Livro: Liderança E - Exigência para uma sociedade ética e justa

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Liderança E Exigência para uma sociedade ética e justa

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Catalogação na Fonte: Sesc Paraná - Gerência de Cultura P581

Piana, Darci Liderança E : Exigência para uma sociedade ética e justa / Darci Piana, Rubens Fava; prefácio Ernani Buchmann. – 1ª.ed. Curitiba : Fecomércio PR, 2020. 274 p.

ISBN 978-85-87787-00-8

1. Administração – Aspectos religiosos. 2. Sucesso nos negócios. 3. Liderança. I. Piana, Darci. II. Fava, Rubens. III. Buchmann, Ernani. IV. Fecomércio PR. V. Título.

Elaine C. Itner Voidelo – CRB-9/1239

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CDD – 658


DARCI PIANA E RUBENS FAVA

Liderança E Exigência para uma sociedade ética e justa

1ª edição

CURITIBA 2020 5


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Sua felicidade ĂŠ proporcional ao tamanho de sua simplicidade.

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O líder na terceira década do milênio Em um período histórico em que se discute o fim do papel como ferramenta para a leitura, na mesma proporção do crescimento dos meios digitais entre as novas gerações, uma simples passada de olhos nas estantes das livrarias vai nos mostrar a diversidade de gêneros à disposição dos leitores. Dos romances de temática juvenil às tramas sobrenaturais, dos enredos policiais aos dramas históricos, temos de tudo um pouco. Nesta babel de espécies literárias e títulos de toda ordem, é surpreendente o espaço obtido pelos livros motivacionais. Chamados de autoajuda, esta designação foi superada pela gama de assuntos abordados. Podemos designá-los, sim, como livros de ajuda psicológica, mas há subgêneros que já se destacam, como os de aprimoramento e motivação profissionais, de quebra de paradigmas (os inúmeros F... que inundam as estantes), de reinserção na sociedade, de adequação às novidades corporativas globais e por aí afora. Piana & Fava partiram de um pressuposto diverso e, por isso, este Liderança E vem enriquecer o gênero. Além de propor um novo modelo de direção de negócios, denominado de Espiritualidade Organizacional (daí a letra “E”), o líder empresarial da terceira década do século XXI é alguém dotado da capacidade de gerar harmonia entre razão e emoção, virtude capaz de mudar as empresas, mudar a sociedade, assim, mudar o mundo. A novidade está no fato de que os autores trazem a história do desenvolvimento da humanidade como embasamento para chegar à proposição que dá título à obra. Do homem das cavernas, passando pelos primórdios da atividade gerencial até chegarmos à terceira década do século XXI, os preceitos corporativos sofreram revoluções sobre revoluções.



É importante notar que as últimas nem chegam a ser as derivadas do mundo digital, hoje considerado quase um ancião que chegou para dominar o universo empresarial nos anos 90 do século passado. A geração millennial já nasceu acoplada a um computador, como as gerações do pós-guerra cresceram em meio à introdução dos eletrodomésticos na rotina familiar. Depois da revolução digital, ou até como caudatário dela, já foram incorporados princípios de igualdade de gênero, de raça, de credo, inserção social, e liberdade de pensamento e expressão, entre outros. Vivemos a realidade líquida, com suas instantaneidades e seus imensos desafios – eliminar fake news, por exemplo –, mas jamais iremos sobreviver sem a realidade sólida. Ou o que sobrar dela. Novos conceitos irão surgir, a cada dia com maior rapidez, embora seja possível crer que os princípios estabelecidos nesse modelo de liderança proposto por Piana & Fava tendem a se perpetuar. Não somos capazes de prever se os livros impressos serão também capazes de tal façanha. Fato é que as estantes das livrarias ainda irão expor, pelos próximos anos, milhares de obras a quem não se submete aos ditames dos meios digitais de leitura. Até lá, Liderança E terá cumprido seu papel, se me permitem o duplo sentido da palavra.

Ernani Buchmann Presidente da Academia Paranaense de Letras



SUMÁRIO Primeira parte Introdução ............................................................................19 Espiritualidade – O elo perdido das organizações ...............27 A longa caminhada ...............................................................32 O homem Cro-Magnon..........................................................36 Era Histórica ........................................................................40 A civilização mesopotâmica .................................................47 Os babilônios .......................................................................53 Os assírios ...........................................................................57 Os caldeus ...........................................................................60 O legado mesopotâmico ......................................................63 Os persas .............................................................................65 A civilização hebraica ...........................................................70 Grécia: a aurora da civilização .............................................77 Roma ....................................................................................93 A evolução de Roma ............................................................99 Idade Média .......................................................................100 As três culturas ..................................................................105 O Renascimento ................................................................114 A Reforma ..........................................................................119


As lições do Oriente ...........................................................124 Confúcio .............................................................................130 Lao Tsé ...............................................................................135 Japão .................................................................................139 Xintoísmo ...........................................................................145 Lições orientais ..................................................................148 O Iluminismo ......................................................................150 Sociedade capitalista .........................................................158 A Revolução Comercial ......................................................162

Segunda parte O homem torna-se materialista ..........................................169 Consequências do materialismo: O descompasso dos verdadeiros valores ............................................................176 Ainda os caminhos de Buda ..............................................182 A busca desenfreada pelo sucesso ...................................185 A inveja ..............................................................................186 Espiritualidade – O novo desafio .......................................189 Espiritualidade – uma questão subjetiva ............................191 O conhecimento .................................................................192 Confiança ...........................................................................194 O valor das virtudes ...........................................................197 14


O dinheiro não pode ser maior que seus valores................200 Espiritualidade e religião ....................................................207 Espiritualidade no trabalho .................................................210 Liderança E & Espiritualidade Organizacional....................215 O caso Tylenol.....................................................................219 Microvlar .............................................................................221 Empresa espiritualizada .....................................................228 Boas ideias – Como conseguir?..........................................233 O líder E..............................................................................238 Características do líder E....................................................251 A alma ................................................................................259 Traços comuns entre líderes E...........................................261 O maior líder ......................................................................264 Um novo amanhã...............................................................265 Bibliografia........................................................................269

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Primeira Parte



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Introdução

Era uma vez, em um período muito antes do período histórico, um ser estranho, maltrapilho, olhos esbugalhados, cabelos maltratados, que vivia em um ambiente de grandes incertezas. Sabia que estava à mercê das estações climáticas. Em sua maioria, seus abrigos eram frágeis, sujeitos a deslizamentos ante qualquer chuva. Ansiava desesperadamente por segurança e não tendo a quem recorrer, ia buscá-la no divino, criando objetos de devoção. Milhares de anos se passaram e esse homem mudou radicalmente seu estilo de vida, mas não mudou sua condição humana de sobrevivência. Grande parte já angariou poder para levar uma vida digna, enquanto os demais seguem vivendo em situações de fragilidade, muitas vezes vítimas de seitas e charlatões. Nessa caminhada, o ser humano foi reconstruindo sua maneira de ser e viver, passando por inúmeras etapas. A partir de 1550, como pressuposto para a Idade Moderna, começou a construir uma visão orgânica de mundo, vivenciando uma interdependência dos fenômenos materiais e espirituais e a subordinação das necessidades individuais às da comunidade. Toda a estrutura científica dessa concepção estava embasada no naturalismo de Aristóteles e na fundamentação 19


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teórica de Platão e Santo Agostinho, que consideravam mais importantes as questões referentes a Deus, à alma humana e à ética. Naquela época, a vida na Terra nada mais era do que um preâmbulo para a vida eterna. Assim, a filosofia tinha como objetivo servir de base para a teologia e tinha como causa a salvação da alma após a morte, isto é, vivia-se a fase que se denominou teocentrismo. Para o homem medieval, tudo era sagrado, pois tudo era estabelecido por Deus e cabia ao homem contemplar e compreender toda a harmonia existente na natureza. Foi uma época em que se exigia o respeito cego às autoridades, aos textos bíblicos e às lições deixadas pelos gregos. Uma época de muita repressão, na qual pouco se inovou. Aquele que inovava ou discordava dos textos bíblicos arriscava-se a morrer queimado para se redimir das bruxarias e alquimias, provenientes de sua inovação. A partir de então, iniciou-se uma mudança na natureza da ciência e do pensamento medieval até então vigente. A visão de um mundo orgânico, vivo e espiritual foi sendo substituída, gradativamente, pela noção de um mundomáquina, composto de objetivos distintos em função das revolucionárias mudanças na física e na astronomia, ocorridas depois de Copérnico, Galileu e Newton. 20


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A partir desse período, surgiu o Renascimento, que recolocou o homem como centro do universo, época denominada de antropocentrismo. Com o Renascimento, o comércio começou a tomar força e com ele surgiram as grandes companhias de navegação, caracterizando-se pelos descobrimentos marítimos e, como consequência, o apogeu do mercantilismo, do racionalismo e o advento da experimentação científica. De acordo com esse modelo de ciência, o homem podia transformar a natureza, explorá-la, e ela deveria servilo, fazer-se escrava e obedecer. Sai o conceito de terra como mãe nutridora e entra o conceito de natureza supridora de todos os desejos do homem. Do ponto de vista da ciência, essa mudança da relação homem/natureza alterou também a relação ética e teórica do homem consigo mesmo. A partir de então, o ser humano foi apresentado aos bens materiais. Nasce assim a era da imitação e do culto à estética, inclusive no sentido pessoal. O culto ao divino acima de tudo sofreu um abalo, criando um vácuo espiritual que foi se aprofundando ao longo dos séculos seguintes. O homem transformou-se em um ser que não media esforços na busca da afirmação do “eu”, rejeitando qualquer forma de abnegação que pudesse implicar em frustração. Chegou ao mundo contemporâneo trazendo consigo a herança atávica de quem saiu de uma condição de nômade, 21


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livre e filho da natureza na pré-história, para enjaular-se em escritórios frios, mundo no qual a luta pela sobrevivência é árdua e a competitividade não tem limites, vendendo seu tempo e sua alma a um capitalismo cruel, diante de uma racionalidade humana utilitarista. Tornou-se uma máquina predisposta pelo ambiente criado por ele para ser veloz, eficiente, competente e versátil em que, ao fim de uma jornada de trabalho, a exaustão toma conta, permeada pelo vazio, faminto pela alegria perdida, ainda que rodeado de bens materiais. E por quê? Talvez, em meio a uma guerra de “poder”, tenha trabalhado de forma árdua, durante o dia em busca de maior espaço na empresa, esmerando-se em cumprir metas e objetivos estabelecidos, esforçando-se ao máximo até chegar não apenas a níveis insustentáveis de estresse, mas também a uma infelicidade com a própria existência. Esse novo homem não tem tempo para perceber o amor, virtude maior da vida; não concede perdão ante a ofensa, nem a busca pela união em ambiente de discórdia; perde a confiança ao se deparar com dúvidas e desconhece a transparência em situações de crise, o equilíbrio na hora do desespero e a alegria apesar das perdas. É autossuficiente para dispor de discernimento, uma das virtudes mais nobres numa pessoa. Dispor-se ao discernimento significa abrir mão de 22


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convicções, de verdades absolutas de dogmas. Significa estar pronto para desfazer-se daquilo que no presente já não é mais significativo ou necessário. Assim o homem se transformou em alguém incapaz de se desvencilhar daquilo que amarra, e que é fator impeditivo para realizar seus sonhos e seu ideal de vida. Apega-se demasiadamente às questões supérfluas: afinal, ser supérfluo é andar mal-intencionado, é ter duplicidade de sentimentos na convivência com as pessoas, é deixar-se levar, não por uma inspiração, mas por ambições mesquinhas. Não percebeu que o desvio ético atrasa a felicidade, torna pesada a viagem, fazendo-o levar uma bolsa de pedras nos ombros como bagagem desnecessária. Logo, deixa de fazer as travessias, valorizando questões desnecessárias. A facilidade de se conseguir bens materiais gerou um vazio existencial, restando buscar um novo jeito de viver em oposição ao apego material. Percebe-se, desse modo, um movimento em direção a uma vida com mais sentido e mais qualidade do que a compensação monetária, as mordomias ou os bônus são capazes de fornecer. Anseia-se por mais controle sobre a vida. Não se trata apenas de conciliar a vida com o trabalho, mas sentir-se mais vivo, energizado e realizado em termos de sua essência espiritual. Como afirma Ken O’Donnell, a educação formal do homem moderno poderia lhe ajudar a nadar bem se a

