Minha vida book (2) (1)

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WILLY WEISS: minha vida 17/02/1910 – 17/08/2006


Este texto é um relato que o autor deixou datilografado e a narrativa vai até o momento que sua condição física o permitiu. A tradução foi realizada por sua sobrinha Inge, filha de sua irmã Herta Teichmann. A digitação do texto em português foi realizada por sua bisneta Luciana Lenoir, filha de sua neta Rosemarie Weber Lenoir, filha da sua filha Marga. O objetivo é deixar registrada sua história de vida para as filhas, netos e bisnetos e tataranetos para que conheçam sua origem e quiçá possam se interessar em aprofundar-se em estudos genealógicos mais extensos para que nossa memória não se perca. O texto foi finalizado até esta minuta por mim, nascida em 1955, na cidade de Rio do Sul-SC.

Sigrid Karin Weiss, sua filha,


Como tudo começou...

Nasci em 17 de fevereiro de 1910, na localidade de Audnischken (Hilpertswerder), Kreis Darkehmen¹, como segundo filho de August e Emma Weiss. O nome de minha mãe em solteira era Tomer. Era uma cidadezinha, onde meus pais tinham uma propriedade, com um pouco de floresta. Meu pai nasceu em 19 de novembro de 1883, em Goldap², e minha mãe em 06 de dezembro de 1888 em Mierunsken (Merunena Kr. Treuburg Ostpreußen). Casaram no dia 20 de maio de 1907, em Dubeningken Kr., Goldap.

Goldap

Ruínas da Igreja de Mierunsken

________________ 1. O Distrito Prussiano-Alemão Darkehmen, assim denominado em 1938, originado do Distrito Angerapp,) na Prussia do leste existiu entre 1818 e 1945. http://www.flickr.com/photos/27639553@N05/3644652908/lightbox/ 2. A Cidade de Goldap foi destruída na I Guerra Mundial e ocupada pelo exército Russo. Após a desocupação pelo exército a cidade foi reconstruída. Em 21 de outubro de 1944 os habitantes alemães foram evacuados e houve nova ocupação do exército russo.


Meu avô paterno chamava-se Karl e faleceu quando meu pai tinha 10 anos. Minha avó materna Dorothea, cujo sobrenome era Maruske, faleceu em 1935, em Goldap. O irmão de meu pai, Karl, faleceu nos últimos dias da I Guerra Mundial. Eu vi o meu tio Karl somente uma vez quando ele esteve em licença, pouco antes de morrer. A irmã de meu pai, Ana, faleceu de tuberculose aos dezoito anos. Minha mãe perdeu seus pais cedo. Sei que meu avô Johann era alfaiate e que minha avó se chamava Henriette. Minha mãe tinha só um irmão, Richard, que morava com tia Liesch, em Strausberg, Berlim. Seu único filho, Max, faleceu durante a guerra na Finlândia. Meu pai, bem como tio Richard, eram carpinteiros e ambos foram à Berlim onde se conheceram. Tio Richard pediu para sua irmã Emma (minha mãe) vir para Berlim, para trabalhar na casa de um dentista judeu. Ao chegar em Berlim, seu irmão a esperava em companhia de meu pai. Foi amor à primeira vista e assim eles casaram e se tornaram meus pais. Meu pai ganhou na loteria 16.000 Marcos.

Comprou uma propriedade em

Dubeningen (hoje Dubeninki) onde se casou. Algum tempo depois vendeu a propriedade e mudou-se para Audinischken, onde meu irmão August e eu nascemos. Meu irmão nasceu em 17 de junho de 1908 e faleceu em 1955, já no Brasil, na cidade de Rio do Sul. Ele era casado com com Ottllie Schmitz (1932). Tinham uma filha Edith, que mora em Blumenau. Passados dois anos meus pais se mudaram para Budweitschen, Elsgrund, em Goldap, onde compraram uma propriedade com uma pequena casa comercial. Lá eu passei a minha infância.

Meu pai construiu uma casa nova, para onde mudamos

quando ainda estava inacabada. Morávamos em um quarto grande e na área restante ficava o comércio. A cozinha era separada. Posso me lembrar muito bem, em um canto ficavam os pães de açúcar, com a média de 20cm de grossura, em cima pontudos, embalados em papel azul, duros que nem pedra. Tinha também um grande barril com arenques, um barril de metal com bomba para querosene. Em 14 de junho de 1911 nasceu meu irmão Walter, em Goldap, que desapareceu na Segunda Guerra Mundial: a última notícia dele veio de Graudenz, Weichsel. Em 09 de junho de 1914 nasceu minha primeira irmã Herta, em Budweitschen. O nome Budweitschen é de origem lituana que significa uma choupana na beira da estrada, lá viviam 280 habitantes; a região beirava a Rominter Heide, uma área de 25.000 hectares de floresta.


Posso me lembrar bem de que quando minha irmã Herta nasceu, tia Ida e uma vizinha cuidaram de nós. Nessa época meu pai comprou um gramofone, o primeiro toca disco.

Nós

olhávamos admirados para o funil enorme, de onde saíam as vozes das canções. Papai dizia que bastava colocar uma moeda e logo o homem começava a cantar. Como crianças acreditávamos, pois não havia outra explicação.

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Na época do último imperador, a nossa situação econômica era muito boa. Em primeiro de agosto de 1914 estourou a Primeira Guerra Mundial. O nosso povoado ficava a quinze quilômetros da então fronteira da Rússia. Certo dia, quando meu pai voltou de Goldap, distante quinze quilômetros do nosso povoado, colocaram-se as coisas mais necessárias em uma carroça e procurou-se um esconderijo na floresta, em um porão onde se guardavam rações para os veados no inverno.

Depois de alguns dias os russos foram expulsos e uma noite voltamos para casa. Nossa casa nova estava totalmente queimada, bem como outras casas. Fomos morar em um quarto na casa de um tio de meu pai, tio Lenkeit. Na segunda investida dos russos fugimos para Strausberg, em Berlim, onde moramos com tio Richard, na Klosterstrasse, n.8. Posso me lembrar de muitas coisas, principalmente de um Natal, quando ganhei um carrinho que só andava para frente, August ganhou um que andava em círculos e Walter um que ia e vinha.


Quando o perigo russo passou voltamos para casa. Casa que não existia, fomos morar em uma barraca. Meu pai virou soldado, mas não foi para frente de batalha, pois lhe faltavam dois dedos em uma mão, cortados em uma serra circular. Depois da Páscoa de 1916 minha mãe me levou para escola. O nome do meu professor era Theodor Nippa, um homem pequeno com uma barba preta espessa. Ele dava aula para cerca de 60 alunos divididos em 4 ou 5 classes, todos em um mesmo espaço. Como ele não tinha condições de atender a todos, o melhor aluno ou aluna tinha que ajudar a lecionar nas séries iniciais. Tive que ajudar muitas vezes. Ele era um bom homem, mas também enérgico. Quando a sua mulher Alma o incomodava, os alunos percebiam, pois naquela época os castigos físicos eram permitidos. No outono, durante a colheita da batatinha tínhamos que seguir a colheitadeira e juntar as batatinhas. À noite, depois da colheita ganhávamos cuca de farofa com café. Nessa época, em 14 de janeiro de 1917 nasceu minha irmã Lotte..

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Em 09 de novembro de 1918 a guerra terminou e meu pai voltou para casa. Começou então a reconstrução: primeiro o celeiro para guardar a colheita, depois a casa e por fim os estábulos. O Estado indenizou tudo. Fomos obrigados a ajudar bastante nas construções, tanto nos ranchos como na casa. Meu pai comprou mais terras: cinco e meio hectares que ficavam 2 quilômetros distantes de casa. No verão, cedinho, antes de iniciarem as aulas, meu irmão August e eu levávamos as duas vacas para pastar em uma área um pouco distante. As vacas eram presas a estacas por correntes. Terminadas as aulas ao meio-dia, mudávamos as estacas, pois as vacas tinham comido tudo ao seu redor. À noite buscávamos as vacas para casa. Isto acontecia durante todo o verão. Em junho era época da colheita do feno e ajudávamos bastante; no outono acontecia a colheita da batatinha e de beterrabas. Nessa época já estava bastante frio. Os anos foram passando e em 15 de julho de 1919 nasceu meu irmão Kurt e mais a frente, em 21 de março de 1921 nasceu Bruno. Quando meu irmão August e eu já tínhamos sido confirmados. Com a guerra perdida a situação econômica piorava sempre mais.

