: CG Meetup Figura 48: Modelagem 3D do personagem Hulk. Fonte: Wired [33] SEYMOUR, M. Design FX: How ILM Completely Overhauled the Hulk for Age of Ultron. Wired. Disponível em: http://www.wired.com/2015/05/design-fx-hulk/ Acesso em: 07 Mai 2015.

Esta tecnologia, chamada de motion capture (captura de movimento), permite que seja criada uma “versão digital” do ator e, deste modo, suas expressões corporais e faciais são transmitidas para o personagem virtual, como na figura abaixo, retirada de um pequeno vídeo demonstrando a criação do personagem pelo estúdio ILM33.

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Figura 49: Imagem do filme As crônicas de Narnia: O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa (2005). Fonte: Framestore [34] HISTORY OF COMPUTER ANIMATION. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2015. Disponível em: https:// en.wikipedia.org/wiki/History_of_ computer_animation Acesso em 08 Mai 2015. [35] THOMPSON, A. The 10 visual effects wizards who rule Hollywood. Wired. Disponível em: http://archive. wired.com/wired/archive/13.02/fxgods.html Acesso em: 08 Mai 2015

Nesta demonstração é apresentada a criação do personagem, seu sistema muscular e sua “pele”, buscando o conceito de um grande monstro que tem, ao mesmo tempo, características humanas. A criação destes modelos 3D com fotorrealismo certamente é uma constante nos filmes modernos, e impressiona o espectador com o número de detalhes possíveis em um único modelo 3D, seja o do personagem Hulk, um personagem não-humano; seja o do leão Aslan, um animal, do filme Crônicas de Nárnia: O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa (2005), um dos personagens principais deste filme, totalmente criado por meio de computação gráfica, utilizando como modelo um leão real. Estas imagens, chamadas de CGI, imagens geradas por computador, não são algo somente relacionado a criação da captura digital ou do DI, mas, seu uso está completamente relacionado a estética que os filmes atuais apresentam. A introdução das CGIs no cinema aconteceu nos anos 80, com as primeiras iniciativas nos filmes Tron (1982) e Jornada nas Estrelas IV - A Volta para Casa (1986), com a utilização de algumas cenas totalmente criadas em computador.34 Já na década de 1990, seu uso começou a ser mais abrangente, como no filme O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final (1991) e no primeiro filme de animação computadorizada, Toy Story (1995). Ainda que em nível de refinamento menor do que os efeitos aplicados hoje, ambos os filmes tiveram enorme aceitação. O sucesso do uso de efeitos especiais computadorizados foi enorme, e nos anos 2000 seu uso começou a fazer parte da maioria dos filmes produzidos em Hollywood.35

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Figura 50: Cena do filme Tron (1982)

Figura 51: Cena do filme Exterminador do Futuro 2 (1991)

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51 Figura 52: Cena do filme Toy Story (1995)

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MOTION CAPTURE Esta técnica consiste em mapear o movimento de um objeto ou pessoa e então aplicar este movimento a algum objeto criado em computador, visando animá-lo de acordo com o movimento original. Este tipo de captura tem seu paralelo na rotoscopia, muito utilizada nas primeiras animações nas quais, primeiro, era filmada a ação de um objeto e, posteriormente, era feito um contorno, quadro a quadro, para produção da animação. No motion capture, a captura é feita por meio de roupas especiais dotadas de pontos, que estão correlacionados a estrutura do modelo 3D criado no computador. Este modelo, chamado de polygon mesh, é uma estrutura criada por diversos pontos, modelada utilizando um software especializado. Estes pontos representam os vértices da figura e, durante a modelagem do objeto, o artista visual pode suavizar a superfície da figura utilizando as ferramentas do software para gerar maior realismo na imagem. Tendo como base esta estrutura, ele pode então introduzir outras camadas como ossos, 56

músculos, pele e pêlos, e todos estes podem passar por algum processo de captura de movimento baseado em um modelo real. O processo subsequente, chamado rigging, consiste em selecionar e criar os pontos de interação da figura, como se fossem as articulações de um animal, para que elas possam sofrer uma animação, de acordo com os dados capturados por meio do motion capture ou por meio de animação manual via software. As técnicas mais avançadas de captura, como o face tracking (captura facial), incluem câmeras colocadas em capacetes, além da marcação de diversos pontos no rosto de um ator, para que todos os detalhes de movimento sejam capturados, permitindo inclusive a interpretação do personagem digital pelo ator. Outras técnicas de captura facial incluem a fotografia dos rostos em movimento e parados, utilizando diversas iluminações e posições, gerando complexos conjuntos de imagens de referência que permitem o refinamento do modelo 3D. Um bom exemplo desta técnica é um recente artigo divulgado pela Disney Research, sobre a captura em alta qualidade de olhos humanos para uso em personagens de computação gráfica.36


Figura 53: Ator utilizando o equipamento de facial tracking à direita, e a cena final à esquerda, do filme As Tartarugas Ninja (2014) – Fonte: Wired. Figura 54: Processo de modelagem e iluminação dos olhos realistas do projeto da Disney Research. Fonte: Disney Research

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[36] BERARD, P. et al. High-Quality Capture of Eyes. In: Disney Research, 2014. Disponível em: http://www. disneyresearch.com/publication/highquality-capture-of-eyes/ Acesso em 10 Mai 2015

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Figura 55: Exemplo de polygon mesh. Fonte: Wikipédia

Considerando o grande número de detalhes do olho humano, incluindo esclera, íris e córnea, com suas características como cor, texturas, e principalmente a reação do olho à luz, o projeto buscou capturar estes detalhes, utilizando câmeras fotográficas dotadas de lentes macro e usando um flash e LEDs como fonte de iluminação. A captura foi feita usando 9 pessoas diferentes, para detectar diferentes tipos de olhos e o resultado final do projeto é muito próximo do fotorrealismo, incluindo a possibilidade da animação da pupila por meio do projeto de iluminação adicionado pelo software de CGI. 57


MATCH MOVING O uso de personagens e ambientes criados em computador geraram a necessidade de mapear os movimentos da câmera para posterior sincronização entre os movimentos criados no cenário com os mesmos movimentos realizados na ação real. O processo é similar ao que acontece no motion capture, na qual os pontos captados do ator real são correlacionados aos pontos do modelo virtual. A técnica é, também, análoga ao travelling matte, que era utilizada antes das tecnologias digitais, e consistia na criação de um negativo somente com uma máscara preto e branco que, posteriormente, com o uso do optical printer, iria servir de base para o recorte da cena de efeitos especiais e da cena gravada com os atores. Este processo era longo, e necessitava da gravação quadro-a-quadro do objeto a ser introduzido na cena e do plano de fundo a ser utilizado. Dependendo da produção, como no filme Star Wars (1977), eram utilizadas maquetes da superfície das naves onde acontecia a ação, e estas eram filmadas com lentes especiais que simulavam um ambiente em escala real. Logo depois, as naves espaciais eram também filmadas contra o bluescreen seguindo o mesmo movimento. Tudo era então unido a uma única película, simulando um movimento de câmera único.

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Na imagem acima, de um helicóptero em miniatura, foi utilizada uma câmera especial, controlada por computador e sincronizada com outro mecanismo preso ao helicóptero. Este movimento sincronizado permitia ao estúdio a gravação do mesmo movimento diversas vezes, cada vez adicionando um elemento na cena, como fumaça, luz, etc. Ao realizar a fusão por meio do optical printer, a “mágica” acontecia, como é colocado no documentário da BBC, How to Film the Impossible. As tecnologias atuais, mais sofisticadas, conseguem realizar este mapeamento de movimento somente analisando o movimento de uma cena. O software então interpreta a imagem e cria uma série de keyframes (quadros-chave) que são utilizados para criação desta câmera virtual. Esta técnica foi introduzida com o intuito de identificar o movimento da câmera durante a ação real com os atores e, no momento da junção com o ambiente 3D, aplicar o mesmo movimento a este ambiente. Logo a fusão das imagens pode ficar muito mais refinada e realista. O uso de câmeras controladas por computador ainda existe e agora são utilizados braços robóticos de alta precisão para controlar os movimentos destas câmeras.


Figura 56: Mapeamento de uma cena live action. Fonte: Maxime Cazaly Figura 57: Imagem do documentário How To Film the Impossible (1985). Fonte: BBC Figura 58: Câmera controlada por braços robóticos. Fonte: Bot and Dolly

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Figura 59: Esboço de uma cena do filme Gravidade (2013) - Programação dos movimentos da câmera robô. Fonte: FX Guide.

59 Figura 60: Parte da cena que foi captada com o ator. Fonte: FX Guide.

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Estudo do filme: Gravidade (2013) Como exemplo de um uso extenso desta ferramenta, irei utilizar o filme Gravidade (2013), dirigido por Alfonso Cuarón, direção de fotografia de Emannuel Lubeski e supervisão de efeitos especiais de Tim Webber. O filme, vencedor de 7 Oscars, incluindo melhor fotografia e melhores efeitos especiais, retrata a história de dois astronautas vivendo no espaço após a destruição de sua estação espacial. Foi necessária então a criação de um ambiente que simulasse a gravidade zero do espaço e, além disso, a criação de um cenário virtual que simulasse o fato dos personagens estarem no espaço. Em matéria ao site FxGuide, a equipe conta um pouco de como foi realizar o filme e um dos trechos chama atenção, quando o supervisor Tim Webber fala de seu envolvimento com o diretor de fotografia. 60


Figura 61: Composição feita entre a cena captada e as imagens CGI. Fonte: FX Guide.

61 Figura 62: Cena final do filme Gravidade (2013). Fonte: FX Guide

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Se tornou uma linha tênue entre a cinematografia e os efeitos visuais. Existe um grande intercâmbio entre as áreas e não uma linha definida. Ele (Lubezki) se tornou muito mais envolvido com os efeitos especiais do que qualquer outro diretor de fotografia. E eu me envolvi muito mais com a cinematografia do que qualquer outro supervisor de efeitos especiais. Porque neste filme não existe uma diferença clara entre estes dois.37 (WEBBER, 2013, tradução minha)

[37] WEBBER, T. depoimento. 2013. Entrevistado por: Mike Seymour. Entrevista concedida ao site FX Guide. Disponível em: http://www.fxguide. com/featured/gravity/ Acesso em: 12 Mai 2015

Percebe-se então a união entre as áreas, para que a captura e iluminação estivessem completamente em sincronia com os ambientes criados por computação gráfica, sendo que esta sincronia só seria possível com um esforço mútuo em criar soluções para a especificidade do filme. 61


Figura 63: Bastidores do filme Gravidade. Fonte: Fx Guide [38] Idem. Ibidem.

Para simular a gravidade zero foi criada uma espécie de gaiola, acoplada a um braço robótico, que permitia a gravação da ação dos atores em sincronia com o movimento das câmeras. Algumas tomadas do filme são tomadas sem cortes que duram praticamente 17 minutos da narrativa, feitas com os atores dentro do mesmo ambiente real, a gaiola, mas com o ambiente virtual ao redor deles sendo modificado constantemente. A gaiola possuía diversos painéis de LED ao seu redor, nos quais eram exibidas as imagens dos ambientes onde os atores estariam após a finalização do filme. Estes painéis então conseguiam projetar nos atores as situações de luz e sombra existentes nestes ambientes virtuais, e também serviam de referência para o ator poder interpretar suas ações de melhor forma, uma vez que este sistema proporcionava uma experiência de imersão para o ator. O sistema de câmera controlada por computador, chamado IRIS, então conseguia capturar o ator em movimento como se ele estivesse no espaço, simulando a gravidade zero, enquanto na verdade o ator estava praticamente parado dentro da gaiola. O controle do movimento da câmera possuía precisão milimétrica, o que permitiu um controle da cena extremamente preciso. Algumas cenas dos atores foram feitas ainda com versões digitais dos mesmos, através de captura facial e de movimento dos atores George Clooney e Sandra Bullock. Porém, segundo Webber, as cenas em que foram usados estes recursos são poucas ao longo do filme, pois, para ele, era muito mais prático criar as cenas ao vivo com os atores. Ele diz que: “Criar um rosto feito por um computador que seja 100% realista e que as pessoas acreditem totalmente que seja real, sem causar nenhum estranhamento, ainda não é algo fácil de conseguir. E usar esta técnica em um filme inteiro é algo realmente desafiador.38”(WEBBER, 2013, Tradução minha).

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O EFEITO DO UNCANNY VALLEY Esta dificuldade em conseguir criar um modelo humano que seja totalmente realista e que não cause estranhamento foi estudada por um engenheiro robótico japonês, chamado Masahiro Mori, que cunhou um termo chamado uncanny valley39 , ou vale da estranheza. Em sua teoria, que estudava o futuro dos robôs e quando eles seriam próximos aos humanos, Masahiro percebeu que existia uma distância entre o que uma pessoa considera ser um humano real, e o que ela em um primeiro momento acha ser um humano, mas logo depois percebe algo estranho, causando certa repulsa. Baseada nesta atitude, Masahiro propôs a curva abaixo:

Figura 64: Gráfico proposto por Masahiro Mori, sobre o Uncanny Valley. Fonte: Wikipédia. [39] UNCANNY VALLEY. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2015. Disponível em: http://en.wikipedia.org/wiki/Uncanny_valley Acesso em: 12 Mai 2015 [40] MACDORMAN, K. depoimento. 2011. Entrevistador: Natalie Wolchover. 28 Entrevista concedida ao site LiveScience. Disponível em: http://www.livescience. com/16600-cgi-humans-creepy-scientists.html Acesso em 12 Mai 2015

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A curva mostra que conforme um robô vai se tornando mais próximo de um humano, o nível de estranhamento diminui. Porém, a similaridade chega em um ponto em que o robô é tão próximo de um humano que o estranhamento aumenta de forma exagerada, sendo comparado ao estranhamento de um cadáver ou de um zumbi. Karl MacDorman, um pesquisador da área de robótica na universidade de Indiana, estudando a reação gerada pela existência deste “vale”, supõe que o estranhamento é causado por um sentimento de mistério, uma vez que um personagem humano que é extremamente realista em um aspecto, não é em outros, como, por exemplo, um personagem com uma pele extremamente parecida com a real, mas com olhos que parecem de um personagem de histórias em quadrinhos.40(MACDORMAN, 2011) O autor ainda propõe desta forma que os modelos atuais de personagens simulando humanos ainda não conseguem replicar de forma perfeitamente realista as características de um indivíduo. 63


AS TÉCNICAS FOTORREALISTAS [41] HIPER-REALISMO. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2014. Disponível em: http://pt.wikipedia. org/w/index.php?title=Hiperrealismo&oldid=40916757. Acesso em: 12 Mai. 2015. [42] THE THIRD AND THE SEVENTH. Alex Roman, 2010. Disponível em:ht tps://vimeo.com/7809605 Acesso em: 12 Mai 2015

Figura 65: Imagem retirada do filme The Third and the Seventh, mostrando os modelos de iluminação criados por Roman. Fonte: The Third and the Seventh

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Por meio deste questionamento em relação a imagens digitais que procuram ser realistas, temos o termo fotorrealismo, cunhado para referenciar pinturas que pareciam fotografias, estética utilizada nos anos 50 e evoluída ao gênero chamado hiper-realismo41. Irei utilizar estes termos para tratar dos avanços desta área dentro da computação gráfica. Sem apresentar grandes detalhamentos técnicos, irei utilizar como exemplo um curta metragem feito pelo artista Alex Roman, chamado The Third and the Seventh42. Publicado em 2009 no site de compartilhamento Vimeo, o curta já conta com mais de 5.300.000 visualizações somente na página do vídeo. O filme consiste em uma série de animações nas quais o ambiente é o protagonista da ação. Roman utilizou como base wireframes, modelos tridimensionais, de alguns projetos arquitetônicos como base. Logo depois, ele trabalhou as texturas das paredes, pisos e objetos para recriar estes com fidelidade ao real e, principalmente, trabalhou a forma como a luz entrava por estes prédios e reagia com os diversos materiais presentes na cena, como vidros, madeiras, carpetes, entre outros.


Figura 66 e 67: Imagens retiradas do filme The Third and the Seventh, mostrando os modelos de iluminação criados por Roman. Fonte: The Third and the Seventh

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Pequenos filmes de animação 3D já eram utilizados em trabalhos de arquitetura, porém como uma forma do arquiteto visualizar o projeto antes de sua execução. Roman trabalha estes ambientes de uma forma mais cinematográfica, animando a luz dos ambientes, simulando períodos de tempo, e trabalhando com uma “câmera virtual” que de maneira suave, desliza entre os cenários representados no filme. O filme conta de uma maneira misteriosa, a história de um fotógrafo que transita por meio destes ambientes, mostrando-os ao espectador por meio de suas fotos. Em algumas cenas, a figura do fotógrafo e sua câmera aparecem no cenário. O interessante deste trabalho é o nível de detalhe que o artista digital alcançou ao mostrar enormes construções, ou mesmo no acabamento da luz nas cenas, nas quais existe um perfeito posicionamento das luzes, dentro do espaço. Se percebe um grande conhecimento, por parte do artista, em como recriar um projeto de iluminação belo, dentro do ambiente digital. 65


Figura 68: Imagem de bastidores do filme The Third and the Seventh, mostrando o passo-a-passo do Ray Tracing. Fonte: The Third and the Seventh

Na avaliação do filme feita pelo site Filmnosis, os críticos do site avaliam que:

[43] THE THIRD & THE SEVENTH. Filmnosis. Disponível em: http://filmnosis.com/shortfilms/the-third-the-seventh/3/ Acesso em: 15 Mai 2015

Por meio da beleza das imagens e apelo aos sentidos, o filme leva o espectador a imergir em um mundo de sonhos. Não é surpresa que este filme foi aplaudido por uma audiência mundial. É uma experiência sem paralelos que simplesmente não pode ser traduzida em palavras.43(Tradução minha) O curta, que é um trabalho autoral do artista, foi elaborado em sua totalidade por ele desde a trilha sonora à edição final. O que importa desta relação para o presente trabalho é o fato de que este nível de detalhamento hiper-realista já é alcançável por cineastas independentes, em computadores domésticos sem nenhum tipo de sofisticação. Os trabalhos anteriormente dispostos são de grandes produções de Hollywood, mas se percebe que mesmo pequenas produções já conseguem efeitos visuais incríveis com praticamente nenhum custo, ainda que o trabalho de CGI feito por Alex Roman possa ser considerado uma obra prima, e logo depende totalmente das habilidades do artista. Para alcançar este nível de detalhe, as imagens criadas pelo artista passam por um processo chamado ray tracing (desenho de raios). O ray tracing é um tipo de processamento computadorizado que calcula as reações da luz, texturas e sombras no ambiente, utilizando diversos tipos de algoritmos. Quanto mais complexo este algoritmo, mais fotorrealista a imagem consegue ser.

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Algumas técnicas, como o global illumination, photon mapping44, ou mesmo o HDR, que será apresentado posteriormente no trabalho, são utilizados para um nível extremo de realismo em relação como a luz atinge os materiais. O photon mapping e o global illumination, são tipos de algoritmos capazes de calcular como a luz atinge os materiais, gerando refrações, difrações, sombras e rebatimentos.

[44] PHOTON MAPPING. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2014. Disponível em: http://en.wikipedia.org/wiki/Photon_mapping Acesso em: 15 Mai 2015

O grande diferencial do espaço tridimensional em comparação com o ambiente real é que o posicionamento das luzes e sua intensidade não sofrem as limitações físicas que as lâmpadas atuais e os suportes de luz possuem. O software 3d permite o posicionamento de uma luz à quilômetros de distância, e a mesma pode ter uma superfície também de milhares de metros quadrados, criando uma luz com características impossíveis de serem recriadas no mundo real. Em suma, observa-se que, com a criação da computação gráfica, o cinema pode se apoderar de uma grande gama de ferramentas, que permitem não só a gravação de cenas complexas como o de criar cenas impossíveis sem o uso destas técnicas. Desde a criação de rostos virtuais, passando por cenários surreais, chega-se a uma equação na qual entra até o fator psicológico para se reconhecer se uma cena é criada digitalmente ou foi gravada ao vivo com atores e locações reais. O fotorrealismo alcançado com as técnicas de modelagem e iluminação são realmente convincentes, ainda que muitas vezes saibamos que determinada cena é impossível de ser gravada na realidade. Então ficamos com uma dúvida se de fato aquilo aconteceu ou se foi simulado em ambiente virtual. Um fato importante a ser observado é o que praticamente todo o movimento, seja dos atores ou das câmeras é baseado no real. Percebe-se, como no exemplo do personagem Hulk, a preocupação em transmitir para o personagem virtual toda a expressividade do ator real. Logo, se tem esta perspectiva ao se avaliar o rumo da tecnologia dentro da computação gráfica utilizada no cinema, uma vez que o mundo virtual é uma simulação do mundo real, porém com características próprias, que são definidas pela capacidade da tecnologia em criar tal efeito, e também da criatividade do artista digital ao produzir determinada cena.

