Sesc Cadeião Cultural
A arte da transformação | Domingos Pellegrini
Sistema Fecomércio Sesc Senac PR
A arte da
transformação
Editora Sesc Paraná 1ª Edição Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98. Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores. Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.
Catalogação na Fonte: Sesc Paraná / Gerência de Acervo Cultural e Bibliográfico
P386
Pellegrini, Domingos
A arte da transformação / Domingos Pellegrini.
–- Curitiba : SESC PR, 2014
106 p. : il.; 25 cm.
ISBN 978-85-60587-08-7
1. Cadeião Cultural – Sesc Paraná. 2. Patrimônio cultural – Londrina
(PR). 3. Patrimônio histórico. I Título.
CDD – 363.69098162
Sesc Cadeião Cultural
A arte da
transformação
2014
Dedicamos este livro a todos os londrinenses que, desde a primeira caravana, dedicaram-se à transformação, criando esta cidade onde era o Sertão do Tibagi e erguendo a Capital do Café hoje transformada em metrópole.
Dedicamos também a todos que procuram se transformar, buscando os caminhos da arte, da cultura e da cidadania, e para tanto entregamos a todos o Cadeião de Londrina transformado em Sesc Cadeião Cultural.
Darci Piana | Presidente do Sistema Fecomércio Sesc Senac PR
CapĂtulo 1
O trator e a chave
Maior que – Derruba essa desgraça! – grita um homem,
o medo é a consciência
e mulheres ecoam: – Derruuuuba!!! São parentes de gente que viveu presa ali naquela “desgraça”, um prédio velho de dois andares e
janelas com grades, ainda do tempo em que as maiores construções da
O homem no estribo do trator tinha raiva e tinha ódio do monstro em forma de prédio e o trator roncava com rancor
Agora, 28 de março de 1994, a cidade tem seus altos edifícios, e no meio do tumulto de gente gritando e aplaudindo, um homem baixo, mas cheio de autoridade, sobe no estribo do trator para gritar ao tratorista: – Pode avançar que eu me responsabilizo!
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cidade foram os sobrados.
Na calçada diante do trator e antes do muro onde começaria a demolição do Cadeião, postam-se quatro homens e meia dúzia de moços e
tinham as moças na calçada
moças, bem juntinhos devido a um sentimento que uma se deixa falar:
tanto medo quanto esperança enquanto o trator avançava
– Estou com medo, professor! – e o professor, mãos dadas com outros dois professores, responde apenas: – Eu também! Maior que o medo, é sua consciência de que o Cadeião deve ser preservado, como patrimônio histórico, única construção da década de 30 ainda em pé na cidade. Também sabem os professores ali que, noutras
mados em centros culturais ou pontos turísticos, sendo símbolo disso o célebre Presídio de Alcatraz, em San Francisco, nos Estados Unidos. Eles acreditam que, apesar ou mesmo por causa de seu passado inglório,
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cidades do país e do mundo, cadeias e presídios renasceram transfor-
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Agarrando-se como crianças
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o Cadeião pode ser transformado em centro cultural, nisso conseguindo, como prédio, a transformação que o sistema prisional tem como objetivo maior para os presos. Mas não há tempo ou ambiente para uma discussão cultural: o trator ronca mais forte, ameaçando avançar! O homem em pé no estribo do trator parece ter perdido a cabeça, mandando o trator avançar contra as pessoas ali. Mas José Tavares, secretário estadual da Justiça e Cidadania, foi deputado federal constituinte e, como político, espera fazer o que o povo quer, com boas e muitas razões para ordenar a demolição, como dirá duas décadas depois:
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Acervo Museu Histórico Pe. Carlos Weiss/ Roberto Brasiliano
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Entre o trator e o Cadeião em ruínas, o grupo que impediu a demolição
“Para mim, – O Cadeião era um símbolo de sofrimento
demolir era
e dor, um monumento à incompetência e desu-
dever de
manidade, um desrespeito também aos familiares
cidadania!”
que ali iam visitar os presos, pois era um ambiente insalubre, fétido e feio, fonte de más lembranças e distorções penais.
para construir uma cadeia pública decente de forma inadiável, um comCadeias houve de pedra há cadeias de silício cadeias de silêncio de omissão e de medos
promisso com o futuro através da derrubada do passado. Ele tem também outros bons motivos para comandar a operação estribado no trator:
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Derrubar aquilo parecia um sinal claro de avanço para novos tempos,
– Havia um projeto, já aprovado pelo governador Requião, para construir ali um Centro de Polícia Científica, juntando a Criminalística e o Instituto Médico Legal. Eu receava que, se o projeto não virasse rea-
a ditadura da vida
lidade logo, no terreno liberado pelo Cadeião, demoraria muito para sair
comando do coração
do papel – e hoje vemos que o novo IML está ainda em construção duas
cabeça perdida
décadas depois... O governador tinha até me reptado em reuniões, dizendo que ou eu demolia o Cadeião ou ele mesmo ia comandar o serviço. Além disso, ali eu começara a ser delegado com 23 anos de idade, cheio de idealismo e de ideias, e acreditava ardorosamente que a demolição
uso cultural para aquilo, acreditava estar fazendo a única coisa certa ali. Tavares não é apoiado apenas pelas dezenas de parentes de presos que gritam ali em volta do trator. Sua intuição política está de acordo
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era missão de cidadania! E não tinha qualquer informação a respeito de
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Correntes de opinião
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Rubem Vital
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O trator iria “sacramentar” a demolição que já começara nos fundos do Cadeião
com o que quer a população: alguns dias depois do duelo entre demolição e preservação, a Canadá Pesquisas, depois de ouvir 600 pessoas, revelará que apenas 24% delas quererão a preservação, 73% preferirão a demolição, e só 3% não terão opinião a respeito. No entanto, uma segunda pergunta da pesquisa, apenas para os
sobre as perspectivas para o Cadeião: 59% opinarão que o prédio deverá, se preservado, não manter as características originais de cadeia, como grades nas janelas, e apenas 5% optarão por isso. Uma terceira pergunta revelará ainda mais confusão na opinião
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que optaram pela preservação, evidenciará desinformação ou confusão
pública: se o Cadeião for transformado em shopping center, você fará compras lá? Sim, responderão 53%; não, 37%, e 10% não terão opinião.
riando o prefeito Luiz Eduardo Cheida, que aventa instalar ali um shopping popular (camelódromo), 31% das pessoas escolherão instituto de criminalística, 27%preferirão escola, 25% quererão praça e apenas 17% o shopping. Enquanto o trator ronca ameaçador, o Cadeião é esfinge a abrigar o enigma: preservado para ser o que ou demolido para quê?
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E, se demolido o Cadeião, o que deveria ser construído ali? Contra-
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Domingos Peligrini
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Era o endereço da tortura do sofrimento, da amargura e do silêncio imposto à dor por isso roncava o trator
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16 Mas podia também ser começo de vida nova – como a nação a renascer depois do perdão a se transformar com amor
“É um símbolo Os três professores de Arquitetura da
da iniciativa
Universidade Estadual de Londrina, diante
comunitária”
do trator, são Marcos Barnabé, Antonio Carlos Zani e Jorge Miguel Carneiro Marão. Eles liberaram das aulas uma turma de alunos, para irem protestar e tentar obstar a demolição do Ca-
quanto as pessoas que gritam “derruba” veem um monstro de péssimo Ali diante daquele muro
passado a merecer futuro nenhum.
estava o duelo armado
Ali em redor do trator, quem conhece por dentro o Cadeião tem
da revolta pelo passado
muitos motivos para duvidar de uma recuperação do prédio. Mas, quem
contra a esperança do futuro
conhece sua história, sabe que é um patrimônio inigualável na cidade. Se tiverem chance, os professores poderão argumentar: – É um prédio público feito por coleta popular! É um símbolo de
por esconderijos e túneis
iniciativa comunitária! E também simboliza o descaso do governo estadual
e por lágrimas que punem
com Londrina, pois foi construído com dinheiro direto do povo porque o
corroído e enferrujado
dinheiro dos impostos, principalmente da cafeicultura, que enriqueceu o Estado, não voltava para obras na cidade pioneira da cafeicultura!
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Era um prédio esburacado
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deião, que veem como patrimônio histórico a merecer novo futuro, en-
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Hist贸rico e folcl贸rico
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Londrina começou em 1929 em clareira aberta na floresta, onde hoje é o Complexo Marco Zero, com ranchos de palmito que eram serrados com traçador e lascados a facão. Depois, já usando madeira da própria floresta, principalmente peroba-rosa, foi levantada a cidadezinha de casas de madeira dos anos 30. Já a partir de 1940, começa a terceira geração arquitetônica, de casas e sobrados de alvenaria – e, destes, o Cadeião foi um dos primeiros e é o último remanescente. A primeira cadeia pública da cidade era, conforme o jornal Paraná Norte em 1938, “um caixão enorme, capaz de conter dois pianos, e que é a cadeia pública de Londrina desde 1933, cadeia que, de quando em vez, é mudada de local,
Histórico e folclórico
transportada em caminhão ou nos ombros de homens”. O destacamento policial da época ficava em casinha de madeira na Rua Maranhão, onde hoje é o Royal
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Plaza Shopping, e a casinha-cadeia ficava “estacionada” no pátio. O jornalista Humberto Puiggari Coutinho a descreveu sem saber que era bem semelhante ao Cadeião nos seus últimos anos, apenas com diferenças de tamanho: “Se há alguma coisa em Londrina que destoa de seu progresso, de sua civilização e cultura, depondo tristemente contra tudo isso, e até contra nossos sentimentos de humanidade, é aquela casinha fechada, sem janelas, de dois metros de altura, três de comprimento e um e meio de largura, dividida em dois compartimentos, coberta de zinco. Naquilo, que chega a ser menos que uma jaula, sem ar, sem luz, sem aparelhamento sanitário, sem água, sobre pressão de um ar pestilento, sufocante, cruel, se enjaulam não um, mas vários representantes da espécie humana.”