Com o

transporte de madeira no verão e no inverno meu pai ganhou dinheiro. Nessa época já havia muitos desempregados. E, depois, de dois, três anos de aprendizado em uma profissão, estávamos nós também desempregados.


Começou então a propaganda da imigração para o Brasil: terras a perder de vista, as batatinhas tinham o dobro do tamanho, se dizia, e assim por diante. Muitos já tinham imigrado.

Meu pai resolveu se informar da ida para o Brasil e das

possibilidades de um futuro melhor e viajou em busca de mais informações.

Era

janeiro de 1924, quando recebemos um cartão de meu pai que se encontrava em Lisboa e depois nenhuma notícia mais. Inesperadamente ele apareceu no começo de março. Muitos apareceram em nossa casa atrás de notícias do Brasil. Um queria saber se também existiam macacos. Não existem aqui macacos que chega; respondeu meu pai. Decidida a viagem para o Brasil, houve então a necessidade de vender a propriedade.

O valor era de 22.000 Marcos.

Os tempos eram ruins e o dinheiro

escasso. Somente no outono foi fechada a venda por 9.000 Marcos.

No verão eu tomava conta das 20 reses do agricultor Lambert. Meu pai havia comentado com ele da viagem para o Brasil e combinaram então de viajar juntos em junho. Como estava difícil vender a propriedade não podíamos viajar.

Lambert

transferiu sua propriedade a seu pai para que a administrasse e no dia 13 de junho de 1925 embarcou a família e duas irmãs: Olga, que veio a se tornar a futura senhora Peters e Marta, a futura senhora Felix Odebrecht, já na cidade de Rio do Sul, em Santa Catarina, no Brasil.

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Gostaria de fazer um parêntesis e contar mais algumas coisas dos anos da minha infância. Nos anos da I Guerra Mundial faltava tudo, muito mais do que na II Guerra Mundial. Apesar de morarmos no campo e sermos agricultores, até o pão era escasso, pois cada agricultor só podia moer determinada cota de centeio. Nossa vizinha tinha um pequeno moinho manual, e à noite, às escondidas se moía o centeio, para que nós crianças não passássemos fome. Lembro também, que meu irmão Walter, em uma brincadeira machucou a coluna e por isso ficou internado em uma clínica infantil em Koenigsberg.


Koenigsberg: postal antigo do lago em frente ao Castelo

Quando ele voltou só falava o alemão gramatical, enquanto nós falávamos o dialeto Platt. Durante o verão brincávamos com as outras crianças na praça. Quando maiores, vagávamos pelos bosques e pela Rominter Heide. No inverno, quando começava a temporada de caça, indicávamos as tocas dos coelhos aos caçadores e com isso ganhávamos algum dinheiro como recompensa.

Quando a neve estava compacta

subíamos as elevações e descíamos com os nossos trenós. Quando os lagos das baixadas ficavam congelados deslizávamos sobre eles e por mais frio que fosse, nada nos detinha. Divertido, era principalmente, quando meninas participavam das nossas descidas dos morros. Dávamos um empurrãozinho para que o trenó virasse. Em um inverno, uma menina bonita de Berlim, estava na casa do meu professor para recuperação de um problema de saúde. Chamava-se Hedwig Schulz. Todos jovens estavam apaixonados, inclusive eu. Aos domingos, em companhia de outro rapaz, buscava o jornal no correio e também pegava o de meu professor. Quando levava o jornal para ele em sua casa aproveitava para vê-la, e se ela estava à vista, nós já ficávamos felizes.

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Em janeiro de 1925 foram tomadas todas as providências para a grande viagem. Conosco viajou um casal Librucks do povoado vizinho, para quem Walter tomava conta do gado no verão. Fim de janeiro finalmente começou a viagem para o decantado paraíso Brasil. De trem fomos até Bremen e ficamos um dia no Loyd-Heim. Um trem comprido nos levou até o cais do porto de Bremen direto para o nosso navio: Sierra Córdoba: um velho caixote que ainda usava carvão como combustível. Nós três irmãos


tínhamos uma cabine.

No mar do norte fomos acometidos de enjôos que só

melhoraram quando estávamos nas costas espanholas. Podíamos deixar a cabine e ir para o convés.

Porto de Bremen

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A partir daí a viagem correu bem. Deu-se uma parada na Ilha da Madeira que é muito bonita. Saímos em 31 de janeiro de 1925 e, em 18 de fevereiro chegamos no Rio de Janeiro. No dia seguinte continuamos a viagem até Santos, onde esperamos seis dias em uma pensão até pegar o navio Anna da Firma Hoepke que nos levaria a Itajaí, em Santa Catarina.

Vapor Anna Hoepcke


Em Paranaguá meu pai comprou uma grande caixa de bananas. Comemos tanto que enjoamos e durante muito tempo não queríamos ver esta fruta.

Em Itajaí

desembarcamos no mesmo dia e em um caminhão fomos até Blumenau. Não existiam ônibus na época. Dormimos no Hotel Brattig e no dia seguinte, de trem chegamos à estação final de Subida, no município de Ibirama. Dormimos no Hotel Dalfofo. Durante a madrugada ocorreu uma forte trovoada. O telhado do nosso quarto não estava bem fechado e nossas camas ficaram molhadas. Era uma novidade para nós que a casa tivesse goteiras, coisa que não acontecia na Alemanha. De caminhão no dia seguinte, seguimos para Rio do Sul.

No Hotel Klenz, onde hoje se encontra a empresa

Schroeder, ficamos dois dias. Em seguida, de carroça, pela estrada, fomos em direção à Aurora, subindo até onde no outro lado do rio se encontra a embocadura do rio Streybach. Nós meninos, naturalmente, tínhamos que caminhar já que a carroça não podia transportar todo mundo. Depois de atravessamos o rio, nos embrenhamos na floresta, quatro quilômetros até a casa de Wilhelm Lambert, que embarcara antes de nós em 13 de junho de 1924 e aqui já tinha desmatado uma área enorme, construído uma pequena casa de madeira, além de uma serraria.

Ficamos alguns dias e

rapidamente também construímos um casebre de madeira onde nós e família Libruchs fomos morar. As nossas duas colônias de terra não ficavam longe do lugar onde morávamos.

Um outro pequeno pedaço de terra era cultivado por um negro, que

plantava milho, que comprávamos.

Começamos logo a derrubar o mato, um trabalho pesado ao que estávamos desabituados. Walter e eu cortávamos os arbustos menores, August e papai as árvores grandes. Minha mãe na época criava galinhas, umas oitenta. Acabou o nosso dinheiro, para ganhá-lo não existiam possibilidades, assim todo dia no almoço comíamos uma galinha até que acabaram. Tínhamos também dívidas na venda do Sr. Schoeminger em Lauterbach, hoje município de Aurora. Tivemos sorte e conseguimos trabalho em Salto Grande, hoje município de ltuporanga. Pouco antes do Natal nós trabalhávamos em um salão de baile para Leopold Schmidt, pai de conhecido dentista. Faltavam cinco dias para as festas. Depois de três dias e meio de trabalho voltamos para casa. Papai pagou as dívidas na venda e comprou trigo e açúcar, e mamãe no dia de Natal fez doce (cuca). Foi nosso primeiro Natal no Brasil. Papai Noel não apareceu, mas estávamos todos satisfeitos. Depois de dois, três anos percebemos que não havia possibilidades de progresso no campo. Resolvemos August e eu ir trabalhar em Rio do Sul, mas meu pai queria construir uma serraria e então resolvemos ficar.


Em 1929 papai e August estavam construindo uma serraria para o Sr. Bruno Heidrich, em Mirim Doce, e numa determinada época quando August não quis continuar na construção eu fui ajudar. No ano de 1930 nossa serraria estava pronta. Eu trabalhava cortando as toras na serra; Walter e August faziam as toras que eram trazidas por quarenta bois. Não era um trabalho fácil, mas íamos melhorando sempre mais. Cavalos e carroças foram adquiridos para o transporte de tábuas. A estrada para Rio do Sul não estava construída e a primeira madeira beneficiada foi transportada para a estação de trem em Lontras, pelo rio durante uma enchente. Com o tempo a estrada ficou pronta com nossa ajuda voluntária e podíamos transportar tudo para Rio do Sul.