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DISTRIBUIÇÃO DIGITAL

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Figura 69: Nokia N90. Fonte: Nokia [45] HILL, S. From J-Phone to Lumia 1020: A complete history of the camera phone. Digital Trends. Disponível em: http://www.digitaltrends.com/ mobile/camera-phone-history/ Acesso em: 20 Mai 2015

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Ainda que este não seja o foco principal do trabalho, é válido apresentar um breve panorama sobre a forma com que as plataformas digitais modificaram a maneira em que um filme é lançado, e as implicações financeiras de produção que este novo modelo traz. O uso da internet para compartilhamento de vídeos surgiu de forma mais agressiva com a criação do YouTube, em 2005. Nesta época, as filmagens caseiras eram restritas a quem possuía uma filmadora, e os celulares com habilidade de gravar vídeos haviam acabado de ser lançados, como no exemplo do Nokia N90, que tinha um formato próprio que permitia ao usuário segurá-lo da mesma forma que uma filmadora pequena. Este aparelho permitia a gravação de vídeos em resolução baixíssima, de 352x288 e somente 15fps. Gravação em resolução VGA (640x480 pixels) e 30fps só foram surgir em 2007, com o Nokia N95.45


Figura 70: Homepage do site YouTube, no ano de sua criação. Fonte: YouTube.

Figura 71: Homepage do site Vimeo. Fonte: Captura de tela da página inicial do site Vimeo.

O YouTube, então, foi criado não somente para compartilhamento de vídeos criados pelos usuários, mas para ser alimentado com conteúdo já pronto, como materiais em VHS, programas de TV, trechos de filmes, etc. Em uma reportagem da revista Time, em 2006, o jornalista procura explicar a razão para o fenômeno do YouTube: O YouTube se tornou um fenômeno em 2006 por várias razões, mas uma em particular: ele era a combinação entre algo simples e inovador. Você pode assistir vídeos no site sem baixar nenhum programa ou mesmo se registrar. O YouTube está para assistir vídeos como o WalMart está para fazer compras: tudo está disponível e tudo o que você tem que fazer é entrar pela porta.46(CLOUD, 2006, tradução minha.)

O grande acervo de vídeos do site e a facilidade que o usuário tem para assisti-los certamente foi a chave para o sucesso do YouTube, site que atualmente está no terceiro lugar entre os mais acessados do mundo. Outros sites surgiram desde esta época, alguns até antes do surgimento do YouTube, como é o caso do Vimeo. Criado em 2004, e inicialmente planejado como um site de compartilhamento de vídeos caseiros, assim como o YouTube, ele logo se tornou um local onde pequenos produtores de filmes compartilham suas criações. O site chama seus usuários de Vimeans47, algo como uma comunidade entre os videógrafos, unidos para criar conteúdo relevante ao site.

[46] CLOUD, J. The YouTube Gurus. Revista Time. Disponível em: http:// content.time.com/time/magazine/article/0,9171,1570795-2,00.html Acesso em: 20 Mai 2015. [47] VIMEO Bounce Lighting. Disponível em: http://vimeo.tumblr.com/ post/11864894134/hey-vimeans-itstime-to-bounce-and-no-i-dont. Acesso em: 20 Mai 2015.

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Figura 72: Homepage de Vimeo On Demand. Fonte: Captura de tela.

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Percebe-se que a preocupação com o conteúdo do site é grande, e o Vimeo encoraja seus usuários a criar materiais cada vez melhores. Algumas destas iniciativas incluem a criação de um prêmio anual de melhor filme, uma categoria do site chamada Staff Pick´s (Escolhidos da Equipe), onde os melhores uploads são mostrados na homepage do site e a criação da Vimeo Video School, um setor do site com vários vídeos tutoriais que ensinam desde o básico até técnicas avançadas sobre produção de vídeo e cinema. Como uma diferença básica entre as duas ferramentas, YouTube e Vimeo, certamente a primeira é focada em um conteúdo muito mais variado, captados dos mais diversos métodos, enquanto que a segunda é focada mais na qualidade do material, visando atrair produtores independentes a compartilharem seus vídeos e experiências. Com o fato da internet se destacar como um meio que se encaixa perfeitamente nas necessidades dos produtores independentes, chega-se a uma conclusão que atualmente é possível lançar um filme gratuitamente utilizando ferramentas como as citadas acima ou diversas outras existentes na web. Não se tem mais a barreira da distribuição, que antes era limitada às grandes produtoras. Pequenos produtores, usando muitas vezes celulares, podem gravar vídeos, editá-los e distribuí-los pela internet com custo infinitamente menor do que o conhecido no cinema tradicional. 70


Porém, apesar da grande visibilidade que a internet pode trazer para o pequeno produtor, é difícil mensurar algum retorno financeiro utilizando a internet. A plataforma Vimeo On Demand, por exemplo, permite que usuários coloquem seus filmes e séries para aluguel ou venda digital e, segundo o site, fiquem com no mínimo 90% de todo o valor arrecadado com as transações. Porém, assim como acontece em outras ferramentas, para obter sucesso o autor do filme terá que recorrer a outros sites, como Facebook, Twitter, etc, para chamar atenção para seu filme e assim conseguir obter sucesso nas vendas.

[48] CHARLIE BIT MY FINGER. 2007. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?feature=player_ embedded&v=_OBlgSz8sSM Acesso em: 20 Mai. 2015 [49] DICKEY, R. The 22 Key Turning Points In The History Of YouTube. Business Insider. Disponível em: http://www.businessinsider.com/ key-turning-points-history-of-youtube2013-2?op=1 Acesso em: 20 Mai 2015

Já o YouTube, devido sua abordagem mais abrangente, principalmente em relação ao conteúdo hospedado no site, possui um sistema de remuneração baseado em acessos ao vídeo. Desta forma, independente da qualidade técnica do filme em si, se ele for uma criação original do usuário, ele irá receber uma quantia em dinheiro relacionada à quantas pessoas já assistiram ao vídeo até aquele momento. O sistema, chamado de monetização, consiste na permissão, pelo dono do conteúdo, para o YouTube inserir publicidade de seu sistema de anúncios antes e durante o vídeo. Assim, se o vídeo tiver sucesso e for visto por um grande número de pessoas, o site repassa um valor monetário ao dono daquele material. Alguns vídeos simples e caseiros, como o famoso Charlie Bit My Finger – Again! (Charlie mordeu o meu dedo – de novo!), vídeo no qual dois irmãos estão juntos brincando até que o mais novo morde o dedo do mais velho, hoje possui mais de 830 milhões de acessos, e já havia faturado mais de 150 mil dólares em 2012.48 73

Figura 73: Captura de tela do vídeo Charlie bit my finger – again! Fonte: YouTube

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O interessante no YouTube é que ele é um meio onde existem conteúdos extremamente diversos, e uma de suas características são os agrupamentos destes tipos de materiais nos chamados canais de conteúdo. Estes canais podem ser criados tanto por marcas anunciantes como por usuários comuns, e servem para agrupar os vídeos produzidos por um mesmo criador de conteúdo. Os temas são diversos: tutoriais, testes de produtos, vlogs, humor, receitas, clipes musicais, entre outros. Alguns destes formatos se baseiam em modelos já existentes na televisão tradicional, o que é interessante uma vez que existem, por exemplo, canais de receitas, canais de artesanato, canais de esquetes humorísticas, todos estes já existentes na TV, mas com uma nova abordagem dentro do universo da internet. A variedade72 de conteúdo, em diversos idiomas, acessíveis em praticamente qualquer lugar do mundo, jamais poderia estar disponível em nenhum outro veículo tradicional. Estima-se que 300 horas de vídeo são enviadas ao site todo minuto50, uma quantidade de conteúdo desse porte, sempre disponível para acesso, é algo incrível. Os canais são de grande importância para o modelo de negócio do YouTube, pois são formas de atrair diversos tipos de públicos para o site, de acordo com o assunto abordado. Para incentivar os produtores, foi criado um portal chamado Creator´s Academy 74

[50] YOUTUBE. Estatísticas do Site. Disponível em: https://www.youtube. com/yt/press/statistics.html Acesso em 20 Jun 2015 Figura 74: Captura de tela da página do canal da marca GoPro. Fonte: https://www.youtube.com/user/GoProCamera

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(Academia de Criação), contendo diversas dicas de como montar um canal com conteúdo atraente, como atrair uma audiência de qualidade e até como ganhar dinheiro com isso51. O modelo de retorno financeiro para os pequenos produtores funciona bem com o YouTube, pelo seu modelo mais voltado para o entretenimento (música, jogos, etc) do que para o cinema de ficção, que acaba ficando com os modelos de on demand (sob demanda) como o apresentado pelo Vimeo.

[51] YOUTUBE. Creator´s Academy. Disponível em: https://creatoracademy.withgoogle.com/page/course/ earn-money?hl=pt-BR Acesso em: 20 Mai 2015 [52] NETFLIX. Página de material para Imprensa. Disponível em: http:// pr.netflix.com/WebClient/loginPageSalesNetWorksAction.do?contentGro upId=10477&contentGroup=Company +Timeline Acesso em: 20 Mai 2015

Expandindo a avaliação das plataformas de distribuição digital, vale citar a plataforma Netflix. O Netflix surgiu em 1997 como um serviço de locação online de DVD´s, com aluguéis ilimitados por um valor fixo mensal. Em 2007, foi lançado o serviço de streaming, transmissão por meio da internet, de todo o conteúdo da plataforma.52 O grande diferencial do serviço é a possibilidade dada ao usuário, de assistir a todo o acervo de filmes e séries por uma mensalidade fixa, ou seja, não é necessário pagar por cada filme ou mesmo pagar por um aluguel temporário. Todo o acervo está disponível enquanto o serviço for contratado. No livro On Demand Culture (Cultura sob demanda), escrito por Chuck Tryon, em sua introdução, o professor de estudos midiáticos descreve uma situação engraçada de sua vida, onde cada pessoa de sua família está assistindo a um programa diferente, utilizando um dispositivo diferente, entre eles computadores, celulares, tablets e outros players, todos conectados na internet. 75

Figura 75: Homepage do serviço Netflix. Fonte: Captura de tela do serviço Netflix

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[53] TRYON, C. On-Demand Culture: Digital Delivery and the Future of Movies. New Brunswick: Rutgers University Press, 2013 p.6

Ele encerra sua descrição dizendo: Em todos estes casos, o barato e imediato acesso a conteúdo de entretenimento parece prometer ilimitadas escolhas, ilustrando que o desafio da cultura sob demanda não está limitado a um meio. Além disso, podemos escolher ao menos quatro tipos de telas diferentes - laptops, iPads, televisões ou celulares - e dentro de diversas plataformas, dependendo qual é a mais conveniente e mais barata. Como este exemplo engraçado ilustra, o consumo de mídia tornou-se profundamente individualizado, com usuários capazes de acessar seus filmes e seriados em praticamente qualquer local com acesso à internet.53 (TRYON, 2013, tradução minha) Baseando-se no comentário do autor, o usuário situado dentro da cultura sob demanda necessita de conteúdo individualizado, e não somente um filme produzido para atingir a massa. Ainda que diversos outros fatores façam parte do processo de decisão de uma pessoa ir assistir a um filme no cinema ou no Netflix, a um vídeo no YouTube ou no Vimeo, é fato que a forma de consumir filmes também mudou graças ao digital, mudanças que vão além da estética e do formato. O cinema introduz novas técnicas, como a alta tecnologia presente nos efeitos especiais, que chamam atenção não somente pelo perfeito acabamento, como pelo modo em que estes são produzidos. Entram em cena os making-ofs, vídeos mostrando os bastidores das gravações, algo praticamente inexistente no cinema tradicional, com algumas exceções de documentários para TV. Os trailers são agora vistos na internet, lugar onde os fãs de determinado filme podem compartilhar com seus amigos, e estes podem elogiar ou criticar o filme ainda antes de ser lançado. Os filmes, lançados em várias versões como 2D, 3D ou IMAX, utilizam deste artifício assim como nos anos onde a televisão foi criada, e o filme perdeu parte de sua exclusividade como forma de entretenimento. A grande tela do cinema IMAX contrasta com o filme visto na pequena tela do smartphone, por meio da plataforma Netflix. Um novo tipo de produção emerge nas novas tecnologias de captação, edição e distribuição, buscando se adaptar aos novos públicos e as novas formas de produção. Percebe-se que é um cinema não tão conectado ao cinema tradicional e sim a algo híbrido, que mescla televisão e artes digitais com a lembrança da película.

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AS TÉCNICAS E AS ESTÉTICAS DO DIGITAL

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Certamente, quando se fala de cinema, fala-se de um suporte audiovisual, que permite difundir de uma única vez, som e imagem. Porém, ao mesmo tempo, quando se fala de cinema também se fala do lugar onde este é transmitido, as salas de cinema. Entretanto, quando se trata do cinema digital e das novas possibilidades que este desenvolveu, percebe-se que não se está falando do mesmo cinema de sua criação e sim de um novo tipo de material audiovisual, que não tem uma definição restrita, e sim é algo híbrido, que mescla gráficos, imagens tridimensionais, imagens feitas com celulares e diversos outros elementos que fogem da estrita captura do que está à frente da objetiva, que se tem como a base do cinema tradicional. Ainda que, desde a criação do cinema, sempre foram utilizados artifícios e efeitos especiais para criar um mundo de fantasia, inexistente na realidade, na maioria das vezes o cinema captava o real. Os atores em cena, as paisagens, todas elas existiam de verdade e eram apenas captadas pela câmera. Mas, a tecnologia evoluiu e já não é preciso estar em um lugar para conseguir captar imagens dele, o lugar que o cineasta quer situar seu filme pode existir ou não, pode ser desta época ou de outra, o que importa é apenas sua criatividade e sua capacidade de execução.

Figura 76: Exemplo da técnica HDR. Foto de Pandu Adnyana.

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A história acontecerá em um reino medieval, misturado com um mundo de fantasia onde existem dragões, gigantes, seres com poderes especiais? Sem problemas, pois é só criar todos esses elementos utilizando computação gráfica, e com perfeição dita fotorrealista. Um espectador normal já não consegue distinguir em um filme o que é falso e o que é real.


Atrelado a isto, com a criação de um imenso espaço de exibição, a internet, diversos produtores independentes começam a produzir seus filmes, culminando em uma mistura dos gêneros existentes no cinema e na televisão, e gerando novos, se apoderando das novas ferramentas de captação e edição de imagens. A publicidade também aproveita alguns destes tipos de vídeo para interagir no ambiente digital, patrocinando algumas experiências.

Figura 77: Imagem aérea obtida pelo uso de drones. Fonte: DJI

Diversas novas técnicas de captação surgem, algumas somente experimentais, buscando mostrar algo novo ao espectador, que muitas vezes o olho nu não consegue perceber. Outros suportes, por outro lado, permitem captar tudo o que o olho vê. Os celulares dotados de câmeras digitais potentes, capazes de fotografar e filmar, iniciam uma febre por compartilhar tudo o que está à frente do usuário. Os smartphones ainda vão além, permitindo edições diferenciadas, aplicação de efeitos especiais, tudo processado diretamente no celular, sem o uso do computador. A câmera cinematográfica passa a representar outros papéis pois se transforma em algo presente do cotidiano do usuário comum, que não precisa entender dos difíceis termos técnicos para gravar um vídeo de sua família, por exemplo. E os profissionais, podem usar o celular e estas novas “micro câmeras” para captar momentos impossíveis de serem captados com as grandes e pesadas câmeras de cinema. Alguns aspectos deste novo cinema e de sua estética serão demonstrados a seguir, apresentando um panorama das novas tendências que surgiram graças ao suporte digital.

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TIMELAPSE A técnica de timelapse consiste na gravação de um fenômeno de longa duração e posterior reprodução em um tempo menor. Assim, se tem a noção de que o tempo no filme passa mais rápido do que a realidade. O timelapse não era uma técnica tão utilizada no cinema antes do digital, mas já era usada cientificamente para observar experimentos. Seu método consistia na captação de múltiplas fotografias, em regulares espaços de tempo, e posterior reprodução em sequência. Sua popularização certamente aconteceu com o uso das câmeras digitais, que permitem o uso da técnica, sem o alto custo do negativo, uma vez que um timelapse pode ser formado por milhares de fotos. O seu significado como elemento estético dentro da linguagem cinematográfica é o de demonstrar grandes passagens de tempo, sendo usado como transição entre cenas que se passam em momentos diferentes da narrativa, por exemplo. Figura 78: Capturas de tela do vídeo Barcelona Go, de Rob Whitworth. Fonte: Vimeo de Rob Whitworth.

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Na internet, por outro lado, encontramos vídeos compostos somente por sequências de timelapses, mostrando nuvens, cidades e outros pontos de interesse turístico, mas de uma maneira que o ser humano


Figura 79 e 80: Capturas de tela do vídeo Dubai Flow Motion, de Rob Whitworth. Fonte: Vimeo de Rob Whitworth

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não consegue enxergar estando lá. Desta forma, este recurso também é usado como elemento de deslumbramento, ou seja, como uma forma de mostrar algo incomum no cotidiano das pessoas. Graças a esta popularização, diversos aplicativos para celulares surgiram, permitindo que estes conseguissem automaticamente gerar vídeos neste estilo. Assim, qualquer pessoa portando um celular com estes aplicativos conseguiria fazer algo antes reservado a fotógrafos profissionais ou cineastas. Com o avanço dos movimentos de câmera e para se diferenciar dos timelapses tradicionais surgiu o chamado Hyperlapse ou Flow Motion. Esta técnica funciona exatamente como um timelapse, porém a câmera não é fixa durante todo o tempo de gravação e sim tem movimento. Os resultados destes movimentos, aliados a pós-produção geram efeitos muito interessantes. 81


Figura 81: Capturas de tela do vídeo Boston Layer Lapse de Julian Tryba. Fonte: Vimeo de Julian Tryba.

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[54] WHITWORTH, R. depoimento. 2014. Entrevista concedida ao site da Nikon UK Disponível em: https:// nikoneurope -en.custhelp.com/ci/ documents/detail/2/Rob-Whitworth/ Acesso: 21 Mai 2015 [55] HYPERLAPSE. Página do projeto. Disponível em: http://labs.teehanlax. com/project/hyperlapse Acesso em: 21 Mai 2015 [56] TRYBA, J. depoimento. Entrevistado por: Michael Zhang. 2014. Entrevista concedida ao site PetaPixel Disponível em: http://petapixel. com/2014/10/13/worlds-first-layerlapse-combines-different-times-framechicago-time-lapse/ Acesso em: 21 Mai 2015

Um dos fotógrafos de mais destaque utilizando esta técnica, o britânico Rob Whitworth, descreve seu trabalho nem como vídeo nem como fotografia, e sim como algo que a tecnologia permitiu que ele fizesse. A tecnologia para ele abre portas de criação para novos trabalhos e o instiga a criar mais.54 (WHITWORTH, 2014, tradução minha). Alguns de seus últimos trabalhos conseguiram atingir a marca de 2 milhões e meio de visualizações em apenas dois meses. Uma marca considerável para este tipo de vídeo. De tão popular, outros tipos de uso desta técnica surgiram, como o Street View Hyperlapse55, um aplicativo online que permite que o usuário crie um vídeo hyperlapse feito somente pelas imagens existentes no Google Street View. Pensando no vasto banco de imagens que este serviço do Google possui, é possível criar vídeos mostrando toda uma cidade apenas usando este material. E outras variações também não param de surgir, como o mais recente Layer-Lapse. De acordo com um de seus criadores: Tradicionais timelapses normalmente são associados a ideia de um relógio universal. Inspirado na teoria da relatividade de Einstein, os layer-lapses designam um relógio e um tempo diferente para cada objeto na cena. Cada um destes relógios pode iniciar sua contagem de tempo a qualquer momento e parar em qualquer instante. O resultado é uma dilatação visual do tempo chamada layer-lapse.56(TRYBA, 2014, tradução minha) Para finalizar, certamente outras variações deste efeito vão surgir, mas todas atreladas a um tipo de estética que não se está acostumado a ver em produções anteriores ao digital, e que se encaixam totalmente na ideia de um novo tipo de estética, com novos elementos surgindo a cada momento, de acordo com a evolução da tecnologia e as novas possibilidades que esta oferece.

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HDR Sigla para High Dynamic Range (Alto Alcance Dinâmico), o HDR é uma técnica criada para produzir imagens com grande nível de detalhe tanto nas altas luzes quanto nas baixas. A técnica foi desenvolvida através de um software, que une, normalmente, 3 fotografias: uma superexposta, uma subexposta e uma com exposição correta. O software então gera uma nova imagem, que apresentam detalhes que que não seriam possíveis de serem vistos em uma única imagem. Com a introdução do RAW na fotografia digital, é possível também gerar uma imagem HDR por meio de uma única foto, ainda que o nível de detalhamento seja reduzido. Como a imagem produzida por meio do HDR tem um dynamic range ainda maior que o normal, não é possível visualizar o resultado da fusão entre as fotos até que ela não sofra um processo chamado tone mapping. Este processo calcula automaticamente quais locais da imagem devem ser clareados e quais escurecidos. O resultado é uma imagem neutra, com baixo contraste entre suas áreas. Mas o HDR é muito mais conhecido por suas cores extremamente saturadas, possíveis por meio de um tone mapping nos limites da imagem, gerando uma aparência de pintura ou desenho animado.

Figura 82: Exemplo de HDR extremo. Fonte: Dpreview

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83 Figura 83: Exemplo da técnica HDR, as imagens no topo são unidas e formam a imagem maior. Fonte: Dicas de Fotografia. [57] RED Cameras. Site do Fabricante. Disponível em: http://www.red.com/ learn/red-101/hdrx-high-dynamicrange-video Acesso em: 22 Mai 2015 [58] GRIGGS, M. Use HDR images to light your scenes. Disponível em: http://www.creativebloq.com/usehdr-images-light-your-scenes-7134082 Acesso em: 21 Mai 2015.