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atmosfera de negócios fosse uma piscina de águas tranquilas, mas o grande dilema é que sua realidade atual é um mar completamente revolto e o homem não aprendeu as aptidões que realmente precisa. Está consciente de que tem que ser mais surfista que um nadador de piscinas de águas calmas, porém, não sabe como fazer. Como surfista, sabe que não tem poder para controlar o oceano nem os outros surfistas, só pode controlar a si mesmo e ser um exemplo para os outros. Não determina o formato das ondas, mas desenvolve a paciência para escolher a melhor delas, a agilidade para pegá-la e o equilíbrio para não cair. Seu objetivo não é chegar à praia, nem chegar antes dos outros surfistas. É tirar o máximo de benefício enquanto a onda durar. O desenvolvimento de tais valores – paciência, agilidade e equilíbrio – e tantos outros no nível pessoal, bem como os valores coletivos associados à responsabilidade social e ambiental se tornaram fundamentais para a sobrevivência num mundo dinâmico, complexo e cada vez mais imprevisível. Para isso, como líder, sonha em encontrar um jeito que possa ser aprendido e aplicado pelas pessoas e organizações com o intuito de transformar o trabalho numa experiência que transcenda as ações diárias, no qual a motivação e o entusiasmo venham de dentro para fora naturalmente. Algo que gere comprometimento nas pessoas com a missão da empresa e com o bem-estar de seus pares. Na ânsia de se reencontrar, o homem aumenta seu 24


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interesse pela ética e pelos valores humanos, entendendo que o indivíduo, assim como a organização, só é feliz quando tem suas dimensões – corporal, racional, emocional e espiritual – alimentadas. Para esse novo homem, sucesso é levar a felicidade aos outros, pois sabe que a vida é boa quando se está feliz, mas é melhor ainda quando os outros estão felizes por sua causa. Para ele, sucesso é também estar em paz, usufruir de conforto, ser querido, ser interessante, conhecer, experimentar e viver de forma ampla, em harmonia com valores e princípios que estão acima do simples mero ganho financeiro. Isso requer também um novo tipo de profissional, um novo tipo de líder. Requer líderes E, “e” de espiritualizado. E quais os requisitos para ser um líder E? Líderes que sejam técnicos, porém, com visão de conjunto; que sejam objetivos, porém, flexíveis; criativos, porém, focados; cheios de energia, porém, equilibrados; competitivos, porém, craques em incentivar o trabalho em equipe; hábeis na gestão de pessoas, porém, firmes; líderes, porém, com liderança conquistada; comprometidos, porém, com organização. Líderes que saibam aprender a aprender para se beneficiar das oportunidades oferecidas. Que saibam aprender a fazer para estarem aptos para enfrentar situações de mudança e agir sobre o meio. Que saibam aprender a ser, para desenvolver suas personalidades e responsabilidades 25


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sociais. Que saibam aprender a viver juntos, para desenvolver a compreensão do outro e a percepção das interdependências. Que saibam aprender a desaprender para poder evoluir. Para se reencontrar o líder de hoje precisa repensar e desenvolver novas crenças, novas conexões e novas competências. Precisa rever o significado da vida e reavaliar o significado da vida na empresa. Precisa reencontrar a espiritualidade perdida ao longo do tempo.

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Espiritualidade – O elo perdido das organizações

Hoje os conhecimentos científicos, inteligência artificial e outros não nos dão as respostas para as questões que emergem na alma humana. As respostas somente podem vir quando se consegue ampliar a visão fragmentada de mundo e incorporarmos de forma objetiva uma visão integrada e integradora desse mesmo mundo. Embora vivamos numa fase na qual a sobrevivência, a competitividade e a concorrência estão cada vez mais acirradas, é um paradoxo que se dê tanta importância à espiritualidade, embora sejam muitas as razões para a sua promoção no pensamento empresarial e na formação de líderes E. O mercado globalizado de cunho capitalista, que repousa em um sistema de trocas voluntárias e comprometimentos políticos com liberdade e livre arbítrio, é, no fundo, um sistema que depende da criação de confiança. Sem uma estrutura de valores morais, éticos 27


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e espirituais básicos, tais como verdade, justiça e responsabilidade pessoal, a confiança poderá desviar-se até do grupo gerencial mais idealista. A customização maciça, com o advento da internet, das redes sociais e da inteligência artificial, que veio para substituir o trabalho preditivo e o consequente marketing de relacionamento, aproximou a empresa do mercado, baseada na confiança mútua entre empresa e cliente, que exige idoneidade e um comprometimento ético de ambos. Assim é crucial entender como a espiritualidade pode ser colocada em prática no mercado e na vida de um líder com eficiência. Isso requer não apenas um essencial compromisso com a integridade pessoal, mas também é preciso trazer esses valores espirituais que fazem parte da vida de cada um, fazendo com que se tornem também eficientes no contexto dos negócios. Apesar de tudo, a preocupação dos líderes com a espiritualidade parece concentrar-se no receio. Ou seja, ser temente a Deus significa apenas criar uma barreira contra maus resultados financeiros. As repercussões financeiras de escândalos e corrupções, que tiveram como consequência a grave crise econômica, política e moral no Brasil recente, deixam bastante claro que nenhum líder pode se dar ao luxo de deixar de rever sua forma de agir e principalmente seus valores. 28


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Na verdade, embora vivamos numa fase na qual muitas técnicas e conceitos gerenciais ganham seus dias de glória, depois trocados por outros mais modernos e atualizados, a espiritualidade e a criação de confiança permanecem na viabilidade das instituições e na formação de seus líderes de forma perene. Um efetivo padrão de integridade é crucial para o bem-estar das instituições, sejam elas públicas ou privadas, para seu pessoal e para aqueles que são afetados por suas operações. A maior parte dos valores compreendidos como espiritualidade: honestidade, justiça, respeito pelos outros, prudência, solidariedade, humildade, cooperação, simplicidade, confiabilidade e outros é parte conhecida da formação das pessoas. Contudo, a “grande empresa” impessoal, fria e desumana, ao moldar o trabalhador sem sentimentos, sem identidade psicológica, sem fisionomia moral, criou o protótipo do homem instrumento, desenhado pela Revolução Industrial e pelas modernas concepções neotayloristas que teimam em restringir a integridade, sob mil disfarces insinuantes, por via do autoritarismo ou da manipulação sutil. Nesse sentido, os valores espirituais foram sofrendo uma desintegração. Os escândalos nas instituições públicas e privadas que aparecem na mídia, como manipulação de informações 29


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privilegiadas, benefícios e usurpação do dinheiro público, os boatos mesquinhos e as calúnias nos escritórios e departamentos, são prova de que os líderes das instituições nem sempre conseguem fazer da boa ética, dos valores morais e da espiritualidade um fato real na conduta dos negócios e das instituições públicas. Muitos dos homens que buscam o poder são melhores para conquistá-lo a qualquer preço do que para exercê-lo, pois, na maioria das vezes, exercem esse poder em benefício próprio. Quando se combina a falibilidade humana com a ganância por dinheiro e poder, acrescido dos fatores organizacionais e hierárquicos e a cobrança apenas por resultados financeiros no final dos exercícios, fica difícil tratar da espiritualidade dentro das organizações. Porém a validação da espiritualidade organizacional, embora o termo não seja popular, é simplesmente um modo de reconhecer que, sem dúvida, existem certas escolhas a serem feitas com relação aos meios e aos fins institucionais, as quais têm um ingrediente essencialmente moral, ético e espiritual. Conflitos de interesses, aquisições hostis de empresas, o desmantelamento e o desaparecimento de grandes instituições voltaram a atenção para os velhos problemas aéticos. O resgate da espiritualidade organizacional e do líder E 30


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torna-se questão urgente. A necessidade do trabalho em equipe, a mudança do poder, saindo da estrutura organizacional para o conhecimento, e um conjunto multipolar de concorrentes sem fronteiras são fatores que minaram conceitos arraigados. A diminuição no tamanho das empresas, as fusões, a tecnologia que faz o trabalho repetitivo e preditivo, o advento da inteligência artificial, a disrupção que tem acontecido em muitos setores, deixando apenas o trabalho inteligente para as pessoas, a extrema mobilidade da força de trabalho, agora internacional, multirracial e de todos os gêneros, tudo isso fez com que as grandes estruturas empresariais, adeptas da ganância permitida pelo livre mercado, se tornassem inadministráveis. O fato é que os laços já frágeis entre as pessoas e as empresas estão desaparecendo rapidamente à medida que as recompensas em dinheiro não se traduzem na melhor motivação para os colaboradores. Aliando-se a todas essas mudanças internas nos relacionamentos trabalhador-empresa estão os fatores externos. A alta tecnologia trouxe a personalização maciça de produtos e serviços através da digitalização, desmaterialização e democratização, e está fazendo com que também os relacionamentos cliente-empresa se estreitem e passem a ser mais de confiança do que de satisfação, em que mais do que produto ou serviço os clientes compram o comportamento

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ambiental, ético, moral e idôneo das empresas. Pensar, falar e agir dentro de um preceito de espiritualidade passou a ser uma questão de sobrevivência para empresas que querem perpetuar-se e serem competitivas nesta terceira década do século XXI. Mas, para chegar a essa conclusão, o homem percorreu uma longa caminhada.

A longa caminhada

Em um cenário de mudanças do planeta, do clima, da vegetação e do próprio homem, a evolução humana foi acontecendo ao longo de milhões de anos. Por volta de oito milhões de anos atrás, ocorreu a separação entre as linhagens de humanos e ancestrais dos chipanzés e, a partir de então, os hominídeos, movimentando-se sobre duas pernas, trataram de se desenvolver. Há cerca de três milhões de anos, o homo habilis, o primeiro hominídeo capaz de construir ferramentas, surgiu na África e, um milhão de anos depois, o homo erectus, mais desenvolvido, povoava diversas partes da Ásia e da Europa. 32


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O fato é que desde o começo da história humana fazemos perguntas sobre o mundo e sobre nosso lugar nele. Chegar às respostas para questões fundamentais é menos determinante do que o próprio processo de busca dessas respostas pelo uso da razão. Para as primeiras sociedades, as respostas para as questões fundamentais eram encontradas na religião: as ações dos deuses explicavam o funcionamento do universo e ofereciam uma estrutura para as civilizações humanas, mas esse é um longo processo que começa antes do período histórico. Há milhões de anos, em um ambiente sombrio, grandes animais lutavam pela sobrevivência. Junto com eles, um ser estranho, de longos cabelos e olhar agudo, encolhia-se no vão de uma rocha. Sua pequena estatura fazia dele presa fácil, ótimo prato para aqueles animais famintos. Para não morrer de frio e de fome, esse homem primitivo tentou muitas soluções, porém, caçar era a única saída para satisfazer sua necessidade primária: a fome. Muito tempo passou, e ele então descobriu, friccionando uma pedra contra outra, a faísca do primeiro fogo. É certo que as pessoas desse mundo nômade viviam uma grande incerteza. Estavam à mercê dos elementos e, em algumas regiões, viviam lado a lado com tigres, leões, ursos, lobos e outros animais de grande força e ferocidade. Uma estrela cadente ou um meteorito, um relâmpago

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ou um trovão era para eles uma mensagem dos deuses que se confirmava por seu estrondo e brilho incandescente. Endeusavam as estrelas, a lua e os cometas. Para eles, o céu era um monumento criado por seus ancestrais e o próprio território onde viviam era considerado sagrado para os cultos que faziam por meio de danças e das cerimônias e rituais herdados de seus antepassados. A noite era vista como um reino misterioso onde eram admitidos enquanto dormiam. Para Domenico De Masi, o homem foi na sua origem um animal capaz de inventar o além. Apesar da carência de informações, é provável que esse homem nômade tenha sido induzido pela confrontação com os céus estrelados, pela observação do universo, pelo sentimento de perda, pela aspiração ao infinito e à eternidade como esperança para superar os limites humanos e a morte. Acreditava na vida após a morte, enterrava seus mortos debaixo de grandes lajes com suas roupas, armas, enfeites e oferendas. Historicamente, o homem surgiu na era Cenozoica no período denominado Quaternário. Cientificamente, Darwin afirmou que o homem é descendente de um ancestral comum que viveu há aproximadamente sete milhões de anos. A história do homem moderno pode ser datada, grosso modo, de 500 mil a 10 mil a.C., ancestral que entrou para a história como o homem das cavernas, cientificamente chamado de Homo Neanderthalensis. Recebeu esse nome em homenagem ao Vale Neander na Alemanha, onde os restos mortais de um espécime foram encontrados pela primeira vez. 34


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Os neandertais tinham cérebros grandes, andavam eretos e usavam ferramentas. Evidências de raspas cutâneas datadas de aproximadamente 33 mil anos a.C. no sul da Rússia sugerem que o Homo Neanderthalensis usava roupas feitas de pele. Suas habilidades e sua ciência adquirida devem ter sido ínfimas, apesar disso, não podemos considerá-los um simples macaco, pois já possuíam a faculdade da palavra e não é nenhum sacrilégio presumir que também possuíam a faculdade de raciocínio, ainda que pouco desenvolvida. Nas entradas das cavernas, residência oficial do homem neanderthalense, foram descobertas lareiras de pedras, sugerindo a origem da cooperação e da vida grupal. Também foram encontrados túmulos de neandertais, um deles em Samarcanda, no Uzbequistão. Trata-se da tumba de uma criança enterrada em uma coroa de chifres. Tudo indica que esse homem troglodita desenvolveu um sentimento religioso, ou pelo menos a crença em alguma espécie de sobrevivência após a morte ao constatarmos, através de achados, a certeza de que dispensavam cuidados especiais aos defuntos, enterrando-os em sepulturas rasas junto com utensílios e outros objetos de valor. A extinção dos neandertais ocorreu há cerca de trinta mil anos a.C.