Como diversão íamos caçar, pescar ou a uma festa de aniversario. À vezes a uma festa escolar, de igreja ou de atiradores. Festejávamos até o amanhecer. As jovens que existiam não nos interessavam. Porém, num baile, em Albertina, no salão de Karl Heuser conheci minha futura esposa. Ela tinha um namorado, mas o namoro terminou. Tive a sorte de levá-la para casa depois de um baile. O pai dela não estava satisfeito com nosso relacionamento, mas não me importei. Se ele não está de acordo esperamos, e quando você tiver dezoito anos casamos disse eu. Na época não existia, como hoje, fugir de casa. Quando o pai dela viu que não adiantava nada, consentiu no namoro e assim no Natal de 1930 noivamos. Assim no Natal, pude apresentar a meus pais minha noiva e futura esposa. Perto da serraria, construí uma casa de madeira, os móveis, um armário, mesa, armário de cozinha, dois bancos e cama. Quando tudo estava pronto casamos em 09 de maio de 1931. Nossa primeira filha Helga, nasceu em 31 de dezembro de 1931. Apesar da aparência saudável morreu repentinamente no dia 1 de março de 1932 ao amanhecer, no dia em que pretendíamos ir ao aniversário da tia Emma Starck. Logo depois tivemos nosso segundo filho Egon, que tinha aparência frágil, sofria de câimbras e faleceu com cinco meses de idade.

Ambos, Helga e Egon foram

enterrados no cemitério de Rio do Sul. Em 1932 fiquei doente, com reumatismo nas articulações, assim de tempos em tempos mal podia me mexer. Nós tínhamos na época, plantado algumas coisas e tíinhamos também duas vacas, das quais vendíamos o leite.

Assim fomos

sobrevivendo. Papai não acreditava que eu um dia ficasse saudável outra vez. Nada


me ajudava, nenhuma melhora depois de remédios e tratamentos. Através de Jacó Hechmann, que tinha a mesma doença e se curou, soube de uma cura natural. Emprestei o livro de Karl Frischnecht e comecei o tratamento com água fria. Depois de três semanas já sentia melhoras e depois de alguns meses estava curado. O cansaço que sempre sentia desapareceu e realmente não me sentia mais cansado. Durante minha doença August e Herta casaram. As festas de casamento foram na casa de meus pais, em Streibach. Em carroças puxadas por cavalos os noivos iam casar em Rio do Sul. August tinha ocupado o meu lugar na serraria cortando madeira. Naquele tempo os colonos de Lauterbach tinham se reunido em uma associação com venda, queijaria, açougue e salão de baile. Naquela época também alguns alemães fundaram uma sociedade pró -Hitler. Como ingressei nas duas fiz muitos amigos e conhecidos, e através deles consegui um emprego como vendedor, isto em 1936. Primeiro construí uma casa para mim às custas da empresa. Assim mudei para Lauterbach, hoje Aurora. Aí passamos um tempo bom da nossa vida. Eu tinha muito trabalho, pois não tínhamos o turno de oito horas, e às dezoito horas não se fechava o comércio. Quando o último freguês saía, fechava-se a porta. Aos domingos o comércio ficava aberto até o meio-dia. Quando havia culto na igreja luterana dávamos conta de atender às pessoas. Meu pai assumiu o cargo de presidente do Clube de Caça e Tiro Germânia, que ele transferiu do Salão Schulz, acima de Albertina, para Lauterbach. Agora, as festas de tiro aconteciam lá, assim como as festas escolares, de igreja e também os bailes. As danças começavam às 19 horas e terminavam quando amanhecia o dia. Meu trabalho era quase sempre a venda de bebidas. Minha mulher assumiu a cozinha da sociedade de caça e tiro e ganhava um bom dinheiro. Uma vez ganhou 120 mil réis. Por esta quantia eu tinha que trabalhar quinze dias. Minha mulher também costurava para homens a 5 mil réis cada peça, quando não estava trabalhando na sociedade. A comida, na época, era mais à base de fubá e só aos domingos comíamos pão de trigo com 250 gramas de manteiga. Minha filha Ingrid, ainda pequena, mas que já caminhava, sempre estava me esperando quando chegava para almoçar.

Nesta época, muitos alemães tinham o desejo de voltar para a Alemanha, pois a situação econômica lá tinha melhorado muito.

Também entre nós este desejo

aumentava. Algumas famílias já tinham voltado. Fim de janeiro, inesperadamente, fui demitido. O então presidente da associação Wilhelm Strey queria ficar com 50 mil réis que um associado queria doar para a


cooperativa, se conseguisse retirar logo os seus 500 mil réis. Achei a jogada injusta, menos como funcionário, mais como associado.

Consegui com meu gerente Fritz

Leonhardt, que também era meu amigo, que ele tomasse emprestado o dinheiro de um colono, que guardava o seu dinheiro em seu baú. Eu só queria salvar estes 50 mil réis para a cooperativa e evitar a tramóia. Foi a razão da minha dispensa. Durante a reunião o presidente e outros associados, não bem de cabeça, queriam me expulsar como sócio.

Disse a eles que os estatutos não permitiam isto.

convocar uma reunião extraordinária.

Seria necessário

Quando todos foram embora pedi minha

exclusão da sociedade, e também a minha parte em dinheiro. Eles certamente teriam gostado de ficar com a minha parte. Em 1935 mudamos para uma das casas de aluguel construídas por mim em Rio do Sul. Meu pai vendeu suas propriedades em Streybach e foi morar também em uma das minhas casas de aluguel. Para construir as casas tinha recebido terreno do meu sogro. Em troca construí para ele duas casas de madeira para alugar, dando inclusive o material. Conheci, um dia, um homem de nome Sr. Gumm, que construía casas para Leopold Zarling, por empreitada, pelo valor de 600 mil réis a unidade. Ele estava a procura de alguém para ajuda-lo. Fechei o negócio com ele e começamos a construir a primeira casa em Barra do Trombudo. Não foi fácil, porque todo material tinha que ser levado morro acima. Depois de vinte e dois dias de trabalho, com mais de 10 horas de trabalho diário a primeira casa estava pronta.

O ganho diário era muito bom.

Ia

diariamente para o trabalho com a minha bicicleta alemã N.S.U. Opel que me custou 450 mil réis. Precisei primeiro aprender a andar de bicicleta quando a comprei. Pelo menos não precisava mais caminhar longas distâncias a pé. As estradas na época eram de argila e quando chovia, ficavam intransitáveis, assim as rodas da minha bicicleta ficavam tão cheias de barro, que não giravam mais. Depois que a primeira casa estava concluída, Gumm desistiu, e eu construí mais três dessas casas ajudado pelos meus irmãos Bruno e Walter. Em 1939, no mês de março, papai mandou meus irmãos Kurt e Bruno para a Alemanha. Tomamos a decisão, de logo ir também. Walter ainda casou aqui no Brasil. No dia 13 de junho de 1939, no navio alemão Monte Olívia, com minha mulher e duas filhas Ingrid e Marga, saímos de Florianópolis e chegamos em Hamburgo em 6 de julho de 1939.


Navio alemão Monte Olívia

A viagem foi boa. Em Florianópolis, um bote pequeno nos levou, à tarde, até o navio que estava ancorado ao largo. Fomos recepcionados com um bom jantar, que ao ficarmos mareados, ofertamos ao mar. A visão da entrada no Rio de Janeiro foi fantástica. As luzes que subiam os morros... Demos outra parada na Bahia e em Lisboa onde fomos à terra. Em Hamburgo recebemos guarida em um abrigo para imigrantes. De Kurt e Bruno não tínhamos notícias antes de partir. Bruno apareceu ocasionalmente para ver se encontrava conhecidos e lá estávamos nós. Ele estava doente e internado num instituto de doenças tropicais. Ele tinha malária, uma doença tropical. Kurt trabalhava em Schleswig - Hollstein.

Depois de algum tempo fomos a Ostpreußen, nossa pátria. Walter continuou no abrigo porque sua esposa estava doente. Só minha irmã Lotte foi conosco. Antes de Berlim, encontramos no trem, uma senhora Mechbach, com quem Lotte foi até Frankfurt, aonde iria se empregar.

Quando chegamos em Koenigsberg, fomos abrigados em um hotel durante 10 dias.

Os hotéis estavam cheios de alemães fugidos da Polônia onde tinham sido

maltratados. Minha filha Ingrid foi internada no hospital doente, e nós continuamos a viagem até Goldap.

Walter já tinha chegado e tinha um pequeno espaço como

morada. Inicialmente recebemos um pequeno quarto na casa da Sra. Lonkowski. Estava em tempo da viagem chegar ao fim. Marga (minha outra filha) estava tão debilitada que pensamos que não iria resistir, mas se recuperou rápido. Numa viagem destas falta o cuidado necessário para um bebê. Comecei a trabalhar em uma serraria. Nós recebemos uma moradia em uma casa velha renovada. Walter também. Na parte superior conseguimos uma boa morada com dois quartos e uma cozinha.