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Na cinematografia, com a tecnologia desenvolvida pela fabricante de câmeras RED, é possível filmar diretamente em HDR, na câmera, gerando uma imagem com até 18 stops de latitude. O sistema funciona com a câmera gravando em duas velocidades de obturador diferentes, uma mais lenta (exposição correta) e outra mais rápida (exposição para altas luzes). Utilizando o software proprietário da câmera, as duas trilhas separadas de 24fps são integradas gerando uma única trilha HDR.57 Por fim, esta tecnologia também é utilizada no desenvolvimento de imagens de computação gráfica para mapear a luz de um ambiente.58 Como já citado anteriormente, a luz nas criações em 3D sempre foi o fator de maior dificuldade de se recriar, pois cada material tem seu reflexo característico, cada fonte de luz tem sua sombra característica, e a perfeita conjunção destes elementos promove um maior realismo na imagem. O HDR, por gerar um mapeamento dos reflexos de um ambiente, consegue captar estas situações de luz em uma cena real, e estas imagens serão então utilizadas para recriar a mesma iluminação em um ambiente virtual.


Câmeras POV (Point of View) O enquadramento chamado de POV é muito utilizado no cinema para simular o ponto de vista do personagem, momento em que a câmera assume a posição do ator, gerando dramaticidade e inserindo o espectador na cena. Um uso famoso deste tipo de enquadramento é o do filme Tubarão (1975) no qual a câmera mostra a visão do tubarão atacando sua vítima. Com o surgimento de câmeras como a GoPro, o uso deste tipo de enquadramento se tornou muito mais comum. Esta câmera foi criada inicialmente para ser usada por surfistas, podendo ser prendida ao corpo utilizando alguns acessórios que a própria fabricante fornecia juntamente com a câmera. Com o tempo, inúmeros outros usos foram aparecendo e também diversas outras câmeras concorrentes.

Figura 84: Imagem retirada do vídeo: GoPro: Backflip Over 72ft Canyon Kelly McGarry Red Bull Rampage 2013. Fonte: Canal GoPro no YouTube [59] JAWS. Diretor: Steven Spielberg. Ano: 1975 Trecho do filme. Disponível em: https://youtu.be/rW23RsUTb2Y Acesso em: 21 Mai 2015.

Figura 85: Imagem retirada do filme Tubarão (1975).

O grande diferencial destas câmeras, que atualmente possuem até gravação em resolução 4K, é fato de serem câmeras consideradas wearable, ou seja, são câmeras que você “veste” e está sempre com elas caso queira. O usuário pode gravar seu dia-a-dia, suas performances esportivas, pode prendê-la em um carro, barco, avião, capacete ou mesmo a seu cachorro de estimação O enquadramento point-of-view se torna, neste caso, um novo tipo de estética e não somente um tipo de plano. O personagem dos vídeos, no caso, são os próprios usuários da câmera que a utilizam para compartilhar suas pequenas histórias e feitos. Aqui o importante é o registro da ação e não a perfeição estética da imagem, que tem suas próprias características como o grande ângulo de visão que a câmera possui, a baixa latitude de exposição, o foco infinito, entre outras.

Figura 86: Imagem da câmera GoPro Fonte: gopro.com

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SUPER SLOW MOTION A técnica do slow motion consiste em capturar uma cena em uma taxa alta de quadros, acima dos 24fps, e depois reproduzir esta cena nos tradicionais 24fps. Com esta redução de velocidade, o movimento da ação parece acontecer mais devagar que o usual, gerando um efeito de tempo estendido.

Figura 87: Estudos de movimento de um cavalo, realizado por Muybridge. Fonte: Wikipédia [60] SLOMO GUYS. Canal do YouTube. Disponível em: https:// w w w. y o u t u b e . c o m / c h a n n e l / UCUK0HBIBWgM2c4vsPhkYY4w Acesso em: 22 Mai 2015

O slow motion é um recurso popular para mostrar replays de jogos de futebol e outros esportes, mas também tem inúmeras aplicações científicas, para estudo de fenômenos que acontecem em uma velocidade muito mais alta do que o ser humano conseguiria observar naturalmente. Destas câmeras de uso científico, surgiram câmeras que gravam em taxas de quadros extremamente altas, algumas capazes de capturar até um milhão de quadros por segundo, ainda que em baixas resoluções. Com isso, surgiram diversos programas de televisão que começaram a utilizar estas câmeras para mostrar estudos de movimento, algo que nos remete aos primeiros usos da câmera fotográfica com os experimentos de Eadweard Muybridge. Estas câmeras, porém, tem valores extremamente altos, e muitas vezes são limitadas a grandes produções. Porém, um canal no YouTube, chamado The Slow Mo Guys60, criado por dois videógrafos ingleses, utiliza algumas destas câmeras, segundo eles emprestadas da empresa onde ambos trabalham. Os vídeos têm grande aceitação e, basicamente, apresentam ações extremamente rápidas filmadas em altas taxas de quadro, como no exemplo abaixo, que mostra um tiro de pistola debaixo d’água em 27.000fps, ou seja, uma imagem desacelerada mais de mil vezes.

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Figura 88: Imagem retirada do vídeo Underwater Bullets at 27.000fps.

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A dupla também grava vídeos que os seguidores de seu canal pedem, alguns com assuntos recorrentes dentro do próprio YouTube, como o experimento de cortar uma melancia utilizando elásticos de escritório. O teste já havia sido feito por diversos outros canais, porém nunca com o uso do super slowmotion. Dentro de uma mesma plataforma, percebe-se a interação entre a comunidade de fãs de um canal que também incentivam e geram ideias aos criadores para novos conteúdos. A tecnologia, no caso a câmera de alta velocidade, permitiu um novo tipo de vídeo, focado em mostrar ao público como acontecem diversas reações em câmera lenta. Esta possível novidade para a maioria da audiência gera o interesse pelo canal e o seu sucesso, somando tecnologia de captação com um local perfeito para divulgação das produções dos videógrafos.

Figura 89: Câmera Phantom Miro v1610, utilizada nos vídeos do canal

Conforme a tecnologia é mais acessível a maioria dos produtores, é possível observar no futuro outros produtores criando conteúdo semelhante ao The Slow Mo Guys, e que só não existem devido ao alto custo das câmeras de alta velocidade. Poderá ocorrer também o uso da tecnologia em outras produções de baixo custo, utilizando o recurso de câmera lenta como efeito visual de uma narrativa, por exemplo.

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Figura 90 : Imagem retirada do vídeo Rubber bands vs Water Melon.

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Figura 91: Captura de tela do site interativo de Hello Again. Fonte: Dark Whispering.

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[61] VIDEOARTE. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2015. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/w/index.ph p?title=Videoarte&oldid=42592406>. Acesso em: 15 Mai. 2015. [62] DARK WHISPERING. Beck / Hello-Again. Disponível em: http:// darkwhispering.com/websites/beckhello-again Acesso em: 15 Mai 2015

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Vídeos Interativos

Figuras 92 e 93: Suporte para vídeo 360 graus, criado pela empresa 360Heros. Conjunto de microfones binaurais. Fonte: 360Heros e Road to VR

A criação de experiências interativas usando o suporte audiovisual remonta a ideia da Vídeo Arte, movimento artístico usando telas, projetores e câmeras, existente desde 1960.61 Mas, certamente, foi com o surgimento dos computadores e das tecnologias digitais que novos experimentos foram surgindo. A ideia de se ter um filme de ficção no qual o espectador pode tomar decisões sobre qual rumo tomar, qual decisão ter, abre diversas possibilidades ao se ter um cinema menos passivo e mais proativo. Ainda que fique claro que ambos finais ou rumos que o espectador possa tomar já estão pré-definidos pelo cineasta ou produtor, certamente o processo de escolha é uma experiência nova para o espectador. Assim, diversos experimentos pela internet surgiram neste sentido, muitos utilizados dentro de campanhas publicitárias para incentivar o consumidor a interagir no ambiente digital da marca. Um destes experimentos, chamado Hello Again62, uma campanha da montadora de veículos Lincoln, traz para o ambiente da internet um show musical do cantor americano Beck, gravado totalmente com uma câmera 360 graus. O show foi gravado através de um conjunto de 7 câmeras GoPro, posicionadas de maneira que uma imagem esférica estivesse sendo captada pela câmera. Estas imagens depois de unidas por meio de um software especial geravam uma única imagem 360 graus. O áudio do show foi gravado por um sistema binaural, um tipo de microfone que simula a maneira com que o ouvido humano capta os sons.

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O usuário, ao acessar o site onde era possível assistir ao show, poderia então escolher que ponto do teatro ele gostaria de estar, ou seja, a visão de cada uma das câmeras posicionadas no momento da gravação, e ao mover sua cabeça, um sistema de reconhecimento facial, realizado por meio do webcam no computador do usuário, movia a imagem de modo sincronizado, utilizando todo o campo da imagem 360. O áudio também se modificava de acordo com a interação do usuário, reproduzindo a trilha correspondente ao lugar que o espectador escolheu para assistir ao show.

[ 6 3 ] : M A S T R O C O L A , V. M . Comunicação, consumo e entretenimento: O interator na ficção seriada Star Wars. São Paulo, 2011. Dissertação (Mestrado) Escola Superior De Propaganda E Marketing. Disponível em: http:// www2.espm.br/sites/default/files/ pagina/vicentemartinmastrocola.pdf Acesso em: 10 Abr. 2015

A campanha, vencedora de um leão de ouro em Cannes em 2014, demonstra apenas uma das aplicações possíveis desta tecnologia. Filmes poderiam ser gravados também usando câmeras 360 graus, permitindo uma imersão possível somente nos videogames. Com a internet servindo de suporte para o cinema interativo, diversas opções de criação são possíveis, e cada vez mais acontecerá a transformação do espectador em interator. Para MURRAY (2001), citada por MASTROCOLA (2011, p.63), propõe que o elemento transformador de um espectador comum em um interator é a capacidade de agência, entendida como a capacidade de realizar ações significativas e ver os resultados de nossas decisões e escolhas.63 Assim quanto mais elementos de escolha são inseridos dentro de uma peça audiovisual, maior a chance de criar no espectador uma experiência nova e transformadora, que instigue a novas combinações e novos resultados dentro de um mesmo filme, seja com câmeras que geram pontos de vista diferentes, seja com narrativas cruzadas.

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Figura 94 : Imagem do show do cantor Beck. Fonte: Fast Company

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Figura 95 : Quadro estático de um GIF produzido pelo fotógrafo Fong Qi Wei. Fonte: Fong Qi Wei

[64] GRAPHICS INTERCHANGE FORMAT. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2015. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/w/index. php?title=Graphics_Interchange_ Format&oldid=42207361 Acesso em: 15 jun.2015 [65] BECK, J. BURG, K. Site Cinemagraph, dos fotógrafos Jamie Beck e Kevin Burg. 2011. Disponível em: http://cinemagraphs.com/ Acesso em: 20 Mai 2015 [66] FLIXEL. Cinemagraph Pro. Disponível em: https://flixel.com/ products/mac/cinemagraph-pro/ Acesso em 20 Mai 2015 [67] WEI, F. Q. Site do fotógrafo Fong Qi Wei. Disponível em: http:// fqwimages.com/time -in-motion/ Acesso em: 20 Mai 2015

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GIF e Loops O GIF, nome de um formato de arquivo de imagem, surgiu ainda em 1987, e é usado amplamente na internet devido sua grande compatibilidade com diversos sistemas e navegadores.64 O uso dos GIFs em sua maioria é o de apresentar curtas animações fáceis de serem visualizadas, uma vez que na época de sua criação, a internet não possuía suporte a vídeos grandes, devido as limitações de banda, etc. Recentemente, porém, surgiram GIFs utilizando animações diferentes das tradicionais. São os chamados Cinemagraph´s65, fotos animadas criadas através de um arquivo de vídeo. Utilizando alguns programas para isso, como o Cinemagraph Pro, da empresa Flixel, o usuário, utilizando um vídeo gravado, seleciona um quadro do vídeo para ser a parte estática da imagem e seleciona as áreas da imagem em que ele deseja que tenha movimento e rapidamente o GIF é produzido.66 Esta técnica foi utilizada pelo fotógrafo Fong Qi Wei67 de uma maneira criativa para mostrar um mesmo local durante as fases do dia. Utilizando uma técnica parecida com a do timelapse, o resultado são imagens com um interessante desenho formado pela diferença de luminosidade entre as áreas da imagem que, por meio da animação do cinemagraph, possuem movimento.


Instagram e Vine O fato de se ter uma câmera com celular é algo datado do início dos anos 90, mas com a introdução dos smartphones e a possibilidade de compartilhar fotos e vídeos com sua rede é que seu uso realmente cresceu.

[68] INSTAGRAM. Faq da ferramenta. Disponível em: https://instagram.com/ about/faq/ Acesso em 20 Mai 2015

Com isso surgiram redes sociais criadas especialmente para o compartilhamento de fotos e vídeos e uma destas foi o Instagram. No site da plataforma, no link de perguntas e respostas, temos três pontos principais que o próprio serviço considera como base68: • “Fotos feitas com celular sempre saem feias. Nossos incríveis filtros transformam suas fotos em fotos que parecem feitas por um profissional. • Compartilhar uma foto em várias plataformas era chato - nós ajudamos você a fazer apenas uma foto e compartilhar em diversos serviços instantaneamente. • A maioria dos uploads é complicado e demora eternidades nós otimizamos essa experiência para ser rápida e eficiente. ” (INSTAGRAM, 2015, tradução minha) Analisando somente o primeiro ponto, temos uma questão já trabalhada anteriormente que é a busca de retirar o look que a imagem digital possui. No caso dos celulares, o conjunto entre sensor e lente praticamente inviabiliza algum desfoque nas fotos, ainda que alguns smartphones modernos já possuam lentes com maiores aberturas. O uso de filtros simulando fotos antigas então entra em cena, alterando as cores da imagem e adicionando ruídos, que simulam de alguma forma as antigas polaroids. Porém, apesar da ferramenta ter sido criada inicialmente para o compartilhamento de fotos, em 2014 foi introduzido o serviço de vídeo.

Figura 96 : Exemplo da área de navegação do aplicativo Instagram. Fonte: Criada pelo autor.

Seguindo o mesmo formato quadrado da ferramenta, os vídeos no Instagram possuem uma limitação de 15 segundos de duração, o que por um lado dificulta a criação de algo interessante, mas por outro lado se encaixa na filosofia da ferramenta de compartilhar instantes do cotidiano. O interessante deste formato de vídeo, além de curto, é o seu formato de tela. O formato quadrado, que não preenche nenhum dos padrões existentes de tela, por outro lado permite que o conteúdo seja visto sem que o celular seja rotacionado.

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Figura 97: Comparação entre filmar na vertical e na horizontal, feita pelo Vimeo Video School. Fonte: Vimeo Video School

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Esta solução inusitada é interessante, pois o fato dos usuários filmarem na vertical gerou e ainda gera inúmeras piadas na internet, ainda que, historicamente, todos os tipos de câmera sempre filmaram no padrão horizontal. O site de compartilhamento de vídeos Vimeo, em uma série de vídeos tutoriais de como melhorar seus vídeos com celular, propõe que a primeira coisa que qualquer pessoa deve fazer para melhorar seus vídeos é deixar o smartphone na posição vertical.69 Porém, isso é verdade somente caso este vídeo seja transformado em algo maior, para ser assistido em uma tela horizontal, como uma TV ou Computador. Parece-me que a maior parte destes vídeos é feito para reprodução somente nos celulares, o que no caso não é um problema, uma vez que caso o vídeo esteja na vertical, é só assistir na vertical, e se estiver na horizontal é só girar a tela.

[69] VIMEO. Vimeo Video School: Mastering Mobile Video - Best practices. Disponível em: https://vimeo.com/ videoschool/lesson/496/ep-2-bestpractices Acesso em: 20 Mai 2015

Entretanto, é possível perceber que existe uma nova estética, proprietária dos vídeos gravados com celular, pois estes, como demonstrado acima, dependem também da plataforma em que o vídeo irá ser compartilhado. Se o vídeo for para o Instagram ele assume o formato quadrado, se for para o Vimeo ele pode assumir o formato horizontal, e talvez em um aplicativo como o Vine, ele pode assumir o formato vertical. O Vine, outro serviço de compartilhamento de vídeos, é ainda mais restrito. Os vídeos, considerados como loops e não vídeos, pelo conceito da própria plataforma, possuem apenas 6 segundos de duração e podem ser também editados dentro do aplicativo.

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Uma matéria feita pela BBC aponta o Vine como um carrossel de pequenos pedaços do cotidiano, e valoriza este formato de vídeo pois ele permite que eventos que seriam extremamente chatos em vídeos longos, nos vídeos de seis segundos eles se encaixam perfeitamente.70 (ROHRER, 2013, tradução minha)

[70] ROHRER, F. Vine: Six things people have learned about six-second video in a week. BBC News. Disponível em: http://www.bbc.com/news/ magazine-21267741 Acesso em 20 Mai 2015

Existe então uma união dos filtros que tentam retirar o aspecto que a imagem digital possui, deixando-a com um efeito “profissional” ou “cinematográfico”, com um formato de tela específico dos celulares e também uma duração que a própria plataforma restringe para que os vídeos pertençam ao “ecossistema” do aplicativo e sejam algo realmente único no ambiente digital. Os padrões já existentes tanto do cinema quanto das câmeras tradicionais não necessariamente valem para os vídeos feitos com smartphones devido esse fator híbrido, sendo a câmera e a tela de reprodução o mesmo aparelho. Portanto, quando uma rede como o Vimeo, propõe que os filmes sejam gravados na horizontal, eles estão provavelmente pensando na sua própria plataforma, que é a de vídeos mais longos, alguns inclusive filmes ficcionais. Pensa-se então o celular somente como ferramenta de gravação e não como tela de “projeção” final. 98

Figura 98: Mosaico de imagens produzidas com o aplicativo Instagram. Figura 99: Exemplo da área de navegação do aplicativo Vine. Fonte: Criada pelo autor.

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IMAGENS AÉREAS As imagens aéreas sempre foram lembradas por serem feitas por helicópteros ou aviões especiais para este tipo de aplicação. Noticiários locais muito comumente usam esse recurso para mostrar a ação da polícia, a situação do trânsito na cidade entre outras aplicações. Recentemente, porém, com a introdução dos VANTs (Veículos Aéreos Não Tripulados), mais conhecidos como drones, a fotografia e filmagem aérea ficou mais comum e fácil de ser executada.

[71] MAC, Ryan. Bow To Your Billionaire Drone Overlord: Frank Wang’s Quest To Put DJI Robots Into The Sky. Forbes. Disponível em: http://www.forbes.com/sites/ ryanmac/2015/05/06/dji-dronesfrank-wang-china-billionaire/ Acesso: 21 Mai 2015 Figura 100: Imagem do vídeo Rhyolite ghost town, produzido por Phillip Bloom. Fonte: phillipbloom.net

Os pequenos drones, geralmente quadricópteros dotados de uma câmera de vídeo, são facilmente operados por um usuário iniciante, graças a diversos sensores que evitam erros durante a pilotagem. Somente em 2014, a fabricante DJI vendeu 400 mil drones somando toda a sua linha de produtos71. Seu último lançamento, o Phantom 3, possui um sistema de posicionamento utilizando GPS e sensores de ultra-som que permitem que ele decole e volte ao seu ponto de decolagem sem que o usuário necessite operar seu controle remoto manualmente. Além disso, o modelo também conta com uma câmera de vídeo 4k e o operador tem acesso ao vivo a tudo o que está sendo gravado por meio de seu smartphone, permitindo controle sobre a composição e enquadramento da imagem.

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Figura 101: Abaixo: Drone fabricado pela DJI, Phantom 3. Esquerda: Câmera aérea acoplada a um helicóptero. Fonte: DJI e Panorama Visual

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A câmera, seguindo o padrão das câmeras POV, capta uma imagem em ângulo aberto, mostrando uma imagem panorâmica do local filmado, ao contrário das imagens tradicionais feitas por helicópteros comuns, que possuem habilidade de fechar o enquadramento na ação, recurso utilizado nas coberturas policiais do jornalismo.