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O homem Cro-Magnon

Estudos indicam que, cerca de 30.000 a.C., a cultura antiga da pedra passou para um estágio que os historiadores denominam de Idade da Pedra, termo usado para referir-se ao período quando todas as ferramentas eram feitas de pedra. Na Era Paleolítico Superior, o homem passou a ser conhecido como o homem de Cro-Magnon. Sua vida grupal tornou-se mais regular e mais organizada do que antes. Sua organização social se baseava em pequenos grupos humanos unidos por laços familiares. Com o passar do tempo, a vida em grupo evoluiu e começaram a se organizar socialmente. Havia uma divisão simples do trabalho de acordo com a idade e o sexo, em que as mulheres cuidavam das crianças e eram responsáveis pela coleta de frutos e raízes. Os homens caçavam, pescavam e defendiam o território, tudo isso sempre em grupo. O que caçavam ou coletavam era dividido entre eles, não havia o individualismo e consequentemente não havia o egoísmo e o desejo de tirar vantagem. Existem provas suficientes para afirmar que o homem Cro-Magnon tinha ideias evoluídas sobre o mundo das forças invisíveis. Dispensava muito mais cuidados aos corpos de 36


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seus defuntos do que o homem de neanderthal, pintando os cadáveres, cruzando-lhes os braços nas sepulturas, enterrando com eles colares, armas e instrumentos ricamente lavrados. Mais de 20 mil anos se passaram e esse homem primitivo inicia uma nova era de sua história, a chamada Nova Idade da Pedra, também conhecida como período Neolítico. Esse novo homem pré-histórico exercia maior domínio sobre os meios do que qualquer dos seus antecessores. Cada vez mais começava a construir seus próprios abrigos e a viver em lugares fixos. As ferramentas de pedra tornaram-se mais complexas. Pedras comuns, como sílex e obsidiana, e uma grande variedade de materiais como madeira, ossos, chifres e marfim passaram a ser utilizados. Pequenos sílex pontiagudos provavelmente eram presos a armas, como lanças, flechas e arpões. O cultivo da terra e a manutenção de rebanhos proporcionavam-lhe fontes muito mais seguras de alimentos e, em certas épocas, até lhes garantiam alguma sobra. Historicamente, o legado mais importante da cultura neolítica foi o desenvolvimento das instituições. O historiador Edward Mcnall Burns define instituição como um conjunto de crenças e atividades grupais, organizado de maneira mais ou menos permanente com vistas à consecução de algum objetivo do grupo. Normalmente as instituições são dotadas de um corpo de costumes e tradições, um código de regras e 37


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padrões, e complementos físicos tais como meios punitivos e facilidades para a comunicação e a doutrinação. A religião foi a segunda instituição de forma complexa desenvolvida pelo homem neolítico. Para muitos antropólogos a religião primitiva não era tanto uma questão de crença, como de rito, os dogmas e teologias foram racionalizações posteriores. O homem primitivo dependia universalmente da natureza, da sucessão regular das estações, das chuvas na ocasião apropriada, do crescimento das plantas e da reprodução dos animais. Para nós que vivemos na era do conhecimento, isto pode parecer óbvio, mas para aquele homem primitivo esse fenômeno natural só ocorreria a não ser que ele cumprisse certos rituais. Assim, ele instituiu diversas cerimônias, dentre elas as destinadas a fazer chover e que muito, mas muito mais tarde, nossos índios ainda relembravam através da dança da chuva. Mas havia outro elemento que se manifestava na religião primitiva e que hoje faz parte de nosso cotidiano; o medo. Aquele homem primitivo vivia num estado constante de alarme e terror. Como disse muito mais tarde um velho esquimó ao explorador Knud Rasmussen (“Nós não cremos, tememos”), parece ser esse o sentimento constante do homem primitivo e que herdamos ainda hoje, embora nossos medos sejam por outras razões. Para aqueles homens, tudo que era estranho e mal conhecido era repleto de terror. Temiam não somente as doenças e a morte, mas também a fome, a seca, as 38


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tempestades e os espíritos dos animais que eles mesmos matavam para saciar a fome. Acreditavam que toda desgraça, perda ou malogro trazia com elas outras calamidades do mesmo gênero e para evitar que essas acontecessem era necessário realizar sortilégios, sacrifícios, encantamentos e outros recursos de poder mágico. Grande parte da espiritualidade do homem primitivo consistia em precauções para afastar o mal. Não reconheciam os milagres porque, para eles, nada era impossível ou absurdo, do mesmo modo acreditavam não existir acidentes casuais, pois tudo que acontecia tinha um significado místico. Para esse homem ancestral, a clarividência era algo natural, sua consciência estava muito mais no mundo espiritual do que no mundo físico como forma de explicar o inexplicável. Enfim, desde que o homem iniciou sua vida em sociedade, foi necessário criar normas de comportamento moral e muitas delas extraídas de religiões existentes, permeadas de dogmas e tabus que impunham uma dose de irracionalidade ao valor moral.

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Era Histórica

Pouco depois de 5000 a.C., a fase neolítica chegou ao fim, marcando o término do período pré-literário na história do homem, e foi substituído gradualmente por padrões mais complexos de cultura, baseados no conhecimento da escrita. Os calendários foram inventados, a religião, o Estado e outras instituições desenvolveram-se, a arte tornou-se mais refinada e houve avanços consideráveis na ciência. Nos períodos de 4.000 a 3.200 a.C., o progresso foi intenso no vale do Rio Nilo, onde floresceu uma das mais belas civilizações da antiguidade. Em algum momento depois de 4.000 a.C, as vilas ao longo do rio se agruparam em dois reinos, Alto e Baixo Egito, unidos pelo rei Menés por volta de 3.100 a.C. Durante o Antigo Império, enormes pirâmides, que na verdade eram tumbas elaboradas, foram criadas. Os mortos eram embalsamados como múmias e enterrados em seu interior, e enormes complexos de templos eram criados junto a essas pirâmides. No antigo Egito não existia separação entre o Estado 40


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e a Igreja. Os principais subordinados do faraó eram os sacerdotes, sendo o próprio faraó o sumo sacerdote. A religião desempenhou um papel predominante a ponto dos gregos descreverem os egípcios “como os mais religiosos dos homens”. Pode soar exagerado, mas não há como negar a importância da crença no sobrenatural, na vida e no cotidiano, deixando sua marca em quase todos os setores da vida egípcia. A arte, a literatura e a filosofia estavam embebidas de ensinamentos religiosos. O próprio sistema de governo era uma teocracia e os recursos e o potencial econômico eram gastos em grande parte na construção de tumbas e na manutenção de um corpo eclesiástico suntuoso. Todas as divindades protetoras foram consubstanciadas nos deuses Re ou Ra. Durante o Antigo Império, o culto ao sol foi o sistema dominante da fé egípcia. Prevalecia a crença de que a mumificação do corpo do faraó e sua conservação num túmulo contribuiria para a existência eterna da nação. Re, além de divindade protetora, era também o deus da retidão, da justiça, da verdade e o protetor da ordem moral. As ideias sobre a vida após a morte atingiram seu auge no período final do Médio Império egípcio, quando homens ricos deixavam substanciais doações aos sacerdotes para que eles se encarregassem de fornecer sustento às múmias pelo tempo que durassem esses fundos. A religião egípcia atingiu sua mais completa perfeição 41


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por volta do Médio Império, quando o culto solar e o culto a Osíris se fundiram, preservando os melhores atributos de ambos. A teologia se desenvolveu e foi adotada uma concepção menos ingênua da vida extraterrena. Acreditavam que após a morte todos deveriam se apresentar diante do deus Osíris para uma prestação de contas. Para eles, esse processo estava dividido em três estágios. No primeiro, o morto deveria declarar-se inocente dos pecados, dentre eles, homicídio, furto, mentira, cobiça, adultério, blasfêmia, ira, orgulho, desonestidade em transações comerciais e outros. Após desonerar-se desse rol de vícios, o defunto era obrigado a descrever suas virtudes, confessando que satisfez as vontades dos deuses, que ofereceu pão aos famintos, água aos sedentos, vestira o despido e deu transporte a quem não possuía um barco. No terceiro estágio, o réu defunto passava pela maior prova, a máquina da mentira. Seu coração era colocado em uma balança para determinar com exatidão se dissera a verdade, pois de acordo com a concepção egípcia o coração representava a consciência, que denunciava o falso testemunho. Todos que passassem por essa provação entravam no reino celestial de gozos físicos e prazeres simples, os infelizes, cujos corações os denunciassem, eram condenados à fome e à sede perpétua num lugar escuro privado da gloriosa luz de Re para sempre. Logo após o estabelecimento do Novo Império egípcio, o significado ético da religião egípcia foi substancialmente desvirtuado com a superstição e a magia ganhando força. Houve um notável aumento do poder dos sacerdotes que

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exploravam o terror das massas em benefícios próprios. Ávidos por ganhar mais e mais dinheiro, inauguraram a prática da venda de feitiços mágicos, que tinham supostamente o poder de evitar que o coração dos mortos denunciasse seu verdadeiro caráter. Vendiam fórmulas escritas em rolos de papiro, que colocavam nas tumbas para facilitar a entrada dos mortos no reino dos céus; muitas delas proclamavam a pureza moral do morto e outras ameaçavam os deuses com desastres, a menos que assegurassem a recompensa eterna ao defunto. Todas essas fórmulas eram vendidas e compradas na crença de que garantiam livre ingresso no reino de Re. Qualquer semelhança com algumas seitas atuais não terá sido mera coincidência. Esse sistema de magia fraudulenta estabelecido pelos sacerdotes teve como consequência a degradação da religião no Egito antigo, provocando a necessidade de uma grande reforma ou, como alguns historiadores denominam, uma grande revolução religiosa. O articulador dessa reforma foi o faraó Amenotep IV, que iniciou seu reinado por volta do ano 1375 a.C. Expulsou os sacerdotes dos templos, retirou dos monumentos públicos os nomes das divindades tradicionais, dando ordem ao povo para que adorasse um novo deus que ele chamou de Áton e, por fim, mudou seu nome para Ikhnáton. A verdadeira história de Ikhnáton começou a surgir para o mundo atual quando foram descobertas suas correspondências em tabletes de cerâmica. Na verdade, essa revelação aconteceu num efeito cascata. Em 1903, foi 43


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descoberto o túmulo de seu avô paterno, dois anos depois, em 1905, o de seus avós maternos. Em 1907, finalmente foi encontrada a sua própria múmia, no túmulo de sua mãe e finalmente o de seu genro, Tutenkhamen. Em todos esses túmulos, foi descoberta vasta documentação, que revelava ao mundo as obras, a escultura e as ideias de Ikhnáton. Foram essas descobertas que nos permitiram conhecer um pouquinho mais desse grande faraó. Saber que ele não sentia nenhuma sedução pelas conquistas militares, que sua atenção estava concentrada em outros objetivos, como a educação de seus filhos, a criação de uma nova arte e, sobretudo, a fundação de uma nova religião. Não foi nada fácil realizar seu desideratum monoteísta, principalmente em Tebas, onde o amonismo era radicado. Por essa razão, Ikhnáton edificou uma nova cidade, para onde transferiu a residência real, e, com o objetivo de dar um caráter universal ao atonismo, fundou duas capitais religiosas fora das fronteiras do Egito, uma na Síria e outra na Etiópia. A história de Ikhnáton pode ser constatada no livro de Nika Waltari intitulado “O egípcio”, apesar do personagem principal ser seu médico, que na narrativa de Waltari se chama Sinuhe. É claro que se trata de uma ficção, mas nos dá excelente ideia sobre esse grande faraó egípcio. O sucessor de Ikhnáton foi seu genro Tutenkhamen, que além de renegar o atonismo do sogro, reimplantou a antiga religião, permitindo que os sacerdotes corruptos e mercenários retomassem seu antigo poder. De qualquer forma, Ikhnáton, que por muitos

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era considerado o pior faraó do antigo Egito, passou a ser reconhecido como o primeiro pacifista, o primeiro monoteísta, o primeiro democrata, o primeiro humanista e o primeiro internacionalista. O resultado desse retorno à antiga religião foi um desastre para o povo, pois o significado ético perdera-se para sempre e todos foram entregues, mais uma vez, à ignorância e à cobiça do clero, porém, para as classes mais privilegiadas, a influência dos ensinamentos de Ihknáton prolongou-se por mais algum tempo, mas não foi forte o suficiente para livrar a religião egípcia de uma degeneração completa. Embora a religião no antigo Egito tenha se tornado um problema, o legado de sua filosofia permaneceu sob a ótica da ética e da política. O mais antigo exemplo de filosofia ética está contido na obra de Ptahotep, que viveu por volta do ano 2500 a.C., e foi vizir de um dos faraós da V Dinastia, intitulada Maximas. São conselhos e aforismos de sabedoria prática, deixados pelo vizir para a educação de seu filho. Nesses o filho é aconselhado a ser delicado, tolerante, bondoso e jovial, mas, acima de tudo, instiga-o a ser reto e justo, mesmo com o sacrifício de seus próprios interesses, pois, segundo Ptahotep, o poder da retidão é o único que perdura. Ele aconselha ainda o repúdio à cobiça, à sensualidade, ao orgulho e insiste na moderação e na contingência. Ainda que essas máximas sejam elementares, para