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Em 10 de setembro de 1939, quando ia pra o trabalho e chegava a Muehlenstrasse as pessoas convergiam para a rua. Perguntei o que havia acontecido. A guerra tinha estourado, comentavam. Nós morávamos a cerca de 20 quilômetros da divisa com a Polônia, ali residia o perigo. Militares se viam, poucos. Não acontecia nada. No domingo, dia 3 de setembro, quando fui buscar Ingrid no hospital, já se escutava o troar dos canhões, em Gurnem, ao sul da nossa cidade. Naquela ocasião fiz uma visita ao meu antigo professor, Nippa. A barba preta dele estava totalmente branca. Naquele momento ouvimos a notícia que a Inglaterra e a França, também entraram na guerra contra nós. A esperança que os nossos pais viriam, logo ao nosso encontro desapareceu.

Ruínas em Gurnen

Mudei de emprego para empresa O.Wenzewski, onde eu vendia gêneros alimentícios. Eu ganhava um pouco mais de 25 Rm (Reichsmark, moeda da época) por semana.

Agora também meu irmão Kurt veio para cá e trabalhava como

marceneiro para Richter. Mudei outra vez de emprego, em um lugar onde ganhava 32 Rm por semana. Neste meio tempo chegou o inverno, a neve estava alta e estava bastante frio.


Em 5 de dezembro de 1939 nós três irmãos fomos engajados no exército. Walter e eu fomos a Insterburg, Kurt para Gunbinnen.

Insterburg.

O frio já estava a 20 graus negativos. Quando eu e alguns camaradas tivemos folga, num domingo, encontrei em um salão de baile, uma moça com quem estudava na infância. Em 14 de janeiro de 1940 eu estava de férias, havia neblina, ou estava sempre geando. Em 25 de janeiro de 1940, por causa do meu problema no coração, fui dispensado do exército. Por causa do intenso frio eu estava desempregado. Uma vez, fui convocado para tirar neve dos trilhos do trem, para este não encalhar. Senti tanto frio, como nunca em minha vida. O vento soprando em campo aberto, era preciso movimentar-se para aquecer um pouco. O lugar era um corte na montanha, que o vento cobriu de neve. Quando cheguei em casa, minha mulher me falou que um homem da agência de empregos esteve me procurando e teria um lugar para eu trabalhar. No outro dia quando estava pronto para sair o homem já estava outra vez ali, perguntando por que eu não vinha. Era o senhor Schade, que antigamente, num vilarejo vizinho pescava em um lago e nos vendia peixes. Consegui um emprego na administração local do exército. Apresentei-me ao meu chefe Stolz, encarregado do pagamento dos soldados. Tínhamos pouco a fazer já que tudo dependia de leis ainda não aprovadas. Aprendi datilografia e deixava os colegas me explicarem tudo que precisaria saber no futuro. Então começou o trabalho, mudamos de lugar, que com o tempo se transformou em um escritório com mais de 40 pessoas trabalhando, geralmente senhores de idade, algumas mulheres e moças. Quando recebi o primeiro pagamento, 180 Marcos, estávamos aliviados pois era 50% a mais do que ganhava no meu último emprego. Para mim era um trabalho gratificante que eu desenvolvia com facilidade. Foi o melhor tempo da minha vida. Nosso primeiro chefe foi Arno Holmann, inspetor da justiça. No


verão passávamos o nosso tempo livre, em um lago a 2 quilômetros de distância, tomávamos banho de sol e nadávamos. O inverno 1939-1940 era muito frio e eu estava feliz em poder trabalhar em uma sala com calefação. Em setembro de 1941 nasceu minha terceira filha Renate. Em 22 de junho de 1941 começou a guerra contra a Rússia.

Havia muitos

destacamentos militares nas redondezas, mas notávamos pouco,

porque a

movimentação se dava à noite. Três dias antes tivemos que fazer hora extra atendendo o telefone. Sempre três pessoas.

Stukas

Em 22 de junho os Stukas (aviões) sobrevoaram baixo, sobre as nossas casas, indo em direção do oeste despejar suas cargas de bombas. No primeiro momento não sabíamos o que ,isto significava. Ligamos o rádio e aí falou Goelbels, ministro das Comunicações, e soubemos o que estava acontecendo.

De repente soaram as

sirenes, anunciando um ataque aéreo. Foi um alarme falso. Nós pensávamos que os aviões iriam despejar bombas sobre nossa cidade.

Depois nunca mais tive medo

quando soava a sirene, o que acontecia com freqüência nos anos de 1943-1944. Uma vez um bombardeiro russo caiu em um vilarejo perto da cidade, em uma sede de uma fazenda, que foi danificada. O avião explodiu. Uma bomba estava perto da sede de outra fazenda, a 100 metros de distância.

Quanto à alimentação durante a guerra não havia problemas e não nos faltava nada. Tudo era distribuído por cartões em cotas, tanto para pobres como ricos. Só os trabalhadores braçais ganhavam mais. De vez em quando se ganhava uma cota extra: vinho, cachaça e no Natal chocolate e bombons.


Eu tinha um amigo Reinhold Stechern que administrava uma fiambreria, onde a minha esposa fazia limpeza, meio dia por semana, e aí conseguíamos de vez em quando, artigos escassos. Para o Natal ele nos conseguiu um gordo ganso.

Na época também visitava ex-colegas da escola e visitávamos muitas vezes a viúva Gelning, filha de um antigo vizinho. Seu marido era professor e faleceu na I Guerra Mundial aos 32 anos.

Seu filho único ia comigo para a escola, e agora

trabalhava no governo. No inverno nós dois fazíamos passeios sobre o lago congelado de Heidensee, na borda da Rominter-Heide. Heinz, mais tarde, morreu na Rússia aos 32 anos.

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Lago Heidensee

Rominter-Heide

Voltando a 1939, quando chegamos a Goldap, Walter e eu alugamos bicicletas e fomos visitar nossa cidade de nascimento e nossos antigos vizinhos, Emil Leukelt, cuja esposa foi confirmada comigo. Na época ainda não tinha guerra e encontramos muitos homens jovens em casa. Emil foi, um domingo, conosco para Rominter, minha mulher e minhas filhas Ingrid e Marga também foram junto. Lá existe o castelo de caça do último imperador alemão, com uma pequena capela. Do nosso povoado até lá são 7 quilômetros através de bosques.

Já estive lá quando criança, numa excursão da

escola, e na oportunidade vimos o castelo por dentro. São dois prédios compridos, um para a imperatriz e outro para o imperador, interligados por um corredor sobre pilotis.

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A partir de 1943-1944 a sorte na guerra não estava do nosso lado. As zonas ocupadas da Rússia tiveram que ser deixadas e devagar a guerra estava chegando perto da nossa cidade.

Foi no último domingo de julho de 1944, o tempo estava maravilhoso e tínhamos estado no lago. Ao longe se escutava o troar dos canhões. Quando chegamos na praça do mercado havia uma aglomeração enorme da população.

Falou então o

encarregado do NSV Henfler, dando a notícia que as mulheres e crianças teriam que sair da cidade. Só as mulheres e homens que exerciam profissões ficariam ainda. Assim se empacotou o mais necessário e já no dia seguinte minha família deixou a cidade. Consegui abrigo em Schwangen, perto de Muehlhausen na casa de um lavrador, Kroll. Nosso local de trabalho, em 6 de agosto de 1944 foi transferido para Koenigsberg, em uma escola (Frischbierschule) e trabalhávamos na Goehteschule. Depois de alguns dias, eu e outros homens fomos designados para cavar buracos em uma colina. Os buracos tinham um metro e meio de diâmetro e de profundidade. Era quente, o trabalho pesado e a terra dura. Era para os canhões. Dormíamos em um celeiro, onde os ratos nos incomodavam. Um dia em uma fila, nos disseram que quem estivesse vestindo uniformes, saísse da fila. Éramos eu e mais dois homens. Nós iríamos para o Sul de Ostpreußen, perto da Polônia para orientar os que também construíriam trincheiras. No vale corria o Rio Inster e nos grandes campos estavam centenas de vacas de leite, todas holandesas, que berravam dia e noite porque não se tirava o leite. Em um dia, domingo, fomos tomar banho no rio. Quando voltei, os dois outros camaradas tinham sido convocados para outro serviço e eu teria que continuar a cavar. Fiquei bravo. Os ingleses vieram em nossa ajuda, bombardeando Koenigsberg e nós com habitantes de lá, pudemos voltar. Quando estávamos esperando o nosso trem, apareceu um avião russo e metralhou um comboio que estava de saída, mas só uma pessoa ficou ferida. Apareceu o nosso comboio e por um desvio por Tilsit chegamos a Koenigsberg.