[72] VERGANO, D. Drones Could Become Flying Peeping Toms, Privacy Experts Warn. Buzzfeed. Disponível em: http://www.buzzfeed.com/ danvergano/privacy-experts-warn-ofpeeping-drones-spying-on-all-of-us#. lk6q8GX24 Acesso em: 25 Mai 2015

Com o baixo valor destes drones e a popularização de seu uso, se iniciou uma preocupação em relação aos prejuízos que este tipo de tecnologia poderia causar. Um deles era a segurança de outros veículos voadores, como aviões e helicópteros, que poderiam colidir com os pequenos quadricópteros. O outro era a privacidade72, uma vez que os pequenos drones por deterem câmeras potentes, poderiam ser usados para seguir pessoas e vigiar locais sem serem percebidos. Ainda assim, os drones representam um elemento de grande valor para pequenas produções cinematográficas, por permitirem imagens aéreas de baixo custo, algo jamais possível antes da criação desta tecnologia. 95


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CINEMA: O NEGATIVO VERSUS A EXPERIÊNCIA DO ESPECTADOR

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O FIM DO NEGATIVO E UM CONCEITO DE REALISMO [73] ALLEN, M. 1998. apud LISTER, M. GIDDINGS, S. et al. New Media: A Critical Introduction. 2a Ed. Londres: Routledge, 2008. p.135

O incentivo por trás de muitos dos desenvolvimentos tecnológicos no cinema desde os anos 50 sempre foi o de criar um maior ou mais efetivo senso de realismo e um maior e mais empolgante senso de espetáculo. Ambos desejos vêm sendo realizados por meio do desenvolvimento de imagens cada vez mais largas, limpas e envolventes; estrondosos, multifacetados e mais acurados sons direcionais; e uma cor cada vez mais próxima a realidade. A intenção por trás de todos os sistemas tecnológicos desenvolvidos desde 1950 sempre foi a da redução do senso de “mundo real” por parte do espectador, substituindo-o por um mundo virtual totalmente crível.73 (ALLEN, 1998, tradução minha, grifo do autor.)

Após o que já foi apresentado neste trabalho, percebem-se algumas questões acerca do que é, de fato, o cinema atualmente, e quais os seus possíveis caminhos no futuro. O cinema sempre buscou um nível de realismo em relação ao mundo real; sua relação com a fotografia é inquestionável e, durante muitos anos, o cinema foi considerado algo indexável, ou seja, possuidor de uma relação direta com o objeto filmado, tendo esta característica questionada apenas recentemente, com a introdução do digital.

outros, também criava uma sensção de algo mágico, transportando o espectador a um outro universo, fora da realidade, e dentro da história que o diretor queria contar.

Considerando a própria introdução do Technicolor e do negativo colorido, somados à introdução do som, esses elementos valorizam o sentimento de realismo nos filmes, pois trazem ao espectador uma experiência mais imersiva.

Ainda que, nos dias de hoje, isso pareça ser algo engraçado, pouco se questionava neste sentido, uma vez que para o espectador da época, tudo o que era apresentado na tela era “mágico”, e logo, quanto maior o efeito de realismo causado pelo cinema, mais espetacular seria o resultado com o público.

Ao mesmo tempo, a escolha das lentes, tipos de negativos e iluminação, entre

Porém, o cinema é uma arte que utiliza, em grande parte, a narrativa tradicional como seu pilar central,

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No início do cinema, os pequenos filmes mostrando os operários nas fábricas ou o trem chegando à estação eram considerados filmes de imenso realismo, com os espectadores não acreditando que aquilo não era real, e sim algo projetado em uma tela. A novidade do cinema era tamanha que assustava as pessoas, mesmo com todas as limitações do formato na época.


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no qual muitos filmes são baseados em livros e histórias muito mais antigas que a própria criação do cinema. Desta forma, muitos destes clássicos literários foram adaptados e se transformaram em filmes. Mesmo nos últimos anos, de 1994 a 2003, mais da metade dos filmes são adaptações de livros.74 Portanto, o desafio era recriar a história original destes livros dentro das possibilidades do meio cinematográfico. O problema era que muitas destas histórias eram praticamente impossíveis de serem filmadas como, por exemplo, cenas de grandes guerras do período romano, tomadas mostrando as grandes cidades antigas, ou mesmo histórias com temas fantasiosos, contendo personagens como fantasmas e gigantes.

Figura 102: Captura de tela de um vídeo gravado no formato Super-8. Nota-se a granulação e os ‘defeitos’ da imagem. [74] FOLLOWS, S. Where do highest-grossing screenplays come from? Disponível em: http://stephenfollows. com/where -do-highest-grossingscreenplays-come-from/ Acesso em: 24 Mai 2015

Entretanto, os efeitos deveriam ser realistas de modo a transmitir credibilidade aos espectadores, fazendo-os acreditar que o que era apresentado na tela realmente aconteceu um dia. Para buscar este ideal, percebe-se a evolução tecnológica causada pela introdução de técnicas rebuscadas como o matte painting, o uso do bluescreen e do greenscreen e de diversas outras já apresentadas neste trabalho. A evolução destas, com a tecnologia digital, foram posteriormente

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[75] BAZIN, A. 1967. apud LISTER, M. GIDDINGS, S. et al. Op. Cit. p.140 [76] BAZIN, A. 1971. apud BERTON, J. A. Film Theory for the Digital World: Connecting the masters to the New Digital Cinema. Leonardo. Supplemental Issue Vol. 3, Digital Image, Digital Cinema: SIGGRAPH ‘90 Art Show Catalog 1990. p.8 Disponível em: http://www. jstor.org/stable/1557888 Acesso em: 10 Mai 2015 [77] PEIRCE, C.S. apud DUBOIS, P. O ato fotográfico e outros ensaios. Campinas: Papirus, 1994. p.49. In EMÉRITO, M. Diálogo entre Barthes, Peirce e Greimas. Anais do XII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Campina Grande – PB – 10 a 12 de Junho 2010. p.5 Disponível em: http://www.intercom.org.br/papers/ regionais/nordeste2010/resumos/ R23-1370-1.pdf Acesso em: 08. Jun. 2015. [78] BINKLEY, T. apud BELTON, J. If film is dead, what is cinema? Screen. 2014 v.55 i.4 p.465 Disponível em: http://screen.oxfordjournals.org/ c o n t e n t / 5 5 / 4 / 4 6 0 . s ho r t ? rs s = 1 Acesso em: 10 Abr 2015

introduzidas no sentido de solucionar problemas que eram extremamente difíceis de se resolver utilizando as técnicas tradicionais do cinema com película. Com a evolução tecnológica chegando na introdução massiva das imagens geradas por computador, e com a adoção da captura ou projeção digitais, o embate entre filmar o real e simular a realidade, por meio de efeitos visuais, se inicia. Esta questão aparece, em parte, graças a questionamentos feitos por teóricos como André Bazin, que considerava o realismo como parte importante da arte do cinema pois este, captura o mundo real de uma forma que nenhum outro meio consegue capturar.75 Além disso, para ele, os diretores de cinema deveriam utilizar esta característica como forma de transmitir o conteúdo da narrativa.76 Outro ponto debatido extensivamente é o fato de que, de acordo com Peirce: As fotografias, e em particular, as fotografias instantâneas, são muito instrutivas porque sabemos que, sob certos aspectos, elas se parecem exatamente com os objetos que representam. Porém, essa semelhança deve-se, na realidade, ao fato de que essas fotografias foram produzidas em tais circunstâncias que eram fisicamente forçadas a corresponder detalhe por detalhe à natureza. Desse ponto de vista, portanto, pertencem à nossa segunda classe de signos: os signos por conexão física (índice).77 (PEIRCE apud DUBOIS, 1994) Para Peirce, uma fotografia tem relação direta com o objeto fotografado, servindo de índice, ou seja, indicando sua existência. Para a fotografia existir, a cena retratada por ela, em algum momento, deveria estar presente no mundo real, para que os sais de prata presentes no negativo reagissem com a luz refletida pela cena. Esta imagem então possuía uma relação física com o objeto retratado, teoricamente imutável. Considerando esta interpretação, o autor Thomas Binkley considera que o cinema na sua forma digital perde esta característica indexável, uma vez que o processo de produção de uma fotografia digital não funciona através da luz que sensibiliza uma emulsão sensível e sim através de uma conversão da luz em dados binários.78(BINKLEY, 1988, tradução minha)

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Outros autores, como Mark Wolf, consideram que existem níveis de indexicalidade, partindo do nível mais indexável, que seria a fotografia analógica, para a menos indexável, que seria uma imagem gerada por computador. Para ele o que importa é o referente, se ele existe ou não no “mundo real”.79(WOLF, 2000, tradução minha) Martin Lefebvre compartilha em certo ponto desta ideia, quando propõe, baseado em Peirce, a existência dos índices diretos e indiretos. Em relação às imagens criadas em computador, Lefebvre propõe que a imagem digital não perde seu valor indicativo uma vez que é baseada em algo real, na maior parte das vezes.80(LEFEBVRE, 2007)

[79] WOLF, M. 2000 apud BELTON, J. Ibid. p.465 [80] LEFEBVRE, Martin. 2007 apud. EMÉRITO, M. Ibidem. p.6 [81] GUNNING, T. What’s the Point of an Index? or, Faking Photographs. NORDICOM Review, v. 25, n. 1/2, Special Issue, 2004. p.43 Disponível em: http://ncadjarmstrong.com/year3-postmodern-moving/whats_the_ point_of_an_index.pdf Acesso em 12 Abr 2015

Baseando-se no apresentado acima, o cinema digital, em especial referindo-se à gravação de imagens de atores, o chamado live action, é indexável pois, apesar do processo digital, a imagem tem referência no real, uma vez que aquela ação apresentada nas imagens realmente aconteceu. Esta afirmação é válida, considerando que a imagem analógica também poderia sofrer alterações por meio de manipulação, no momento da revelação e impressão. A escolha do ângulo, da lente e do negativo também influenciam em sua proximidade com o real. Um exemplo simples é o de uma fotografia p&b, de uma pessoa de olhos claros, na qual não conseguimos saber qual a cor exata de seus olhos, na realidade. Esta informação, então, é perdida no âmbito do espectador. Mesmo no negativo em cores, a escolha de um negativo mais contrastado ou com cores vibrantes também altera a visão que se tem do objeto real. Este valor indicativo, então, pode derivar de outras vertentes, como a que o autor Tom Gunning chama de truth claim81 (GUNNING, 2004, p.43), ou afirmações da verdade. Para o autor, esta verdade presente na imagem é apoiada sempre em um discurso, seja, por exemplo, o discurso jurídico ou científico, no qual uma fotografia ou filmagem é usada como prova de algo, ou o discurso jornalístico no qual se tem a ideia de que uma imagem apresentada na mídia nunca é algo mentiroso. O mesmo acontece no cinema, principalmente nos documentários ou filmes de guerra, em que se acredita sempre em uma perfeita adaptação da realidade pelos filmes. Isto posto, o valor indicativo da imagem digital é semelhante a imagem analógica neste sentido, uma vez que ambas retratam a realidade de acordo com o discurso e linguagem em que estão apoiadas, ainda que sejam produzidas em suportes diferentes que, portanto, possuem características diferentes. 101


[82] Id. Ibid. p. 40 [83] COMOLLI, J. L. 1980. apud LISTER, M. GIDDINGS, S. et al. Op. Cit. p. 140 [84] DYNAMIC RANGE. Cambridge in Colour. Disponível em: http://www. cambridgeincolour.com/tutorials/ dynamic-range.htm Acesso em 10 Abr 2015

O cinema analógico tem suas especificidades como o grão, as cores que se atenuam com o tempo e envelhecimento do negativo, e os “defeitos” presentes no negativo como riscos e poeira. Da mesma forma, o digital tem seu excesso de nitidez e sua baixa latitude nas primeiras câmeras. Ambas representam a realidade, utilizando formas diferentes, assim como um instrumento como um velocímetro apresenta a velocidade de um carro em números, seja este digital ou analógico.82(GUNNING, 2004, p.40) Jean Louis Comolli cita, em um ensaio, que o processo de adoção do negativo pancromático pelo cinema tem sua razão fora dele. Na verdade, este tipo de negativo estava sendo adotado pela fotografia, e, portanto, o tipo de negativo utilizado pelo cinema já não estava de acordo com as novas linguagens presentes na fotografia da época. Comolli diz que: “Os códigos de sombras, latitude e cor sobrepuseram a perspectiva e a profundidade presentes como ‘efeitos de realidade’ dominantes. ”83 (COMOLLI, 1980, tradução minha, grifo do autor). O cinema, então, buscava se adaptar aos avanços tecnológicos da arte mais próxima a ele, a fotografia, tentando alcançar um padrão visual em relação a ela. Considerando estes avanços como formas de gerar um realismo maior nas imagens cinematográficas, podemos considerar como grande meta uma imagem que simule o que o olho humano consegue perceber em termos de cor, latitude e sensibilidade à luz, principalmente em situações de baixa luminosidade. Pensando neste aspecto, certamente o digital é o caminho mais provável, uma vez que o negativo tem, por exemplo, sensibilidade a baixas luzes inferior a do olho humano, enquanto o digital consegue ampliar essa sensibilidade, aproximando-se dela e, mesmo, superando-a em alguns dos sensores mais modernos. A latitude é outro elemento importante, uma vez que o olho humano, em termos absolutos, é capaz de perceber o equivalente a 24 stops, dependendo da situação de luminosidade.84 Ainda que uma câmera digital esteja longe destes números, uma câmera como a Arri Alexa já ultrapassa a latitude de um negativo moderno. O HDR, técnica possibilitada pelo uso do arquivo digital, também é uma demonstração da tentativa de alcançar maior fidelidade à realidade observada no momento da captura, ainda que esta técnica também seja usada para fins gráficos e artísticos.

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Do mesmo modo que a situação citada por Comolli, a fotografia digital já utiliza o formato RAW e já possuía esta habilidade de capturar maior realismo há mais tempo, em câmeras muito mais simples e acessíveis que uma Alexa, por exemplo.

Figura 103: Comparativo de câmeras. Fonte: http://www.dxomark.com

Na imagem acima, vemos que uma câmera fotográfica profissional já possui praticamente 15 stops de latitude, algo próximo ao alcançado também nas câmeras de vídeo profissionais. Poderia ser considerado o advento do cinema digital como uma tentativa de alcançar a tecnologia presente na fotografia digital? De certa forma, pode-se considerar que sim, ainda que ambas façam parte de um mesmo movimento, sofrendo as mesmas críticas em relação a dualidade película versus digital. Deste modo, passa-se a considerar a linguagem visual pertinente à época de forma geral, e estas características parecem fazer parte do conjunto de imagens presentes na sociedade atual, principalmente, com a introdução da internet e as novas ferramentas de produção de imagem, cada vez mais desconectadas do analógico.

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[85] BELTON, J. Digital Cinema: A False Revolution. October, v. 100, 2002. p.104 Disponível em: http:// www.jstor.org/stable/779094 Acesso em: 07 Mai 2015 [86] BELTON, J. If film is dead, what is cinema? Screen, v.55, n.4,2014. p .466 [87] JACKSON, P. depoimento. apud PRINCE, S. The Emergence of Filmic Artifacts: Cinema and Cinematography in the Digital Era. Film Quarterly. v. 57, n. 3, 2004. p.29 Disponível em: http:// www.jstor.org/stable/10.1525/ fq.2004.57.3.24 Acesso em 07 Mai 2015 [88] DALY, K. M. Cinema 3.0: How Digital and Computer Technologies are Changing Cinema. 2008. Tese (Doutorado) – Columbia University. p.17 Disponível em: http://gradworks.umi. com/3305212.pdf Acesso em: 01 Jun 2015

No constante uso do Instagram, por exemplo, os pequenos filmes de 15 segundos são transmitidos sem tempo hábil para uma manipulação rebuscada, como a realizada em programas como Adobe Premiere, Final Cut ou After Effects. O usuário apenas escolhe ajustes de cor e contraste. Em segundos, a foto ou vídeo está disponível para toda a rede de seguidores do usuário. Da mesma forma, o consumo da imagem se dá rapidamente, uma vez que o vídeo é curto e visto em uma pequena tela. Portanto, assim como o teórico John Belton propõe em seu artigo “Digital Cinema: A False Revolution” (Cinema Digital: Uma Falsa Revolução), as tecnologias digitais, em especial, a projeção digital, são praticamente imperceptíveis, se comparadas à introdução da cor, do som e da tela widescreen (BELTON, 2002, p. 104)85. O autor ainda considera que o cinema digital não marca a morte do cinema tradicional, mas sim sua ressureição na forma digital. (BELTON, 2014, p.466)86 O que parece acontecer, na verdade, é um hibridismo desta questão. Conforme apresentado durante este trabalho, a captura digital muitas vezes procura a simulação das características da película, como observado por meio do uso do DI e do color grading. Por outro lado, estas ferramentas permitem um novo horizonte para o diretor, no que se refere a alcançar o efeito visual desejado na obra. Em uma entrevista, o diretor Peter Jackson, da trilogia “O Senhor dos Anéis”, diz que: “O grading permite a aplicação de uma importante camada de criatividade no filme após você tê-lo filmado. ”87 (JACKSON, 2001, tradução minha). O uso do digital está a serviço da narrativa, neste caso, permitindo algo que o negativo não permitiria. Por outro lado, o cinema digital não é capaz de transmitir a nostalgia que o espectador do cinema tradicional sente ao ver o filme em película. A pesquisadora Kristen Daly, fala sobre isto quando coloca que: Os arranhões e os apagamentos, transformam a película em um objeto único, que difere de outras cópias do mesmo filme. Existe então um senso de originalidade em cada cópia do filme, pois estas características, diferentes em cada cópia, criam objetos únicos.88 (DALY, 2008, tradução minha) Desta forma, têm-se os dois lados, um de perdas do ponto de vista da unicidade de cada cópia de um mesmo filme, o outro de

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um afloramento estético dadas as infinitas possibilidades que o digital oferece, uma vez que os próprios arranhões e efeitos presentes na película podem agora ser simulados, da mesma forma que se pode filmar em película e transferir para o digital, se pode filmar em digital e transferir para película, e deste modo são diversas as considerações neste sentido.

[89] PRINCE, S. Op. Cit. p.33 [90] BOYLE, D. 2005. apud DALY, K. M. Op. Cit. p.112

O professor Stephen Prince, entretanto, considera que esta nostalgia não existe para as gerações atuais, que já iniciaram seu consumo de cinema dentro do universo digital. Ele propõe que os aspectos suaves, granulados e enevoados característicos da película serão elementos estranhos aos espectadores no futuro assim como a nitidez e a claridade das imagens digitais aparecem estranhas para nós.89(PRINCE, 2004, tradução minha) Ainda nesta questão, o diretor Danny Boyle, diz que o vídeo digital descreve melhor a maneira com que a informação é recebida atualmente no século 21. Ele diz que: Se você tem o dinheiro para rodar em filme, porque usar DV? A resposta é que a estética do vídeo digital mimetiza a forma com que recebemos informação no século 21. As pessoas estão acostumadas a receberem imagens projetadas em seus computadores e celulares. Estão acostumadas com o aspecto pixelado e ruidoso.90 (BOYLE, 2005, tradução minha) De fato, o digital trouxe uma nova estética, de certa forma alinhada com a maneira com que se consome filmes atualmente, nem sempre nas telas gigantes do cinema, e muitas vezes nas pequenas telas dos smartphones. Além disso, o digital trouxe novas maneiras de se visualizar determinadas coisas. O super slowmotion, por exemplo, nos apresenta imagens nunca antes vistas, que os olhos humanos não conseguem enxergar, mas que existem no mundo real. Se torna interessante medir o nível de indexicalidade de algo que os olhos humanos não conseguem enxergar, mas que existem no mundo real. Algo só possível de ser visto por meio destas câmeras especiais. As imagens geradas por estas câmeras se tornam indícios do disparo de uma arma de fogo, da explosão de uma lata de tinta, etc. Imagens

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Figura 104: Cena do filme Extermínio (2002), de Danny Boyle, gravado em Mini DV

Figura 105: Cena do filme Cidade de Deus (2002), de Fernando Meirelles. Plano baixo, seguindo a galinha, possível com o uso de câmeras menores.

105 [91] Idem. Ibidem. p.119. [92] REAL GTA. Corridor Digital. 2015. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=0ZZquVylLEo Acesso em: 8 Jun 2015

claramente digitais, criadas por câmeras de grande precisão, muitas vezes acopladas a braços robotizados, movidos pela programação do operador destas máquinas. Do mesmo modo, os atuais drones podem capturar imagens automaticamente, baseando-se em coordenadas geográficas, sem a necessidade de o operador regular a câmera ou mesmo enquadrar a cena. O mesmo acontece com as câmeras POV, o filme é produzido ao acaso, se colocando a câmera no capacete de um skatista, por exemplo, e editando depois o que aconteceu. As câmeras digitais então acrescentam novas variáveis na produção de filmes, variáveis que auxiliam na criação de cenas antes complexas com o uso das câmeras que utilizavam negativo. No filme Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, o diretor de fotografia César Charlone, utilizando uma pequena câmera presa a uma vara de microfone pôde se movimentar nas ruas estreitas das favelas livremente, tomadas que se feitas com as câmeras e movimentos de câmera tradicionais teriam seu caráter de espontaneidade perdido.91

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Figura 106: Sistema de filmagem com GoPro. Fonte: imagem capturada do vídeo Real GTA: Behind the Scenes

106 Figura 107: Imagem capturada do filme “Real GTA” Fonte: Corridor Digital

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Recentemente, em um pequeno vídeo produzido pelo canal do YouTube, Corridor Digital, canal especializado em efeitos visuais, procurou simular o ambiente do jogo Grand Theft Auto, GTA.92 Os cinegrafistas do canal utilizaram pequenas câmeras GoPro, presas a um bastão, que na ponta contava com um sistema eletrônico para estabilizar as imagens. Utilizando este esquema de filmagem, os produtores do canal tentaram simular o ponto de vista de quem joga o jogo, normalmente uma imagem em ângulo aberto, mostrando grande parte do cenário da cidade. A câmera então era perfeita para isso pois além de discreta, possui uma lente grande angular que cria este plano aberto da maneira que acontece no jogo. O resultado é próximo da estética do jogo GTA, e o trabalho de color grading feito pela equipe também aproxima o resultado visual da experiência do videogame. É difícil discernir se tudo foi realmente filmado, ou seja, houve uma simulação do GTA no “mundo real” ou se parte foi manipulada digitalmente.