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nós que vivemos neste início do século XXI, elas têm um significado importante por serem as primeiras expressões de idealismo moral na literatura mundial. O último dos grandes filósofos éticos do antigo Egito foi Amenemope. Em seu tratado de trinta capítulos, intitulado A Sabedoria de Amenemope, flui uma consciência inalterável de Deus como o grande arquiteto do destino humano. Segundo ele, cumpre aos homens ser tolerante com a fraqueza do próximo e perdoar as suas transgressões, auxiliando o desamparado e aquele que já está com um pé na sepultura, pois Deus derruba e constrói a cada dia. Aconselha seus discípulos a ganhar o pão pelo próprio esforço, a se contentarem com pouco e, principalmente, a confiarem em Deus para ter paz de espírito. A Sabedoria de Amenemope, que viveu no final da época imperial, tem um significado especial por ter sido traduzida para o hebreu e muitos de seus ensinamentos terem sido inseridos no Livro dos Provérbios. Poucas civilizações antigas têm tanta importância para o mundo moderno quanto a civilização egípcia. Suas contribuições no campo da religião e da ética individual e social são significativas. Com exceção dos persas, foi o único povo do mundo antigo a ter uma religião nacional em torno da imortalidade da alma. Foram os primeiros a pregar o monoteísmo universal, a providência divina, o perdão dos pecados e as recompensas e punições depois da morte. Sua teoria ética serviu de inspiração para várias nações posteriores, nela estavam contidas elevadas concepções de 46


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justiça, de benevolência e de igualdade de todos os homens. Muitos historiadores afirmam ter sido aquele antigo povo do vale do Nilo a inspiração dos princípios do direito e da moralidade, os fundamentos do progresso científico, as formas de organização econômica e a fonte das doutrinas básicas de todas as grandes religiões do mundo.

A civilização mesopotâmica

Mais ou menos em 3500 ou 3000 a.C. nasceu a segunda das mais antigas civilizações, que os historiadores insistem em denominar como mesopotâmica, significando entre rios. A Mesopotâmia localiza-se no Oriente Médio, na região formada pelas bacias dos rios Tigre e Eufrates, que nascem nas montanhas da Armênia e desembocam no Golfo Pérsico, no atual Iraque. No norte da Mesopotâmia, conhecida como Alta Mesopotâmia, uma região árida habitada pelo povo assírio, e ao sul, a baixa Mesopotâmia, onde ficava a Caldéia e era uma região muito mais fértil. 47


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Entre os meses de junho e julho ocorriam as cheias dos rios Tigres e Eufrates, provocando grandes inundações. Quando as águas baixavam, formavam um lodo que fertilizava o solo, ideal para o cultivo de cereais e frutas. Para o controle das cheias tornou-se necessária a construção de diques de proteção, drenagem e canais de irrigação que levavam a água às regiões mais distantes. Para isso, foi desenvolvido um eficiente sistema de organização coletiva do trabalho. Era uma região muito disputada devido à localização privilegiada, com fácil acesso para a Europa, África e Ásia, o que atraía povos de diversas origens, destacando-se os sumérios, os acádios, os amoritas, os assírios e os caldeus. Eram os povos que viviam o presente e olhavam com indiferença para seu destino além-túmulo, diferente do egípcio que acreditava na imortalidade da alma e dedicava grande parte de seus esforços à preparação da vida futura. Os ideais de justiça desses povos se limitavam em grande parte à observância literal dos termos de um contrato. Os sumérios, considerados a mais antiga das grandes civilizações humanas, foram os pioneiros no desenvolvimento da civilização mesopotâmica. Vindos do planalto do Irã, fixaram-se na Caldéia, sul da Mesopotâmia. Falavam uma língua sem nenhuma relação com qualquer outra conhecida. Viveram numa frouxa confederação de cidades-estados como Ur, Uruk, Lagash e Eridu, unidas unicamente para fins militares. Todas possuíam um centro político, econômico e 48


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religioso, que era o templo. Cada uma dessas cidades era governada por um patesi, que acumulava as funções de primeiro sacerdote, comandante do exército e superintendente do sistema de irrigação. Vez ou outra, algum governador mais ambicioso teria estendido seu poder sobre outras cidades e assumido o título de rei, porém, foi só na época de Dungi, mais ou menos no ano de 2300 a.C., que todos os sumerianos se uniram sob a autoridade única de um chefe da sua nacionalidade. São considerados os inventores da escrita por terem criado uma forma para registrar a contabilidade do rico patrimônio dos templos, a quantidade de cereais estocados nos celeiros e o número de cabeças de gado. Introduziram o uso de rodas nos veículos, o que representou uma revolução na locomoção terrestre, uma vez que antes os veículos tinham forma de trenó e eram puxados por animais. Com a utilização da roda o transporte de mercadorias tornou-se mais simples e ágil, o que permitiu estabelecerem um ativo comércio com os povos vizinhos e manter relações comerciais com a costa Mediterrânea e o vale do rio Indo. Sua mais alta realização foi o sistema de leis, que teve uma evolução gradual, chegando alguns de seus fragmentos a ser inseridos no Código de Hamurabi, que hoje é tido como uma revisão do código de Dungi. Não conseguiram desenvolver uma religião de alta 49


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espiritualidade, porém, tanto quando o direito, a religião ilustra concepções sociais e ocupa um lugar especial na vida desse povo que vivia entre o Tigre e o Eufrates. Seus inúmeros deuses e deusas se caracterizavam por ter personalidades distintas e todos tinham alguns atributos humanos. Sua religião tinha um caráter monístico, no sentido de considerar todas as divindades capazes de fazer tanto o bem quanto o mal. O deus Shamash, por exemplo, como deus do Sol dava calor e luz, mas também mandava seus raios abrasadores. Era uma religião que se destinava exclusivamente ao mundo terreno, não oferecendo esperança quanto à outra vida. Consideravam que essa era uma existência meramente temporária, num lugar desolado e sombrio que mais tarde veio a se chamar Sheol. Lá as almas permaneciam certo tempo e depois desapareciam. Ninguém poderia almejar a ressurreição num outro mundo e uma existência eterna e feliz como compensação aos males desta vida; a vitória da tumba era completa. Não praticavam mumificação nem construíam túmulos complicados. Os cadáveres eram enterrados sob o piso da casa, sem caixão e com poucas coisas para uso da alma. O conteúdo espiritual e ético não tinha real importância nessa religião. Os deuses não eram seres superiores, mas criaturas vazadas no molde humano, com larga dose das fraquezas e de paixões do homem mortal. Não ministravam bênçãos sob a forma de consolação, elevação da alma ou aproximação com os deuses. A religião não prescrevia nem 50


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impunha padrões de moralidade. As obrigações impostas a cada indivíduo eram principalmente rituais. A verdadeira natureza da religião suméria é revelada nas famosas narrativas épicas da Criação e do Dilúvio, que tempos depois serviu de base a muitas histórias hebraicas do Velho Testamento. Apesar de grosseira, a narrativa do dilúvio era interessante. Conta que os deuses estavam com muita inveja do homem, assim resolveram destruir completamente a raça dos mortais e a maneira que encontraram foi afogando todos os homens. Um dos deuses, no entanto, revelou o segredo para um dos mortais habitantes da terra, ensinandolhe a construir uma arca para que ele se salvasse juntamente com os seus. Durante sete dias de chuva intensa, a Terra ficou coberta de água, atingindo até mesmo os próprios deuses. Finalmente as águas baixaram. O homem favorito do deus saiu da arca e ofereceu um sacrifício em ação de graça. Esfomeados, devido à longa privação de alimentos, os deuses juntaram-se como moscas sobre o sacrifício e assim aprenderam a lição e decidiram nunca mais cometerem a loucura de tentar destruir o homem. Acreditavam que o universo era governado por um panteão formado por um grupo de seres vivos imortais, com formas humanas, que detinham poder sobre os homens, invisíveis aos olhos dos mortais. Esses deuses controlavam o cosmo de acordo com um plano pré-estabelecido e leis elaboradas rigorosamente. Tinham quatro divindades fundamentais; An, deus do 51


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céu; Ki, deusa da terra; Enlil, deus do ar e Enkil, deusa da água, visto que consideravam esses os quatro componentes mais importantes do universo. Para eles, existiam ainda três divindades celestiais importantes; Nanna, deus da lua; Utu, deus do sol e Inanna, rainha dos céus. Era também considerada deusa do amor, da procriação e da guerra. Para eles, Nanna era o pai de Utu e Inanna. Um dos deuses mais queridos era o deus-pastor Dumuzi, originalmente um governante mortal, cujo casamento com Inanna assegurou a fertilidade da terra e a fecundidade das mulheres. Foi com base nessas crenças que construíram seus valores éticos e morais que norteavam a forma de agir e viver.

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Os babilônios

Outro povo que viveu entre o Tigre e o Eufrates foram os babilônios. Apesar de constituírem uma nova nação, viveram muito tempo em contato com os sumérios, de quem sofreram influências significativas. Estabeleceram-se ao norte da região ocupada pelos sumérios e, aos poucos, foram conquistando diversas cidades da região mesopotâmica. Nesse processo, destacou-se o rei Hamurabi, que formou um grande império com capital na cidade de Babilônia. Impôs a todos os povos dominados uma mesma administração. Sua legislação baseada no princípio de talião, olho por olho, dente por dente, braço por braço, serviu de modelo para a legislação de diversos outros povos. O código de Hamurabi, como ficou conhecido, é um dos mais antigos conjuntos de leis escritas da história. Por meio dele, desenvolveu-se um conjunto de leis com o intuito de organizar e controlar a sociedade. Posteriormente o Código de Hamurabi tornou-se base do direito de quase todos os povos semitas: babilônios, assírios,

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caldeus e hebreus, tendo como principais características: 1- A lei de talião – olho por olho, dente por dente, braço por braço... 2- Administração da justiça em caráter semiprivado que tinha como premissa que a própria vítima ou sua família tinha o direito de trazer o ofensor à justiça. 3- Desigualdade perante a lei – o código dividia a população em classes: patrícios ou aristocratas; burgueses ou cidadãos comuns; servos ou escravos. As penalidades eram aplicadas de acordo com a classe da vítima, mas, sem muita equidade, pois a morte de um patrício era uma ofensa maior do que um crime semelhante cometido contra um burguês ou escravo. 4- Distinção insuficiente entre o homicídio acidental e o intencional; o acusado não era condenado à pena de morte, mas tinha que pagar uma multa à família da vítima. Os babilônios também desenvolveram um rico e preciso calendário, cujo objetivo principal era conhecer mais sobre as cheias do rio Eufrates e também obter melhores condições para o desenvolvimento da agricultura. Eram excelentes observadores dos astros e tinham grande conhecimento de astronomia, o que permitiu desenvolverem um preciso relógio de sol. Tudo começou com a invasão dos amoritas, que vieram do deserto árabe, ali se fixaram e fundaram uma nova civilização cuja capital era Babilônia. Não tinham cultura 54


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própria, a que construíram foi cópia dos sumérios. Houve um aumento significativo da superstição e da astrologia, a previsão do futuro e outras formas de magia cresceram de importância. A adoração dos demônios e uma consciência mórbida do pecado substituíram aos poucos a atitude essencialmente amoral dos sumérios. Existiu uma enorme quantidade de reis divinos, dentre eles, o principal era Marduc. Além dele, Samas, o deus do Sol e da justiça, que foi representado no Código de Hamurabi; e Ishtar, a deusa do amor e da guerra. Eles tinham ainda divindades dos mundos inferiores e alguns espíritos angelicais. Construíram um ou mais templos para cada um desses deuses, onde realizavam diariamente sacrifícios de animais, oferendas e libações. A religião sofreu com os babilônios numerosas mudanças. Divindades veneradas pelos sumerianos foram esquecidas e outras erigidas em substituição. Marduc, o primitivo deus da cidade de Babilônia, foi elevado à mais alta hierarquia. Istar continuou a ser a principal deusa. Tamuz, irmão e amante de Istar, que não tinha um grande significado na religião suméria, tornou-se entre os babilônios a terceira mais importante divindade. Para eles, a morte de Tamuz no outono e sua ressurreição na primavera simbolizava a morte e o renascimento da vegetação. Houve um aumento significativo da superstição entre os babilônios, assim a astrologia, a previsão do futuro e outras formas de magia cresceram de importância. Houve também 55


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um incremento na adoração aos demônios. Nergal, o deus da peste, chegou a ser considerado um monstro terrível que buscava todas as oportunidades para abater suas vítimas. Acreditava que uma multidão de outros demônios e espíritos malignos se escondiam na floresta e cruzavam os ares, espalhando terror e destruição. As únicas defesas contra esses espíritos eram os sacrifícios e os sortilégios mágicos. Se os babilônios não inventaram a feitiçaria, foram com certeza os primeiros a dar-lhes importância, sendo o poder dos feiticeiros temidos por todos. Foi escrito o chamado Livro de Jó Babilônio, uma espécie de protótipo do Livro de Jó da Bíblia Sagrada. Nele conta a história de um piedoso sofredor que é castigado pelos deuses sem saber por quê. Contém ainda maduras reflexões sobre o desamparo dos homens e os mistérios do universo. As crenças éticas e morais tinham como balizamento a bondade e a verdade, a lei e a ordem, a justiça e a liberdade, a sabedoria e a aprendizagem, o valor e a lealdade. Para eles, qualquer ato imoral ou pouco ético era considerado uma ofensa aos deuses. Apesar das crenças, tinham verdadeiro pavor da morte, uma vez que para eles não existia a esperança de uma recompensa eterna para as pessoas honradas. Os babilônios não possuíam o talento e a criatividade dos sumérios, além disso, a escultura e a arte em geral eram dominadas pelas convenções políticas e religiosas, o que sufocava qualquer iniciativa de originalidade.