Tilsit

Uma nuvem de fumaça cobria a cidade que antes estava intacta. Agora, quando passamos pela Langstrasse, estava tudo destruído, nenhuma casa inteira e mortos se encontravam estendidos ao longo do castelo. A ponte sobre o Rio Pregel estava destruída, os pilares de madeira onde se prendiam os barcos tinham queimado até a linha d'água. A outra ponte, que nós utilizamos, estava intacta, mas ali perto queimava um grande monte de carvão, que desprendia muito calor. Quando chegamos na nossa escola, janelas e portas tinham voado para fora. Os outros companheiros de trabalho estavam lá, mas durante a noite iam dormir ao relento. Eu estava muito cansado, os olhos ardiam por causa da fumaça. Eu disse: fico aqui, seja o que Deus quiser! Os outros também ficaram. A Goehteschule só estava danificada. Os dois pavimentos superiores estavam queimados, mas nossos documentos estavam salvos.

Nós

passávamos por cima de escombros queimando para chegar na escola. Empacotamos tudo e fomos transferidos para Regerteln, onde eu e meu colega Schmidt fomos morar na casa da família Tienert, que tinham um comércio. Nosso escritório era no segundo andar da casa do padre católico. Ali nós trabalhamos até meados de janeiro de 1945. Uma vez eu quis ir até Goldap, mas como os russos estavam perto da cidade meu chefe não deixou. Uma moça que esteve conosco, que agora trabalhava em Koenigsberg, tinha ido, mas não conseguiu nada. A cidade estava vazia, um soldado lhe disse que sumisse logo, que o lugar era perigoso. Ela procurou uma bicicleta em uma casa e foi embora. Nessa época tive uma inflamação na vista, muito dolorida e estava em tratamento com um médico oculista em Allenstein, 40 km distante da nossa cidade. Quando quis


voltar para casa, não tinha trem e ninguém sabia o motivo. Era muito frio, o consultório cheio, um bafo que não dava para agüentar. Assim a porta de vai-vem não parava, porque não dava para agüentar nem fora e nem dentro. Dentro tinha o bafo, fora o frio. Ao amanhecer pude voltar para casa e fui direto para a cama. Na semana seguinte deveria voltar ao médico.

Domingo de manhã apareceu meu chefe Arinborst, pediu que nos reuníssemos e fôssemos embora, pois os Russos já estavam em Allenstein. Então segui sem retornar ao oculista. As estradas principais da estação estavam cheias de fugitivos que iriam para a direção norte. Pegamos nossas tralhas, fomos para a estação, seguimos em um vagão aberto para Wormditt. Recebemos o recado de um funcionário retardatário, que tinha arrumado um vagão e poderíamos levar todas as nossas coisas. Voltamos e pegamos tudo que tínhamos deixado na estação, que ficava a 1 quilômetro de distância. Até o acordeon do nosso chefe Plutowski, que não estava presente, nós levamos. Nós o chamávamos de Pluto. A saída foi à noite.

Wormditt

De Wormditt fomos até Braunsberg. Lá o vagão ficou parado alguns dias. Era muito frio. As moças sofriam mais. Eu tinha um cobertor de penas e sentia menos frio apesar dos 22 graus negativos.

Apareceu um dia um oficial que disse que

procurássemos abrigo na cidade, os soldados que vinham do Norte em Kurland viriam nos libertar, já que a linha férrea para Berlim em Elbing estava interrompida pelos russos.


Braunsberg

Estávamos abrigados em uma escola, tínhamos o que comer; e a noite quando o nosso chefe ia jantar com alguns colegas, na cidade, voltavam com notícias da chefia do exército. A nossa situação era crítica. Na cidade não tinha policiamento, nem pessoas com uniformes do exército estavam a vista. Decidimos no dia seguinte seguir a pé. Pegamos o necessário, principalmente comida e marchamos através da neve para um lago que estava congelado.

Na praia estava um soldado alemão morto.

Quando o nosso grupo estava formado, sobre o gelo fomos em direção ao balneário de Kahlberg. O vento gelado nos fustigava por trás, e assim íamos caminhando sentindoo menos. Não poderíamos voltar. As moças sentiam as pernas congelando com o vento. Chegados à terra, esperei com meu colega, Rogall, pelos outros em um quarto. Quando partimos entramos na floresta, começou a ficar mais quente, uma vez que o vento não nos alcançava mais. À noite, chegamos em Kahlberg; as casas de veraneio estavam quase todas vazias. Ali pernoitamos. Chegavam sempre mais fugitivos. Eu derretia gelo e fazia café para os recém chegados. Ainda tínhamos café.

Ao amanhecer continuamos, e a noite chegamos em Stutthof, onde se encontrava um campo de concentração. Ali os habitantes nos receberam com comida. Na manhã seguinte continuamos. Um lavrador nos deu carona em sua carroça. Presa a ela estava um trenó, e dentro dele um carrinho de bebê com uma criança morta. Com uma balsa atravessamos um dos afluentes do Weichsel e continuamos. Rogall e eu pernoitamos em um estábulo de cavalos, , pelo menos era quentinho.

Na manhã

seguinte pelas dez horas chegamos em Danzig. Danzig durante a dominação germânica entre 1793 a 1945, hoje é Gdańsk, cidade da Polônia.


Sentamos em um banco de uma praça e ficamos esperando os outros.

Nós só

podíamos continuar todos juntos porque nosso chefe tinha um documento autorizando nosso deslocamento até Neustrelitz.

Stolp

Neustrelitz

Nosso empregado mais velho Wassilewski foi o primeiro a chegar, um letão carregou o seu fardo. Quando todos estavam reunidos entramos na cidade. Já estava ficando mais quente e o gelo derretia. No restaurante Bieberstein nos acomodamos em poltronas e passamos a noite. Então desapareceu uma funcionária, Eva Werner e só voltei a encontrá-la depois da guerra. Me disse que encontrou seus pais e continuou a viagem com eles. Cada dia íamos à estação, mas havia tanta gente que não era possível nem chegar perto dos vagões de passageiros. Só no terceiro dia conseguimos com muito custo lugares para ir a Gdingen (hoje Gdynia) e de lá para uma estação ferroviária de Gr. Strebersdof, onde queríamos pernoitar, mas estava tudo tão molhado que voltamos, e no outro dia estávamos de volta ao lugar de partida. De lá até Stolp eram 40 km, e o trânsito de trens estava interrompido.


Neubrandenburg

Tivemos novamente sorte e apareceu alguém com um carro rebocado vazio que nos levou até Stolp. Ali um controle da SS nos parou, mas o chefe deles era um professor de Regerteln, e como vínhamos daquela direção nos deixou passar. Fomos até a estação ferroviária para ver como iríamos adiante. Ali estava um grupo de sete oficiais da aeronáutica, nos dirigimos a eles e soubemos que eles estavam à espera de um vagão para levá-los. Quando o trem chegou pudemos seguir junto até Neudamm. A partir dali utilizamos um trem de carreira até Stettin, onde em um pavilhão conseguimos comida.

Embarquei com mais três colegas em um trem que ia a

Neubrandenburg, onde chegamos pelas quatro horas da manhã. Éramos então só três, pois, em uma estação, um colega foi comer alguma coisa e perdeu o trem. Havia neblina e por causa dos ataques aéreos nosso vagão foi levado para uma boa distância, fora da cidade. Estava muito escuro, como era um vagão de carga, precisávamos saltar, ninguém sabia a que altura estávamos. Pulei primeiro, cerca de um metro. Wasselewski, o mais velho de nós, borrou as calças ao saltar. Nós fomos até a estação ferroviária e de lá em direção ao nosso objetivo, Neustrelitz. Finalmente conseguimos dormir em uma cama, pois durante todo esse tempo não saímos de nossas roupas. Wasselewski, só a tarde, conseguiu se limpar em uma estação de banho. Aqui encontramos novamente nosso chefe Papa Stolz. Outro grupo viajou por Rostock e também chegou. Depois de quatro dias fomos designados para Wismar, uma cidade portuária no Mar do Oeste. Aí consegui um quarto com Schmidt. O local de trabalho era em uma barraca. Quase não tínhamos nada para fazer, pois a nossa papelada ficou toda em um vagão em Braunsberg. Nosso trabalho era responder a pouca correspondência que vinha até nós.