[93] REAL GTA: BEHIND THE SCENES. Corridor Digital. Disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=FlJRX4blraI Acesso em: 08 Jun 2015.

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[94] DALY, K. M. Op. Cit. 2008. p.124 Figura 108: Imagem do jogo GTA V. Fonte: John Sikomitellis Figura 109: Imagem capturada do filme “Real GTA” Fonte: YouTube

No vídeo de bastidores93, pode-se ver que praticamente tudo foi realmente produzido de verdade e só alguns poucos efeitos como tiros de arma de fogo, explosões, atropelamentos, foram criados por meio de softwares. Abaixo, se pode observar que o vídeo foi filmado na mesma locação que o videogame utilizou como base para a criação de seu ambiente virtual. Percebe-se então que a captura digital representa um grande avanço no meio audiovisual como um todo. Ainda que este trabalho tenha apresentado todo o panorama da história do cinema, que culminou no cinema hollywoodiano e seu sistema de produção, que apesar dos avanços tecnológicos praticamente não se modificou, este trabalho também trata das novas formas de produção que também utilizam o audiovisual como suporte, e se aproximam mais do cinema independente do que da televisão. Os recursos existentes no cinema digital de alto padrão também podem ser alcançados com ferramentas de baixo custo, como apresentado nos exemplos acima. E mesmo o cinema de alto padrão pode utilizar destas ferramentas para a obtenção de determinada estética em seus filmes. Utilizando o termo da Caméra Stylo de Alexandre Astruc, que falava sobre uma câmera que agiria como uma caneta na mão de um escritor, tem-se com estas pequenas câmeras digitais o efeito da caneta, com seus movimentos fluidos e dinâmicos, ao mesmo tempo em que são discretas e garantem a espontaneidade principalmente em cenas sem atores de verdade. Kristen Daly, relata que com a introdução da Arriflex em 1960, muito mais leve e portátil, os cineastas puderam sair às ruas e filmar movimentos espontâneos, utilizar pessoas comuns como atores e capturar a vida cotidiana.95 (DALY, 2008, tradução minha) O movimento que acontece com os celulares e estas pequenas câmeras vai de encontro a este movimento dos cineastas da Nouvelle Vague, ainda que não se tenha nos produtores do YouTube, o conceito claro de movimento artístico ou algo do gênero. O que se tem é um sem número de produtores independentes, cada um com seus valores e estilos, que tem na captura digital e na internet uma forma de mostrar seu trabalho para o outro, no caso um sem número de usuários conectados na rede.

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CHAOS CINEMA E O PLANO SEQUÊNCIA Friedrich Kittler suporta a ideia de que “as possibilidades do meio cinematográfico de cortar e encadear atingem sua própria história.”95 (KITTLER, 1999, tradução minha) Em outras palavras, o autor considera que uma das características do negativo, a baixa duração de tempo por rolo, criaram o estilo de continuidade de edição que fez o cinema ser o que ele é hoje. Conforme foi desenvolvida a edição não linear e digital, o ato de copiar e colar tomadas dentro de uma timeline foi sendo introduzido no cinema, especialmente após o aparecimento do gênero de videoclipes musicais, com a rede de televisão MTV. O software de edição facilita o processo de corte do filme, uma vez que as cenas não têm relação com o rolo de filme físico, e sim, são arquivos digitais que podem ser manipulados, recortados e modificados para servirem para ao propósito da narrativa. Não é mais necessário o corte do filme e posterior colagem. As cenas são movidas para frente e para trás, em diversas camadas, mescladas muitas vezes com efeitos especiais, cenas de outros filmes, em um sem número de possibilidades. Porém, de acordo com o estudante Matthias Stork, em um vídeo-ensaio intitulado Chaos Cinema96, a tendência da edição em cortes rápidos, com cenas cada vez menores, algumas contendo tomadas de um segundo apenas, atrapalha a orientação espacial do espectador, causando um tipo de confusão visual. 110

Para o autor, Chaos Cinema é um novo estilo de cinema, que acontece particularmente nos filmes de ação, e é caracterizado pelo excesso visual de tiros, explosões, bombardeios, em uma simples cena de perseguição de carros. É uma ruptura com o cinema tradicional e seu padrão de continuidade, de planos para demonstrar visualmente um trecho da narrativa. No Chaos Cinema, a narrativa é posta de lado, e as cenas se tornam um fluxo descontínuo de imagens que chocam o espectador. Os efeitos especiais, as sequências frenéticas criam um espetáculo que atordoa os sentidos, não importando mais a cena que veio antes ou virá após. É uma estética feita somente para atrair o público a tela. Stork ainda supõe que, devido à impossibilidade do espectador em acompanhar visualmente a cena, por conta do ritmo rápido, o som tem um papel importante, apesentando o barulho dos tiros, pneus freando, etc., mas, logo, pontua que o som, no âmbito do Chaos Cinema, normalmente conflita com a imagem, ao invés de complementá-la. De fato, a possibilidade de se ter disponíveis infinitos “rolos” de filme, graças ao advento do digital, cria um estilo irresistível que é o dos cortes rápidos e da estética do espetacular. Por outro lado, o exagero deste tipo de estilo descaracteriza as vantagens do digital, uma vez que o caos instaurado no Chaos Cinema nem sempre está em favor da narrativa, e sim atua como um truque para esconder a falta dela. Luli Radfaher, tratando da simplicidade e infantilidade das narrativas atuais, coloca que: “Os enredos são tão simples que poderiam caber em um parágrafo, com histórias em que o plano principal está na experiência da criança ou adolescente, no estágio em que foi separado da estabilidade de sua unidade familiar habitual.”97(RADFAHER, 2015)


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Esta simplicidade narrativa se encaixa com o estilo frenético do caos, uma vez que o espectador não consegue refletir sobre a cena, e fica imerso na disposição das imagens, uma após a outra. Ainda que se possa comparar a estética dos videogames com os novos filmes de ação, certamente o primeiro possui como característica a interatividade, e logo a ação acontece em um mesmo eixo, o do personagem comandado pelo jogador, algo que não acontece no cinema caótico. 111

Figura 110: Timeline do filme Gravity Fonte: Premium Beat Figura 111: Captura de tela do jogo Call of Duty. [95] KITTLER, F. 1999. apud DALY, K. M. Op. Cit. 2008. p.123 [96] STORK, M. CHAOS CINEMA: The decline and fall of action filmmaking. Press Play. 2011. Disponível em: http:// blogs.indiewire.com/pressplay/video_ essay_matthias_stork_calls_out_the_ chaos_cinema Acesso em: 20 Mai 2015 [97]RADFAHER,L.Proibido para maiores. Folha de São Paulo. Disponível em: http:// www1.folha.uol.com.br/colunas/ luliradfahrer/2015/06/1639562proibido-para-maiores.shtml. Acesso em: 09 Jun 2015.

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Figura 112: Imagem do filme O Máscara (1994) [98] KLEIN, N. 1998. apud LISTER, M; GIDDINGS, S. et al. Op. Cit. p.156 [99] BORDWELL, D. Intensified Continuity Visual Style in Contemporary American Film. Film Quarterly.v. 55, n. 3, 2002. Disponível em: http:// www.jstor.org/stable/10.1525/ fq.2002.55.3.16 Acesso em: 20.Mai.15 [100] Idem. Ibidem. p.17 [101] Idem. Ibidem. p.20

Mesmo nos jogos online, com diversos personagens dividindo um mesmo espaço, o jogador tem total domínio do personagem que controla. Nos jogos em primeira pessoa, esse eixo da ação é ainda mais intensificado, uma vez que o controle da câmera é normalmente sincronizado com a mira de sua arma. Norman Klein, ao tratar do filme “O Máscara” (1994), faz uma comparação direta entre seu estilo e o estilo dos desenhos animados dos anos 40. Ele diz que a edição extremamente rápida e precisa desenvolvida nos desenhos animados é largamente utilizada nas cenas de ação e também nas sequências de efeitos especiais.98(KLEIN, 1998, tradução minha) Talvez seja possível considerar que o estilo cartoon dos filmes atuais seja uma resposta ao estilo identificado por Stork. Uma maneira de se criar um mundo de fantasia, em filmes nem sempre fantasiosos, como alguns filmes de ação citados no estilo caótico. David Bordwell caracteriza este tipo de edição como uma intensificação das técnicas tradicionais de continuidade do cinema, a chamada Intensified Continuity.99 O pesquisador relata que, ao longo do tempo, a duração média de uma tomada foi diminuindo. Em 1980, antes da edição via software, os filmes tinham médias de 5 a 7 segundos por tomada. Atualmente este valor caiu para 1,5 segundos.100 (BORDWELL, 2002, p. 17)

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Além disso, o autor lembra que, ao longo do tempo, a câmera foi se movimentando mais. Primeiro, com o desenvolvimento das gruas e trilhos, depois com a criação do Steadicam. O uso de lentes com ângulos fechados também se tornou norma no cinema, ao contrário dos grandes planos abertos usados em filmes clássicos como “O Cidadão Kane” (1941), e isso também culminou em uma decupagem da cena com muito mais planos que o normal. David diz que: “a tomada perseguindo um ou dois personagens pelos corredores, sala depois de sala, interiores e exteriores, se tornou ubíqua...A tomada de grua, antes utilizada como marcação dramática, agora serve como um adorno casual. 101”(BORDWELL, 2002, p. 20, tradução minha) A crítica aqui é que, conforme a tecnologia evoluiu e os novos tipos de planos foram criados, estes foram utilizados tão exaustivamente que perderam seu sentido e significado para narrativa. O professor vai além em seu texto e busca a origem destas novas estéticas, que, para ele, são fruto da introdução da televisão que, por ser normalmente assistida sem total atenção do espectador, utiliza estes artifícios dos cortes rápidos e dinâmicos para chamar a atenção. O cinema então, na época, teve que se adaptar, uma vez que a cultura visual estava se transformando. Figura 113: Imagem do filme O Cidadão Kane (1941), mostrando o plano aberto e foco em todo o quadro.

Figura 114: Garret Brown, inventor do Steadicam, utilizando-o no filme Rocky (1976), com o ator Sylvester Stallone.

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[102] CANATTA, F. Tv e segunda tela: uma análise do horário nobre no twitter. Porto Alegre, 2014 Dissertação (Mestrado) – PUC Rio Grande do Sul p.74-75 Disponível em: http:// repositorio.pucrs.br/dspacebitstre am/10923/5648/1/000453962Texto%2bCompleto-0.pdf Acesso em: 10 Jun 2015 [103] DALY, K. Cinema 3.0 : The Interactive-Image. Cinema Journal v. 50, n. 1, 2014. p.85 Disponível em: http:// www.jstor.org/stable/40962838 Acesso em: 20 Mar. 2015

Voltando ao estilo Chaos Cinema, que para Stork seria uma exacerbação do estilo de Intensified Continuity, pode-se, buscando avaliar suas origens, a observação da sociedade atual, onde o consumo de mídia é dividido entre televisões, smartphones, computadores e tablets. Pode-se sugerir que, talvez, o caos estabelecido nas cenas seja proposital, no sentido de se alinhar ao conceito trabalhado pelo pesquisador Fábio Canatta, chamado de “segunda tela”. Para o autor, esta segunda tela existe quando se estabelece uma relação entre o conteúdo exibido na primeira tela, televisão ou cinema, e o exibido na segunda tela, celular ou computador. Normalmente, este conteúdo da segunda tela é produzido pela emissora ou produtora do filme exibido na primeira tela, trazendo conteúdo extra sobre o filme como vídeos de bastidores, informações sobre os personagens, etc., ou é um espaço de diálogo entre os espectadores, que normalmente acontece nas redes sociais, e não em um local criado especialmente para isto.102(CANATTA, 2014, p.74-75)

Figura 115: Imagem do filme Piratas do Caribe: No Fim do Mundo (2007)

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Kristen Daly, em seu artigo “Cinema 3.0: The Interactive Image”, coloca, ao tratar do filme Piratas do Caribe: No Fim do Mundo (2007), que o filme brinca com a narrativa, dando aos espectadores uma sobrecarga de roteiro, personagens e efeitos especiais que os fãs necessitam e que confundem os críticos de cinema tradicionais.103 (DALY, 2014, p.85, tradução minha)


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Neste caso, uma hipótese seria a de que o filme é criado em um estilo caótico para instigar o espectador a pesquisar sobre ele nas outras plataformas de conteúdo relacionado ao filme, ou mesmo comentar e dialogar sobre o filme com outros espectadores que também o assistiram. Além disso, os fãs de determinada série, como no exemplo de “Piratas do Caribe” já tem conhecimento prévio da saga e dos personagens e, logo, algumas informações podem ser omitidas.

Figura 116: Imagem do jogo de computador: Piratas do Caribe: No Fim do Mundo (2007).

Porém, parece difícil chegar a uma conclusão sobre este assunto, uma vez que se tende a acreditar que uma peça cinematográfica tem de ter sua narrativa apoiada nela própria e não em conhecimento prévio por parte do espectador. Um filme então deveria ser apoiado somente no que é apresentado em seu conteúdo, podendo, é claro, utilizar das novas ferramentas para criar um efeito de continuidade na narrativa, agregando conteúdo ou novos desdobramentos. Ainda que a edição rápida tenha se intensificado antes mesmo do digital, ela também é uma forma de avanço tecnológico, e é importante entender, como já exposto anteriormente, que o cinema sempre buscou um avanço das técnicas para aumentar sua “qualidade”, seja no impacto causado à audiência, seja no refinamento da imagem e do som. 115


Pode-se interpretar, então, da crítica de Matthias Stork e do artigo de David Bordwell, que a técnica e a tecnologia devem estar à serviço da narrativa visual presente no cinema, e que a escolha do enquadramento, das lentes, do movimento de câmera e da cadência da edição deve guiar o espectador dentro do ambiente da história e não o deixar só, em meio ao caos. Portanto, vale aqui ressaltar um aspecto completamente contrário ao considerado Chaos Cinema, e que foi levado ao seu extremo com a introdução da captura digital, onde as tomadas não eram mais limitadas a duração dos rolos de filme, o Plano Sequência. O plano sequência é um recurso utilizado desde os anos 40 no cinema tradicional, e era considerado uma técnica para gerar mais realismo, uma vez que os cortes não existiam durante toda uma cena. Filmes como Festim Diabólico (1948), de Alfred Hitchcock e A marca da maldade (1958), de Orson Welles, utilizavam este recurso visual logo no início do desenvolvimento de maquinarias para movimento de câmera como os trilhos (Dolly-Shot) e gruas.

Figura 117: Foto do set de filmagem de Rope (1948). Mesmo com as grandes câmeras, Hitchcock trabalhava o plano sequência com maestria. 117

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Festim Diabólico, em especial, foi editado de maneira a parecer uma única tomada contínua, e é composto por apenas dez tomadas, com cortes feitos por meio de dissolves ou cortes bruscos em momentos estratégicos como o encobrimento do quadro por uma jaqueta, ou parede. Pode-se supor que, não fosse a duração de 10 minutos do rolo de filme, Festim Diabólico teria sido gravado em uma única tomada.


Esta possibilidade, então, surge com a captura digital. Arca Russa (2003), logo no início da criação das câmeras de cinema digitais, é produzido com uma única tomada de 87 minutos de duração. O diretor Aleksandr Sokurov diz que: A ideia era uma única tomada, como foi, em um único respiro. O formato da tela, a cinematografia – tudo depende das tesouras, da faca. Editores e produtores acumulam e então editam usando o tempo de acordo com seus caprichos. E eu tentei, então, me prender ao fluxo do tempo, sem voltar atrás pensando nos meus desejos.104 (SOKUROV, 2003, tradução minha)

Figura 118: Imagem do filme Arca Russa (2003). [104] SOKUROV, A. 2003. apud DALY, K. M. Cinema 3.0: How Digital and Computer Technologies are Changing Cinema. 2008. Tese (Doutorado) – Columbia University. p.126 Disponível em: http://gradworks.umi. com/3305212.pdf [105] Idem. Ibidem. p.128

Sokurov rodou o filme dentro do museu Hermitage, e devido as limitações de tempo dentro do museu, pôde fazer apenas três tentativas, com a última sendo aceita somente pela falta de tempo. A ideia do diretor era utilizar a ideia do tempo real do plano sequência e a arquitetura do museu como uma forma orquestrada de controlar a narrativa. Ainda assim, se entende que ele não poderia ter um controle total das cenas, uma vez que ele não tinha tempo hábil para refazê-las em caso de erro por parte da equipe ou por parte dos atores. Daly ainda pontua que o museu atuou com elemento de indexicalidade, apesar da captura digital, pois todo o cenário era real, incontrolável de certa forma.105 (DALY, 2008, p.128, tradução minha) O digital aqui tem relação direta com o filme pois a tecnologia permitiu a execução, antes impossível, das ideias do diretor. 117


ESTUDO DO FILME: BIRDMAN Um filme recente que teve grande destaque devido seu formato foi o filme Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) (2014), de Alejandro González Iñárritu, diretor de fotografia Emmanuel Lubezki e ganhador de quatro Oscars. Todo o filme foi pensado em seguir um único plano sequência, porém, apesar dos recursos possíveis na captura digital, foi preferida a decupagem das cenas, encobrindo os cortes por meio de efeitos especiais. Para conseguir realizar as cenas, o cenário do filme, que recriava um teatro da Broadway teve de ser simulado em outro local, em algumas cenas, pois o equipamento de câmera e principalmente o operador do Steadicam não conseguia andar livremente pelos corredores apertados do teatro que fazia parte do cenário original. Em auxílio da estética de realismo, foram usadas lentes grande angular e câmeras menores que facilitavam a operação pela equipe e permitiam a gravação das longas tomadas sem exaustão dos operadores de câmera. David Bordwell, em seu blog, coloca, porém, que o estilo de Intensified Continuity persiste no filme, ainda que a narrativa aconteça de uma forma fluida. O pesquisador defende a ideia de que os clichés utilizados como as tomadas circulares em volta dos personagens, ou o Steadicam perseguindo os atores pelos corredores são marcas dessa estética, ainda que aqui não se vê a edição frenética que normalmente acompanha este estilo. A crítica acontece de modo que Birdman, para ele, não deveria ter se reduzido aos enquadramentos padrão existentes no cinema atual.106 (BORDWELL, 2015, tradução minha) 118

Vale também ressaltar que o uso do plano sequencia no filme não é utilizado como recurso de tempo real, como esta técnica normalmente é utilizada. O diretor durante o filme utiliza alguns recursos, como o timelapse para indicar a passagem de tempo, ainda que ao final do timelapse a câmera continue seu fluxo, apresentando novos cenários e desdobramentos. A complexidade do plano sequência, ainda, é desmistificada por meio dos efeitos visuais. Para conseguir alcançar o resultado desejado, Iñárritu, se apoiou nas técnicas de sobreposição feitas por computador, como fala Jordan Soles, do estúdio Rodeo FX, responsável pelos efeitos do filme: Uma vez que as transições entre cada tomada longa não se encaixavam perfeitamente, o trabalho de efeitos visuais, incluindo computação gráfica, foi requerido para que cada tomada fluísse diretamente para a outra. Iñárritu rodava várias tomadas de uma mesma cena, mas ao invés de utilizar uma única tomada, ele normalmente escolhia elementos presentes em tomadas diferentes, para serem unidos em uma tomada final. “Não foi necessário somente combinar tomadas, mas em alguns casos performances, necessitando a troca de rostos e torsos.107 (SOLES, 2015) Em suma, as críticas ao redor das técnicas digitais e do exagero no uso da tecnologia perseguem, de certo modo, o cinema atual, ainda que se possa acreditar que o desenvolvimento destas novas técnicas abre campo para um novo cinema, como já foi apresentado anteriormente. O fato é que sempre existe uma linha tênue entre estas questões estéticas, uma vez que o cinema tem uma série de convenções que são difíceis de serem quebradas, dada sua efetividade em relação à narrativa. A gramática cinematográfica, então, se insere em um novo universo, mesclando possibilidades de caos e calmaria, de realidade e fantasia.


Figura 119: Cena de Birdman - Retirado do artigo “The Cinematography of Birdman” Fonte: Cinematograph DB Figura 120: Cena do filme Birdman Figura 121: Bastidores do filme, mostrando o uso do Steadicam.