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Os assírios

Os assírios estabeleceram-se no norte da Mesopotâmia, na região de Assur e Nínive antes do ano de 2500 a.C. O solo pobre não lhes permitia uma alta produção agrícola, assim, dedicaram-se às técnicas de guerra e formaram o primeiro exército organizado do mundo. O segredo de sua eficácia militar era o domínio da tecnologia do ferro na fabricação de armas e ferramentas. A eficiência de seus ataques explica-se também pela utilização de velozes carros de guerra puxados por cavalos. Tinham como objetivo saquear os povos conquistados e obrigá-los a pagar altos tributos. Eram antes de tudo uma nação de guerreiros, não por diferirem dos demais povos semitas, mas por necessidade e graças às condições especiais do próprio ambiente onde viviam. Podemos compará-los ao atual Japão, salvo que eles viveram em um planalto isolado e os japoneses vivem em um arquipélago, porém os recursos limitados e o perigo de constantes ataques de outras nações hostis os forçaram a desenvolver seu espírito guerreiro, como uma questão de sobrevivência. Por essas razões, desenvolveram uma 57


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ambição e uma cobiça desenfreada por conquistas territoriais. Entre o século VIII e VII a.C., seus domínios ultrapassaram a Mesopotâmia, abrangendo a Síria, a Fenícia, a Palestina e o Egito. Os responsáveis por essa expansão foram Sargão II, Senaqueribe e Assurbanípal. Quanto mais conquistas, mais sentiam necessidade de avançar a fim de proteger o que já haviam conquistado, assim, as exigências da guerra determinaram o traço característico da organização assíria. O Estado era uma grande máquina militar e os comandantes do exército se constituíram na classe mais rica e mais poderosa da população Os assírios eram um povo cruel, que pilhava as áreas conquistadas e massacrava sua população. As espadas, as lanças e as máquinas bélicas não eram seus únicos instrumentos de combate, também usavam o terror como meio para subjugar os inimigos. Os soldados capturados eram tratados com crueldades indescritíveis como amputação das orelhas, narizes e órgãos sexuais, depois eram colocados em gaiolas e exibidos para servirem de advertência às cidades que ainda não tinham se rendido a eles. Essas atitudes fizeram dos assírios a nação mais odiada da antiguidade. É fácil compreender que uma nação essencialmente militar como a dos assírios não tivesse alcançado um lugar de destaque no campo das realizações intelectuais, porém, a escassez de terra foi a grande responsável por algumas de suas importantes características. Além da vocação excessivamente bélica, era um povo comercial, empreendedor, aventureiro, 58


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ousado e com organizadores talentosos. Sendo semitas, como os sumérios e os babilônios, tinham muitos deuses e muitas crenças. O rei tinha como obrigação empenhar-se ao máximo para deixar os deuses satisfeitos, por essa razão, era submetido a árduos rituais, como jejuar e ficar isolado de todos durante uma semana em uma cabana de junco verde. Para eles, os deuses, quando estavam muito insatisfeitos, emitiam sinais. O pior deles era um eclipse lunar ou solar. Quando isso ocorria, o rei era obrigado a abdicar do trono por certo período, ficando em seu lugar um suplente que assumia aquilo que havia irritado os deuses. Após cem dias, o rei retornava ao poder e o suplente era executado em companhia de sua esposa, sob a justificativa de dar aos deuses a morte do rei que havia sido prevista pelo eclipse. A agressão militar era legitimada pela religião, conquistar era uma missão divina do rei que detinha poder absoluto sobre todas as dimensões. O rei era considerado um enviado dos deuses, assim, ele ficava em constante clausura e apenas o superintendente do palácio poderia vê-lo regularmente. O próprio príncipe herdeiro só poderia vê-lo se detectassem algum presságio favorável. As demais pessoas próximas só poderiam estar em sua presença com os olhos vendados. Construíram seus princípios e valores amparados em seus princípios de guerra e viveram plenamente essa ética para nós um tanto que questionável. 59


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Os caldeus

Após a derrota dos assírios, a Babilônia volta a ser a capital da Mesopotâmia com os caldeus formando um novo império, conhecido como Segundo Império Babilônico ou Neo Babilônico. A civilização mesopotâmica entrou em seu estágio final tendo como destaque e grande guerreiro o rei Nabucodonosor, que restaurou a capital em Babilônia e tentou reviver a cultura da época de Hamurabi. Com Nabucodonosor, o império caldeu atingiu o seu apogeu. Foi durante o seu governo que a Síria e a Palestina foram definitivamente conquistadas. Em 586 a.C., ocupou Jerusalém, escravizou os judeus e transportou os hebreus para a Babilônia, onde foram transformados em escravos. No seu reinado, a cidade da Babilônia tornou-se o maior centro cultural e comercial de todo o Oriente. Nesse período, foram construídos diversos palácios, os jardins suspensos da Babilônia, considerados uma das sete maravilhas do mundo antigo, e a Torre de Babel. 60


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O maior fracasso dos caldeus se deu na religião. Apesar da restauração de Marduc no seu posto tradicional de chefe da hierarquia sagrada, o sistema de crenças era baseado no sistema babilônico. O que realmente fizeram foi desenvolver uma religião astral. Os deuses foram despidos de suas limitações humanas e exaltados como seres transcendentes e onipotentes. Chegaram a identificá-los com os planetas, assim, Marduc se tornou Júpiter; Istar, Vênus e assim por diante. Perderam, ainda, o caráter de seres humanos. Governavam o universo de um modo quase mecânico. Construíram uma atitude fatalista no sentido que os atos dos deuses ficavam além da compreensão. Para eles, tudo que o homem deveria fazer era resignar-se com sua sorte, confiar cegamente na vaga esperança de que os resultados finais seriam bons. Surgiu assim, pela primeira vez na história, a concepção da piedade como submissão, concepção que foi adotada por diversas outras religiões. Para os caldeus, a religião não implicava nenhum significado supraterreno. Não tinham interesse algum pela vida futura e a submissão poderia trazer no máximo algumas recompensas terrestres, mas não era um meio para alcançar qualquer fim. Desenvolveram uma consciência espiritual mais forte, como revelam hinos de autores desconhecidos e as orações atribuídas a Nabucodonosor e a outros reis. A maioria apela para os deuses como seres elevados que se preocupam com a justiça e a retidão dos homens. Os caldeus promoveram os deuses e rebaixaram os 61


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homens, levando-os a uma concepção de que os homens eram criaturas rasteiras, mergulhadas na iniquidade e na covardia e por isso não merecedoras de se aproximarem dos deuses. Tinham por certo que o homem não podia evitar o pecado, por mais que tentasse, assim, prevaleciam os interesses materiais da vida e a busca dos prazeres carnais. A consciência do pecado, presente nas religiões babilônicas e assírias, atingiu com os caldeus um grau de intensidade quase patológico. Nos hinos, os filhos dos homens eram comparados a prisioneiros com os pés e mãos amarrados, que eram consumidos na escuridão. Seus pecados eram “sete vezes sete”. O curioso é que o pessimismo exagerado parece não ter afetado gravemente a moral do povo caldeu. Ao que se sabe, não mortificaram a carne, nem mesmo praticaram o abandono de si mesmos, apesar de ter como certo que o homem não podia evitar o pecado, por mais que tentasse. Mostravam-se presos aos interesses materiais da vida e à busca dos prazeres. Consideravam como virtude a benevolência e a pureza e como vício a calúnia e a ira. Quando oravam, nem sempre era para pedir aos deuses para torná-los bons, mas para pedir que lhes concedessem longos anos, uma descendência numerosa e uma vida cheia de prazeres. Foram, sem dúvida, os principais cientistas de toda a história mesopotâmica, apesar de limitarem suas conquistas à astronomia. Criaram o mais perfeito sistema de registro cronológico até então imaginado, inventaram a semana de sete dias e a divisão do dia em doze horas duplas com 62


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cento e vinte minutos cada uma. Duas de suas mais notáveis realizações foram efetuadas por astrônomos cujos nomes chegaram até nós. No século VI a.C., Nabu-Rimannu calculou a duração correta do ano com uma aproximação de vinte e seis minutos. Mais ou menos uma centena de anos depois Kidinnu descobriu e provou a variação anual da inclinação do eixo da terra. A força que instigava a astronomia caldaica era a religião. Para eles, o principal objetivo dos mapas celestes era desvendar o que os deuses tinham preparado para a raça humana. Como os planetas eram considerados os próprios deuses, podia-se adivinhar o futuro pelo movimento dos corpos celestes, por essa razão, para eles, astronomia era principalmente astrologia.

O legado mesopotâmico

Apesar de a influência não ser tão substancial quanto à influência egípcia, a civilização mesopotâmica nos deixou um legado cultural bastante extenso a começar pelo ano de doze meses, a semana de sete dias, a crença nos horóscopos, a superstição de fazer o plantio de acordo com as fases da lua, os doze signos do zodíaco, o círculo de 360 graus e o processo 63


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aritmético da multiplicação. O fato de nossos relógios atuais conterem números de um até doze horas duplas é uma das principais heranças deixadas pelos caldeus. Influenciaram inúmeras nações da antiguidade. Os persas sofreram grandes influências da cultura caldaica. Os hititas adotaram as tabuletas de argila, a escrita cuneiforme, a epopeia de Gilgamesh e muito da religião da nação que conquistaram. A religião babilônica influenciou também os fenícios, os cananeus herdaram grande parte do direito dos sumérios e também muito de suas crenças religiosas. Os principais herdeiros da cultura mesopotâmica foram os hebreus. Abraão viveu por algum tempo em Ur, cidade do baixo Eufrates. Foi possivelmente desse modo que os hebreus se apoderaram das lendas da criação e do dilúvio. Dizem que a cultura e a predileção dos judeus pelo comércio foram adquiridas pela influência da cultura mercantil da Babilônia. Além disso, muito do simbolismo, do pessimismo, do fatalismo e da demonologia dos caldeus passou para a religião judaica. O calendário judaico até hoje contém um mês que se chama Tamuz em honra ao deus caldeu. Muitos exemplos de origem mesopotâmica podem ser encontrados em práticas romanas tais como adivinhação, adoração de planetas como deuses e o uso do arco e da abóboda. Vários desses elementos foram introduzidos entre os romanos pelos etruscos, povo de origem asiática ocidental, 64


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outros foram trazidos pelos próprios romanos após suas conquistas militares na Ásia Menor. Os romanos chegaram a usar o nome “caldeu” como sinônimo de “astrólogo”, a quem recorriam frequentemente para tentar prever o futuro.

Os persas

Em 539 a.C., os persas conquistaram o vale dos dois rios, estabelecendo uma civilização totalmente nova. Pouca coisa se conhece dos persas antes do século VI a.C. Até esse período, parece terem levado uma vida obscura e pacífica na costa oriental do Golfo Pérsico. Sua terra natal pouco oferecia. A leste, eram enclausurados por altas montanhas e sua costa não possuía portos. Exceto quanto ao desenvolvimento de uma religião bem arquitetada, os persas pouco progrediram culturalmente. Não possuíam um sistema de escrita, mas falavam um idioma intimamente relacionado com o sânscrito e com as línguas da Europa antiga. Em 559 a.C., Ciro tornou-se rei de uma tribo persa do Sul. Cinco anos depois, tornou-se o líder de todos os persas e

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ambicionou dominar os povos vizinhos. Ficou na história como Ciro o Grande, um dos mais sensacionais conquistadores de todos os tempos. A religião foi, sem dúvida, o maior legado deixado pelos persas. Embora possamos encontrar raízes de sua religião em outras épocas do passado, pode-se dizer que o verdadeiro fundador da religião persa foi Zaratustra – Zoroastro para os gregos – de onde provém o chamado zoroastrismo. Eliminou o politeísmo, o sacrifício de animais, a magia e elevou a adoração a um plano mais espiritual e ético. Tinha um caráter único entre todas as religiões existentes até então. Era dualístico e não monístico como as religiões dos sumérios e babilônios e não tinha qualquer pretensão monoteísta como as religiões do Egito e dos judeus. O zoroastrismo tem um significado especial por ser uma religião revelada. Para ela, duas divindades regiam o universo; Ahura-Mazda, considerada infinitamente boa e incapaz de qualquer fraqueza, que personificava os princípios da luz, da verdade e da retidão. A outra era Ahriman, traiçoeira e maligna, que presidia a força das sombras e do mal. Essas duas divindades travavam uma luta sem igual, porém, para seus seguidores, o deus da luz Mazda triunfaria e o mundo seria salvo das forças do mal. Acreditavam que seus adeptos eram os únicos possuidores da verdade, não por ser melhores do que os outros, mas por partilharem dos segredos do deus Mazda.