Histórico e folclórico
Acervo Museu Histórico Pe. Carlos Weiss/ Hans Kopp
Acervo Museu Histórico Pe. Carlos Weiss/ George Craig Smith
Histórico e folclórico
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As gerações arquitetônicas de Londrina: os
A cidadezinha de madeira
ranchos de palmito na primeira clareira
nos anos 1930
Acervo Museu Histórico Pe. Carlos Weiss/ Roberto Brasiliano
A Rua Sergipe em dia de barro na época de construção do Cadeião
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A metrópole, nos anos 2000
Histórico e folclórico
Acervo Museu Histórico Pe. Carlos Weiss/ Foto Estrela/ Carlos Stenders
Histórico e folclórico
Mas, a 22 de dezembro de 1939, o jornal noticiava: “Com a presença do capitão Fernandes Flores, chefe de polícia do estado, será inaugurada hoje às 14 horas a cadeia pública de Londrina. O prédio, que no gênero é um dos melhores do estado, será um atestado de nosso progresso e dos sentimentos de humanidade do nosso povo; pois foi este, pelos expoentes do comércio e da indústria local que, de fato, atendendo ao apelo do tenente Luiz dos Santos, forneceu dinheiro e materiais para a construção do edifício.” O terreno foi doado ao estado pela Companhia de Terras, que colonizara a cidade e sua zona rural, e sua localização já não era invejável desde então, no fim da Rua Sergipe, em área então ocupada por casas de tolerância e prostituição noturna ambulante, como seria durante décadas. A cidade fora
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toda retalhada pela Companhia em quarteirões, perfeitamente quadrados, mas o terreno ali era triangular, evidenciando ser uma sobra nesse desenho geométrico interrompido diante da ferrovia, que chegara à cidade em 1935. Entretanto, se nasceu espremido em terreno bicudo, o Cadeião ganhava visibilidade para quem chegava da ferrovia, conforme o arquiteto Marcos Barnabé na Folha de Londrina de 23 de janeiro de 2001: “Quando o trem entrava na cidade, na década de 40, a primeira construção que se via dali, onde hoje é a Avenida Leste-Oeste, era justamente a cadeia”. Essa segunda cadeia era, porém, também de madeira, sujeita portanto ao mais fácil plano de fuga, o incêndio, e era no bico do terreno que depois seria ocupado pela delegacia de polícia. O prédio de alvenaria para a cadeia seria construído em 1941, novamente custeado por coleta comunitária,
24 celas liderada pelo delegado Mamão, cujo nome a imprensa
cubiculares sem
folcloricamente não registrou. O major Aquiles
cozinha nem
Pimpão, prefeito nomeado entre 1943 e 1945,
refeitório
ampliaria o prédio, que passaria por reforma em 1953 e nova ampliação no governo Ney Braga em 1963. Era enfim cadeia para conter 60 detentos (não presidiários: como em toda cadeia pública municipal, nela ficariam os detentos à espera de julgamento, depois encaminhados para presídio estadual). Com a superlotação usual das cadeias brasileiras, nos anos 80 abrigaria mais de 200 homens em condições desumanas: tinha 24 celas cubiculares e corredores estreitos e escuros, instalações elétrica e hidráulica sempre precárias e falhantes, um pequeno pátio interno cercado de altas paredes que reduziam a poucas horas o sol diário, e não tinha cozinha nem
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refeitório. Dos apenas dois sanitários emanava um permanente cheiro de creolina, usada para desinfetar não só os vasos sanitários mas também os pisos, por onde escorriam urina e excrementos dos baldões usados noturnamente nas celas. Esse ambiente era tão propício à violência quanto estimulante para fugas, conforme o Jornal de Londrina em 29 de março de 1994: “A maior fuga aconteceu numa madrugada de 1964, quando 29 presos fugiram por um túnel na cozinha. A partir daí as fugas só aumentaram. Em 1976, 79 e 80, ocorreram várias em massa, inclusive com tiroteio. Nos seus 53 anos, a cadeia foi motivo de vergonha para a cidade: 76 presos foram nela mortos violentamente e não se sabe quantos morreram de doença.” Sem separação de detentos por crimes graves e por pequenos delitos, era
Histórico e folclórico
Histórico e folclórico
também uma “escola do crime”, ladrões, punguistas e falsários a ensinar ali suas artes, assaltantes formando quadrilhas, assassinos subjugando estelionatários, alguns à espera de prisão perpétua circulando entre outros à espera de breve soltura, e que levariam para quadrilhas na cidade as ordens e instruções recebidas. Como usual, ali os mais fortes subjugavam os mais fracos, criando gangues de mando e círculos de obediência, a aguçar o sentimento de injustiça e a promover o vandalismo que o prédio acabava sofrendo. O jornalista Marinósio Filho resumiu aquele inferno em linhas candentes: “Os cubículos vivem apinhados de presos. São uns sobre os outros, promiscuidade desumana, aviltante, longe dos preceitos da lei e da justiça. São calabouços fétidos e imundos. Sem pia e sem sanitários. As paredes
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sujas de fezes e o frio chão de cimento alagado de urina. Oficina de marginais, nascedouro de homossexuais e escola de toxicômanos”. Agravando tudo isso, presos condenados continuavam a cumprir pena no Cadeião, por falta de vagas nos presídios ou por não terem advogado acompanhando os processos. E o jornal O Estado do Paraná, de 2 de outubro de 1992, apontaria outra desgraça coletiva no Cadeião: “Além da mistura desumana dos condenados com os presos que não tiveram decretadas suas penas, outro problema gravíssimo do Cadeião é o dos homossexuais que ali pululam, contaminando a quase totalidade dos presos com o vírus da Aids.” De tão perfurada por túneis e buracos para esconder drogas ou armas, o Cadeião ganhou o folclórico apelido de Queijo Suíço. Nas janelas
De tão perfurado, ganhou
gradeadas dos cubículos, os presos gracejavam com as mulheres que se atreviam a passar pela Rua
apelido de
Brasil ao lado. Penduravam nas janelas cartazes de
Queijo Suíço
protesto ou de comemoração natalina, adereços carnavalescos ou camisetas de futebol para comemorar vitórias dos clubes. Mulheres ou namoradas de presos conversavam com eles, gritando da calçada para janela. Nos dias de visitação, longa fila de visitantes Tinha o fedor das latrinas
começava na entrada e dobrava a esquina, aguardando a demorada revista
a indiferença dos carrascos
para entrar e compartilhar com os presos o desconforto, a sujeira e o fedor.
e entre ladrões e assassinos
Na década de 60, jovens de classe média à noite faziam “cavalo de pau”
refeições comidas com asco
diante da delegacia e do Cadeião, com a chapa do carro embuçada, e depois iam comemorar a façanha no Bar do Norte, na Avenida Paraná. Uma das
E palavrões pelas paredes
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inscrições rabiscadas ou riscadas nas paredes do Cadeião parece adequada a
lotação de más lembranças
esta altura: “Nem todos que estão são, nem todos que são estão”...
com nojo da Justiça e sede
Durante alguns anos, um carcereiro-chefe morou em casa no terreno
de destruição e de vingança
de fundo do Cadeião, onde chegou a “construir” uma “piscina”: ergueu muretas diante de um trecho de muro, enchia de água e ali se refestelava nos dias quentes, à vista dos detentos nas janelas de sua sauna fétida. Como quase sempre, não foi a vigilância de alguma autoridade, mas denúncia da imprensa que acabaria com tal anexo. E, na cidade, quando alguém queria recriminar alguém, dizia “olha lá, hem, desse jeito você vai acabar no Cadeião”, que assim se incorporava ao imaginário da cidade como símbolo de sofrimento e castigo.
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Milton Dória
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Domingos Pellegrini
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Domingos Pellegrini entrevista a quadrilha do famoso assalto ao Banestado, em 1988, no Cadeião onde crianças entravam “normalmente” nos dias de visitação
Voltemos ao trator. Além dos três professores e seus estudantes, também está diante do trator o escritor Domingos Pellegrini, que conhece o Cadeião desde criança: – Quando menino, eu levava à delegacia as fichas de registro de hóspedes da Pensão Alto Paraná de meus pais. Depois, aos 18 anos em
Cadeião cumprir minha cota de “cobertura policial”. Como era ditadura, o delegado se dava o direito de às vezes proibir acesso da imprensa ao livro de registro de ocorrências. Me vinguei num dia em que, conversando com o delegado na escadaria de entrada, ele falou que nada havia
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1968, como repórter da Folha de Londrina, duas vezes por semana ia ao
de novo, além de roubo de calças Lee em varais de casas, até da casa dele tinham roubado, devia ser coisa de molecada. Redigi então uma notí-
Quando voltei lá, disseram logo que o delegado queria falar comigo, mas o que falou foi apenas “é, parabéns a você por me fazer passar por palhaço, mas aprendi que com repórter é melhor não abrir a boca”. Duas outras ocorrências revelariam ao futuro escritor o mundo desumano do Cadeião: – Um preso idoso estava sempre varrendo os corredores, silen-
estar solto há tempo, preso por tentativa de homicídio da mulher que, por vingança, “dava um jeito” da Justiça nunca determinar a soltura. Noticiei isso, e uma semana depois ele estava solto, mas passei a ver que
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cioso e infeliz, e, quando perguntei seu crime, me revelou que devia
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cia com o título “Roubaram as calças até do delegado”, e foi publicada!