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[106] BORDWELL, D. BIRDMAN: Following Riggan’s orders. Blog do autor. 2015. Disponível em: http://www.davidbordwell.net/blog/2015/02/23/ birdman-following-riggans-orders/ Acesso em: 01 Jun 2015 [107] SOLES, J. depoimento. Entrevistado por: Carolyn Giardina. Entrevista concedida ao site The Hollywood Reporter. 2015. Disponível em: http:// www.hollywoodreporter.com/behindscreen/vfx-secrets-behind-birdmanfinally-777258 Acesso em: 01 Jun 2015

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CGI, A SIMULAÇÃO DA REALIDADE E UM CINEMA DE ATRAÇÕES Voltando a tratar dos assuntos de realismo e indexicalidade do cinema digital, quando se invade o âmbito dos efeitos visuais, o questionamento se difere um pouco da questão película versus digital, e entra em um campo diferente de realismo. O conceito de indexicalidade aparece aqui como uma espécie de efeito visual. O fotorrealismo é trabalhado de maneira a fazer parecer que determinada cena foi fotografada. Para isso, diversos conceitos fotográficos são trabalhados como movimentos de câmera, luz, sombras, efeitos das lentes, entre outros. Com isso, o espectador recebe um referencial visual que se assemelha ao de uma fotografia, ainda que, muitas vezes, se trate de um objeto que não exista no mundo real, como um dragão ou um gigante. Lev Manovich, estudioso de novas mídias coloca que: O que é falso, não é uma realidade e sim uma realidade fotográfica, vista por uma lente. Em outras palavras, o que a simulação digital praticamente alcançou não é um realismo e sim um fotorrealismo.... Este é o único tipo de imagem baseada em película que a tecnologia digital aprendeu a simular.108(MANOVICH, 1996, tradução minha) Esta simulação da realidade, gerando uma noção de que aquilo que está na tela do cinema é verdadeiro, dada sua similaridade 120

com a fotografia, é uma noção que Manovich propõe, ainda que essa consideração por parte do público seja relativa. Um filme que conta a história de um gigante não é totalmente crível por parte da audiência, porém as imagens e os efeitos têm como meta uma verossimilhança com o mundo real, no que se refere a maneira com que as imagens são criadas digitalmente. Sabe-se que o gigante não existe, mas ele parece de verdade. A capacidade de gerar imagens deste nível de fotorrealismo depende então do artista digital que cria o personagem ou cenário a partir de suas referências de imagem, e da tecnologia disponível no momento da criação. Manovich, porém, critica o cinema digital e suas criações por meio de computação gráfica, dando a definição de que o cinema digital é uma fusão entre: live action + pintura + manipulação de imagem + composição de imagens + animação 2D + animação 3D.109 (MANOVICH, 1995, p.8, tradução minha) Para ele, o cinema digital é “um caso particular de animação que utiliza material filmado (live action) como um de seus elementos.”110(MANOVICH, 1995, p.9, tradução minha) Entretanto, como já trabalhado extensivamente durante este trabalho, o cinema digital ainda tem suas raízes fundadas no formato de cinema tradicional, que é narrativo e indexicável. Reduzir o cinema a um de seus gêneros, a animação, está, certamente, longe do verificado neste trabalho como um todo, uma vez que tanto as capturas quanto a projeções digitais não alteraram de maneira profunda a forma com que os filmes são feitos, e sim sua estética de uma maneira geral. O cinema digital trouxe, na verdade, opções criativas e não reduções em estilo.


Assim como a realidade sempre foi mediada pelo uso da câmera, e logo manipulada a favor da narrativa pela escolha das lentes, movimentos de câmera, negativos, ângulos, decupagem das cenas, etc., esta mediação continua sendo efetuada, porém utilizando diversas outras ferramentas.

Figura 122: Imagem do filme O Homem Duplo (2006). Percebe-se o uso de uma sobreposição de desenho animado, utilizando imagens gravadas com os atores como base.

Contudo, cabe apresentar alguns pontos de vista sobre o uso exacerbado dos efeitos visuais, da mesma forma que foi tratado no trecho sobre Chaos Cinema. As críticas em torno do uso dos efeitos visuais normalmente são apresentadas no sentido de que a computação gráfica é utilizada em sua maior parte como recursos “espetaculares” dentro do conjunto de imagens de um filme. Este senso de espetáculo por meio dos efeitos normalmente causam uma distração em relação aos outros elementos da narrativa. Segundo os autores do livro “New media and visual culture” (Novas mídias e a cultura visual), este tipo de filme, carregado de efeitos, é muito mais associado com a tecnologia, do que com a arte no cinema.111 Michele Pierson, pesquisadora citada no mesmo livro, coloca que: A popularização e a omnipresença da tecnologia eletrônica alteraram profundamente nosso senso espacial e temporal com o mundo. Sobchack e Landon concordam que o espaço hiper-real da simulação eletrônica, seja ela o espaço criado por CGI, videogames ou realidade virtual, é caracterizada por uma nova superficialidade.112 (PIERSON, 1999, tradução minha)

[108] MANOVICH, L. 1996. apud LISTER, M; GIDDINGS, S. et al. Op. Cit. p. 138 [109] MANOVICH, L. What is digital cinema? 1995. p.8 Disponível em: http://manovich.net/index.php/projects/what-is-digital-cinema Acesso em 01 Jun 2015 [110] Idem. Ibidem. p.9 [111] LISTER, M; GIDDINGS, S. et. al. Op. Cit. p.143 [112] PIERSON, M. 1999. apud LISTER, M; GIDDINGS, S. et. al. Op. Cit. p.144

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Figura 123: Imagem do filme Un Homme de Têtes (1898), de Georges Méliès, mostrando a montagem “mágica” de suas outras cabeças.

Figura 124: Imagem do filme Velozes e Furiosos 7 (2015), mostrando Paul Walker contracenando.

[113] GUNNING, T. 1990. apud LISTER, M; GIDDINGS, S. et. al. Op. Cit. p. 147 [114] CHRISTIE, I. 1994. apud LISTER, M; GIDDINGS, S. et. al. Op. Cit. p.147

Esta superficialidade, apontada pela autora, percorre diversos textos de diversos autores que criticam os efeitos especiais e os caracterizam como subterfúgios de uma narrativa fraca. Talvez, os efeitos especiais se encaixem, na verdade, no conceito proposto por Tom Gunning, chamado Cinema of Attractions, ou cinema das atrações. Gunning expõe a ideia de que o cinema, no seu início, era baseado em efeitos, truques e “atrações”.113(GUNNING, 1990) . Um exemplo seria o cinema produzido por George Meliès, que tinha temas fantasiosos e utilizava os recursos de mágica, dominados pelo cineasta, como elemento importante para atrair o público. Do mesmo modo, os filmes dos irmãos Lumière mostrando cenas cotidianas, ainda que hoje considerados mais próximos do cinema documental do que do ficcional, eles também fazem parte do “cinema of attractions”, pois o cinema, em suas primeiras exibições, demonstrava uma imagem estática que magicamente começava a se mover.114 (CHRISTIE, 1994) A novidade tecnológica causava um deslumbramento por parte da audiência.

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Supõe-se, portanto, que os efeitos visuais são atrações que não surgiram com o digital e estão enraizadas no cinema desde seu início. O autor também aponta que não somente os efeitos, mas as cenas de ação, as belíssimas paisagens, entre outros exemplos, também fazem parte do cinema de atrações. O grande surto de blogs e websites tratando de cinema, mostrando seus bastidores e revelando como seus efeitos especiais são produzidos, apontam, na verdade, um outro ponto de vista sobre esta crítica aos efeitos visuais. Uma vez que a audiência entende e sabe que os efeitos visuais existem, ela, ao invés de ser “enganada” pelo filme, vê aquilo como algo incrível e espetacular, utilizando o termo de Gunning, e se interessa em descobrir como aquilo é produzido. “Sempre existe um jogo entre a aceitação da ilusão pelo público e o prazer em descobrir a sofisticação de um efeito. ”115(DARLEY, 2000, tradução minha.) Assim, se de um lado os efeitos possam ser caracterizados por meros efeitos visuais, que servem apenas para atrair o público, afastando-o da narrativa, de outro são percebidos com prazer pelo público pelo espetáculo visual e a demonstração dos limites da nova tecnologia. No filme Velozes e Furiosos 7 (2015), devido a morte do ator Paul Walker, em um acidente de carro, o mesmo foi substituído nas cenas que ainda não haviam sido gravadas por um dublê e pelos irmãos de Paul Walker. O processo aconteceu por meio do facial tracking prévio do ator, e, deste modo, o rosto dos dublês foi substituído digitalmente pelo rosto de Paul.

Figura 125: Captura de tela de uma pesquisa sobre o autor Paul Walker e o filme Velozes e Furiosos 7. Fonte: Criada pelo autor.

A repercussão em torno do assunto foi grande, e um dos assuntos mais pesquisados na internet em torno da morte do ator foi o fato de como ele foi ressuscitado, utilizando o termo que aparece nas pesquisas, pela computação gráfica. Os efeitos visuais e o questionamento de realismo e indexicalidade se torna complexo ao avaliar a presença de um ator já falecido em uma obra cinematográfica. Porém, o interesse do público pela maneira com que o efeito

[115] DARLEY, A. 2000 apud LISTER, M; GIDDINGS, S. et. al. Op. Cit. p.151

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Figura 126: Cena de Velozes e Furiosos 7 (2015), mostrando um carro saltando de um prédio.

foi criado, simboliza que os efeitos, além de serem considerados espetaculares e “atraentes”, representam o desenvolvimento da tecnologia cinematográfica. A audiência quer, em uma espécie de jogo, descobrir em que ponto a tecnologia está, e onde ela pode chegar no momento atual, com intuito de desvendar o que é “verdade” ou o que é “mentira”. Vê-se, novamente, que a simulação de atores humanos por meio da computação gráfica é uma realidade, ainda que extremamente complexa, como o apresentado no filme Gravidade e agora no filme Velozes e Furiosos 7. A tecnologia, ainda que avançada, não consegue suprir as vantagens da interpretação de um ator real, o que torna o cinema extremamente rico em relação às performances dos atores. O público, então, passa a se interessar pelos bastidores e pelos elementos que sempre foram ocultados no cinema tradicional: os cortes que deveriam passar desapercebidos, o figurino perfeito, a continuidade de todos os elementos, etc. Atualmente o que importa é o espetáculo patrocinado pela tecnologia, ao menos para a audiência dos blockbusters, que em sua maioria são filmes do gênero de ficção científica ou baseados em histórias de fantasia.

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Cabe ressaltar aqui, então, um balanço em relação aos efeitos e o interesse do público por estes. Segundo Bolter e Gruisin: Nós assistimos certos filmes em grande parte para experimentar as oscilações entre immediacy e hypermediacy produzida pelos efeitos especiais. O deslumbramento requer uma consciência do meio. Se o meio realmente desaparece, como é a aparente meta na lógica da transparência, o público não ficará deslumbrado uma vez que ele não percebe a presença do meio.116(BOLTER E GRUSIN, 2000, p.157, tradução minha)

[116] BOLTER, J. D. GRUSIN, R. Immediacy, hypermediacy, and remediation. In: Remediation: understanding new media, Massachusetts: MIT Press, 2000. p. 157 [117] BELL, D. C. 6 Reasons Modern Movie CGI Looks Surprisingly Crappy. Cracked. 2015. Disponível em: http:// www.cracked.com/blog/6-reasonsexpensive-films-end-up-with-crappyspecial-effects/ Acesso em: 01 Jun 2015

O termo immediacy, como afirmado acima, trata da forma com que o meio é produzido de modo a desaparecer para o usuário, se tornar transparente para ele. Os efeitos visuais digitais são utilizados em grande parte para corrigir certos aspectos técnicos como cor, texturas, remover defeitos de pele, etc., e eles, em geral, são inseridos de forma que o espectador não tome consciência da sua existência. O efeito é utilizado para suprir cenários ou elementos que seriam extremamente difíceis de serem filmados. Já o termo Hypermediacy, trata dos elementos presentes no meio e criados para interagir com o público. O espectador percebe sua existência todo o tempo e cria um senso crítico em relação a ele. Os efeitos especiais de caráter espetacular, o som das explosões, podem se caracterizar como efeitos presentes no meio cinematográfico e que o espectador necessita ter conhecimento deles, pois, como proposto pelos autores, o público só ficará deslumbrado quando perceber a presença do meio. Deste modo, existe um balanço entre os efeitos visuais que são intrínsecos ao cinema digital, e logo são utilizados para superar dificuldades da produção e outros que são feitos para causar impacto na audiência. O problema surge quando estes dois elementos muitas vezes se confundem, ou seja, quando efeitos que deveriam estar “escondidos” são percebidos pelo espectador, e os efeitos que deveriam aparecer incríveis, na verdade não se inserem nos conceitos de fotorrealismo e hiper-realismo apresentados aqui. Em um artigo do site Cracked, intitulado 6 Reasons Modern Movie CGI Looks Surprisingly Crappy117 (Seis razões para os efeitos de computação gráfica nos filmes modernos parecerem surpreendentemente ruins), o jornalista David Christopher Bell sugere algumas ideias do porquê desta questão. 125


O primeiro questionamento é que grande parte dos efeitos visuais, em especial nas cenas de ação com explosões, quedas, pulos, etc., não seguem as leis da física, em especial, a da gravidade. Bell dá alguns exemplos, como o do personagem T-800, de O Exterminador do Futuro: Gênesis (2015), que, mesmo pesando uma tonelada (a história dá indícios disso), cai de um carro em alta velocidade e quica no asfalto como uma bola de borracha. Ou ainda o exemplo do personagem Legolas, de O Hobbit, A Batalha dos Cinco Exércitos (2014), que salta diversos blocos de pedra que estão em queda livre e sua pisada não interfere no movimento dos blocos, como se ele fosse extremamente leve e praticamente voasse. O autor coloca que, apesar do fato do personagem ser um elfo e, logo, pertencente a um mundo de fantasia, ele se transforma em algo além, e se parece mais com um personagem de um desenho animado.

Figura 127: Sequência de imagens do trailer do filme O Exterminador do Futuro: Genesys (2015). Pode-se observar nenhum dano no asfalto, apesar da queda do personagem.

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Figura 128: Pôsteres de filmes, contendo as cores laranja e azul como dominantes. Fonte: Priceonomics

Entra aqui a questão do hiper-realismo, característica necessária para que a ação do filme seja verossímil, ou seja, ainda que se apresente um mundo mágico, não correlacionado com o mundo real, a audiência percebe a inexistência de alguns elementos como a gravidade, a elasticidade dos personagens, etc. Logo o efeito de hypermediacy se perde, e o efeito se torna algo banal, ou até ridículo. O segundo questionamento acontece em relação a paleta de cores utilizada nos filmes atuais. Outras matérias como a do site Priceonomics, chamada Why Every Movie Looks Sort of Orange and Blue? (Por que todos os filmes têm algo de laranja e azul neles?), também tratam desta problemática. A questão apresentada é que após o aparecimento do DI e do color grading digital, todos os filmes tem como cores principais o laranja e o azul. O autor ainda brinca com este fato e apresenta esta imagem, mostrando os pôsteres de alguns lançamentos (Figura 128) A resposta para esse questionamento vem do círculo cromático, no qual os tons de laranja são complementares aos tons de azul, além do fato de que o céu é azul e logo reforçar sua cor é importante, e as cores de pele são normalmente tons de laranja e rosa-alaranjado. No artigo, ainda são apresentadas outras ideias como a do trecho “Ao contrário de outros pares de cores complementares, o laranja quente e o azul frio são fortemente associados com conceitos opostos: Fogo e Gelo, Céu e Terra, Noite e Dia. Seu uso poderia ser considerado um tropo.”118

[118] PRICEONOMICS. Why Every Movie Looks Sort of Orange and Blue? Disponível em: http://priceonomics. com/why-every-movie-looks-sort-oforange-and-blue/ Acesso em: 01 Jun 2015

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Figura 129: Bastidores do filme Jurassic Park (1993), mostrando o animatronics de um tiranossauro rex.

Figura 130: Cena do trailer de Jurassic World (2015), criada em CGI.

Voltando a matéria de David Bell, a questão é que, apesar do color grading criar diversos novos parâmetros de edição de cor, todos as possibilidades presentes neste novo sistema foram em grande parte reduzidas ao par laranja-azul. As cores então, podendo ser consideradas possuidoras da característica de immediacy, são, neste caso, percebidas pelo espectador, e então criticadas pela aparência pasteurizada que existe na maior parte dos filmes atuais. Além disso, se entende que a cor seria um elemento visual que teria que estar a favor da narrativa, como foi visto na análise de E aí, meu irmão, cadê você? no qual a tecnologia digital foi utilizada exatamente pois nenhum processo fotoquímico alcançava o look desaturado e terroso que o diretor de fotografia Roger Deakins procurava. Portanto, a cor é um elemento que se relaciona com a sensação de realismo dos filmes, uma vez que se entende que se as cores presentes na narrativa estão exageradamente destoadas das cores do mundo real, logo se trata de uma fantasia, e o caráter verossímil da obra, em alguns casos, se perde, uma vez que a escolha pela paleta de cores foi feita em desacordo com a narrativa. 128


O terceiro elemento proposto é do uso exagerado dos CGI, quando na verdade estes deveriam ser utilizados como último recurso. De fato, as possibilidades da tecnologia digital substituíram os objetos, personagens e cenários reais de uma maneira geral. Como já apresentado anteriormente, na época pré-CGI, naves espaciais, cenários de épocas antigas, entre outros, eram sempre maquetes, esculturas, pinturas ou estátuas de animais e humanos robotizados, chamados animatronics.

[119] THOMPSON, K. The waning thrills of CGI. Blog do autor. Disponível em: http://www.davidbordwell.net/ blog/2015/05/24/the-waning-thrillsof-cgi/ Acesso em: 01 Jun 2015 [120] Idem. Ibidem. 2015

Na comparação feita por Bell, entre os filmes Jurassic Park (1993) e Jurassic World (2015), no primeiro filme eram utilizados diversos animatronics dos dinossauros, e isto causava um maior realismo na cena pois os atores podiam contracenar com os robôs, e, então interpretar de uma nova maneira a ideia do medo e terror de estar sendo perseguido por um tiranossauro rex. No novo filme, praticamente todos os dinossauros são obra de computação gráfica, então os atores na verdade contracenam com o vazio, uma vez que tudo será inserido posteriormente via software. O mesmo acontece na comparação feita por Thompson119, entre a trilogia The Lord of the Rings (2001) e O Hobbit (2012), nos quais a pesquisadora aponta que diversas paisagens presentes na primeira trilogia, e que foram gravadas em locais reais na Nova Zelândia, foram criadas digitalmente na segunda trilogia. O mesmo acontece com durante as batalhas, quando a maior parte dos exércitos dos primeiros filmes eram formados por atores reais, e apenas uma parte era criada digitalmente, algo que não acontece nos filmes mais recentes. Ela aponta que devido os personagens serem digitais, o realismo e a variabilidade de movimentos eram inferiores aos presentes na sequência com atores reais.120 (THOMPSON, 2015) Em suma, a crítica em torno deste fato, demonstra que muitos elementos possíveis de serem filmados no mundo real são substituídos por simulações feitas por computador. O quarto elemento tratado na matéria seria então a falta de um eixo de câmera nas tomadas feitas completamente em computação gráfica. Como trabalhado na análise do filme Birdman, por este ser um filme baseado em live action, os efeitos especiais para alcançar o imenso plano sequência foram utilizados para apenas criar continuidade e encaixar as diversas tomadas com precisão. A ação toda se desenvolve então utilizando um sofisticado sistema de estabilização de câmera, o Steadicam, para conseguir a suavidade necessária para os movimentos. 129


Figura 130: Imagem do trailer do filme O Exterminador do Futuro: Genesys (2015).

O que acontece, porém, no ambiente virtual, é que a câmera não necessariamente existe, uma vez que estamos tratando de uma cena feita completamente em animação. Desta forma, a câmera pode correr livremente, e, portanto, se utilizada incorretamente pode realizar movimentos completamente contrastantes com qualquer movimento de câmera que nosso repertório visual conhece, uma vez que a câmera virtual não depende das restrições de tripés, gruas, etc. O problema, novamente, é que fica claro a existência de um efeito que em tese deveria estar escondido aos olhos do espectador. O filme se torna muito mais próximo de uma animação fantasiosa ou cartoon do que um filme que queira transmitir algo que acontece no mundo real. E é também sobre isso que se trata o quinto elemento da crítica de Bell. O fato de que o cinema em algumas vezes subestima o espectador, e acredita que ele não reconhecerá que algo é um efeito especial com aparência falsa. O exemplo dado é, novamente, do filme O Exterminador do Futuro: Gênesis (2015), no qual em uma cena aparece uma réplica do ator Arnold Schwarzenegger feita em computação gráfica, simulando uma época em que ele era mais jovem. (Figura 130) A crítica fica em torno do aspecto do personagem, a textura de pele principalmente, que tem aspecto de borracha. Surge então o estranhamento tratado na teoria do uncanny valley, quando o realismo das formas e movimentos, muito parecidos com o de um humano, contrasta com algo extremamente diferente do real, no caso, a pele.