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O zoroastrismo incluía ideais tais como a vinda de um messias, a ressurreição dos mortos, o julgamento final e o traslado do redimido para um paraíso eterno. Para eles, o mundo duraria doze mil anos, porém, no final de nove mil anos, ocorreria a segunda vinda de Zoroastro, como sinal e promessa de redenção dos bons. Isso seria seguido pelo nascimento miraculoso de Saoshyant, o messias, cuja missão consistiria em aperfeiçoar os bons como preparação para o fim do mundo. Finalmente, chegaria o último dia, quando o deus AhuraMazda iria derrotar o deus do mal Ahriman e o precipitaria no abismo. Nesse momento, os mortos sairiam de suas tumbas para serem julgados segundo os seus merecimentos. Os justos ganhariam o paraíso enquanto os maus seriam sentenciados às chamas do inferno, mas não para toda a eternidade, uma vez que o inferno persa, diferentemente do cristão, não durava para sempre. Embora acreditassem que alguns haviam sido eleitos desde o começo dos tempos para serem salvos, em sua essência o zoroastrismo acreditava no livre arbítrio. O homem era livre para pecar ou não pecar, sabendo que seria recompensado ou punido de acordo com sua conduta. As virtudes dessa religião formavam uma lista enorme. Muitas eram nitidamente de origem econômica e política: diligência, respeito aos contratos, obediência aos governantes, procriação de muitos filhos e cultivo do solo. Outros tinham um caráter mais amplo. Para eles, Ahura-Mazda recomendava 67


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que os homens fossem fiéis, amassem e auxiliassem uns aos outros da melhor forma que pudessem, que fossem amigos dos pobres e que praticassem a hospitalidade. A essência dessas virtudes está no decreto do deus que diz: “todo aquele que der de comer a um crente irá para o paraíso”. As formas de conduta eram enormes e muito maior comparadas aos Sete Pecados Capitais do cristianismo medieval. Orgulho, gula, indolência, cobiça, ira, luxúria, adultério, calúnias e dissipação são algumas condutas condenadas pelo zoroastrismo. Cobrar juros de empréstimo a alguém da mesma religião era considerado o maior dos pecados e o acúmulo de riquezas era severamente reprovado. As restrições que os homens tinham que obedecer incluíam uma espécie de preceito negativo: “Só é bom aquele que não faz ao outro o que não é bom para si mesmo”. Era proibido infringir sofrimento a si mesmo, jejuar e mesmo suportar dores excessivas sob o fundamento de que prejudicavam tanto a alma quanto o corpo. Infelizmente o zoroastrismo foi logo corrompido pelas superstições primitivas, pela magia e pela ambição do clero; com isso, emergiu uma profusão enorme de cultos. O mais antigo era o mitraísmo, que vem de Mitra, que para eles era o principal auxiliar de Mazda na luta contra as forças do mal. O ritual era complicado e significativo, incluía uma complexa cerimônia de iniciação em sete estágios. Um dos principais sucessores do mitraísmo foi o maniqueísmo, fundado por Mani, um sacerdote de origem 68


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ilustre de Ecbátana. Considerava que sua missão era reformar a religião. Concebeu todo o universo dividido em dois reinos. O reino do espírito dominado por Deus eternamente bom e o reino da matéria sob o domínio de Satã. Somente substâncias “espirituais” como o fogo, a luz e as almas dos homens eram criadas por Deus. O pecado, o desejo e todas as coisas corporais e materiais tinham origem em Satã. O fim do império de Alexandre, por volta do ano 300 a.C., inaugurou um período singular na história do mundo antigo. Foram derrotadas as barreiras internacionais, houve uma extensa migração e o colapso da antiga ordem social que se caracterizava como grupal provocou profundas desilusões e um vago anseio de salvação individual. A atenção dos homens se voltou novamente para as compensações da vida futura e as religiões que nasciam como sendo sobrenaturais, místicas e messiânicas ofereciam na irrealidade que buscavam o verdadeiro refúgio de um mundo de ansiedade e confusão.

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A civilização hebraica

Os povos mais proeminentes da Ásia Ocidental foram os hititas e os assírios, mas outro grupo importante foi o dos hebreus. Era um povo de origem semita que se distinguia de outros povos da antiguidade por sua crença religiosa. O termo hebreu significa “gente do outro lado do rio”, por habitarem a região do outro lado do rio Eufrates. O conhecimento acerca dos hebreus vem principalmente das informações e lendas do Antigo Testamento, das pesquisas arqueológicas e das obras de historiadores judeus. Com a descoberta dos Manuscritos do Mar Morto, em 1947, foi possível obter mais informações sobre esse povo que tanto influenciou a civilização atual. Sua religião, o judaísmo, serviu de base tanto para o cristianismo quanto para o islamismo. De todos os povos do antigo Oriente, os hebreus, além dos egípcios, foram quem exerceu maior influência sob o mundo moderno. Deram-nos parte do substrato da religião cristã, como os mandamentos, as histórias da criação, o conceito de Deus como legislador e juiz e contribuíram com mais de dois terços da Bíblia Sagrada. 70


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Suas concepções políticas e moral influenciaram profundamente as nações modernas, em especial aquelas em que prevalecia a fé calvinista. A cultura hebraica sofreu influência de várias nações circunvizinhas e, em consequência disso, a religião continha numerosos elementos da religião egípcia e das religiões mesopotâmicas. A lei hebraica teve como inspiração fontes da antiga cultura babilônica. Sua filosofia era parte egípcia e parte grega. Ainda não existe um consenso sobre a origem do povo hebreu, inclusive a origem do nome também é duvidosa. Para alguns, deriva de khabiru ou habiru, que significa estrangeiro ou nômade. Outros dizem que deriva de Ever ou Eber, nome dado aos que vinham do outro lado do Eufrates. A maioria dos historiadores admite que o berço primitivo dos hebreus tenha sido o Deserto da Arábia. Por volta de 1800 a.C., tudo indica que um grupo de hebreus, chefiados por Abraão, se estabelecera ao noroeste da Mesopotâmia. Mais tarde, Jacó, neto de Abraão, iniciou a ocupação da Palestina. Posteriormente ao ano 1700 a.C., algumas tribos, para escapar da fome, instalaram-se nas vizinhanças do Delta, onde acabaram sendo escravizadas pelo governo do Faraó. Entre os anos de 1300 e 1250 a.C., Moisés conduziu-os à Península do Sinai, onde se converteram ao culto de Iavé, que até então tinha sido divindade dos povos pastores hebreus que habitavam o Sinai. A Palestina era uma pequena faixa de terra, que se estendia pelo vale do rio Jordão. Limitava-se ao norte com a 71


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Fenícia, ao sul com as terras de Judá, a leste com o deserto da Arábia e a oeste com o Mar Mediterrâneo. Era em grande parte uma região seca, porém, comparada com o deserto do Saara poderia ser considerada um verdadeiro paraíso. Grande parte dela já havia sido ocupada pelos cananeus, povo de língua semita. Os hebreus praticavam a agricultura e o comércio, conheciam o uso do ferro e a arte de escrever, e adaptaram as leis do código de Hamurabi às suas necessidades. Governados por patriarcas, viveram na Palestina durante três séculos. Seus principais patriarcas foram Abraão, o primeiro, Isaac e Jacó, também chamado de Israel, Moisés e Josué. Com a terrível seca do ano de 1750 a.C., foram obrigados a deixar a região e buscar melhores condições de sobrevivência no Egito, onde permaneceram por 400 anos, até serem perseguidos e escravizados pelos faraós. Liderados por Moisés, abandonaram o Egito no ano de 1250 a.C. e retornaram à Palestina. A saída em massa do Egito é conhecida como Êxodo. De volta à Palestina, passaram a se dedicar à agricultura, à criação de animais e ao comércio. Tiveram que lutar contra o povo cananeu e, posteriormente, contra os filisteus. Nesse período de guerra, foram governados por juízes que eram chefes políticos, militares e religiosos e que, embora 72


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governassem de forma enérgica, não tinham uma estrutura administrativa permanente. Entre os mais famosos juízes destaca-se Sansão, que ficou conhecido por sua grande força. Poucos povos na história passaram por uma evolução religiosa comparável a dos hebreus. Vai desde as concepções éticas mais sublimes até o caminho das mais cruas superstições. Essa evolução pode ser constatada em cinco ciclos diferentes. O período pré-mosaico, caracterizado pelo animismo, pela adoração de espíritos que residiam em árvores, montanhas, poços e fontes sagradas. No período eram praticadas diversas formas de magia: necromancia, magia imitativa, sacrifícios de bodes expiatórios e outras. O segundo período foi o da chamada “monolatria”, que pode ser definida como a adoração exclusiva de um único Deus sem, no entanto, negar a existência de outros deuses. Esse período se estendeu do século XII ao IX a.C. Fortemente influenciados por Moisés, os hebreus adotaram um deus cujo nome pode ter sido escrito “Jhwh”. Não se tem ideia como se pronuncia essa palavra, além do seu significado ser outro mistério, porém, alguns estudiosos concordam que era proferido como se estivesse escrito Yahweh. A religião não era nem essencialmente ética nem profundamente espiritual. Iavé era venerado como legislador supremo e inflexível mantenedor da ordem moral do universo e foi Ele quem ditou os Dez Mandamentos a Moisés no cume

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do Monte Sinai. Não demorou muito para a monolatria ser misturada a certos elementos de fetichismo, magia e mesmo superstições grosseiras dos tempos primitivos. Por volta do século IX a.C., a crença hebraica clamava por uma reforma interna. A adoração aos ídolos fenícios e assírios já confrontava com a adoração a Iavé. Essa reforma foi realizada pelos profetas Amós, Oséias, Isaias e Miquéias. A renovação desencadeou o início do terceiro período do desenvolvimento da religião hebraica, que aconteceu nos séculos VIII e VII a.C. Três doutrinas básicas passaram a prevalecer: a primeira era o monoteísmo pregando que Iavé era o único senhor do universo e que os deuses de outras nações não existiam. O segundo ensinava que Iavé é exclusivamente um Deus de retidão e o mal deste mundo vem dos homens e não de Deus e por último os fins da religião são éticos pregando que Iavé não faz nenhuma questão de sacrifícios, mas sim que os homens aspirem à justiça e ajudem os oprimidos. Nessa época, milhares de pequenos lavradores haviam perdido sua liberdade, submetendo-se à sujeição de ricos proprietários nos quais se concentrava a maioria das riquezas. Essa revolução religiosa destruiu algumas das mais atrozes formas de opressão e extirpou grande parte dos barbarismos que haviam se instalado na religião, mas a fé hebraica ainda estava longe do judaísmo moderno que conhecemos. Mostrava uma escassa índole espiritual e não 74


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apresentava quase nenhum traço místico; em lugar de cogitar a vida além-túmulo, era orientada para esta vida. Sua principal finalidade era promover uma sociedade justa e diminuir e reprimir a desumanidade do homem para com o próprio homem. Não havia crença no céu e no inferno. Depois dessa época, mais uma vez a religião sofreu influências externas, dando origem ao quarto período da revolução religiosa durante o Cativeiro da Babilônia de 586 a 539 a.C. Como resultado, os hebreus adotaram ideias do pessimismo, do fatalismo e do caráter transcendental de Deus, colocando Iavé como um ser onipotente e inacessível, cuja característica essencial era a santidade. Numa tentativa desesperada de preservar a identidade do povo hebreu, seus chefes restauraram costumes que serviram para distingui-los como um povo particular, dentre eles a instituição do sábado, as formas de adoração na sinagoga, a prática da circuncisão e complicadas distinções entre alimentos puros e impuros assumiram importâncias fundamentais na vida do povo judeu. O último período da evolução religiosa hebraica aconteceu entre os anos 539 e 300 a.C. Neste, a influência do zoroastrismo foi significativa: adotaram a crença em Satã como o grande inimigo e responsável por todo o mal. Desenvolveram a concepção da vida de um redentor espiritual, da ressurreição dos mortos e do julgamento final e finalmente adotaram a concepção da religião revelada. Com a adoção dessas crenças, a fé hebraica evoluiu para longe da simples 75


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religião dos tempos dos profetas. A influência dos hebreus foi essencialmente religiosa e ética e as crenças hebraicas passaram a fazer parte dos fundamentos do cristianismo. Moisés subiu ao Monte Sinai para receber de Deus os Dez Mandamentos, separadamente do restante do Torá, nome dado aos cinco primeiros livros do Tanah e que constituem o texto central do judaísmo. O número de letras dos Dez Mandamentos é equivalente a 613, o número total dos mandamentos do Torá. O primeiro dos Dez Mandamentos proclamava que havia somente um Deus em todo o mundo, uma ousadia para uma época em que a religião típica tinha muitos deuses e deusas. Com base nos Dez Mandamentos, o povo era induzido a conduzir sua própria vida, respeitando seus vizinhos e mostrando-lhes solidariedade. Deveriam honrar os pais, não matar, não cometer adultério. Não mentir sobre seu vizinho e muito menos cogitar roubar seus bois e burros, animais fundamentais para o transporte de cargas. Adotaram a rígida prática de trabalhar seis dias na semana, com o sétimo dia reservado para o descanso e a prática da religião. De acordo com a crença, esse dia era o sábado. Era um povo obcecado com a própria história. Registravam diligentemente todas as suas provações e 76


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tribulações, suas derrotas e suas vitórias, o que nos permite conhecer muito desse fantástico povo. Muitos de seus princípios e valores perduram até hoje.