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era um caso entre muitos. Anos depois, fui detido por reagir a um PM que, numa revista de rotina de madrugada numa rua, agredira amigo meu. Passei a noite no “corró”, cela sem qualquer móvel e com altas lâmpadas sempre acesas, para “abrigar” os detidos eventuais por embriaguez, brigas ou desacato etc. E ali havia dois menores, tratados sem qualquer diferenciação, numa cadeia que misturava tudo e todos, como se abolisse leis e normas. O escritor faria outras visitas ao Cadeião: – Em 1977 ou 78, como presidente do Comitê Pela Anistia, fui ao IML, vizinho de parede do Cadeião, levar cidadão que nos procurara, dizendo ter sido preso e torturado com choques elétricos, cujos sinais
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mostrava nos dedos das mãos e dos pés. Enquanto o médico legista fazia o exame que exigimos, o delegado e dezena de policiais me cercaram para mostrar a ficha policial do cidadão, com também dezenas de prisões por furto, assalto etc. Depois do surto de coragem, motivado pela raiva de ter sido torturado sem qualquer motivo, ele se atemorizou e nos pediu dinheiro para sumir. Fizemos uma vaquinha e arquivamos o caso, amargamente sabendo, no entanto, que a tortura para confissão de crimes era corriqueira ali no Triângulo das Torturas, como era apelidado o complexo Cadeião-Delegacia. – Depois, em 1988, entrevistei no Cadeião a quadrilha do assalto à grande agência central do Banestado, no Calçadão de Londrina, de onde, depois de cercados pela polícia durante um dia inteiro, saíram em
ônibus negociado com a polícia, levando dezena de reféns. Dessa visita lembro que o cheiro de creolina dos sanitários era tão forte que chegava ao pátio. Os presos faziam “ginástica” improvisando movimentos no solo, saltando contra as paredes, disputando nesgas de sol. Tudo era encebado, fedido, roto, corroído, estragado, e me perguntei como tal am-
A presença do escritor diante do trator será, porém, exemplo da importância do acaso nos destinos humanos: – Eu morava na Avenida Paraná, de onde ia a pé à AABB no bairro Aeroporto, para ler à beira da piscina, e, por isso, apareceria nos jornais,
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biente poderia regenerar alguém.
no dia seguinte, com bermudas e camisa florida diante do trator... Acompanhava pelos jornais a discussão sobre demolição ou não
transformar aquilo em camelódromo. Mas, da esquina da Rua Maranhão, vi o sururu lá na esquina do Cadeião, fui levado pela curiosidade e dei com a cena do Tavares subindo no trator. Assuntei rapidinho do que se tratava, e Marcos Barnabé falou “junte-se a nós, cara, você aqui pode fazer a diferença”. O homem no estribo do trator também é conhecido do escritor:
drina, prendera meu amigo Itamar Assunção, a quem eu tinha emprestado um gravador, pois Itamar começava a compor músicas, e, decerto por ser “negro com gravador”, foi detido na rua e trancafiado durante
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– Alguns anos antes, José Tavares, quando era delegado em Lon-
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do Cadeião, e tudo parecia resolvido, com a ideia do prefeito Cheida de
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uma semana sem qualquer comunicação à família. Mas foi no Cadeião, cantando e tocando violão, emocionando os presos, que Itamar teve o estalo de mudar para São Paulo e se dedicar profissionalmente à música, vivendo o velho ditado dos males que vêm para bem. Quando foi solto, me contou da prisão e fui à casa do delegado Tavares para, como se diz, tomar satisfações. Passados mais alguns anos, como secretário do PMDB londrinense, que vivíamos então como entidade de resistência à ditadura, conheci Tavares iniciante na carreira política. Daí julguei que, por isso, eu poderia realmente fazer a diferença diante do trator. Mas qual o quê: – Ele me viu mas, mesmo assim, mandou o tratorista avançar e
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montou no estribo. Era um trator pequeno, com uma pá carregadeira, nada própria para demolição, o que me fez entender que era uma atitude simbólica, ele queria começar a demolição para torná-la irreversível e, também, para consolidar sua própria imagem pública eleitoral. Os professores, por seu lado, também adotavam uma atitude simbólica de resistir com os corpos, já que Tavares, se quisesse, poderia requisitar apoio policial para tirá-los dali. Era comum, na época, ecologistas subirem em árvore para não serem derrubadas, mas eles estavam no chão ao alcance da mão e de algemas... Era um confronto de atitudes simbólicas, mas que poderiam se tornar trágicas se o trator realmente avançasse o ferro da sua pá contra nossas humanas canelas... A atitude de Tavares, porém, será determinante para preservação
do Cadeião e sua transformação em centro cultural, conforme o escritor: – Tavares pensava que o prédio era do estado, sem saber que tinha sido doado à prefeitura em 1987, pelo governador Álvaro Dias, em troca de outra área para construção de distrito policial e novo IML. Mas, se não tivesse tentado a demolição, o prédio talvez virasse camelódroSesc Cadeião Cultural
mo, como queria o prefeito Cheida. Ou talvez até viesse a ser demolido, como queria a maioria da população. Aquela cena do trator blindou o Cadeião com uma imagem de intocável, sinônimo de celeuma e desgaste político, e as administrações municipais se sucederiam procurando esquecer ou não lembrar do Cadeião. Eu mesmo, depois de uma década, cheguei a ser favorável à demolição, para que ao menos o terreno vol-
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tasse a ter utilidade. Assim Tavares, de jeito transverso, e corroborando
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que Deus escreve por linhas tortas, também ajudou a salvar o Cadeião.
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32 Rubem Vital
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As pessoas gritando pela derrubada do Cadeião não sabem, decerto, que outros presídios no país e no mundo já foram recuperados como centros culturais, teatros, auditórios, mercados de artesanato. Vários vizinhos engrossam o coro de “derruba”, bem conscientes de que o Cadeião é uma condenação para seus imóveis e suas vidas, promovendo uma deterioração
– Aqui, é só desgraça de dia, de noite só putaria. Porém o sabão do perdão
Ali vizinho do Cadeião, o Instituto Médico Legal recebe cadáve-
lavaria tanta sujeira
res com morte violenta ou suspeita, para exames, e também recebe os
como a nação brasileira
respectivos parentes, seja para requisitar os corpos, seja para procurar
com Anistia e reconstrução
já mortos parentes desaparecidos. A também vizinha delegacia – 10ª Subdivisão Policial de Londrina – faz engrossar o cortejo de dramas e tragédias, com viaturas chegando ou saindo com detidos, além das
tinha o tesouro da História
pessoas que ao plantão policial levam queixas de crimes para boletins de
e muito mais histórias se lhe permitissem renascer
ocorrência. Tudo coisa bem distante da arte e da alegria. Ali, no ponto mais baixo da Rua Sergipe, também o preço do metro quadrado é o mais baixo da rua, que a partir do quarteirão seguinte se estendeu como histórica e fervilhante rua comercial. Os presos do Cadeião foram transferidos naquela manhã para a recém-construída PEL,
como o prédio não animava qualquer visão otimista para seu futuro: “Nas paredes dos cubículos, recortes de revistas e fotografias de mulheres nuas se misturam com imagens de santos. O estado das celas
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Penitenciária Estadual de Londrina. E a Folha de Londrina mostra então
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Afinal era um prédio que
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não só física como moral daquela área. É comum ouvir por ali:
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Rubem Vital
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Nos espaços que pareciam destinados a promover
...os presos não renunciavam à arte ancestral
claustrofobia...
de decorar as paredes
deixa claro qual era o principal passatempo dos presos: preparar armas e escavar buracos. “Os batentes das portas, a estrutura das camas construídas em concreto e até mesmo o teto das celas estão quase totalmente destruídos. Os detentos retiravam o concreto para alcançar as ferragens e, com elas,
cinco presos foram mortos naqueles corredores. Na ala superior, as marcas da última rebelião ainda estão bem nítidas. Tijolos foram assentados provisoriamente para tapar os vários buracos feitos pelos presos nas paredes. Na ala inferior ainda há um pouco de iluminação natural. Já na
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fazer os chamados estoques. Com estas armas, só nos últimos 18 meses,
parte de cima, apenas uma lâmpada ilumina os dias e as noites. Toda a
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parte elétrica daquela ala está destruída.”
na escura a desafiar qualquer otimismo, cercado por gente pedindo sua derrubada aos gritos, com a maioria da população querendo também sua demolição como a pesquisa indicaria dias depois. E, mesmo que se salve, ninguém pode garantir, sem um prévio exame estrutural por engenheiros, que a ruína suportará restauro. Ao contrário, a história das fugas do Cadeião deixa supor que o “queijo suíço” é irrecuperável. Embora,
demorasse tanto para julgar presos provisórios que ali passavam anos à espera de sentença...
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certamente, não estivesse tão perfurado por tantas fugas se a Justiça não
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Ou seja: além da sua triste história, o Cadeião é em 1994 uma ruí-
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A arte da fuga e suas artimanhas
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“Telejanela”: restos de corda usada pelos presos para se alçar e falar à rua
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A arte da fuga e suas artimanhas
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A arte da fuga e suas artimanhas
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Tinha fuga subterrânea,
“Se os presos, depois de soltos, usassem para criar negócios e tocar empresas a criatividade, o engenho
fuga aérea, fuga
e o empenho que usam para tentar fugir da prisão,
marmita...
certamente seriam empresários de sucesso” – assim o policial aposentado Carlos Nadalim resume sua experiência de oito anos como carcereiro-chefe no Cadeião. Tornou-se lenda policial sua retitude moral, rigor técnico e humanidade no trato dos presos, único a entrar sozinho no Cadeião mesmo em dia de motim, circulando sem temor entre os presos. Carcereiro-chefe é cargo de confiança do delegado-chefe, e, para que a cadeia não se torne um ninho de motins e de fugas, o carcereiro precisa ter “olhos e ouvidos sempre bem abertos e atentos” – além de ser digno e humano, para contar com presos, também de confiança, a lhe passar
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informações do pequeno mundo de planos e maquinações de que o Cadeião era exemplo. Houve fugas hilárias, como a do preso que se enfiou em tambor de lavagem, respirando por canudinho até emergir sufocado, e fugas tão tramadas que pareciam ficção. Carlos conta: “A olho nu, você não conseguia descobrir onde eles faziam buracos nas paredes, fosse para esconder estoques e estiletes ou drogas, fosse para abrir túneis. Eles raspavam cuidadosamente a tinta da parede, faziam o buraco, depois fechavam cobrindo com massa de sabão ou outra substância, na mesma cor da tinta, verdadeiros artistas da dissimulação. “Numa revista, batendo nas paredes para detectar som oco, um PM localizou um buraco e lá achamos uma granada. Os presos vinham há tempo
A arte da fuga e suas artimanhas
A arte da fuga e suas artimanhas
ganhando palitos de fósforos, para fazer artesanato. Então tiravam e moíam a cabeça dos palitos, para fazer uma bola explosiva quando lançada, com fragmentos de metal que fariam o efeito destrutivo de uma granada. O plano era jogar aquilo na porta de entrada, quando estivesse sendo aberta para acolher um novo preso, e então um grupo fugiria correndo. Parece coisa de doido, e era, presos são doidos para fugir, obcecados pela fuga, e têm tempo de sobra para criar jeitos e manhas para isso. “Um dia, um preso me soprou que uma turma fazia um túnel. Chamei a tropa de choque da PM, revistamos o prédio inteirinho, durante o dia todo, pois era preciso ir batendo em cada palmo de todas as paredes, procurando indícios meticulosamente. E nada achamos. Mas o preso voltou a dizer que faziam um
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túnel. Revistamos mais quatro ou cinco vezes, a cada vez gastando um dia inteiro, e nada. Mas, olhando por um buraquinho minúsculo numa divisória de ferro, eu via sempre um laranja, o preso que é obrigado a trabalhar para os outros, em pé diante da porta da biblioteca. Era um espaço embaixo duma escadaria, usado para guardar livros, e um preso, que chamavam de bibliotecário, dormia ali numa cama de concreto que acreditávamos chumbada no chão. Sempre que a porta da entrada ia ser aberta, com o barulho de cadeados e correntes, aquele preso soltava um assobio... “Então combinei com os PMs uma entrada surpresa, rápida, e pegamos aberta a boca do túnel que a cama escondia. Tinham começado o túnel seis metros antes da parede externa, que era onde a gente mais concentrava as buscas. E o túnel tinha lá seus quinze metros, já na calçada, por onde
“Apoiei a naquela noite mesmo sairiam para a rua. Tinha
demolição,
iluminação, esteios e ventilador.