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A solução para este problema não está na substituição dos efeitos digitais por outros efeitos como maquiagem, etc., e sim no fato de que, na verdade, os efeitos que aparentam ser falsos deveriam ser escondidos e não apresentados em closes e cenas longas, quando fica evidente a sua existência. O último elemento apresentado então é o as sequências de efeitos especiais deveriam ser tratadas com respeito. Neste ponto, se pode traçar uma linha com os elementos da teoria de Gunning. O cinema se apoia nos efeitos especiais para filmar o infilmável, ou seja, criar cenas impossíveis de serem alcançadas na realidade. Então, temos a separação feita por estre trabalho entre os efeitos que devem ser escondidos, e os efeitos que estão lá para causar um deslumbramento no público, ou seja, atrair o público para a cena. Tratando do segundo tipo de efeito, como resumo dos seis elementos apresentados na matéria, percebe-se um exagero na maneira com que eles são aplicados, e a causa aparente deste problema é a de uma extrema confiança no que a tecnologia pode proporcionar. São desconsideradas as leis da física, os eixos de câmera, o enorme potencial simbólico da cor, e, principalmente, a capacidade que o espectador tem, nos dias atuais, de separar os efeitos digitais que são espetaculares, dos efeitos que aparecem apenas como forma de demonstrar que a tecnologia existe. Talvez, isso ocorra no mesmo sentido da proposta de Chaos Cinema, na qual a edição rápida, que antes tinha uma simbologia dentro da narrativa, foi simplificada e aplicada a todos os filmes, se tornando uma tendência e perdendo sentido. Os CGI, antes atrações espetaculares, se tornam simples efeitos medíocres. Citando Lev Kuleshov, sobre o preenchimento do quadro: Não se pode ter nenhuma porção supérflua na tela, e se você mostra algo que não ocupa todo quadro, todo excesso deve ser eliminado. Cada pedacinho, cada quadrante da tela não deve ser somente posto para trabalhar mas posto para trabalhar de forma organizada, simples, clara e expressiva.121 (KULESHOV, 1974, tradução minha) O autor, teórico russo do início do cinema, reforça este fato, em que todo os elementos presentes na tela devem ter sentido e expressividade que se correlacione com a narrativa ou o universo presente no filme. John Berton, autor que cita o trecho de Kuleshov apresentado acima, coloca então que “como todos os artistas de cinema, o artista digital

[121] KULESHOV, L. 1974. apud BERTON, J. A. Op. Cit. p.7 [122] Idem. Ibidem. p.8

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deve aprender a jogar fora alguns elementos, ocasionalmente, por razões estéticas, apesar do trabalho gasto para sua criação.”122 (BERTON, 1990, p.8, tradução minha) Porém, como já abordado, questões estéticas são complexas de se investigar, uma vez que variam de acordo com o público, dependem do intuito da narrativa, e são suscitadas de acordo com o ponto de vista de quem as expõe. Voltando ao exemplo do filme Velozes e Furiosos 7, o filme, além das cenas de ação nas quais uma versão digital de Paul Walker o substituía, também possui outras cenas, como as de carros que saltam de paraquedas e pulam de um prédio para o outro, entre outras cenas que, de forma inusitada, foram produzidas de verdade e não utilizaram computação gráfica para gerar os efeitos, limitando-a a ajustes finos. O poder visual de diversos carros sendo jogados de um avião e, logo depois, trafegando em uma estrada, traz uma nova questão, que talvez resuma o já abordado acima. O filme trata de uma história que acontece no mundo real, onde nenhum dos atores possui superpoderes ou algo assim, mas possui personagens que são considerados os melhores de sua classe, ou seja, os melhores pilotos do mundo. Assim como outros filmes e seriados como 007 (1962-2015), ou 24 horas (2001-2010), que tratam de policiais e agentes secretos praticamente invencíveis, as histórias fictícias destas aventuras, normalmente, tratam de personagens que são capazes de ações muitas vezes absurdas, mas que são seres humanos normais. Porém, me parece que os fatos apontados pela matéria de Bell nem sempre se encaixam neste tipo de filme. Por mais que os efeitos sejam utilizados de forma correta, ou mesmo, sejam efeitos reais, sem aplicação de CGI, a história se dá em um nível de fantasia para o próprio espectador, que somada a adrenalina do filme não consegue prestar atenção a todos os detalhes. Talvez o fato do público não prestar atenção esteja no ponto em que estes filmes de ação são normalmente montados com base em edição rápida e, logo, a edição esconde os “defeitos” da produção. Porém, existe a possibilidade de que estes “defeitos” sejam percebidos, porém não são relevantes para a audiência, que entende simplesmente que aquilo seria algo impossível na vida real. 132


A cena dos carros saltando de um avião, ainda que filmada de verdade e, deste modo, possuidora de valor indicativo, serve como um efeito de atração, mas não como um efeito de realismo. A audiência talvez se espantará com o ocorrido, mas não acreditará que aquilo seja possível fora do universo dos filmes. Um indicio é a existência de matérias como: 7 Movie Special Effects You Won’t Believe Aren’t Computers (Sete efeitos especiais que você não vai acreditar que não foram feitos em computador)123 ou The top 10 practical special effects of all time (Os 10 melhores efeitos não computadorizados de todos os tempos)124. Estas matérias, na verdade, mostram bastidores de como os efeitos foram feitos, sem ajuda de computação gráfica, como se esta característica fosse superior aos efeitos visuais digitais.

Figura 131: Imagem dos bastidores do filme Oblivion (2013), mostrando o cenário real iluminado pelos painéis de luz.

De fato, como consta no nome da matéria, se o público não irá acreditar que os efeitos são reais, supõe-se, então, que os efeitos são tão fantásticos que todo o público irá acreditar que eles são falsos. Um exemplo interessante é o apresentado no vídeo de bastidores do filme Oblivion (2013)125 onde o diretor e a equipe apresentam o cenário real do filme, uma ficção científica na qual os personagens principais viviam em uma espécie de casa de vidro. (Figura 131) A iluminação utilizada no filme é similar a apresentada em Gravidade. Ao redor do cenário, existe um telão projetando imagens de céus em diversas condições climáticas diferentes. A nave espacial utilizada pelos personagens também é um modelo real, produzido pela equipe de arte do filme. Percebe-se, no discurso da equipe, que todo o cenário e os efeitos que foram feitos sem CGI tinham como meta um maior realismo e uma

[123] BELL, D. C. BURKE, C. 7 Movie Special Effects You Won’t Believe Aren’t Computer. Cracked. Disponível em: http://www.cracked.com/ article_22196_7-amazing-movie-special-effects-you-wont-believe-arent-cgi. html Acesso em: 01 Jun 2015 [124] DIAZ, Jesus. The top 10 practical special effects of all time. Sploid Gizmodo. Disponível em: http:// sploid.gizmodo.com/video-the-top10-practical-special-effects-of-alltime-1588469851 Acesso em: 02 Jun 2015 [125] OBLIVION. Bastidores do filme. Disponível em: https://www.youtube. com/watch?v=i9m6KzRMWnA Acesso em: 02 Jun 2015

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maior verossimilhança com o mundo real. Os atores também colocam que a atuação é muito mais fluida e realista, uma vez que estão atuando em um cenário de verdade, e não na frente de uma tela azul. Entretanto, o questionamento que persiste é o de que, em um filme no qual grande parte do cenário é feito com o uso de imagens computadorizadas, qual seria a percepção do público em relação a isto, e se ele valorizaria mais os efeitos “analógicos” em relação aos digitais, do mesmo modo que grande parte dos críticos acredita ocorrer.

Figura 131: Imagem do filme Oblivion (2013)

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Sem uma resposta exata para isto, a audiência dos filmes atuais talvez os avalie com um todo, ou seja, tanto a parte narrativa quanto a parte visual, de uma maneira que se o filme conta uma boa história e bons “atrativos”, talvez o filme seja bom, simplesmente, e entretenha o espectador durante todo o tempo, uma vez que, sendo o valor indicativo associado com um discurso, dependendo do filme o visual tem um nível de indexicalidade para o público, que logo desconsidera-o em sua avaliação e imerge no espetáculo apresentado.


Figura 132: Imagens de bastidores do filme Velozes e Furiosos 7 (2015)

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ESTUDO DO FILME: MAD MAX: A ESTRADA DA FÚRIA Kristin Thompson, no artigo: The waning thrills of CGI (O emocionante declínio do CGI) falando sobre o filme Mad Max: A Estrada da Fúria (2015) diz que, ao assistir ao trailer obteve as seguintes reações: 1. Que cena linda! 2. Porque este cara está fazendo isso – Ele é louco? 3. George Miller e todas estas pessoas são loucas, e 4. Eu preciso ver este filme o quanto antes.126 (THOMPSON, 2015) O filme, que tem como personagens principais Max, representado por Tom Hardy e Imperator Furiosa, interpretada por Charlize Theron, se passa em um cenário desértico, pós-apocalíptico, onde Furiosa tenta salvar um grupo de mulheres que viviam aprisionadas pelo vilão da história, Immortan Joe, e então foge com elas em um caminhão, pelas estradas do meio do deserto. Estrada da Fúria, dirigido por George Miller, se trata de um filme de ação ao mesmo tempo que se relaciona com a ficção científica por se passar em uma época quando a espécie humana estava próxima a extinção. Os principais pontos apontados como diferenciais deste filme são sua edição e seus efeitos. O filme, de 120 minutos, contém 2700 tomadas, facilmente caracterizado, então, como Chaos Cinema. Porém, Mad

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Max mantém uma limpeza visual que permite o espectador a seguir o desenvolvimento da ação, se prendendo ao que está acontecendo na tela e não ficando desorientado. Uma das razões para isso acontecer é a técnica utilizada pelo diretor de fotografia John Seale, de sempre utilizar o centro do quadro para direcionar o olhar para o foco da ação. Esta técnica, ainda que contradiga as regras de enquadramento tradicionais, que dividem o quadro em quadrantes, é efetiva em sua simplicidade. O mesmo acontece com os cortes seguindo o eixo da ação, ou seja, quando algum personagem arremessa uma lança do lado esquerdo para o direito da tela, o próximo enquadramento é de alguém já acertado pela lança, posicionado do lado direito. O espectador naturalmente associa as duas imagens e cria conexões em seu cérebro criando uma única ação contínua. Outro ponto importante é a questão dos efeitos especiais. O diretor George Miller procurava usar efeitos computadorizados apenas nas cenas onde seria impossível filmar a ação. Citando o diretor: “Nós não desafiamos as leis da física – não existem seres humanos voadores, nem naves espaciais – então não faria sentido fazer tudo em CGI”127 O filme então possui carros reais, atores reais, e a computação gráfica entra somente onde necessário. Cenas de explosão, por exemplo, foram filmadas em locais reais, e depois mescladas seguindo a ideia do cenário. Os principais elementos criados em CGI foram a imensa tempestade de areia, e as cenas noturnas, que na verdade foram captadas durante o dia e manipuladas digitalmente.


Ainda que se trate de uma narrativa de um mundo futuro, apocalíptico, Mad Max traz um balanço entre as principais críticas apresentadas a este tipo de filme: edição caótica e efeitos que subestimam o espectador. Além disso, o trabalho feito com a cor durante todo o filme é muito interessante, pois apesar de utilizar exatamente a paleta de laranjas e azuis, o diretor as aplica para criar um cenário vibrante que condiz com a ação e temática do filme, contrariando os tons pastéis e acinzentados de alguns filmes de ficção científica. O filme de modo geral agrada os críticos e está entre os 50 melhores filmes de todos os tempos, segundo o site IMDB (Internet Movie Database), que coleta notas dos usuários.128 Em relação a narrativa, praticamente não se tem muitas falas acontecendo durante o filme,

Figura 133: Antes e Depois de uma cena do filme, mostrando a inserção de parte do cenário – Fonte: FX Guide [126] THOMPSON, K. The waning thrills of CGI. Blog do autor. Disponível em: http://www.davidbordwell.net/ blog/2015/05/24/the-waning-thrillsof-cgi/ Acesso em: 01 Jun 2015 [127] MILLER, G. depoimento. Entrevistado por: Scott Foundas. Entrevista concedida a Variety. Disponível em: http://feature.variety.com/madmax/#/content Acesso em 02 Jun 2015 [128] IMDB. Top 250. Disponível em: http://www.imdb.com/chart/ top?ref_=nv_ch_250_4 Acesso em: 10 Jun 2015

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Figura 134: Antes e Depois de uma cena do filme, mostrando a mudança do dia pela noite – Fonte: Wired

porém a saga de Furiosa em chegar ao local desejado, e todos os obstáculos que aparecem em sua frente atraem o espectador, que torce para que ela alcance seu objetivo. Outro elemento importante é o fato de que Furiosa é praticamente a personagem principal da narrativa, algo incomum nos filmes de ação, nos quais, geralmente, um personagem masculino é o foco principal. Max no filme está sempre ajudando Furiosa a conseguir seus objetivos, mas é ela que está no comando da ação, dirigindo sua “máquina de guerra”, atirando, lutando, etc. Mesmo não sendo o foco central deste trabalho, esta análise é importante, uma vez que este gênero de filme, como já apresentado, é considerado apenas um “cinema of attractions” ou possuidor de narrativas rasas.

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Judith Williamson, diz que: Os filmes populares sempre dão conta, ainda que indiretamente, dos desejos, medos e anseios presentes na sociedade em certo momento...todos aqueles interessados nas fantasias e medos de nossa cultura devem prestar atenção nos filmes de sucesso, uma vez que este sucesso significa precisamente que eles tocaram as fantasias e medos da maioria das pessoas”.129(WILLIAMSON, 1993, tradução minha) Desta forma, considerando todo o debate sobre feminismo e empoderamento feminino presente na sociedade atual, e também o fato de que o diretor escolheu sua esposa, Margaret Sixel, para editar o filme, dizendo que ela deveria editar pois se fosse um editor do sexo masculino o filme seria igual a todos os outros do gênero130, induz-se a questionar a falta de profundidade das narrativas dos filmes atuais, carregados de efeitos, computadorizados ou não.

Figura 135: Antes e Depois de uma cena do filme, mostrando a inserção de fumaça e tempestade – Fonte: Fx Guide [129] WILLIAMSON, J. 1993. apud LISTER, M. GIDDINGS, S. et al. New Media: A Critical Introduction. 2a Ed. Londres: Routledge, 2008. p.153 [130] PASSARELLI, A. P. 10 momentos em que o filme Mad Max – Estrada da Fúria fala de empoderamento feminino (e contando). Plano Feminino. Disponível em: http://planofeminino. com.br/10-momentos-em-que-o-filmemad-max-estrada-da-furia-fala-de empoderamento-feminino-e-contando/ Acesso em: 20 Mai 2015

Em resumo, Mad Max: A Estrada da Fúria representa um dos melhores filmes de seu gênero, dos últimos tempos, e algumas de suas causas possíveis foram apresentadas nesta breve análise. Talvez, o filme não seja perfeito em todos os aspectos, mas, o cuidado apresentado por Miller em suas escolhas reflete o resultado do filme, algo que falta aos filmes blockbusters. 139


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Figura 136: A sequência de imagens foi retirada do vídeo essay – Mad Max Center Framed, criado por Vashi Nedomanski e disponível em: https://vimeo. com/129314425

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YOUTUBE, VIMEO E NETFLIX O VALOR DA EXPERIÊNCIA Se, de certo modo, o digital mudou inúmeros aspectos do cinema tradicional, é no cinema independente que vemos seus benefícios mais diretos. O negativo era extremamente caro, e o custo elevado da produção cinematográfica fez com que uma espécie de cartel tomasse conta do que consideramos hoje cinema. Empresas que durante todos os primeiros 100 anos desta arte se perpetuaram no negócio e criaram uma forte indústria. Todas as produções audiovisuais da época eram consideradas cinema e, logo, fazia parte de algum gênero, ou seja, drama, comédia, terror, ação, etc. Todos estes gêneros faziam parte de um único, que alguns autores chamam de super-gênero, o gênero narrativo. A maioria dos filmes contava uma história e era formado em torno de uma narrativa. O outro gênero, não ficcional, eram os documentários, vídeos produzidos por estudiosos de diversas áreas, com intuito de registrar eventos históricos, experimentos científicos e se tratava de um olhar cinematográfico sobre acontecimentos no mundo. Fora isto, nesta época, a única forma amadora de gravação, que surgiu nos anos 1960, era o super-8, utilizado extensivamente como câmera para se filmar o cotidiano, a família, eventos caseiros, entre outros. 142

Com o surgimento da televisão, passando pelo videoteipe, foram se diversificando as produções e novos cineastas e produtores entraram no mercado, uma vez que o custo de produção caiu, e se inseriram os novos formatos, como o videoclipe musical, a TV independente, etc. Chegando ao digital, temos duas vertentes distintas do audiovisual migrando para a mesma plataforma: o cinema, como forma de arte a ser assistida em uma sala de cinema, e a televisão, nos quais filmes também são apresentados, mas focada em outros produtos audiovisuais como noticiários, programas de variedades, programas de entrevistas, entre outros. Ao analisar as produções existentes nos sites como YouTube e Vimeo, percebe-se em larga escala a presença de alguns formatos já presentes nos meios antigos como, por exemplo, as séries de televisão, que agora podem se chamar webseries, os canais de receitas e maquiagem, que antes eram quadros existentes nos programas de variedades, os videoclipes musicais, que surgiram na televisão, e muitos outros. Do cinema, podemos citar então os curta-metragem que existem no Vimeo, por exemplo, formato antes apresentado em festivais, agora disponíveis para um público muito maior. Entretanto, seriam todos os formatos existentes na internet simulações do meio anterior, ou seja, cópias adaptadas para um novo meio? Talvez não seja bem assim. Os canais do YouTube são extremamente próximos da televisão, enquanto os curtas do Vimeo são extremamente próximos do cinema, mas eles têm algo a mais.


Ambas as plataformas estão imersas no ambiente da internet, o que faz com que exista uma interação entre o conteúdo e o espectador de uma maneira que não existia nos meios tradicionais. Por mais que, atualmente, existem diversas plataformas que permitam o debate entre os espectadores dos blockbusters e dos programas de TV dentro do âmbito das redes sociais, blogs, etc, os produtos audiovisuais produzidos para internet vão além nas relações entre produtores e consumidores. Tomando como exemplo os canais do YouTube, se percebe uma grande interação entre o público e o produtor, onde a audiência pode criticar e elogiar o conteúdo dos vídeos, instigando o produtor a seguir um determinado caminho que melhore a qualidade do seu material. Os vídeos também podem ser vistos em diversos dispositivos, como tablets, celulares, televisões, e isto também modifica a experiência que o espectador tem com o conteúdo, uma vez que cada dispositivo tem um tamanho de tela, uma resolução de imagem e, principalmente, um dispositivo diferente de áudio.

Figura 137: Fotografia mostrando uma Câmera Technicolor da década de 40. Fonte: Widescreen Museum

Dentro do espaço livre destas plataformas, o espectador também pode se tornar produtor, uma vez que o acesso fácil aos equipamentos necessários e, o material disponível na internet para o aprendizado básico o auxiliam a alcançar o objetivo. Para a

Figura 138: Fotografia mostrando uma câmera Blackmagic Pocket Cinema Camera, que captura imagens em RAW com 13 stops de latitude. Fonte: Blackmagic

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Figura 139: Primeira parte da música Harlem Shake - Retirado de: https://www.youtube.com/ watch?v=4hpEnLtqUDg

[131] DALY, K. Cinema 3.0  : The Interactive-Image. Cinema Journal v. 50, n. 1, 2014. p.82 Disponível em: http://www.jstor. org/stable/40962838 Acesso em: 20 Mar. 2015 [132] YOUTUBE. YouTube A to Z #HappyBirthdayYouTube. Blog do YouTube. Disponível em: http://youtube -global.blogspot. com.br/2015/05/youtube -to-zhappybirthdayyoutube.html Acesso em: 28 Mai 2015

produção de material para internet, não importa se o autor do conteúdo possua um celular ou uma câmera cinematográfica. Muitas vezes a simplicidade da ideia é de maior importância. Daly, em seu artigo Cinema 3.0, coloca que o termo viewer (espectador), já não dá conta de explicar o papel do espectador que hoje interage com os filmes de outra maneira, e desta forma ela cunha o termo viewser como melhor representação deste indivíduo. O viewser, mistura de espectador com usuário, se trata do espectador atual, que se interessa por novas experiências com os meios.131 (DALY, 2014, tradução minha) Considerando os diversos tipos de vídeo presentes em especial no YouTube, novos gêneros e formatos são criados a partir destas interações. No aniversário de 10 anos da plataforma, são apresentados de A à Z132, os formatos de vídeos mais presentes e alguns são ótimas representações da cultura do viewser. Para a letra M, foram escolhidos os memes, que basicamente são imagens, vídeos ou outros objetos virtuais que se propagam pela internet e se tornam amplamente conhecidos. Um exemplo de meme utilizado pelo YouTube são os vídeos da música Harlem Shake, que já contam com mais de 1,5 milhões de versões diferentes. O pequeno clipe, de 30 segundos de duração, era formado sempre com um grupo de pessoas quando nos primeiros 15 a 20 segundos apenas uma dançava a música, e após este período ocorria um corte seco no vídeo e todos apareciam com roupas diferentes fazendo passos de dança engraçados.