Porto antigo de Wismar

Hamburg

Em 11 de fevereiro de 1944 chegamos em Wismar e em 11 de março em Hamburg, foi nos designada uma barraca, onde já trabalhava o pessoal de lá. Hamburg estava totalmente destruída. Ouviu-se um ou outro alarme contra bombas. Só caiu uma pequena bomba, diante de uma loja de calçados, no parque de Wandsbeck, um bairro de Hamburgo.

Minha família, depois de uma tentativa frustrada, finalmente foi evacuada para Vielau em Zwickau, Sachsen (Saxônia). De Regerteln fui visitá-los algumas vezes, mas as comunicações férreas eram precárias, tinha que se fazer duas baldeações. Uma vez estava esperando pelo trem em Schobitten, como tinha tempo fui visitar o castelo do conde Von Dohna, onde na época estava alojado o estado maior da Aeronáutica.

Eu só via os sentinelas. Na alameda de entrada haviam plantados

carvalhos dos dois lados. Tinham um metro de diâmetro. Nunca vi, na Alemanha, carvalhos desse porte.

No Natal eu e mais outros companheiros entramos em férias e viajamos. Os vagões estavam tão cheios, estávamos prensados que nem sardinhas em lata, e isto até Vielau. Eram cerca de 20 horas de viagem. Depois de duas horas já teria que voltar, mas resolvi só voltar no dia seguinte e me tornei candidato à penalidade, assim como os outros colegas. Nosso chefe Pluto denunciou todos, menos um. Eu reclamei, que era injusto. Se houver castigo que seja para todos. Só descobri o motivo desta atitude depois do fim da guerra.

Ele queria beijar uma mulher de vida fácil, Fran

Radstak, num encontro na escada. Ela lhe deu uma bofetada. Ele queria se vingar. Mas quando chegamos em Neustreliz, o nosso chefe Papa Stolz, escutou a história e disse que não era tão grave, para arrancar a cabeça por uma ninharia.


Em Hamburgo, durante um ataque aéreo tive que tomar conta de um grupo de prisioneiros russos, que tiveram de procurar abrigo em um porão. Fiquei do lado de fora da porta. Os ingleses estavam chegando cada vez mais perto e nós e nossos camaradas, fomos transferidos para Flensburg na divisa com a Dinamarca, onde estava o comando geral. Uma noite, durante um alarme contra bombardeios, estouraram bombas em muitos lugares, mas sempre tivemos sorte. No dia 9 de maio, finalmente chegou tudo ao fim. Depois de alguns dias chegou um pequeno grupo de soldados ingleses e russos, oficiais montados em cavalo. Mais tarde vieram mais soldados ingleses, bastante medrosos. Uma vez, houve um estouro de um pneu, aí os valentes soldados ingleses procuravam rapidamente abrigo nas casas. Fomos mais uma vez deslocados para Oeversee, 8 km ao sul de Flensburg. Dormíamos todos, homens e mulheres, em um sótão de ferro do agricultor Lohf. Tínhamos que buscar comida num povoado vizinho, onde existia um posto de distribuição.

Oeversee

Em Hamburgo conseguimos papéis de dispensa e saldo até 31 de julho de1945. Todo trânsito era fechado pelos ingleses à procura dos odiados nazistas. Era intediante, e ainda a preocupação com a família, de quem ninguém tinha notícias, e sem saber quando finalmente poderíamos ir para casa. O correio estava fechado e nosso futuro era incerto. Em primeiro de agosto levantaram a barreira e eu fui a Hamburgo com o Sr. Schroeder, que também trabalhou na administração do exército e cuja esposa morava em Sachsen. A fome era a nossa permanente companheira.


Com um caminhão de carga fomos até Goslar, uma velha cidade imperial, que não foi danificada.

Goslar

Aschafffenburg

De trem fomos até Vienenburg, no Harz, na zona russa, para casa de um cunhado de Schroeder, para descansar um pouco. Depois de alguns dias fomos de trem até Kreiensen, onde à beira do caminho pedimos carona a um caminhão com engate.

Ele estava carregado de barris de

cerveja vazios e ia a Hamburgo buscar cerveja. Ele nos levou até Aschaffenburg, nas redondezas de Frankfurt. Eu estava no caminhão e Schroeder no engate. Começou a chover, tive sorte, pois na carroceria tinha um pedaço de lona para me proteger. Schroeder ao contrário estava sentado na chuva e completamente ensopado.

Na casa de um pobre diácono, conseguimos um quarto com cama. No dia seguinte, um domingo, queríamos continuar até Naila, onde morava uma senhora de Goldap, Frau Gehring, que mantinha correspondência com minha família. Eu queria saber se minha família ainda estava em Vielau, ou se tinha sido, ou ainda seria, encaminhada para Bayern. Na estação férrea de Aschaffenburg não nos queriam vender passagens sem uma autorização da prefeitura. Era domingo e tudo estava fechado. A estação do trem estava cheia de passageiros e perguntei ao atendente de onde os passageiros conseguiam passagens. Ele me disse: Preste atenção! Quando o trem adentrar na estação, eu me viro e o senhor entra pelas minhas costas. Assim, sem pagar um tostão chegamos a Hof, onde dormimos num pavilhão enorme da Cruz Vermelha. No dia seguinte, de carona, era nossa intenção chegar a Naila. Não aparecia condução e assim com nossas malas resolvemos fazer a pé os dez quilômetros até lá. Foi uma jornada difícil e fatigante. Estávamos cansados. Depois de oito quilômetros,


deixamos nossas malas em um albergue e à noite chegamos na casa da senhora Gehsing. Soube que a minha família ainda estava em Vielau. Na manhã seguinte tomei a direção da zona russa. Era uma subida de morro através Thueringerwald, até um lugar Lichtenstein, e até um hotel perto da fronteira. Este hotel à noite estava cheio de hóspedes e de manhã vazio, de noite outra vez cheio.

Na noite, certamente, estes hóspedes passavam pela fronteira.

Um

ribeirãozinho era a divisa, os soldados russos controlavam a estrada que passava pelo bosque.

Thueringerwald

Duas mulheres de uma tecelagem, perto do riacho, nos ajudaram, pois dos fundos de seu jardim, podiam ver a estrada controlada. Quando o caminho estava livre, elas nos davam sinal com um lenço e nós com sapatos atravessamos o rio e a estrada, rápido desaparecemos no bosque em forte aclive.

Na primeira casa perguntamos como era o controle dos russos, e nos disseram que de vez em quando passavam pedalando bicicletas. Continuamos nossa jornada até um povoado, onde queríamos dormir. Ninguém nos deu guarida, pois era zona de fronteira. Assim dormimos em um rancho para guardar madeira, sem autorização e de manhã cedo fomos até a estação ferroviária. Estávamos em três, durante a viagem um jovem começou a nos acompanhar. E assim uma tarde cheguei em casa. Minha mulher tinha sido operada de apendicite. As crianças estavam na casa de uma conhecida. Foram buscá-las. Pedi para não dizer que eu tinha voltado, mas que alguém tinha notícias minhas. A alegria foi enorme no reencontro. A família estava reunida.

Nosso objetivo, porém, era na próxima oportunidade ir para a zona de

ocupação inglesa e depois voltar para o Brasil. Quando dois soldados queriam passar pela fronteira, chegou o russo. Eu estava escondido atrás de um arbusto e o soldado russo veio ao meu encontro e nos levou


através da fronteira, para nos roubar. Tinha o meu dinheiro bem escondido debaixo do meu cinto, outra parte, joguei em um outro arbusto, quando ninguém estava olhando. Mais tarde iria buscá-lo. Assim ele tomou minha aliança e o meu relógio, que certamente não lhe causaria alegria, já que tinha falhado diversas vezes. Peguei meu dinheiro mais tarde. Na zona russa todos os participantes do partido nazista tinham que se apresentar e a minha situação estava cada vez mais insegura. Quando eu estava uma vez em um escritório procurando emprego, encontrei Alfons Bialojan, antigo inspetor na administração municipal de Allenstein, e combinamos que assim que um soubesse que a fronteira estava aberta, avisaria, e nós iríamos mudar para a zona inglesa. Um dia, finalmente chegou a hora e nós empreendemos a viagem. Passamos pela divisa, com tempo maravilhoso em Friedland, onde havia pouco controle. Não é possível descrever a sensação de liberdade que nós sentimos. Num acampamento de refugiados em Friedland tinha comida.