hoje vejo a
“Mas onde enfiavam a terra do túnel? Um caminhão
redenção!”
de pães tinha acidentado em rodovia, e a carga doada para a Cadeia. Deixamos em freesers no Bar da Xuxa, diante do Cadeião, e todo dia dávamos pães aos presos. Eles guardavam os sacos plásticos e enchiam de terra bem socada, formando verdadeiros tijolos que escondiam em colchões, roupas, malas, ou mesmo num corredor desativado, que tinha sido bloqueado há anos, e que nós nem sabíamos que existia. Eles, porém, sondavam todo centímetro do prédio, e achavam jeito para tudo. “Como sempre, fechamos com concreto a boca do túnel, mas o resto ficou aberto, pois como fecharíamos aquilo? Então um preso chamado Jangada,
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quando era preso por seus pequenos crimes de sempre, como conhecia a buracostória do prédio, contava onde havia túneis bloqueados, que eles voltavam a abrir. Sempre que o Jangada chegava, a gente sabia: lá vinham túneis... “Outro era chamado Homem Aranha, porque conseguia escalar paredes lisas, acredite quem quiser. E a um fugitivo cheguei até a pedir desculpas, tanta foi sua arte. Era dia de visitas e, como sempre, antes de liberar os visitantes, colocamos os presos de volta nos cubículos e contamos. Faltava um. Recontamos, procuramos, faltava um. Então fomos deixando sair os visitantes, um a um. Desconfiei dos cabelos de uma mulher, puxei com força pensando que era um preso com peruca, mas não era peruca, pedi desculpas. Então outro policial, olhando o pé manicurado daquela senhora, identificou:
A arte da fuga e suas artimanhas
A arte da fuga e suas artimanhas
- É o Vieirinha! E era, com os cabelos desfiados e penteados como mulher... “Visitas íntimas eram permitidas, por lei, mas de fato não havia onde, os cubículos eram minúsculos e coletivos. Mas eles montavam barracas de lençóis, contando com ajuda e respeito dos companheiros, todos então vestindo roupa completa, camisas abotoadas. A indignidade do Cadeião ficava mais evidente nos dias de visitação, mas o ser humano sabe inventar formas de respeitar. Também o cérebro, sob pressão para achar fuga, inventa
Acervo Folha de Londrina/ Roberto Brasiliano
os estratagemas mais ousados.
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Em dia de visitas, a fila se estendia diante do Cadeião
“Havia túneis tão estreitos que um detento morreu entalado e asfixiado. Passavam sabão no corpo para deslizar pelos túneis. Um dia, um fugiu passando pelo buraco da marmita, que era na porta de ferro da entrada, buraco de menos de palmo, só mesmo para passar marmita. O comandante da PM e o delegado me chamaram, desconfiados, dizendo que não era possível alguém passar por ali. Aí um preso de confiança disse que passava, tirou a camisa e passou, ali diante de nossos olhos, numa verdadeira aula de contorcionismo. Depois falou que teria sido mais fácil se tivesse se ensaboado, e o comandante e o delegado me pediram desculpas. “Fugiam também pelo ar, como um que conseguiu furar a grossa laje de concreto da cobertura. À noite, retirou lá uma extensão de seis metros de telhas e seu madeirame de suporte, para fazer uma rampa de lançamento. Correu os seis
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metros e se jogou, voando com o corpo enrolado em colchão, passando por cima do muro e seus arames farpados, até cair lá na calçada e sumir. Mas nós, sem vista do telhado, não soubemos. Outros presos, porém, para comprovar se aquilo funcionaria mesmo, obrigaram um laranja a repetir o voo. Ele se estatelou de mau jeito, quebrando a canela, e os PMs de plantão ouviram, foi preso na calçada. O outro foi preso dias depois, num forró no Cincão. “Eles eram capazes das mais refinadas artimanhas para fugir. Um dia, olhando pelo buraquinho, vi um preso no pátio olhar algo que dava pulos no piso. Fui lá, peguei, era uma bolinha de plástico, que saltitava de encontro a piso ou parede. Nela, estava amarrado um fio dental. Descobrimos que, lá no segundo andar, tiravam o bocal de lâmpada, deixando à mostra o buraco da
A arte da fuga e suas artimanhas
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fiação, e, ficando um no ombro de outro, lançavam a bolinha naquele buraco, ela batia no telhado, saltitava pela laje e saía pelo beiral do telhado, caindo no pátio. Aí outros pegavam a bolinha, amarravam no fio uma teresa, corda feita de lençóis emendados, e lá de cima puxavam o fio de volta, puxando também a teresa, que lá seria amarrada e usada para subir ao telhado! “Eles cortavam grades com fio dental coberto de vidro moído. Com cola de madeira colavam tecidos jeans, fazendo sacos, lonas, redes, até pendurando tevês em paredes apenas com cola. Ensinavam as visitas a levar drogas, dentro de tubos de pasta de dente, que à primeira vista pareciam novinhas. Litro de leite, branquinho, tinha só cor de leite, era pinga. Forjavam instrumentos e até montavam armas, levadas para dentro por visitas, fosse
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nas marmitas – que porém eram examinadas sempre – ou fosse embutidos no ânus ou na vagina de visitantes. “Eles se enfiavam até na nossa telefonia! A sala de carceragem tinha telefone, cujo fio passava no alto de parede de corredor. Um dia, levantei o fone e ouvi dois presos conversando. Eles tinham furado a parede, puxado uma extensão do fio e adaptado uma extensão telefônica, um prodígio de criatividade e improvisação! “Quando o Cadeião foi desativado, começavam os telefones celulares e fui transferido para a Cadeia Provisória anexa à penitenciária. Um dia, um preso dedou que havia um preso-cofrinho com telefone. Preso-cofrinho é aquele que embute drogas ou dinheiro ou seja o que for no corpo, forçado por outros. Pegamos o preso e levamos para hospital, ele reclamando que não
estava doente, não via porque fazer exame. Foi uma via crucis até conseguir Raio-X no HU, e lá estava o celular, um daqueles enormes celulares pioneiros, quase do tamanho de tijolo, embrulhado em plástico e enfiado fundo no ânus do preso. Os médicos não acreditavam, nem no que viam nem que seria possível para os presos retirar aquilo sem romper os intestinos do sujeito. Eram artistas do impossível. “Apoiei a demolição do Cadeião, na época, saturado com a indignidade que via lá. Os cubículos eram fechados à noite, mas as portas estavam tão velhas e emperradas que tinham de ser fechadas a marretadas, e, de manhã, os próprios presos tinham de chutar de dentro para fora para ajudar a abrir. O pessoal da carceragem entrava só depois da equipe de presos da limpeza, pois os cubículos não tinham sanitários, então de noite eles urinavam num
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meio tambor de plástico, que ficava do lado de fora da porta gradeada de cada cela, e, se defecassem, tinha de ser em sacos plásticos, a seguir jogados no tambor através da grade. De manhã, naquele ambiente sem ventilação, o fedor nos obrigava a usar lenços no nariz para entrar. Por isso, enojado, apoiei a demolição do Cadeião. Hoje, vejo a redenção do Cadeião como estímulo para que todo o sistema prisional se torne mais digno, mais produtivo, realmente reformador de gente, que saia dos presídios pronta para a arte de viver de bem com a sociedade.”
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O milagre Mas, naquele 28 de março de 1994, só um
acontece
milagre parece capaz de salvar o Cadeião. O mila-
simples
gre acontece então como acontecem os milagres,
e rápido
de forma simples e rápida. Alguns anos depois, o escritor, conversando com Marcos Barnabé, portador de avantajada barriga, perguntará o que faria ele se o trator tivesse mesmo avançado contra eles. O arquiteto, professor-doutor de universidade, e que já foi autoridade pública como diretor do Instituto de Planejamento Urbano de Londrina, colocará sério as mãos sobre o umbigo, pensando, e sorrirá: – Se o trator avançasse mesmo? Ora, eu colocaria entre o trator e o Cadeião meu barrigão, acha pouco? – rindo, com o bom humor que
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conservará até falecer em 2011, portanto sem saber ainda que seu gesto diante do trator teria o melhor resultado possível. Militante histórico do Partido Comunista Brasileiro, já terá gostado, entretanto, do desfecho daquele dia, graças a um simples operário.
“Contra O trator para. Tavares volta a gritar alto
gente
“pode avançar, pode avançar que eu me respon-
eu não
sabilizo!”, para ser entendido acima do ronco da
posso ir!”
máquina e da gritaria em redor. Mas, então, o tratorista simplesmente olha para o grupo ali já a apenas dois metros da pá
todos silenciarem, atentos à mudança repentina, e o tratorista, tirando a chave da ignição, fala simples e inesquecivelmente: – Sinto muito, doutor, mas contra gente eu não posso ir! Havia um santo naquele dia
Essas exatas palavras o escritor guardará na cabeça, enquanto o tratorista guarda a chave no bolso do macacão e desce do trator, que
com um simples gesto, uma chave
continua ali na rua silencioso e inútil enquanto irrompem aplausos e
que um velho tempo encerraria
palavrões. Nesse mesmo minuto, alguém grita “os vereadores estão che-
para um novo mundo que se abre
gando!” e de alguns carros descem vários vereadores que saíram às pressas da Câmara Municipal, alertados pelas rádios que cobrem o tumulto, e agora afastam Tavares dali, levando para a sala do delegado-chefe. Lá chegará, pouco depois, mandado judicial solicitado pelo prefeito, e o Cadeião passará quase duas décadas na paz de ignorada e abandonada ruína.
última palavra ainda não estará dita nem a sorte totalmente selada.