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Figura 140: Segunda parte da música Harlem Shake - Retirado de: https://www.youtube.com/ watch?v=4hpEnLtqUDg

Todas as versões do clipe, produzidos por usuários diferentes, possuem o mesmo formato, a mesma duração e o mesmo conceito. Os viewsers interagem com com o material publicado por outros e fazem sua própria versão, modificada livremente. Thomas Elsaesser, indica que as relações tradicionais entre o espectador e o filme não são mais suficientes para a sociedade atual e diz que:

[133] ELSAESSER, T. 2009. apud DALY, K. Op. Cit. p 83 [134] FERGUSON, K. Everything is a Remix. 2010. Disponível em: http://everythingisaremix.info/ watch-the-series/ Acesso em: 20 Mai 2015

Eu daria tanto para a audiência quanto para a tecnologia mais poder de agência e diria que a sociedade globalizada, conectada e digitalizada demanda uma nova forma de cinema baseada na interatividade, pesquisa, jogos, e relações não óbvias.133(ELSAESSER, 2009, tradução minha) O autor trata da interatividade, porém são poucos exemplos na internet de narrativas interativas, que supõem diversas opções de desfechos, e permitem que o espectador escolha qual caminho seguir. Mesmo os vídeos 360 graus e imersivos ainda estão em fases experimentais e não tem grande difusão ainda, apesar de serem grandes exemplos das possibilidades atuais. Os vídeos formados apenas por timelapses ou os vídeos criados por super slowmotion, também são materiais que apesar de incríveis e interessantes, provavelmente não teriam lugar nos meios tradicionais. Indo além da questão do Harlem Shake, vale citar o trabalho feito por Kirby Ferguson, chamado Everything is a Remix134 (Tudo é um Remix), uma série de 4 vídeos nos quais o autor explica sua ideia 145


Figura 141: Capturas de tela retiradas dos sites de fabricantes de softwares de colorização de imagens, que possuem presets que simulam as cores de alguns negativos. Fonte: Deluts e Vision Color

de que tudo o que existe hoje é baseado em algo anterior. Como exemplo, ele demonstra que alguns filmes clássicos como Star Wars, tem diversas cenas baseadas em cenas de filmes mais antigos, assim como diversas músicas, quando ouvidas em sequência, se percebe a cópia de trechos de uma música em outra. A ideia é que praticamente toda invenção surge de uma ideia antiga. O autor utiliza os termos de copy (copiar), transform (transformar) e combine (combinar) para ilustrar o que seria a criatividade nos tempos atuais, mas também afirmando que esta ação existe desde o início dos tempos, uma vez que os seres humanos são extremamente dependentes dos outros para realizarem suas tarefas. A invenção da câmera digital, que basicamente troca o negativo pelo sensor eletrônico, pode ser considerada um remix de uma ideia já existente, combinada a outras como a criação dos espaços de cor, arquivos RAW, HDR, entre outros. A edição não-linear complementa a facilidade da captura, na qual os arquivos são diretamente importados no software e editados livremente, seguindo a lógica do copiar e colar. Na pós-produção, um efeito simula a característica da película, porém cria um padrão de paleta de cor, o chamado laranja-azul, que foi apresentado anteriormente. Nos pacotes de software existentes para tratamento de cor, os presets (predefinições), são extremamente parecidos uns com os outros. (Figura 141)

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Na veiculação dos projetos, percebemos criações de novos formatos e estilos, como nos canais do YouTube, mas sua grande maioria são remixes de novos produtores que se apropriam de gêneros existentes dentro da mesma plataforma (YouTube, Vimeo, Dailymotion, etc) e fora dele (cinema e TV) e criam sua própria versão. Ainda que alguns autores defendam a ideia de um cinema interativo dentro dos sites de compartilhamento de vídeos existentes, é fácil identificar paralelos entre o cinema tradicional, com suas regras e formatos, e os novos projetos audiovisuais existentes nas plataformas online.

Figura 142: Quadro retirado do filme “Now I See” (agora eu vejo) produzido por Phillip Bloom. No lado esquerdo, a exposição da câmera foi feita para representar o que os olhos do diretor viam. Do lado direito, por outro lado, o ISO foi aumentado até os limites da câmera, mostrando suas capacidades em baixas luzes. Disponível em: https://vimeo. com/99893160

Talvez, um formato realmente novo seria o presente na troca de vídeos por meio das ferramentas como Instagram e Vine, que destoam inclusive do formato presente no Vimeo e YouTube, e são produtos audiovisuais para serem consumidos diretamente no celular, algumas vezes até sem áudio. Em uma analogia ao super-8, feito para capturar momentos em família e projetá-los para os amigos, o Instagram com seu conceito de vídeo curto, é perfeito para filmar os pequenos momentos do dia-a-dia e compartilhar com seus pares, além de estimular o retorno de uma tradição de filmagens caseiras, agora intensificada. Ao mesmo tempo, a cultura da imagem granulada, de resolução reduzida, é substituída com as possibilidades da resolução 4K e acima, no YouTube, já presente em televisões e outros dispositivos. O avanço tecnológico é tão rápido que a captura digital, antes muito criticada pela baixa qualidade, agora já se assemelha ou ultrapassa a qualidade presente no analógico. Mesmo a especificação técnica de filmagem de um celular já alcança alta resolução, como o 4K. O conceito do digital pixelado, como parte da cultura, cai por terra e dá lugar para cores cada vez mais realistas e sensores que captam a mais tênue e baixa iluminação, enxergando o que nossos olhos não veem. 147


[135] FRIEDBERG, A. 2000. apud BELTON, J. If film is dead, what is cinema? Screen 2014 v.55 i.4 p.467 Disponível em: http://screen.oxfordjournals.org/ content/55/4/460.short?rss=1 Acesso em: 10 Abr 2015

Em resumo, temos diversos produtos audiovisuais, que compartilham uma identidade de formato, ou seja, ambos são produzidos por meio de uma câmera cinematográfica, seja ela analógica ou digital, ou esteja ela presente em um smartphone; são editados utilizando um software, e são reproduzidos e distribuídos utilizando uma plataforma também digital. Suas diferenças estão centradas nos diversos gêneros existentes atualmente, onde podemos pontuar um sem número de semelhanças e diferenças, entre cinema hollywoodiano, cinema independente, TV, YouTube, Vimeo, Vine, Instagram, e diversas outras plataformas. O nome destes gêneros são, muitas vezes, complexos de se nomear, uma vez que eles podem surgir e desaparecer rapidamente ou podem se tornar memes ou virais, permanecerem na plataforma por muito tempo, se tornarem algo de remixes, e se transformando e dando origem a outros gêneros e subgêneros.

Figura 143: Fotografia de um cinema com tecnologia IMAX. Fonte: Get It Durban

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No artigo escrito por John Belton, o autor cita o trabalho de Anne Friedberg, chamado “The end of cinema”, no qual a pesquisadora demonstra que as características clássicas do aparato cinematográfico – Tela, Filme e Espectador – se modificaram, sendo substituídos por dispositivos e formatos, meio de armazenamento e usuários de uma interface, respectivamente.135 (FRIEDBERG, 2000)


Figura 144: Fotografia de um cinema na década de 20. Fonte: Cine Tourist.

Belton, porém, não concorda com a autora e diz que, na verdade, “assim como o teatro, o cinema é um local onde uma maquinaria estética provê aos seus espectadores uma experiência estética.136”(BELTON, 2014, p.468, tradução minha) Ele retoma os fatos históricos da criação do formato widescreen, e das telas grandes como no Cinerama, CinemaScope, VistaVision, e poderíamos adicionar os atuais IMAX e 4DX, com telas ainda maiores, projeção digital de alta resolução, som surround digital, cadeiras que se movimentam e vibram, como características únicas do cinema moderno, que não estão presentes nas televisões e dispositivos modernos. Retoma também o fato de que tela, filme e espectador é o aparato do cinema mudo, ou seja, além destes quatro elementos ainda poderia se adicionar o som. Pode-se adicionar ainda, como características atuais a introdução da cor, dos efeitos visuais produzidor por computação gráfica, das telas gigantes e com maior qualidade de reprodução, entre outros. Com Netflix representando 34% de toda a banda utilizada na internet americana137, ultrapassando YouTube e Hulu, o consumo de filmes em outras telas é imenso, e se considera que as televisões e os celulares estão crescendo suas telas para criar uma experiência visuais mais próxima do que se obtém no cinema.

[136] BELTON, J. Ibid. p. 468 [137] SPANGLER, T. Netflix Remains King of Bandwidth Usage, While YouTube Declines. Variety. 2014. Disponível em: http://variety.com/2014/digital/ news/netflix-youtube-bandwidthusage-1201179643/ Acesso em: 20 Mai 2015

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[138] BELTON, J. Op. Cit. p. 470 [139] BUBER, M. 1947. apud. BRODY, R. Don’t Worry About the End of Film The New Yorker. 2014. Disponível em: http://www. newyorker.com/culture/richardbrody/dont-worry-about-the-endof-film Acesso em 20 Mai 2015

Concordando com Belton, que diz que “O cinema é a projeção de imagens em uma tela, de tamanho real ou maior que o tamanho real, para uma audiência. Todo o resto são filmes.”138(BELTON, 2014, p. 470, tradução minha) Após o apresentado no trabalho, se percebe então uma nova relação causada pela introdução das tecnologias digitais. A relação da experiência e da interação do espectador com os filmes. Esta característica foi sendo modificada com a criação da televisão, que culminou na introdução de novos elementos no cinema para atrair o público, e agora podemos ver com o advento do digital, as imagens cada vez mais nítidas, o som cada vez mais impactante, a adoção do 3D para grande parte das produções atuais, etc. O cinema digital é então uma releitura do cinema tradicional, agregando novos elementos e removendo outros, o que certamente é a causa dos inúmeros debates que dizem que o cinema acabou e foi destruído pelas tecnologias digitais. Seus novos elementos ainda são incertos, em especial seu caráter interativo com os outros meios existentes, de forma a estender e intensificar a experiência do público da narrativa. As experiências como as de vídeos 360 graus, estão criando um novo gênero dentro das plataformas como o YouTube, mas estão distantes do cinema/ Hollywood. Richard Brody, em um artigo para a revista The New Yorker, chamado “Não se preocupe com o fim da película”, encerra-o com uma frase retirada de um livro, chamado Tales of Hasidim com os dizeres: Nós não mais sabemos como acender o fogo, nós não mais sabemos as orações, não sabemos também nosso lugar na floresta. Mas, sabemos como contar uma história.139 (BUBER, 1947, tradução minha) De fato, não importa o formato ou nomenclatura, a técnica ou a tecnologia, do produto audiovisual. O que importa é a relação do espectador com ela, o espetáculo, a atração, a mensagem.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

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O intuito deste trabalho foi o de apresentar a evolução tecnológica das produções audiovisuais, que foram iniciadas com o cinema, deram origem a televisão e adentraram os meios digitais. A ideia desta temática surgiu da observação do trabalho de diversos autores, que tratavam, principalmente, do cinema tradicional que conhecemos, mas também da vivência como produtor independente. Nisto, se pode separar o trabalho em dois assuntos, o primeiro mostrando um panorama da evolução tecnológica das grandes produções, mostrando sua situação atual e suas críticas e questionamentos, e o segundo, focado em apresentar novas estéticas presentes nas produções independentes, artísticas ou não, mostrando o acesso democrático aos equipamentos cinematográficos gerando novas linguagens e formatos. Ao avaliar as discussões presentes em diversos fóruns e websites sobre cinema independente, normalmente o assunto era sempre voltado para a tecnologia, e não para os outros elementos como narrativa, direção, etc. Havia, então, um senso comum no qual o equipamento era mais importante que a ideia, e a câmera mais avançada do momento seria a solução de todos os problemas da produção audiovisual. De fato, o cinema independente, narrativo e documental, ganhou muito com as tecnologias digitais. 154

Figura 145: Imagem em resolução 8k, retirada do filme Ghost Town, de Luke Neumann. Clipe de um produtor independente, que possui um canal no YouTube.


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Figura 146: À esq: O cineasta Stanley Kubrick e o inventor do Steadicam Garret Brown. À dir: Fotografia mostrando o equipamento Glidecam, mais simples e acessível. Fontes: Cine Archive e Glidecam Ind.

Assim como a produção de outros gêneros, mais próximos da televisão, também ganhou. O baixo custo de uma câmera digital, especialmente com a introdução das HDSLR como a 5D Mark II, e toda uma linha ainda mais acessível como a série T (Canon T3i, T5i, etc.), não só facilitou o acesso, como motivou uma nova geração de produtores a criar conteúdo de qualidade, cada vez mais próximo das produções ditas profissionais. Vamos tomar um exemplo simples, o dos planos com movimento de câmera. Antes da invenção do Steadicam, os diretores de fotografia utilizavam trilhos para correr com a câmera, ou faziam tomadas com câmera na mão. Após a introdução do Steadicam, em 1976, ele foi utilizado em diversas produções, e se tornou um padrão para uma estética onde a câmera parece flutuar seguindo os personagens. Porém, o Steadicam sempre foi um equipamento extremamente caro e, na verdade, ainda o é, uma vez que um modelo deste sistema de estabilização custa por volta de 10 mil dólares. Com a criação de câmeras menores, e mais leves, surgiram novos modelos deste equipamento, que permitiam o mesmo efeito visual, mas custando menos, por volta de 600 a 1000 dólares. O mesmo acontece com a invenção dos drones, já apresentados neste trabalho, custando cada vez menos. Outra questão importante envolve os softwares de edição não-linear e os softwares de modelagem 3D. Atualmente, os programas utilizados em uma produção cinematográfica hollywoodiana são similares aos utilizados em produções de baixo custo. Os novos softwares, além de mais baratos, também não necessitam de potentes computadores para funcionar, como acontecia no início do digital.

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Além disso, tendo como base o cinema hollywoodiano, que fez parte da maior parte da análise deste trabalho, percebe-se que o acesso as ferramentas mais avançadas e tidas como revolucionárias não garantem resultados perfeitos, considerando as críticas apresentadas por diversos estudiosos.

[140] CASEY, N. How one of the best films at Sundance was shot using an iPhone 5S. The Verge. 2015. Disponível em: http://www.theverge. c o m / 2015 / 1 / 28 / 7925 0 23 / s u n d a n c e - f i l m - f e s t i v a l - 2015 tangerine-iphone-5s Acesso em: 20 Mai 2015

Desta forma, avaliando apenas a produção independente, se percebe que as tecnologias digitais auxiliaram um sem número de novas produtoras a iniciar seus trabalhos, e diversos profissionais autodidatas a surgirem no mercado. Assim, se faz necessário perceber, por parte desses profissionais, que deve existir um balanço entre forma e conteúdo, principalmente considerando o universo digital. Basta voltar ao exemplo do filme “Real GTA”, apresentado neste trabalho. O filme, produzido com apenas uma câmera, que custa por volta de 400 dólares, obteve mais de 14 milhões de visualizações em apenas 5 dias de veiculação, dentro da plataforma do YouTube. O vídeo, que se trata, é claro, de um remix da estética do jogo de videogame com o mundo real, se aproveita exatamente do grande número de fãs deste jogo para

Figura 147: Imagem do filme Tangerine, de Sean Baker.

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obter sucesso. Outro exemplo seria Tangerine, um filme dirigido por Sean Baker, totalmente gravado com um iPhone 5S, foi um dos filmes mais comentados no renomado festival Sundance140. Pode-se entender que, na verdade, o que importa para o público é um trabalho que o entretenha e entregue a ele o que foi buscado. A mensagem deve ser transmitida da melhor maneira, sem ruídos desnecessários. A preocupação dos produtores deve ser a de avaliar, dentro de todo o universo de possibilidades, aquela que encaixa melhor em seu projeto. Figura 148: Modelo de Google Cardboard. Fonte: Google Cardboard

Uma vez que tratamos aqui de formatos e técnicas, em sua maioria referentes a estética visual, todas elas podem representar algo dentro da linguagem cinematográfica. As tomadas aéreas permitidas pelos drones, os planos sequência criados pelos Steadicams, os timelapses, HDRs, Gifs, Cinemagraphs, super slowmotions, hyperlapses, e um sem fim de outras técnicas devem ser usadas com um propósito. Mas, em resumo, o cinema digital é algo mais que perfeito para estes produtores, as possibilidades de alcançar o sucesso com uma câmera mais acessível que um smartphone são reais, e se tratando de YouTube, isso pode representar um retorno financeiro rápido e “fácil”. O empenho do profissional em entender as novas plataformas se faz necessário, uma vez que os futuros avanços nas possibilidades de interação entre público e produção certamente acontecerão por meio destes lugares. Experimentos como o Google Cardboard, um projeto de Realidade Virtual elaborado pelo Google, e que consiste em uma pequena caixa feita de papelão, no formato de óculos, onde existe um espaço para se encaixar seu celular, aponta algumas novas tentativas de emplacar estes formatos interativos e imersivos.

[141] BAVOR, C. depoimento. apud O´KANE, S. Google Jump is an entire ecosystem for virtual reality filmmaking. 2015. Disponível e m : h t t p : / / w w w. t he v e rg e . com/2015/5/28/8681855/ google-jump-io-conference-virtualreality-filmmaking Acesso em:10 Jun 2015

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O interessante do projeto é que ele considera um sistema barato e acessível para o espectador, mas também oferece recursos aos produtores para criarem novos vídeos utilizando a ferramenta. Um destes recursos é a câmera chamada Jump, que é uma espécie de suporte para 16 câmeras GoPro, que permite a captura de vídeos 360 graus com uma resolução 5 vezes maior que o 4k.


Figura 149: Cena do clipe Waiting for Love, do músic Aviici. Primeiro clipe musical gravado com a câmera Jump. No YouTube, o usuário pode clicar e arrastar a imagem, modificando o ponto de vista.

O vice-presidente de produtos do Google, Clay Bavor, explica que este suporte será vendido, porém o esquema tridimensional dele estará disponível para quem, munido de uma impressora 3d, queira fazer seu próprio modelo.141 Se estas modelos de produção audiovisual mescladas com realidade virtual irão prosperar não se tem certeza, mas, certamente, os pequenos produtores terão acesso a estas ferramentas, talvez até antes das grandes produtoras, seguindo os moldes de incentivo do YouTube, e, definitivamente, será no âmbito digital que se darão estes novos produtos audiovisuais. Para esses, a definição de cinema não importa, e sim o conhecimento das ferramentas e técnicas atuais e a perfeita aplicação destas. Estes produtores, sem a pressão financeira e da responsabilidade de um blockbuster, podem ser os criadores de novos conceitos e definições do que realmente é o cinema digital.

Figura 150: Modelo da câmera Jump. Fonte: The Verge

Voltando aos blockbusters, estes, que formaram a maior parte das considerações deste trabalho, são, na verdade, o alvo das maiores críticas. Resumindo o já apresentado, o cinema sempre possuiu o intuito de atrair o público, assim como o teatro. Cada invenção existente em seu âmbito sempre foi no sentido de intensificar a experiência do espectador, desde a introdução do som, passando pela cor e chegando no digital. 159


[142] BOX OFFICE MOJO. Homepage do site. Disponível em: http://www.boxofficemojo.com/ alltime/world/ Acesso em: 10 Jun 2015

Por se tratarem dos filmes de maior audiência, e pertencentes a uma grande indústria, os investimentos na produção destes filmes são gigantescos e logo, se intui que o máximo esforço possível para atrair o público será feito. Entretanto vemos, de um lado, a preocupação dos teóricos em indicar que o cinema foi destruído pelo digital, uma vez que perdeu seu suporte original, e, de outro os críticos sugerindo que os produtores são preguiçosos em criar novos filmes que sejam tão bons quanto os antigos. Ambas afirmações não são verdadeiras, uma vez que os filmes, por serem produtos culturais, sofrem interpretações diferentes por parte da audiência. Sem ir muito além, o fato de um crítico dizer que o filme é ruim, não significa que ele será um fracasso de bilheteria. Tomando como exemplo o filme Avatar (2009), de James Cameron, o maior sucesso de bilheteria de todos os tempos, tendo arrecadado 2,7 bilhões de dólares142, não faz parte da lista de 250 melhores filmes, de acordo com o IMDB. Todo o questionamento acerca do caráter realista do cinema é válido, porém não é o ponto mais importante para a audiência. Os efeitos especiais fazem parte da linguagem do cinema e ainda que eles sejam criados por computador ou pintados à mão sobre uma placa de vidro, tem seu efeito de realidade por meio da imersão do espectador no que o filme demonstra. Ainda que este trabalho considere que deva haver um balanço entre a forma e o conteúdo, ou seja, uma perfeita utilização da tecnologia digital à favor da narrativa, explorando a infinidade de possibilidades que o cinema digital adicionou aos truques de Hollywood, o espectador muitas vezes quer somente assistir a um filme do qual ele é fã. Voltando ao exemplo da saga 007, é difícil acreditar que uma sequência de 23 filmes agrade todos os fãs, ou tenha uma unicidade em algo além de seu personagem principal, James Bond. Já tendo passado por mais de 10 diretores diferentes, e 6 atores no cargo do papel principal, Dr. No (1962) têm menos efeitos especiais ou segue tendências de chaos cinema comparado com Skyfall (2014). Considerando este fato, e adicionando que Skyfall teve o maior faturamento de toda a saga 007 até hoje, seria interessante imaginar o que o fã da saga considera como elemento de realismo. Pensando na evolução cinematográfica como um todo, e das possibilidades que o cinema digital trouxe, pode-se dizer que Skyfall permitiu explorar um nível de proximidade a ficção de Ian Fleming que Dr. No não era capaz de alcançar. Assim, em suma, percebe-se que o digital é uma ferramenta poderosa para Hollywood continuar contando as histórias que sempre contou, porém de uma maneira que o público nunca viu antes.

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Figura 151: Cena do filme Avatar (2009), criada completamente em CGI. Figura 152: Cena do filme Dr. No (1962), onde o ator Sean Connery, interpretando 007, aparece em uma perseguição. A cena, aparentemente filmada com retroprojeção, mostra um menor refinamento do que a cena abaixo de Skyfall.

Figura 153: Cena do filme Skyfall (2014), onde o ator Daniel Craig, interpretando 007, aparece em uma perseguição em um trem em movimento.

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