Friedland

Estação de Osnabrueck

Prefeitura de Leipzig

Em seguida com transporte ferroviário fomos a Osnabrueck, e depois para Vehste, onde recebi uma pequena residência de um lavrador Meyer Zu Farwing. No mesmo dia voltei, Alfons queria ficar, eu que avisasse sua esposa, mas resolveu vir atrás de mim.

Quando chegamos em casa, arrumamos tudo que nos restava ainda e depois de alguns dias começou a viagem.

Em Leipzig nos seguraram outra vez e nos levaram para uma Escola Pública , onde passamos por uma dieta de fome: sopa de folhas de urtiga e uma batatinha. Nós tínhamos uma reserva de pão e assim conseguimos passar este tempo.

Nossa

bagagem tinha 11 peças, por falta de espaço não pudemos levar, seria nos remetida


mais tarde, mas foi para Halle.

Fui atrás e trouxe para o acampamento onde

estávamos.

Halle

Começou uma epidemia de tifo no acampamento e qualquer saída estava proibida. Só pela manhã se podia sair. Encontrei um jovem holandês, que disse que conseguiu um passe na polícia para viajar do dia seguinte. A minha mulher ainda possuía o passaporte brasileiro e consegui também um passe na polícia para podermos viajar. Arrumei um carrinho de mão e na manhã seguinte fomos ao terminal ferroviário e depois até a fronteira, em uma cidade perto. Ali nos barraram outra vez e fomos levados a um pavilhão. Eu tinha feito um pequeno carrinho, com o qual transportava a nossa bagagem. Só pessoas doentes podiam passar pela fronteira. O segundo médico consultado, finalmente, deu um atestado para minha mulher, assim no dia seguinte pudemos viajar. Era um trabalho pesado manobrar a bagagem. Primeiro até a estação do trem, depois por cima de uma cerca, até a plataforma. Quando tudo estava lá, ir para outra plataforma, onde o nosso trem iria parar. Finalmente estava tudo pronto,e quando o comboio chegou, carregar tudo rapidamente e quando eu estava pronto o trem também partia, nem um minuto antes do tempo. Chegados em Grenzdorf, à noite fomos alojados em uma olaria, sem luz, sem comida, as crianças choravam de fome. Uma alma piedosa, pelo menos, deu comida a elas. Na manhã seguinte, atravessaríamos a fronteira. Aluguei um carrinho de mão, que não foi barato. Todos aproveitavam a ocasião. Assim enfrentamos uma fila de algumas centenas de metros até a fronteira. Como a bagagem era revistada pelos russos, demorou bastante até chegar a nossa vez. Mas então, finalmente, passamos pela fronteira e pudemos respirar o ar da liberdade.

Só quem passou tudo, todo

sofrimento, pode avaliar o sentimento de felicidade que nos envolveu. Dos russos nada mais tínhamos a temer, porque eles são imprevisíveis. Depois de um quilômetro


recebemos guarida no campo de refugiados Friedland, comida e refúgio em uma das muitas barracas. Uma caixa que tínhamos deixado fora no carrinho, por causa do grande cansaço nos foi roubada. No dia seguinte, a Tiesenbahn, por um atalho, nos levou até Vehrte. Com o pouco que sobrou tentamos deixar a nossa pequena casa agradável.

Fui a

Osnabrueck trabalhar na firma de construção Senger. Minhas filhas Ingrid e Marga já iam para a escola. Neste meio tempo chegou o inverno, mas nós estávamos satisfeitos, pois estávamos no Leste. Um dia pretendíamos voltar ao Brasil, assim que fosse possível. Naquela época ninguém podia imigrar. A alimentação era escassa, principalmente gordura. Minha mulher ajudava a tirar leite e com isso pelo menos ganhava um litro de leite por dia.

No outono juntamos espigas, mais ou menos 100 quilos de trigo e

centeio, assim não tínhamos falta de pão. Alguns pacotes que meu pai nos mandou ajudaram bastante. Com o dinheiro que eu conseguia vendendo cigarros no mercado negro, podíamos comprar os alimentos que constavam no cartão. No mercado negro, por muito dinheiro podia-se conseguir tudo.

Com trabalho e um pouco de mercado negro conseguimos, como muitos,

sobreviver. No inverno, ficávamos perto da linha do trem para juntar o carvão que caía dos vagões. Os trens passavam na região, todos vindos do Ruhs. Socialmente nos dávamos com as famílias Burat, Blaiojan e Hoppe. Apesar da dureza da época, passamos horas inesquecíveis.

Quando soubemos da inscrição na missão militar brasileira, nos empenhamos e vimos a possibilidade de um retorno. Depois de um tempo e várias idas aos escritórios das forças de ocupações inglesas em Lengo, chegou inesperadamente a chamada de minha família ao campo de Bedburg Hau, perto da fronteira com a Holanda, mas sem mim. Assim a decisão foi pesada; viaja a família sem mim ou não viaja. A cota de gordura era de 50 gramas por mês, por pessoa: dava a impressão de que o vencedor nos queria deixar, devagarinho, morrer de fome.

Assim, com o coração pesado,

decidimos que a família viajaria sozinha. No dia determinado viajamos todos para Bedburg Hau com pouca bagagem. Lá encontramos a família, Eitz originária de Timbó, no Brasil.

Voltei para casa e só no dia da viagem voltei para Bedburg Hau.

Embarcaram em um comboio especial até Hamburgo, passando pela nossa casa. No Rio de Janeiro foram alojados na Ilha das Flores e depois de trem, distribuídos, até que todos estavam no seu destino. Minha mulher só pesava 45 quilos na época.


Tive que me virar sozinho, o que não era fácil, cozinhar com o pouco que se recebia, trabalhar, lavar roupa e assim por diante. Em fins de julho de 1948, aconteceu a reforma monetária, se tinha outra vez uma moeda forte. Cada um recebeu 40 marcos e mais tarde mais 20 marcos. Viajei, ainda com o dinheiro velho a Bedburg Hau, tentando receber um comprovante de desnazifícação. Falei com um senhor chamado Fries, a quem dei um maço de cigarros e um pouco de gordura. Ele falou que eu tinha sorte porque naquele dia se reuniria uma comissão para tratar do assunto. Assim no dia seguinte eu já tinha o documento e podia tratar do meu retorno para o Brasil.

Na província de

Niedersachsen, onde morávamos não podia receber o comprovante, naquela época, pois as medidas dos decretos ainda não tinham sido decididas. Já na região do Reno sim. Significava que as forças de ocupação inglesas, tinham devolvido o poder da ocupação, às autoridades do lugar. Pouco antes do Natal, fui convocado para o campo de Muehlenberg em Hanover, dispensado e novamente convocado no começo de janeiro, pois o navio estava sendo reparado. Lá estávamos nós esperando e o tempo passando. Finalmente em março iríamos embarcar. Fui à cidade e com o pouco dinheiro que tinha comprei algumas coisas.

Quando voltei ao acampamento fiquei sabendo que o nosso navio, o

Santarém, se chocou com outro na Holanda. Assim a nossa partida tinha gourado. Sem dinheiro, sem trabalho, não se ganhava nada. Fui a procura de uma senhora de boa família, que conheci através de amigos do mercado negro. Ela tinha contato com uma empresa que vendia lâmpadas elétricas. Falei a ela da minha situação e perguntei se ela poderia me ajudar, me dando um pacote de 50 lâmpadas para vender. Depois, eu lhe daria o dinheiro. Talvez, pela minha cara honesta, ela me deu 100 lâmpadas, que vendi com facilidade em Vehrte e região, para lavradores. Me restavam l00 marcos de lucro e assim podia me manter até a partida marcada para primeiro de abril. No acampamento chegou também a Sra. Prelskom, mãe da senhora Brehsan e um casal Wichem de Blumenau, e, que em 1939 foram conosco para a Alemanha. Finalmente chegou a hora, o Santarém tinha sido reparado na Holanda e em primeiro de abril, com um comboio especial, fomos a Hamburgo. Subimos à bordo e ao anoitecer seguindo a corrente no Mar do Norte, passamos por Suellberg, onde subi 45 vezes. O mar estava bastante revolto, mas não fiquei mareado. Quando entramos no Bishaya começou o teatro. Começou uma tempestade, eu estava no convés superior, fiquei mareado, era frio, e quando me dei conta, eu era o único, estava sózinho. Todos já estavam em suas camas. Fui para trás a procura de minha cama. O convés traseiro


era castigado pelas ondas. A chegada de uma onda para outra levava pouco tempo, no qual eu tinha que descer uma escada de 8 a 10 metros. Deixei-me escorregar pelo corrimão da escada, e assim que fechei a porta já estava aí a próxima onda. Fui para cama, mas dormir, nem pensar.