Domingos Pellegrini
Mas, com suas janelas gradeadas e escuras, parecerá falar que a
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com o condão de fazer poesia
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carregadeira e... desliga o trator. O silêncio do motor é como senha para
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Ele prendeu os ladrões
Trancafiou furiosos
conteve a fúria assassina
acolheu velhos e meninos
tarados e rufiões
viu a polícia de outrora
ele tirou das esquinas
torturar com maquininhas
Foi sempre além do dever
Serviu pra tudo e a todos
tão lotado e sem latrinas
mas quando ficou velhinho
achando onde recolher
disseram “você tá morto!”
de punguistas a assassinos
embora ainda inteirinho
Rubem Vital
ele resistiu ainda: “Calma, moçada, olhaí não sou assim tão mofino
às artes, sendo mestrino na arte de resistir irmã da suprema arte de transformar-se!”
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“Muito ainda vou servir
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Foram derrubar o velho
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CapĂtulo 2
A vergonha e o sonho
aos ratos (mas o que comer ali?)
Rubem Vital
Um prédio abandonado é um convite
ao mofo (que na paz fartou-se enfim) e à descrença com todos seus alvitres
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Sempre haverá até quem dê palpite do velho prédio continuar assim um monumento a nenhum porvir ruindo-se sombrio sem habite-se
Ninguém assobiando das janelas
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Mas do silêncio ergue-se um coro de sussurros e de vozes veladas: “A História não aceita desaforo!”
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finalmente o silêncio pelas celas
Rubem Vital
às mulheres passando na calçada
Domingos Pellegrini
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Cadeia é Ao ser convidado para escrever este livro,
símbolo
o escritor lembrou do dia em que aprendeu res-
de ordem
peito à ordem. A Pensão Alto Paraná de seus
social
pais era na Rua Maranhão, a poucas quadras do Cadeião, e pertinho havia um boteco fino e comprido, de uma só porta, uma pequena fortaleza com garrafas e tacos de esnuque à disposição de um aguerrido defensor. Seria o cenário. O protagonista seria um dos tantos saqueiros que carregavam o país na cabeça: o café era o principal produto de exportação, e as sacas – de 60 quilos, hoje peso proibido por legislação – eram levadas das tulhas para os caminhões, e dos caminhões para os armazéns, e dos armazéns
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para outros caminhões, e destes para os portos, onde eram embarcadas, sempre sobre a cabeça dos saqueiros. Eles andavam só de calções e camisetas, e muitas vezes, cobertos ainda da poeira fina da sacaria, depois de um fim de semana dando duro em extensas jornadas, “fechavam” os bares, com maços de dinheiro amarrados em lenços alfinetados nos calções. Aquele saqueiro não só “fechou” o boteco como jogou para fora quem estava lá, inclusive o dono, e, já bêbado, passou a beber no gargalo o melhor dos uísques, acintosamente na porta, só de calções e alparcatas. Logo chegou policial civil com PM, chamados pelo dono. O saqueiro botou os dois para correr, depois de tirar a arma do PM e dar uns supapos em cada um.
Juntou gente na rua. O menino olhava fascinado, e com outros moleques catava balas do baleiro que o saqueiro tinha arrebentado na calçada. Então chegou um jipe com mais policiais e PMs. O saqueiro entrou, preferindo lutar em pouco espaço. E logo um policial saía zunindo pela porta, depois mais outro, mais outro, enquanto lá dentro rolava
esnuque quebrados, a multidão aplaudiu. O pai do menino, em cuja pensão o saqueiro se hospedava, falou deixe disso, você pode até morrer aí. O saqueiro nem ouviu, largando um dos tacos para beber no gargalo, gigante emoldurado pela porta do
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quebradeira de garrafas e móveis. O saqueiro surgiu brandindo tacos de
boteco. Aí chegou o delegado, sozinho, apontou o revólver para a cabeça dele e falou larga esse taco, ajoelha e estende as mãos. O saqueiro piscou,
razão, o saqueiro ajoelhou, estendendo as mãos, foi algemado e enfiado no jipe para ser levado ao Cadeião, já recebendo socos e pontapés. O pai do menino falou não, não batam nele que é errado! Por que, perguntou o delegado, o pai falou ora, se estão prendendo ele por bater em gente, não podem fazer o mesmo que ele fez, e, além disso, é covardia bater em alguém algemado.
guntou ao pai se depois iria lá tirar o saqueiro do Cadeião, como já fizera com outros, e o pai disse não. Por que, pai? Porque tem de haver ordem, disse o pai, voltando a cuidar da sua pensão.
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O delegado balançou a cabeça concordando e se foi. O menino per-
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piscou, se procurando, o delegado atirou para o alto. Atirado de volta à
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Tornou-se Cadeia e delegacia são ferramentas e sím-
símbolo da
bolos de ordem social, tão importante que está
deterioração
na Bandeira – Ordem e Progresso. E o Cadeião,
do centro
abandonado em ruínas durante quase duas décadas, lançava a quem quisesse ver sua tripla mensagem de desordem, abandono e socorro. Enquanto isso, sucederam-se várias ideias e tentativas para ressurreição, além de ameaças à sua ruinosa integridade. Em 1994 mesmo, o prefeito Luiz Eduardo Cheida já aventara a transformação do prédio em shopping popular, mas a proposta, como se diz no mundo burocrático-administrativo, não sai do papel. Em 1995, um delegado manda derrubar parte do muro, para usar o
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terreno entre o prédio e o muro como estacionamento, coisa logo obstada pela Prefeitura, que entretanto nada conseguia fazer além disso. Em 1996, Leozita Baggio Vieira, do Conselho Municipal de Cultura, coordena projeto para aproveitar o espaço com exposições de artes plásticas. A intenção é boa mas as condições do prédio, mesmo para uso temporário, exigem tal investimento que o projeto também continua apenas no papel. Em 1998, a secretária municipal de Cultura, Ângela Marçal, coordena projeto para transformação do prédio em centro musical, outra ideia que também não sai do papel. Em 2000, o Cadeião serve de cenário para a instalação “In” Cômodos, de Cássia Nascimento, com o tema solidão, muito adequado ao local.
Era preciso Em 2001, o governador Jaime Lerner vem a
mudar o
Londrina inaugurar a Casa de Custódia – para
estigma de
aqueles presos ainda sem condenação que antes
marginalidade
ficavam no Cadeião e agora estavam em prisão provisória ao lado da PEL. Lerner traz projeto arquitetônico para em seis
200 pessoas. Será mais um projeto a continuar apenas no papel. Ainda em 2001, a Tropa de Choque da PM candidamente inventou de fazer testes com explosivos no Cadeião, recebendo vigorosas reprimendas da prefeitura, que continuaria mantendo o prédio em respeitosa
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meses restaurar o Cadeião e transformar em auditório de música para
mas imutável quarentena. Em 2002, as ruínas servem de cenário para o espetáculo teatral
Em 2005, novamente o Cadeião é cenário, para o documentário Nem Todos Que São Estão, Nem Todos Que Estão São, produzido pela Kinoarte. Em 2008, mais duas vezes é cenário: para o documentário Galeria, de Evalyssa Sanches, e para o filme Despertar, dirigido por Alexandre Feitosa.
caça-níqueis e outras máquinas de jogos de azar apreendidas, que iam devidamente se deteriorando com o prédio. Uma sala da frente passou a funcionar para plantão da PM.
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Enquanto isso, o Cadeião começou a ser usado como depósito para
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Apocalipse 1,11, do grupo Vertigem, no Festival Internacional de Teatro.
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Só a cultura As utilizações artísticas não se ressentiam do
combate
visual arruinado do prédio, ao contrário, buscavam
o medo e a
isso mesmo como ambientação es-es-es: esdrúxula,
opressão
estranha e esquisita. Mas não deixavam, claro, nenhuma esperança concreta de recuperação do prédio. Enquanto isso, porém, cresciam as informações sobre a importância de recuperar o Cadeião e dar-lhe bom uso para, até, revitalizar seu entorno e toda aquela área degradada da cidade.
Silvana Costa de Oliveira
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O pátio “de sol” emparedado, onde só batia sol poucas horas por dia
A palavra “patrimônio” vem do Grego “pater” (“pai” ou “do pai”), e quando usada como “patrimônio histórico” significa as edificações, instrumentos e ferramentas, fotos e arquivos, até mesmo vestígios e resquícios, que informem sobre o passado de um povo, uma cidade ou mesmo uma família, para sua identidade no tempo. Patrimônio cultural
até suas artes, costumes, escolas, cidades, crenças, tudo que caracterize Apenas no nome sou Cadeião
seu modo de ser e viver.
de fato sou cadeia pequenina
O Cadeião passou quase duas décadas esperando se transformar
nascida aqui numa cidadezinha
de patrimônio histórico, quase demolido, em vivo patrimônio cultural.
que se tornou tão grande, tão
Em seu trabalho final de graduação em Arquitetura e Urbanismo pela
acostumada a colocar no chão
UEL, Denise Lezo apresentou visões de vários especialistas sobre o pro-
me salvei foi virando ruína
cesso de deterioração e recuperação das cidades: Conforme Alfredo Garay, “o imaginário coletivo se constrói no centro. Se a cidade se valoriza, ela valoriza seu centro. Se não se valoriza, o centro se deteriora. E, se o centro está deteriorado, todos pensam que a cidade também está.” O Cadeião ia se tornando, então, também símbolo de uma degradação maior, não só de seu entorno, mas de todo o centro de Londrina,
renda, conforme Wladimir Batalini: “Sobre os centros históricos incidem, não de agora, argumentações, com fortes componentes ideológicos, apoiadas na ideia da ‘deterioração’, ou
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processo que continua, agravado pela migração de moradores de alta
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tudo que construiu, que eu então
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envolve toda a produção de um povo, desde sua língua e seus edifícios
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seja, pela criação de uma ‘ideologia da deterioração’, que é uma versão que `naturaliza´ um processo social, ao associá-lo ao envelhecimento natural dos seres vivos, com vistas a ocultar o abandono a que foram entregues os centros tradicionais, na medida em que as classes dominantes criaram novos centros” (ou condomínios residenciais fechados na periferia). Mas essa tendência começou a ser revertida em vários países, segundo Vicente Del Rio: “A partir dos anos 90, e hoje já integrado ao paradigma de desenvolvimento sustentável, as grandes cidades passaram a buscar o renascimento dos centros urbanos, através da revitalização de suas áreas centrais, da reutilização dos patrimônios (físico, social e econômico) instalados, e da sua melhor utilização possível”.