Grécia: a aurora da civilização

Há mais ou menos 1500 a.C., desenvolveu-se na Península Balcânica a Civilização Grega, a mais importante da antiguidade e também a mais influente de toda a história. Seus arquitetos criaram estilos que são copiados até hoje e seus pensadores fizeram indagações que continuam a ser discutidas. Criaram o teatro e a democracia. A sociedade grega atravessou diversas fases, atingindo seu apogeu entre os anos de 600 e 300 a.C., com grande florescimento das artes e da cultura. Explicar a origem dos gregos não é uma tarefa fácil, pois eles próprios procuravam explicá-la através de maravilhosas lendas. Na verdade, a Grécia foi habitada por povos não gregos de origem mediterrânea a que se dá o nome de pelasgos. Mais tarde, o país foi invadido por povos arianos, principalmente por aqueus e dórios, os quais acabaram por se mesclar dando origem aos helenos. 77


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O nome Grécia era desconhecido por seus antigos habitantes que chamavam o país de Hélade. Foram os romanos os criadores do termo derivado de Graea, povoação do Épiro, de onde vieram os primeiros colonos helenos da Itália. Nenhuma outra civilização do mundo antigo deu tanto valor à causa da liberdade e à nobreza das realizações humanas como a civilização grega. Há 2.500 anos, Anaximandro, Pitágoras e Anaxágoras caminhavam pelas ruas de pedras e, ao som de suas sandálias, iam adquirindo ideias vagas do que se conhecia das culturas babilônica e egípcia, iniciando um processo que serviu de base a toda cultura grega: quantificar, interpretar e imaginar. Um século e meio depois, sob a batuta de Aristóteles, um pequeno grupo utilizava o raciocínio dedutivo, a lógica silogística para tirar as conclusões C das ideias A e B. Rejeitavam o conceito de experimentação, mas se destacavam por suas ideias sobre o fundamental. Muito antes de Aristóteles, os gregos glorificavam o homem como a mais importante criatura do universo, não se submetiam às imposições dos sacerdotes e se recusavam a se humilhar perante os deuses. Exaltavam o espírito de livre consciência, colocando o conhecimento acima da fé, despertando no ser humano a consciência individual e, em um mundo que se caracterizava como grupal, a palavra “eu” apareceu pela primeira vez. A evolução da civilização grega tem início a partir dos 78


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tempos homéricos que se estenderam entre os anos 1200 e 800 a.C. Nesse período, a religião era considerada apenas um sistema para explicar o mundo físico, explicar as paixões tempestuosas que se apoderam dos homens, levando-os a perder o domínio de si mesmos e para obter benefícios concretos como a boa sorte, uma vida longa, habilidade no seu ofício e uma abundante colheita. Em nenhum período de sua história, os gregos creram que sua religião os salvasse do pecado ou lhes concedesse dons espirituais; para eles, a piedade não era nem um assunto de conduta e nem um assunto de fé; consequentemente, na religião grega não encontraremos mandamentos ou dogmas, nem rituais ou sacramentos complicados. Todo homem era livre para acreditar no que lhe aprouvesse e poderia conduzir sua vida como melhor entendesse. Essa concepção desperta no ser humano a tomada da consciência do “eu individualista” e com isso começa a crescer o egoísmo. Suas divindades eram simples seres humanos ampliados, pois o que desejavam não eram deuses de grande poder, mas divindades com as quais pudessem tratar em pé de igualdade; por isso, seus deuses eram dotados de atributos semelhantes aos seus com um corpo humano e dotados de desejos e fraquezas também humanos. Não moravam no céu ou nas estrelas, mas no alto do Monte Olimpo, um pico que se localiza no norte da Grécia com cerca de três mil metros de altura. 79


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Na religião politeísta grega, nenhuma divindade se elevava muito acima das demais. Zeus, apesar de ser considerado o pai dos deuses e dos homens, muitas vezes recebia menos atenção do que Apolo, o deus do sol, que tinha a capacidade de predizer o futuro ou de Atená, a deusa da guerra e protetora das artes. Não existe a figura de Satã na religião grega; assim, quase todas as suas divindades eram capazes de fazer o bem e o mal. Nesse período, eram completamente indiferentes ao que lhes aconteceria depois da morte, com o que não tinham nenhum cuidado com os corpos dos mortos, frequentemente cremados. Seus cultos consistiam na maioria das vezes em sacrifícios, não como uma forma de expiação dos pecados, mas apenas para agradar os deuses e induzi-los a conceder favores. Daí, podemos considerar que a prática religiosa grega era externa e mecânica, e não estava muito distante da magia. Como não havia sacramentos nem mistérios, um homem sozinho podia celebrar os ritos simples tão bem quanto qualquer outro. Em seus templos não existiam relíquias sagradas nem qualquer sistema de adoração, eram considerados simples santuários, em que os deuses podiam ocasionalmente visitar e usar como morada temporária. A moral dos gregos na Idade Homérica tinha muito pouca ligação com a religião. O único crime que puniam era o perjúrio e assim mesmo sem grande coerência, indicando que sua moral não se apoiava em sanções sobrenaturais e sim militares. Em consequência de tal concepção de moral, quase 80


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todas as virtudes louvadas nos cantos épicos do período homérico eram aquelas que podiam fazer do indivíduo um melhor soldado; bravura, autodomínio, patriotismo, astúcia e outras. No final dos tempos homéricos, já podia se constatar o interesse dos gregos nos ideais sociais. Eram otimistas e convencidos de que a vida merecia ser vivida por si mesma e não por qualquer razão que levasse considerar a morte como uma libertação feliz. Eram extremamente egoístas e esforçavam-se muito pela afirmação do “eu”, por isso rejeitavam toda forma de abnegação que pudesse implicar em frustração da vida. O grego dos tempos homéricos era um humanista que adorava antes de tudo o finito e o natural em detrimento do sublime, razão porque recusava-se a revestir seus deuses de qualidades que inspirassem medo e não admitia qualquer concepção do homem como criatura pecaminosa e depravada. Por volta do ano 800 a.C., as comunidades de aldeias dos tempos homéricos começaram a ceder lugar para unidades políticas maiores e assim, em função da necessidade de defesa, começaram a aparecer as cidades-estados. As mais conhecidas são Atenas e Esparta, esta localizada no Peloponeso, ambas com uma população em torno de quatrocentos mil habitantes. Mas, havia outras como Tebas e Mégara que, como Atenas, se localizavam no continente; Corinto, vizinha de Esparta; Mileto, na costa da Ásia Menor; e Mitilene e Cálcis, nas ilhas do Mar Egeu. 81


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A história de Esparta se confunde com a história de seu lendário legislador. Na verdade, nada se sabe seguramente sobre a existência de Licurgo. Heródoto fala dele em meados do século V a.C., mas sua vida deve ter decorrido no século VIII a.C.; porém, o mais provável é que tenha vivido na Esparta do século V, uma vez que nessa época o povo espartano sentia a necessidade de atribuir sua organização estatal que os regia a um ser humano e não ao acaso. Os espartanos viviam em uma sociedade dividida em três camadas sociais bem diferenciadas. Os espartanos ou esparcíatas, classe dominante, formada provavelmente pelas famílias dos conquistadores dórios e que se dedicavam exclusivamente à política e à guerra, eram verdadeiros soldados profissionais. A segunda camada social era formada pelos periecos. Por muito tempo, foram considerados prováveis descendentes dos aqueus que se haviam submetido, sem oporem grande resistência, aos conquistadores. Eram camponeses, comerciantes e artesãos, possuíam terras, gozavam de autonomia vigiada e eram obrigados a pagar tributos. O casamento entre espartanos e periecos era proibido. A terceira camada social era composta pelas populações dominadas e reduzidas à escravidão pública; os hilotas. Eram a massa da população trabalhadora. Em Esparta, as meninas não recebiam qualquer educação formal, mas aprendiam os ofícios domésticos e os 82


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trabalhos manuais com as mães. Os gregos não contavam com uma educação técnica para preparar os estudantes para uma profissão ou negócio. Em especial, a educação era organizada em modos militares e dava-se ênfase à educação física. Os meninos viviam em casernas dos sete aos trinta anos, com uma rotina de intermináveis exercícios de ginásticas e atletismo. Os professores agrediam os alunos, muitas vezes seriamente, com o intuito de reforçar a disciplina, com o que alcançavam a maturidade em ótimas condições físicas, embora fossem em geral ignorantes, sabendo, no máximo, ler e escrever. Estava localizada na região Ática, próximo ao litoral, em torno de uma colina fortificada, onde se encontrava o palácio do rei e o templo constituindo a Acrópole no século VIII a.C. Assim como em Esparta, a sociedade ateniense dividia-se em três classes sociais. Os eupátridas formavam a aristocracia rural, eram donos das melhores terras e mobilizavam o poder político. Os georgóis formavam a segunda camada social, composta por pequenos proprietários rurais que trabalhavam com seus familiares e produziam o suficiente para sua subsistência. Muitos homens dessa classe acabaram sendo reduzidos à condição de servos e escravos, junto com suas mulheres e filhos. Os artesãos formavam a terceira classe ateniense, 83


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denominados de demiurgos. Viviam do próprio trabalho, porém, em geral em uma situação de pobreza. Ao contrário de Esparta, onde os meninos eram treinados desde cedo para a guerra, os atenienses acreditavam que sua cidade-estado tornar-se-ia a mais forte se cada jovem desenvolvesse integralmente as suas melhores aptidões individuais. Os meninos entravam na escola aos seis anos de idade, estudavam matemática, literatura, música, escrita e educação física. Decoravam poemas e aprendiam a tomar parte dos cortejos públicos e religiosos. Se as civilizações anteriores se valiam da religião para explicar os fenômenos do mundo ao seu redor, agora uma nova estirpe de pensadores surgia na cidade de Mileto e tentava encontrar explicações naturais e racionais. Os trabalhos da chamada Escola de Mileto deram início à filosofia grega no século VI a.C. e o primeiro expoente dessa escola foi Tales de Mileto. Nada sobreviveu de seus textos, mas sabemos que detinha bom domínio de geometria e astronomia e atribui-se a ele a previsão de um eclipse total do sol em 585 a.C. Tratava-se de uma filosofia científica e monista. Essa maneira prática de pensar levou-o a acreditar que os acontecimentos no mundo não se deviam à intervenção sobrenatural, mas tinham causas naturais que a razão e a observação revelariam. Os filósofos de Mileto concentraram seus estudos 84


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nos problemas de natureza física do mundo. Acreditavam que todas as coisas poderiam ser reduzidas a um elemento primário e esse elemento era a fonte de tudo, do mundo, das estrelas, dos animais, das plantas e dos homens. Aparentemente ingênua em suas conclusões, a filosofia da escola de Mileto tinha real importância, pois substituiu as crenças mitológicas sobre a origem do mundo por uma explicação puramente racional. No final do século VI a.C., a filosofia grega deu uma guinada, deixando de se ocupar com os problemas do mundo físico, transferindo sua atenção para questões como a natureza do ser, o sentido da verdade e a posição do divino no esquema das coisas. O primeiro representante da nova fase foi Pitágoras que, vindo da ilha de Samos para o sul da Itália, fundou uma comunidade religiosa em Crotona. Sustentava que a essência das coisas não era uma substância material, mas um princípio abstrato – o número. Sua principal importância residia nas distinções que fazia entre o espírito e a matéria, a harmonia e a discordância e entre o bem e o mal. Em meados do século V a.C., deu-se início a uma nova revolução intelectual na Grécia. A ascensão do homem médio, a necessidade de solução para problemas práticos e, principalmente, o desenvolvimento do individualismo desencadearam uma reação contra os antigos hábitos do pensamento grego. Em função disso, os filósofos abandonaram