A cabeça virava de um lado para o outro, tanto

balançava o navio. As malas debaixo da cama escorregavam de um lado para outro. Assim foi a noite toda. Na manhã seguinte fui para o convés, o mar estava um pouco mais calmo e pela posição do sol deduzi que o navio estava se dirigindo para o Norte, a fim de sair da tempestade. Á tarde estávamos indo outra vez em direção ao Sul da costa espanhola para o porto de Vigo, onde fomos à terra. Alguns conhecidos e eu fomos à cidade, encontramos um espanhol, que esteve na Alemanha, e falava um pouco de alemão. Ofereceu-nos vinho e à noite alegremente voltamos a bordo. A comida a bordo não era boa, apesar de estarmos famintos. Só o pãozinho nos fazia bem. Apesar disso, alguns comiam como se estivessem na casa da mãe, eu ficava admirado.

O mar estava calmo, depois que passamos as ilhas de Fernando de Noronha, começamos a ver a costa brasileira. O primeiro porto que atracamos foi em Pernambuco, depois Bahia e depois o porto do nosso destino, Rio de Janeiro. Era primeiro de maio de 1948.

Era feriado, e, só no dia seguinte as autoridades

começaram a liberar os passageiros. Muitos esperavam seus parentes para logo leválos. Entre eles reconheci Werner Preihonn, que queria buscar sua mãe. Busquei-a para que ele pudesse falar com ela. De alguma forma Fritz Koenig de Blumenau entrou em contato com um caminhão de Matador (lugar próximo de Rio do Sul). O homem se chamava Lira e tinha vindo com sua mulher para visitar seu filho que estava servindo o exército no Rio de Janeiro. Ele esperou, até que à tarde descemos do navio, e nos levou. Duas famílias ficaram em Curitiba, duas ficaram em Blumenau, Koenig e uma família Teichmann, e o solitário ex-cônsul Otto Rohkohl. Uma família foi levada a Itajaí e eu sozinho para Rio do Sul, aonde cheguei à noite, pelas 22 horas.

A viagem do Rio de Janeiro até lá foi boa. Entre Rio e São Paulo dormimos em um posto. Eu tinha uma cadeira onde poderia dormir. Coisa impossível por causa dos mosquitos. Na noite seguinte a mesma coisa em São Paulo. Eu não tinha dinheiro, mas em uma cidade pequena vendi uma navalha por 50 mil réis. Eu vivia de pão e bananas. Em Curitiba deixamos mais duas famílias. As duas mulheres tomavam conta da conversa, pareciam máquinas de falar, e fumavam como chaminés. Todos estavam aliviados. Entre Joinville e Jaraguá do Sul pernoitamos no Hotel Jahn. Eu dormi num


quarto com o Cônsul Rohkohl. Na sua roupa se via, que sofreu bastante no passado. Ele foi obrigado a fazer trabalhos de limpeza em Berlim, já era um homem velho, de natureza frágil. Sua bagagem compreendia duas máquinas de escrever e nada mais. Na casa dos Teichmann

pedi para parar, Herta, minha irmã (casada com Erwin

Teichmann) me deu 20 mil réis e em Blumenau comprei pão e lingüiça. Um antigo vizinho, e amigos, nos cedeu uma moradia.

Eu trabalhei um ano na fábrica da família Purnhagen e construí para nós alguns móveis. Após um ano meu cunhado Gustav Bauer e eu compramos o Bar Elite anexo à estação rodoviária de Rio do Sul, lá trabalhávamos com nossas esposas e foi um período muito bom. No ano seguinte meu cunhado vendeu sua parte para o Sr. Fritz Goebel, foi um período muito próspero e em seguida meu cunhado Reinhardt Schulze comprou a parte do Sr. Goebel. Um mês depois , minha irmã Hilde, casada com Reinhart faleceu durante o parto de seu filho Egon, que assim foi criado por nós até o dia em que meu cunhado casou novamente. Com a nova esposa de meu cunhado a relação não foi muito amistosa, dificultando o trabalho em sociedade. Minha mulher adoeceu e assim vendi a minha parte. Como tudo continuou, vocês sabem...

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Sim, dessa época em diante nós sabemos...porém achei relevante fazer alguns acréscimos e assim poder contextualizar um pouco a situação após este retorno ao Brasil, quando ocorreu o reencontro com a família, mulher e três filhas. Alguns anos se passaram e eu nasci, log em seguida da época em que seu relato se conclui, pois Egon, nosso primo te um pouco só mais velho que eu. Brincávamos juntos quando crianças. Sua madrasta, lembro bem, era tia Alice e ele tinha uma irmã mais velha Úrsula, que também já faleceu. Nasci, quando minha irmã Ingrid já era casada e tinha dois filhos, Marga estava noiva e casou no ano seguinte e Renate tinha quase 15 anos.

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Por alguns anos de sua vida em Rio do Sul nosso pai sempre teve restaurantes. Numa determinada ocasião foi sócio de seu cunhado, marido de sua irmã Lotte, Erwin Christann em uma loja de materiais de construção. No início da década de 70 se aventurou numa sociedade com o marido de minha irmã Marga, em um restaurante às margens da recém construída BR 101, no município de Araquari. Em seguida também morou um período em Itajaí, onde teve uma loja de confecções. Retornou depois para Rio do Sul, para onde, depois de alguns anos, também se mudou sua filha Marga, com a finalidade de cuidar dele e de minha mãe. Após o falecimento de minha mãe, Marga voltou a morar em Itajaí, para onde meu pai também retornou e viveu os últimos anos de sua vida.

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Fui a filha que na infância mais pode aproveitar a presença dele e curtir os seus mimos. Morávamos em Rio do Sul e ele gostava de um joguinho de cartas até tarde, porém detestava chegar e se deitar na cama fria no inverno, então me pagava para aquecer o seu lado da cama. Me pagava também, para engraxar seus sapatos e eu o fazia com muito gosto. Eu ouvia ele chegar, mas fingia que dormia. Assim ele me pegava no colo e me levava para o meu quarto e me deitava naquela cama gelada. Pela manhã eu pulava para junto dele na sua cama e fazíamos a maior bagunça, minha mãe ficava furiosa.

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Com certeza a intenção de nosso velho pai era concluir esta história, mas devido a catarata ,perdeu a visão e assim isto se tornou inviávelTivemos a benção de tê-lo conosco até o dia 17 de agosto de 2006. Viveu exatamente 96 anos e 6 meses. Na perspectiva de que daqui há alguns anos novos integrantes da família que hoje são ainda crianças, e outros que ainda estão por vir...possam conhecer um pouco de sua origem anexamos a esta narrativa alguns dados sobre a família.

A filha mais velha Ingrid, casou-se em Blumenau, com Alex Schramm, viúvo que na época tinha uma filha Ilona Schramm. Teve quatro filhos: Geraldo Luiz Schramm, Elimar Schramm, Damaris Schramm e Cristina Schramm. Todos casados e que já deram à Ingrid netos e bisnetos.


A segunda filha Marga, casou-se com Vitor Weber, com quem teve também, quatro filhos, Rosemarie Weber, Jurgen Dietmar Weber, Nilson Weber e Adriana Weber. Vítor faleceu há alguns anos e Marga casou-se então com Getúlio Vargas (não o presidente), também ficou viúva e em seguida casou-se com Arlindo que também veio a falecer. Marga também tem netos e bisnetos. E foi a filha que cuidou dos nossos pais até o dia em que nos deixaram.

A terceira filha, Renate Valtraud se casou com Lindomar Janke, com quem teve três filhas, Soraia, Tânia e Márcia. Renate não viveu para curtir suas 5 netas e um neto. Nos deixou ainda jovem, com 49 anos de idade. Mas criou ainda Adriana e Alessandro, filhos de Lindomar de um relacionamento extra conjugal com uma moça que morreu jovem. Adriana e Sandro também já são casados, ela tem dois filhos e Sandro é recém papai de um menino.

Eu, Sigrid, casei com Ulysses Dutra filho, com quem tive dois filhos, Ulysses e Karin Augustha. Separei-me quando eram adolescentes. Karin me deu um neto Yann Dutra Klava Piqueira e João Bernando Teixeira. Hoje sou casada com Iben Javier Lorenzana Calcaneo, arquiteto, mexicano que viveu pelo mundo e acabou se radicando no Brasil.

Espero que um dos nossos jovenzinhos da família possam dar continuidade a essa história...


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