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Mas será preciso, conforme Denise Lezo, “uma ação conjunta entre arquitetura, urbanismo, política e sociedade”, ou, conforme Jule Barreto, “articular, num projeto de centro, aquilo que existe há muito e agora procura-se reforçar ou requalificar. Tal projeto corresponderia ao cumprimento, em linguagem técnica, de uma vontade coletiva”. Continua Del Rio: “Embora, evidentemente, esses catalisadores não possam garantir o sucesso da revitalização como um todo, eles têm se mostrado essenciais para dar partida e, muitas vezes, sustentam todo o processo. Os exemplos bem-sucedidos incluem a promoção de grandes equipamentos públicos e de lazer, a valorização de conjuntos históricos e de frente marítima, com construção de novas áreas de lazer, museus, marinas, aquários, lojas, mercados, hotéis e habitação”.
Rubem Vital
“O que é necessário então” – enfatiza Denise – “é que se utilize o potencial da cidade. Que se evidencie sua memória. Que se proporcione locais de frequência constante onde não existe fluxo. E que a população se sinta à vontade no centro”. Ou, conforme Barreto, “o centro estará em sua forma e função mais perfeitas quando, através de seus atributos
dores da cidade. Nesta, então, voltará a pulsar um núcleo central”. Aqui, vale lembrar que o Centro Histórico de Londrina, onde o Cadeião se aninha na ponta de uma beirada, vem sofrendo já desde a geada de 1975 um processo se esvaziamento comercial e des-identidade
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de centralidade principal, as pessoas nele se reconhecerem como mora-
cultural. A Igreja Matriz, em estilo neogótico, já fora demolida em 1968. A prefeitura, no centro, também. Sobrados históricos caíram engolidos
Artes e, a Estação Ferroviária, em Museu Histórico, ambos porém com pouca visitação, preservados do fluxo urbano e, portanto, com também pouca influência sobre a vida social. Em 2012, o incêndio do Cine Ouro Verde, cuja reconstrução se arrasta desde então, e a também arrastada restauração da Secretaria da Cultura, outro prédio histórico do arquiteto Vilanova Artigas, passaram a acentuar a sensação de perda histórica e
A deterioração do centro da cidade passou a ser simbolizada também pelos dejetos de dezenas de milhares de pombas, aninhadas na arborização pública do Bosque Central e das quatro praças que, na visão
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cultural dos londrinenses.
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por altos edifícios. A Estação Rodoviária foi transformada em Museu de
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dos colonizadores britânicos, formariam um anel de passeio e lazer, configurando o centro como uma “garden-city”, cidade-jardim. O estrago visual, olfativo e sanitário promovido pelas pombas chegou a tal ponto que passaram a machucar fundamente a autoestima dos londrinenses e sua confiança nos poderes públicos. Nesse cenário, o Cadeião continuava símbolo pioneiro de degradação. Seu entorno já se mostrava um “lugar morto” da cidade, conforme a visão da urbanista Jane Jacobs: “Sempre que um “lugar morto” significativo surge numa das ruas do centro, ele provoca uma diminuição na intensidade do trânsito de pedestres e no uso da cidade naquele ponto. Às vezes, a queda tem efeito econômico tão grave, que ocorre
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uma queda no comércio em redor. “Quanto mais estéril esta área simplificada se tornar para empreendimentos econômicos, tanto menor será a quantidade de usuários e mais improdutivo o próprio lugar. Tem início então um processo de desconstrução e deterioração. Isso é grave, porque a mistura constante e literal de pessoas, que se fazem presentes por finalidades diferentes, é o único meio de preservar a segurança nas ruas. É o único meio de cultivar a diversidade derivada. É o único meio de estimular a formação de distritos em vez de bairros ou lugares ermos fracionados, fechados e estagnados.” Denise Lezo aponta: “A região possui uma grande quantidade de terrenos subutilizados e imóveis subocupados, o que reflete o baixo valor dos imóveis ali. A área necessita de um uso mais efetivo de seus espa-
ços para que este quadro se reverta. Uma intervenção pontual no edifício da antiga Cadeia só irá surtir efeito positivo para a região se conseguir mudar o estigma de marginalidade da área e atrair pessoas para o local regularmente, e efetivar a permanência de pessoas na região.” Ela acrescenta ao Cadeião o chamado, entre urbanistas, valor atri-
o histórico, ou talvez maior, o valor atribuído.” Allois Riegi, já em 1903, destacava a importância dos valores atribuídos aos objetos e edificações na discussão de preservação do patrimônio histórico. “A polêmica gerada sobre a demolição do Cadeião foi o único mo-
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buído: “Existe ali outro valor a ser considerado, tão importante quanto
mento da história de Londrina em que a comunidade se mobilizou na discussão sobre patrimônio histórico, o que a torna um caso emblemáti-
tural, juntamente com o caráter das memórias e mesmo das ‘energias’ do edifício, ‘aguçou’ o meio cultural da cidade. “Assim, o Cadeião adquiriu um significado para a cidade. Os setores culturais de Londrina veem o edifício não apenas como uma cadeia desativada, mas como uma cadeia desativada que espera por uma utilização cultural. Além disso, a cultura é um dos únicos meios de se conse-
e que é tão maléfico para a região como um todo.” Denise apresentou projeto arquitetônico para um Centro de Cinema no Cadeião, no seu trabalho em 2004, mas mais uma década se
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guir modificar o estigma de medo e opressão apresentados pelo edifício,
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co. Além disso, a discussão sobre utilizar suas instalações para fim cul-
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passaria com mais um projeto apenas no papel. E, à espera de destino melhor, o Cadeião viu também o centro da cidade expandir-se, tornando mais aguda e emblemática a necessidade de sua recuperação.
Acervo Museu Histórico Pe. Carlos Weiss/ Oswaldo leite
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Nos anos 1970, no pé da foto, contornado pela ferrovia, o triângulo formado pelo Cadeião, IML e Delegacia
Não tem registro apurado
Londrina a se levantar
no triângulo de esquinas:
quem quando quantos como
lua cheia céu anil
Delegacia Cadeia
certo é que eram só homens
rua Sergipe com Brasil
uma para te dar caça
ansiando ser condenados
o Estado mais pequenino
outra para te prender
para então ser transferidos
deste imenso país
e o Necrotério no meio
ao paraíso: presidiária
o sobrado mais lotado
pousada para o além
ao menos com roupa limpa
que a cidade construiu
consolo melhor que nada
comida quente e torneiras onde água não seja rara
Aqui dormimos em pilha
mais eu ficava pequeno
não pilha de eletriquice
quadrado neste terreno
pilha de gente em beliches
de triangularias
uma empilhada família
entre três ruas cercado
em cada cela – e a janela
guardado por três esquinas
era toda a mobília
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Quanto mais tudo crescia
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Destinos que se entrelaçam
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Janelas por onde vi
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O centro O antropólogo Claude Levi-Strauss, que em
cresceu
1935 visitou Londrina como professor fundador da
em redor do
Universidade de São Paulo, já anotara em seu mo-
Cadeião
numental livro Tristes Trópicos: “Há que se levar em conta os misteriosos fatores que agem em tantas cidades, expulsan-
dência. Simples expressão, talvez, desse ritmo cósmico que, desde suas Senhor Deus dos cadeiados
origens, imbuiu a humanidade da crença inconsciente de que o período
livrai-nos do Cadeião
de movimento solar é positivo, e o sentido inverso, negativo; de que um
ou dai-nos alguma hora de sol neste céu quadrado
traduz a ordem, o outro, a desordem.”
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do-as para oeste e condenando seus bairros orientais à miséria ou à deca-
Ou seja: as cidades querem caminhar para oeste, para onde vai morrer o sol, e não para o leste, de onde ele surgiu e de onde surgirá a
e o milagre duma brisa
noite. Entretanto o Cadeião, que se situava no leste do centro da cidade,
entrando pela camisa
num retalho de loteamento comercialmente desprezado pela Compa-
até nosso coração
nhia de Terras, e por isso a cadeia foi colocada ali, tornou-se, com o desenvolvimento urbano, ponto nevrálgico para transformações do centro que se expandiu. A cidade foi projetada para crescer para o oeste e para o sul, com o crescimento para leste e norte prejudicado pela ferrovia que cortava a
abaixo. Com a retirada da ferrovia do centro, nos anos 80, a cidade passou a se expandir também para leste e norte, inclusive com a construção da nova Estação Rodoviária logo abaixo do Cadeião. A partir dos anos
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malha urbana e determinava “área nobre” acima da linha e “área pobre”
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deste pátio purgatório
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70, também se expandiu extraordinariamente com os chamados Cinco Conjuntos na região norte, na verdade dezenas de conjuntos residenciais com mais de 150 mil habitantes. Em 2013, a construção do Complexo Marco Zero consolidou a tendência de expansão da cidade para todos os lados, ao mesmo tempo
Cadeião ponto central desse centro expandido. Sua recuperação seria, assim, símbolo de renascimento para todo o centro, iniciando o projeto da prefeitura e da Associação Comercial e Industrial de Londrina, para revitalização da pioneira Rua Sergipe, principal espinha comercial do
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em que se acentuava a degradação do centro, no entanto tornando o
centro juntamente com Calçadão a ela paralelo. Enfim, o Cadeião podia se tornar princípio de toda uma revi-
Calçadão, substituindo por pavimentação tipo paver o petit-pavé que tantas pedras lançou e tantos buracos formou na autoestima londrinense. Nesse cenário, o Cadeião tornou-se também símbolo da necessidade de restauro da ordem e alcance de nova vida para todo o centro e, portanto, toda a cidade.
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talização central, que já se anunciava na troca de pavimentação do
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A arte do momento
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Vanda de Moraes, da Diretoria do Patrimônio Artístico e Histórico-Cultural de Londrina, já desde 2001 procurava educar a comunidade – e até as autoridades – através da imprensa, como no Jornal de Londrina daquele 23 de janeiro: – Patrimônio não é uma construção bonita. É tudo que compõe a memória da cidade e o Cadeião faz parte. Não se pode querer destruir a História só por ela mostrar um passado vergonhoso. Em 2009, o estigma de vergonha e sofrimento do Cadeião é descartado pelo prefeito Barbosa Neto com uma declaração corajosa, pois a rejeição à preservação ainda era densa e a deterioração do prédio parecia inviabilizar
A arte do momento
qualquer restauro, aumentando a rejeição. – O Cadeião é uma joia – sentenciou Barbosa – e precisa ter destinação
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correta. Se o Cadeião falasse, decerto se perguntaria: será conversa de político? Afinal, na realidade, não havia qualquer plano para novo uso do prédio, nem qualquer previsão orçamentária. Mas já havia, ao menos, a “vontade política”. Faltava a realidade que, como se sabe, só costuma funcionar na prática. Confluíram então duas vontades, a do prefeito e a do Sesc e Senac Paraná, que queriam instalar Unidades de Serviço na Zona Norte, conforme o gerente Cilas Fonseca Vianna do Sesc Londrina: – A Zona Norte concentra, nas duas dezenas de conjuntos habitacionais, mais de 150 mil moradores, mais que a maioria dos municípios
A arte do momento
A arte do momento
paranaenses. Instalar uma Unidade de Serviço ali permitiria ao Sesc e ao Senac oferecer seus muitos serviços sociais, educacionais, culturais e esportivos com proximidade e facilidade para as pessoas. Também incrementaria a identidade dos moradores com sua região, que eles muito prezam mas se ressentem de que alguns serviços só podem ser achados na chamada “cidade”, quando, na verdade, a Zona Norte é uma verdadeira cidade ao lado da cidade de Londrina. Além disso, uma Unidade de Serviço ali traria benefícios para toda a comunidade, aliviando o tráfego urbano. O plano foi aprovado pelo presidente do Sistema Fecomércio Sesc Senac Paraná, Darci Piana, e conselheiros, estes, em 2010, visitaram o prefeito Barbosa Neto para pedir a doação de terreno cuidadosamente escolhido
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entre os que o município tem na Zona Norte. Cilas conta que então ocorreu o “momento decisivo”: – O presidente do Sistema Fecomércio Sesc Senac Paraná, com alguns conselheiros, mostrou o plano ao prefeito Barbosa Neto, pedindo a cessão do terreno, e o prefeito concordava mas, de repente, chamou o vice-prefeito Joaquim Ribeiro para sala ao lado. Ao retornar, o prefeito apresentou a proposta de o município ceder o terreno na Zona Norte, desde que o Sesc transformasse também o Cadeião em centro cultural. O presidente Darci Piana lembra: – Foi um daqueles momentos preciosos a que é necessário dar resposta precisa. Vimos que, se não adotássemos o Cadeião, poderíamos ver negado o terreno na Zona Norte. Ao mesmo tempo, ouvindo o prefeito falar
rapidamente mas entusiasmadamente sobre a história do Cadeião, também vimos estar diante de uma oportunidade única. Afinal, a Prefeitura não tinha como tocar a restauração e, depois, teria encargos permanentes com funcionamento e manutenção de um centro cultural ali, enquanto o Sesc tinha vontade de ampliar seus serviços em Londrina. Vimos ainda que, pela sua história, visibilidade e pelo símbolo de transformação que se tornaria, o Cadeião era realmente precioso. Consultamos ali mesmo os conselheiros e todos nos apertamos as mãos, primeiro gesto da transformação do Cadeião. O Cadeião foi então cedido ao Sesc, na condição de comodato válido por 20 anos prorrogáveis. Aquele momento de proposta e acordo se projetará não só no tempo como também no espaço: pelo acordo, também as instalações da 10ª Subdivisão Policial (a chamada “Delegacia da Sergipe”)
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passarão a ser para uso do Sesc, quando a delegacia dali for transferida. Ou, conforme Darci Piana: – Londrina ganhou e o Sesc ganhou. O passado do Cadeião será dignificado e o futuro será luminoso.
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Capítulo 3
A ousadia da transformação
Ivo Lima
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Bom exemplo em Curitiba: antiga prefeitura transformada no Sesc Paço da Liberdade
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“O Cadeião Todo ano os frutos e os grãos nos ensinam
inaugura nossa
a arte da maturação. A cafeicultura, que propul-
quarta geração
sou o crescimento de Londrina nas primeiras
arquitetônica”
décadas, era toda baseada na colheita dos grãos no tempo certo: depois de vermelhosamente passarem pela fase cereja,
entretanto daí podendo ser moídos para virar pó para café; e a bebida será tanto melhor quanto mais uniforme for a maturação dos grãos, exigindo até colheitas sucessivas nos mesmos cafeeiros. O Cadeião, que na inauguração foi saudado como grande conquista pela comu-
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chegam à fase do café em coco, quando os grãos secam e escurecem,
nidade, visto como prédio vistoso, passou a ser visto como cancro a ser extirpado da cidade, desgraça a ser apagada da memória; daí sen-
cultural, e enfim revisto como ponto de partida para uma quarta geração arquitetônica. Se a primeira geração arquitetônica foi de madeira, a segunda de alvenaria, e a terceira de concretados edifícios, esta será a geração que pode ser chamada de “rebrota”. Os cafeeiros, quando vitimados por geada fraca ou média, ficavam com os ponteiros ou os galhos superiores mor-
voltar à produtividade integral. O Sesc Cadeião Cultural simboliza a consciência cidadã e a realidade urbanística de reconstrução e transformação, em vez da usual derrubada para novas construções.
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tos, que então eram podados, para a planta ali rebrotar novos galhos e
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do salvo por blindante intervenção, tornando-se símbolo de um futuro
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Enquanto se processava o ritual burocrático-administrativo que envolve a restauração de um prédio público histórico, Vanda Moraes dirigia ao Sesc indicações preciosas para transformação do Cadeião: – No ambiente interno, recomendamos a manutenção de duas celas originais, manutenção também das janelas pequenas e suas grades em todo o prédio. A fachada também deveria ser preservada, como a guarita principal e o solário, onde os presos tomavam sol, e sugerimos que esse ambiente central deveria ter um teto transparente permitindo a entrada de luz, para lembrar que era a única entrada de sol e luz dos presos, além das janelas estreiras. Tudo isso permitirá que o prédio continue, embora com novo uso, a ser reconhecido como foi outrora. Terá futuro sem perder história.
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Um princípio de demolição, numa parede externa do fundo do prédio, também deveria ser preservada de alguma forma. – Para evidenciar quanto o prédio esteve ameaçado, e como é possível restaurar mesmo o patrimônio que foi bastante danificado. O Cadeião também é visto por ela como ponto de partida para revitalização de ampla área: – As possibilidades que esse projeto vai dar para a Rua Sergipe são fantásticas. Já se percebe uma mudança no local, onde há seis meses havia vários imóveis à venda ou para alugar, e que agora já estão ou ocupados ou esperando o centro cultural e novos usos para a região. O que vai se conseguir com essa revitalização é mudar essa áurea negativa, é deixar de ser um lugar de sofrimento para se transformar em área
de criação e de arte. O que o Sesc fez com a antiga sede da prefeitura de Curitiba, transformando no Sesc Paço da Liberdade, nos estimula a esperar que o mesmo sucesso cultural e urbanístico será alcançado aqui
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com o Sesc Cadeião Cultural .
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O futuro: claridade, brancura e leveza para ambientar cultura e artes
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Parte da parede do fundo, demolida...
...foi transformada em “cicatriz” arquitetônica a lembrar a quase demolição do prédio
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.....foram mantidas como lembranças mudas da transformação
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As janelas gradeadas por onde os presos gritavam para a rua...
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Preservação de piso original ladrilhado
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Foi um parto, um trabalhoso e delicioso parto, dirá em 2014 a arquiteta Ângela Kawka, autora do projeto arquitetônico do Sesc Cadeião Cultural. Mas, antes de fazer o Cadeião renascer, era preciso um processo de pré-parto pela arquiteta, assistida pelo pessoal da construtora responsável pelo restauro.
redes e pisos, com seus buracos, rachaduras e inclinações. Descobrimos que as paredes foram erguidas desaprumadas. Em alguns pontos, tivemos de colocar até 12 centímetros de reboco, para igualar de alto a baixo. O piso tinha até 37 centímetros de diferença de um ponto a outro, e, para não termos de
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– Antes de tudo, vistoriamos meticulosamente e medimos tudo, pa-
nivelar tudo isso com sobrecarga de materiais, fizemos duas rampas leves na circulação, quase imperceptíveis aos usuários.
quadrados de intervenções restauradoras, com normas e materiais estritamente qualificados e fiscalizados. O Sesc Cadeião Cultural não é apenas uma restauração, é uma demonstração de como devem ser obras públicas, com todos os materiais fiscalizados antes da utilização. O prédio, sem pilares aparentes, precisou ser reforçado com vigas de concreto em alguns pontos. A fachada da Rua Sergipe estava tão des-
lida e reconstruída “conforme imaginamos que tenha sido”. Algumas paredes foram descascadas, “de forma a manter aparentes os tijolos maciços que caracterizam a robustez da edificação”.
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caracterizada, em relação ao conjunto do prédio, que precisou ser demo-
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A edificação, com 2.441 metros quadrados, recebeu 1228 metros
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As janelas das celas estavam tapadas, até quase o alto, com fileiras de tijolos, certamente para impedir ou dificultar a “telejanela”, o diálo-
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go dos presos com parentes e comparsas na Rua Brasil ao lado. Mas as celas ainda tinham cordas amarradas nas grades lá no alto, para os presos se içarem à “telefresta” que lhes restava ali. Os pisos de cimento queimado e lisinho sugerem a simplicidade, a funcionalidade e o carinho de todo o restauro. Todo o interior foi pintado de branco, cor simbólica de pureza e redenção, contrapondo-se assim ao passado de sujeira e prisão. As janelas foram todas reabertas, embora conservando as grades, como se o prédio voltasse a respirar.
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Na fachada, o tom ocre leve da pintura mais antiga, descoberta
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depois de cuidadosa decapagem, foi mantido, enquanto as paredes novas foram pintadas de branco, a evidenciar a convivência harmoniosa entre a relíquia e o restauro. No hall de entrada dos fundos (há outra entrada pela frente), antigo piso de ladrilho hidráulico foi refeito, e uma parte recoberta com vidro, a perpetuar intacta doravante a textura original, sinal de reverência ao passado. Mas só uma parte do antigo muro, que cercava todo o prédio, foi mantida na frente, a testemunhar o abafamento do Cadeião também no Com a pintura branca, o escuro
seu exterior. E, como a simbolizar o renascimento com leveza e venti-
Cadeião ganha clareza e beleza
lação, todo o muro em redor foi substituído por alambrado, deixando à
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vista o prédio como o preso reabilitado a ser socialmente apresentado. Escada foi alargada, no interior, conforme orientação do Corpo de Bombeiros para escape de emergência. Também ali na entrada traseira (contradição digna do Cadeião), uma parte da parede, que já havia sido demolida, foi fechada com tijolos
mesmo um prédio histórico danificado pode renascer – como os homens que ali estiveram presos, se contarem com os cuidados necessários. Aliás, os presos se surpreenderiam com os sanitários tão limpos e dignos quanto eram fétidos e imundos antes, locais mais evidentes da
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aparentes, formando uma espécie de cicatriz arquitetônica a indicar que
transformação, e os sanitários para cadeirantes, além de obedecerem a sua específica funcionalidade, simbolizam mais que tudo a Ordem re-
minorias. Algumas celas foram unidas, formando espaços para cursos e oficinas artísticas, salão de dança com específico piso de madeira, salas administrativas e técnicas, Espaço Conexão para aulas e oficinas de informática e internet, e cozinha para o Café-escola do Sesc Cadeião Cultural. Sim, o antigo pátio onde os presos tomavam o exíguo e ardido sol do
coberta de película isolante dos raios ultravioleta e infravermelho, assim Tijolos à vista: os únicos de Londrina
mantendo o ambiente em temperatura agradável e também protegendo
com sete décadas
obras de arte ali expostas. Um ex-preso, colocado ali, não reconheceria
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meio do dia, agora está recoberto por cúpula de vidro autolimpante, re-
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publicana, que não apenas consagra as maiorias mas também protege as
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o velho pátio, com mezanino metálico, formando acolhedor e singular ambiente para exposições, recitais, piano-bar e tudo mais que as artes
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inventarem. Janelas internas também foram reabertas, e assim a claridade do pátio emana para os corredores e salas laterais, como pulmão de luz a realçar a leveza do prédio redimido. Na entrada dianteira, plataforma elevatória servirá a cadeirantes, que logo em seguida poderão acessar elevador. Sim, os ex-presos só acreditarão vendo, mas está ali o elevador, enquanto pela entrada do fundo o acesso será por rampas. O gerente executivo do Sesc Cadeião Cultural, Alexandre Simioni,
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acredita que o pessoal de teatro de Londrina também nem acreditará:
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– O meio teatral londrinense está acostumado a palcos adaptados ou improvisados, sem estrutura técnica própria para teatro. Aqui, porém, o salão multiuso, para teatro e filmes, tem passarela superior para instalação de iluminação ou cenografia, e sala de projeção acusticamente isolada, com cadeiras móveis permitindo configuração específica do salão para cada espetáculo. Fechadas as portas, não se ouvirão sons da rua. O pé-direito tem sete metros de altura, permitindo um criativo e amplo uso cenográfico das paredes. Plataformas plantográficas permitirão que o espaço seja readequado criativamente para cada encenação. E os artistas ali terão camarins dignos, Mezanino do salão de eventos
coisa que até o saudoso Cine Ouro Verde não tinha. É um salão pequeno
e Café-escola
mas certamente abrigará espetáculos inesquecíveis já pela sua própria con-
figuração tão diferente e criativa, ao mesmo tempo que simples e funcional. No hall da entrada do fundo, fotos exporão a história do Cadeião, perpetuando suas lições de ação comunitária, confiança no futuro e redenção. A guarita frontal (havia outra no fundo) continua lá, a simbolizar
da, funcionando apenas como cenografia da peça Ressurreição para Nova Vida que o Cadeião protagonizou e continuará em exibição permanente. Como testemunhas históricas, as duas celas intocadas, com sua dúzia de beliches de concreto, continuarão atrizes a revelar, em silêncio,
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que ali foi prisão guardada por homens armados. Não será mais usa-
que o ser humano, mesmo nas piores condições, não abdica de arte, pois
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estão cobertas de inscrições e desenhos.
petuadas e protegidas por cúmplice envidraçamento, como se o Cadeião falasse: “Nem todos que estão são, nem todos que são estão.” “Os maiores acontecimentos aconteceram por pessoas que acreditaram no impossível.”
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E, numa parede de corredor, duas inscrições de presos estão per-
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Cadeia rede, n達o pris達o
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O projeto arquitetônico do Cadeião é uma peça de fé iluminista e humanista: “O Sesc Cadeião Cultural pretende ser local de preservação da memória e identidade local, resignificando o conceito de “cadeia”, de algo que priva da liberdade, para o conceito de cadeia como “rede”, que se expande e se transforma em polo produtor de arte, pensamento e expressão em rede de criações e relacionamentos. É para tornar-se espaço de referência, para o entendimento da construção do pensamento e reconstituição da memória em um novo patamar, assegurando visibilidade do patrimônio cultural material, aumentando o grau de conscientização de sua importância e preservação.
Cadeia rede, não prisão
“Os temas que parametrizam a revitalização do Cadeião como centro cultural serão Rede de Memória, Pensamento e Expressão, bases da construção da
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cultura de qualquer povo. Será espaço vivo de democratização e socialização da cultura, onde cada cidadão poderá se reconhecer e se conhecer melhor; lugar que evocará sempre a possibilidade de construção de novas leituras do cotidiano, de reconstituição da memória, e desvela as especificidades e riquezas das diversas expressões da arte e da cultura. “O objetivo maior é fazer com que as pessoas se reconheçam como sujeito da cultura do país em que vivem e da cidade em que trabalham cotidianamente.” Certamente, se o Cadeião falasse, diria “nossa, eu nem sabia que podia ser tanto”. Pois é, amigo, mas você é, cadeia transformada em rede para gente querendo transformação.
Cadeia rede, não prisão
Cadeia rede, n達o pris達o
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Cercado de azul, o Sesc Cadeião Cultural; ao lado, o triângulo formado pela Delegacia e, entre eles, o retângulo apertado do IML, que logo será transferido para nova sede: sugestão para que toda a área seja destinada à Cultura
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Cadeia rede, não prisão
Planta do Pavimento Térreo velho
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Planta do Pavimento Térreo novo
Planta do Pavimento Superior velho
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Planta do Pavimento Superior novo
Cadeia rede, n達o pris達o
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A arte lava lava lava tudo o único interno detergente
No entorno do Sesc Cadeião Cultural, lojas vão sendo reformadas.
para as sujeiras deste velho mundo
Um velho hotel de curta permanência virou estacionamento. Surgirá
parteira duma melhorada gente
uma “lanchonete moderna”, conforme o dono, ali onde sempre houve apenas bares com mesas mambembes e conversas que paravam quando
O melhor escudo será cultura
“Vamos passar de um clima tenebroso para luminoso”, resume
e no pátio dos rancores e amarguras
outro comerciante confiante. Outro ainda, ao saber que presos fugiam
comungarão café os visitantes
saltando do telhado para a rua, olha lá o novo telhado, agora com sua cúpula de acrílico, e sentencia:
Paredes que gritavam palavrões
– Devia ser muito ruim lá dentro, pra alguém se arriscar tanto
ouvirão música e verão pinturas
pra fugir. E agora, quem diria, vai ser um lugar onde as pessoas vão que-
e serão as grades das velhas clausuras
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rer entrar... Isso que é melhorar, né? Enfim, o Cadeião simboliza agora, renascido, a Ordem restabelecida, a confiança reconquistada, a esperança possível, permitindo espe-
O amigo Tempo ao velho sobradão dará tamanha e tal dignidade que um dia alguém dirá: - Mas é verdade que aqui um dia foi um Cadeião?
rar também o Progresso com que a bandeira acena – e com arte.
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as testemunhas da transformação
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contra todos os males insurgentes
entravam repórteres...
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O pátio de sol foi transformado em local de eventos, com cobertura refratária a sol e calor, Senac Café-escola e mezanino
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Cela preservada com seus beliches de concreto
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O Cadeião não tinha cozinha, agora tem Rubem Vital
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Os banheiros imundos transformaram-se em sanitários aparelhados
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Ironia: cofre entre os escombros
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“Nem todos que estão são e nem todos que são estão”
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Inscrições preservadas: “Os maiores acontecimentos aconteceram por pessoas que acreditaram no impossível” e
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As salas de plantão policial e da carceragem transformadas em recepção
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Celas foram transformadas em salas para reuniões ou para acervo e Espaço de Leitura, com elevador para acessibilidade especial
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Sala de Espetáculo, com sala técnica para sonoplastia e projeções e salão multiuso com mezanino/passarela
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Sala de informática e salas para administração, reuniões, ensaios e oficinas culturais e espaço de leitura
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BIBLIOGRAFIA LEZO, Denise. Antiga Cadeia Pública de Londrina: do Cárcere ao Cinema. Londrina: UEL, 2003/2004.
MAGALHÃES, Leandro H., Rua Sergipe, Patrimônio Cultural Londrinense. Londrina: Midiograf, 2012.
OLIVEIRA, Silvana Costa de. Cadeião da Sergipe: conhecer o passado, preservar o presente, para ter futuro. Londrina: Unopar, 2011.
OLIVEIRA, Silvana Costa de. A Liberdade da Arte. Londrina: Unopar, 2011.
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Sim, a fé vence a arte triunfa o caos se arruma com esperança
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O tempo passa porém ensina como é gostosa
Quem sabe um dia
transformar ruínas
Anjos turistas tocarão banjo em nosso coração
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a gente aprenda a
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a boa luta
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SISTEMA FECOMÉRCIO SESC SENAC PR Presidente: Darci Piana SESC PR Diretor Regional: Dieter Lengning SENAC PR Diretor Regional: Vitor Monastier NÚCLEO DE COMUNICAÇÃO E MARKETING Coordenador: Cesar Luiz Gonçalves Coordenador de Jornalismo: Ernani Buchmann Assessora de Comunicação e Marketing do Sesc PR: Rosane Guarise Assessora de Comunicação e Marketing do Senac PR: Ana Paula Zettel Redação: Domingos Pellegrini Apoio: Diretoria do Patrimônio Artístico e Histórico Cultural da Secretaria da Cultura de Londrina: Vanda Moraes Projeto arquitetônico Sesc Cadeião Cultural: Ângela Cristina Kawka Revisão: Silvia Bocchese de Lima DRT-PR 6157 e Sônia do Amaral Projeto gráfico, capa, ilustração e diagramação: Vera Andrion DRT-PR 10260 Impressão: TP Graciosa Gráfica - Curitiba Tiragem: 1.000 exemplares
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