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o estudo do universo físico e dirigiram seus estudos para assuntos mais intimamente relacionados ao próprio homem. Os primeiros expoentes dessa nova tendência foram os sofistas e o maior deles foi Protágoras, que cunhou seu famoso dito “o homem é a medida de todas as coisas”. Com isso ele queria dizer que a vontade, a verdade, a justiça e a beleza são relativas às necessidades e interesses do próprio homem, ou seja, para ele, não há verdades absolutas ou padrões eternos de direito e justiça. Sendo a percepção dos sentidos a fonte exclusiva do conhecimento, só pode haver verdades particulares válidas para certo tempo e lugar. O relativismo, o ceticismo e o individualismo dos sofistas não demoraram muito para despertar uma tenaz oposição. Para os mais conservadores, essas doutrinas poderiam levá-los diretamente ao ateísmo e à anarquia, pois concluía que se não há verdade eterna e se a vontade e a justiça dependiam dos caprichos individuais, logo, nem a religião, nem a moral, nem o estado, nem a própria sociedade poderiam durar muito tempo. Essas reações contrárias provocaram um surto de um novo movimento filosófico baseado na convicção de que a verdade é real e de que existem sim padrões absolutos. Os gurus do movimento são, sem dúvida, os homens mais famosos da filosofia grega; Sócrates, Platão e Aristóteles. Da união de um escultor e de uma parteira nasceu Sócrates no ano de 469 a.C. Apesar de vir de uma família 86


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humilde, tornou-se filósofo por sua própria conta. Logo, com suas ideias contrárias aos sofistas, reuniu em torno de si um círculo de admiradores dos quais dois aristocratas; Platão e Alcibíades. Em 399 a.C., foi condenado à morte sob a acusação de estar corrompendo a juventude e introduzir novos deuses. Ao lado de Buda e Jesus Cristo, Sócrates foi um dos três grandes influenciadores da humanidade a não deixar nenhum texto escrito. É considerado, sobretudo, um professor de ética, visto que acreditava em um conhecimento estável e universalmente válido. Seu método consistia na troca e na análise de opiniões, estabelecendo e colocando à prova definições provisórias até que uma essência da verdade pudesse ser reconhecida por todos. Argumentava que com esse método o homem poderia descobrir princípios permanentes de direito e de justiça, independente dos desejos egoístas dos seres humanos. O aristocrata Arístocles, conhecido como Platão, apelido dado por seu mestre por causa de seus largos ombros, tornou-se o mais importante discípulo de Sócrates. Ao desenvolver sua filosofia, seus objetivos eram semelhantes aos de seu mestre, embora mais amplos. Admitia que a relatividade e a mudança constante eram características do mundo das coisas físicas, do mundo que percebemos com nossos sentidos. Para ele, existe um reino mais alto e espiritual composto de formas eternas ou ideias que somente a mente pode conceber. Não se caracterizam como meras abstrações criadas pelo homem, mas sim entes espirituais. 87


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Sua filosofia estava intimamente relacionada com sua doutrina das ideias e, como Sócrates, acreditava piamente que a verdadeira virtude tinha como base o conhecimento. Considerava o corpo um obstáculo ao espírito e ensinava que somente a parte racional do homem é nobre e boa, e insistia na subordinação estrita da razão. Nunca deixou inteiramente clara sua concepção de Deus; de qualquer forma, concebia um universo espiritual governado por objetivos inteligentes. Considerava a alma imortal e preexistindo desde a eternidade. Filósofo político, sonhava em construir um estado livre de perturbações e disputas egoístas dos indivíduos e das classes. O fim que desejava atingir não era nem a democracia nem a liberdade, mas a harmonia e a eficiência. Sua obra mais conhecida é A República, em que homenageia seu mestre Sócrates, fazendo dele o narrador da obra. Seu pupilo mais ilustre foi Aristóteles, nascido em Estagira, hoje Stavros, pequena cidade mediterrânea da costa marítima da Trácia, em 384 a.C. Era filho de Nicodemus, um médico que tinha conexões na corte da Macedônia. Com 17 anos, entrou para a academia de Platão. Lá deu palestras por mais de vinte anos. Platão dizia que ele era ambas as coisas, “a inteligência da escola e o leitor”. Disse ainda que Aristóteles precisava de mais freios do que esporas. Ele era baixinho, de fala mansa, calvo e tinha pernas finas. Foi cientista antes de ser filósofo e provavelmente o primeiro a popularizar a filosofia. Grego e pagão, suas crenças se tornaram o pilar da doutrina cristã. Considerava Deus como um incriado infinito que havia 88


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adotado o mundo com um propósito. O mundo deve a Aristóteles a distinção entre o amante e o amigo, o bufão e o esperto, e nossa noção de moderação começa com o que ele disse. O silogismo é invenção sua. Por exemplo, o argumento que aceitamos hoje como absolutamente natural: “todos os homens são mortais, Sócrates é homem, logo, Sócrates é mortal”. Aristóteles se tornou o último representante da tradição socrática. Escreveu muito mais do que Platão, abordando uma variedade enorme de assuntos, dentre eles tratados de lógica, metafísica, retórica, ética, ciências naturais e políticas. Sua filosofia se focava muito mais nos aspectos concretos e práticos. Foi um cientista interessado em biologia, medicina e astronomia, e era menos inclinado aos assuntos espirituais do que seus antecessores. Uma nova era na história do mundo teve início com a morte de Alexandre Magno em 323 a.C., o mais ilustre discípulo de Aristóteles. A fusão de culturas e a mistura de povos em consequência das conquistas de Alexandre puseram fim à maior parte dos ideais encarnados pelos gregos dos primeiros tempos, surgindo uma nova civilização baseada num misto de elementos gregos e orientais. As ideias de Aristóteles não eram as únicas a ecoar pelas ruelas de Atenas. As de Demócrito, discípulo de Leucipo, também rondavam as rodas de discussões. Demócrito descreve um universo mecânico, um reino 89


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físico no qual os átomos formam os conglomerados mais fundamentais e por suas colisões criam todo o movimento e dinamismo. Para ele, tudo seria composto por partículas minúsculas indivisíveis e invisíveis a olho nu, inclusive a alma, cujos átomos se desintegrariam no momento da morte. Não acreditava na imortalidade da alma, embora, gostasse de Pitágoras. Duas gerações depois de Demócrito, Platão destruiu essa visão com a sua interpretação semimística do universo. Mas, esses homens nunca brigaram entre si. Demócrito estava morto antes que Platão nascesse, cujo trabalho veio a ecoar, quase 20 séculos depois, dentro das grandes universidades e sobre as páginas incisivas dos livros então publicados, escritos pelos fundadores do Iluminismo René Descartes, Pierre Gassendi, Isaac Newton e Robert Boyle. Mas as palavras de Aristóteles ressoaram altas e sua descrição reconfortante dos quatro elementos – terra, fogo, ar, água –, suas ideologias e conexões que colocavam o homem imutavelmente no centro de todas as coisas davam às pessoas de sua época a percepção de um sentido. Essas ganharam prioridade, moldando o pensamento de uma centena de gerações, e Demócrito foi esquecido. A devoção helênica à simplicidade e à moderação foi substituída gradualmente pela extravagância na arte, pelo devotamento de grandes negócios e por uma concorrência impiedosa. A sublime confiança no poder do espírito, características dos ensinamentos da maioria dos filósofos 90


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desde Tales de Mileto a Aristóteles, foi absorvida pelo derrotismo e finalmente pelo sacrifício da lógica pela fé. O mais influente templo dedicado ao autoconhecimento, à expansão da consciência da cultura e da arte foi o Oráculo de Delfos, dedicado ao deus Apolo. Era reverenciado como o “omphalos”, o centro do universo. Peregrinos de todo o mundo grego se deslocavam até Delfos para consultar as pitonisas, sacerdotisas do oráculo, que faziam previsões sobre seus destinos e o destino de suas famílias; assim, Delfos se tornou um dos lugares mais venerados pelos gregos. Previsões feitas pelas pitonisas tiveram enorme repercussão nos destinos de reis, de tiranos e de muita gente importante daqueles tempos. A religião cívica dos gregos, que prevalecia na época das cidades-estados, desaparecera completamente, sendo substituída pelas filosofias do estoicismo, epicurismo e ceticismo. A grande maioria das pessoas optou por adotar as religiões emocionais de origem oriental. A adoração da deusa-mãe egípcia Ísis era imensa. Da mesma forma, a astrologia, base da religião astral dos caldeus, disseminou-se rapidamente, porém, a mais poderosa de todas as influências aconteceu das derivações do zoroastrismo, sobretudo do mitraísmo e do gnosticismo, por terem maior significado ético e definição mais clara da doutrina da salvação por um redentor personificado. Nenhuma outra cultura, com exceção da romana, tem tantos elementos comuns com a cultura atual como a helenística. Assim como no mundo moderno, nela encontraremos muitos 91


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elementos comuns em nossos dias. Encontraremos ainda o desenvolvimento dos grandes negócios, a expansão do comércio, o zelo pela exploração e pela descoberta, o interesse por inventos mecânicos, a forte concorrência entre os comerciantes, a preocupação com o conforto, a obsessão pela prosperidade, e o crescimento sem planejamento das metrópoles, ocasionando insalubridade e um vasto abismo entre os ricos e os pobres. No campo intelectual, prevalecia um extremo valor à ciência, à especialização dos estudos e à popularidade do misticismo, coexistindo com o extremo ceticismo e a descrença dogmática. Diante de tudo isso, não é de se estranhar o consequente declínio da civilização helênica, mais um motivo para estarmos atentos às consequências de nossas concepções atuais, que poderão levar o homem moderno a um abismo.

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Roma

Uma poderosa civilização, mesmo antes da civilização grega entrar em declínio, começou a se desenvolver às margens do rio Tibre, na Itália. A história de Roma foi construída quase que totalmente através da guerra, o que repercutiu de maneira profunda em sua história. Diz a lenda que Roma foi fundada no ano de 753 a.C. pelos filhos do deus Marte e da mortal Rea Sílvia, Rômulo e Remo. Ao nascerem, os dois irmãos foram abandonados junto ao rio Tibre e salvos por uma loba, que os amamentou e os protegeu. Por fim, um pastor os recolheu e lhes deu seu nome à cidade. A história, por sua vez, nos diz que algumas tribos de origem sabina e latina estabeleceram um povoado no monte Capitolino, junto ao rio Tibre dando origem à civilização romana. Os romanos tiveram a preocupação de deixar para a posteridade uma visão detalhada de sua vida cotidiana, de suas angústias, de seus prazeres e de suas dores. Como afirma o historiador Geoffrey Blainey, praticamente podemos sentir o gosto das refeições das pessoas comuns; o pão integral, o queijo fresco prensado à mão, os figos verdes e o 93


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arenque, pequeno peixe gorduroso de dorso azul-esverdeado e ventre prateado, do gênero clupea, encontrado nas águas temperadas e rasas do Atlântico Norte, do Mar Báltico, do Pacífico Norte e Mediterrâneo, que fazia muito sucesso na cozinha romana e que continua fazendo sucesso ainda hoje nas principais cozinhas do mundo. Virgílio, através de suas poesias, nos convida a um passeio pelas fazendas romanas, dando conselhos de como trabalhar a terra e ensinar que o sétimo dia da lua, além de ser o dia ideal para laçar e domar o gado selvagem, traz sorte, e que no verão o ideal é cortar o feno depois do anoitecer. Em um distante período lendário, Roma foi governada por sete reis que tinham poder absoluto e eram aconselhados pelo senado, que era formado por chefes de família. Por volta do ano de 575 a.C. os reis etruscos dominaram Roma e influenciaram decisivamente o início da civilização romana. Ditaram leis prudentes em favor do artesanato e do comércio, com os quais Roma adquiriu grande importância. Aos poucos, esses reis deram lugar a outros monarcas, violentos e tiranos, que desprezavam as opiniões do Senado. As famílias que formavam o Senado, temerosas de perder seu poder, os expulsaram e proclamaram a República, que se baseava em três órgãos; o Senado, os magistrados e as assembleias, simbolizados pela conhecida sigla S.P.Q.R. – Senatus Populus que Romanus. No século I a.C. Roma passou por uma transformação 94


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espetacular, tornando-se uma cidade extraordinária. Construíram-se numerosas residências e locais de diversão, como o Coliseu. A partir do século III, o Império Romano entrou em declínio tendo início a crise do escravismo, que abalou seriamente a economia e fez surgir o colonato, que provocou o êxodo urbano. Além disso, houve disputas pelo poder e as legiões diminuíram. Enfraquecido, o Império Romano foi dividido em dois e a parte ocidental não resistiu às invasões dos bárbaros germânicos. Em muitos aspectos, a religião romana se assemelhava à religião grega; ambas eram terrenas e práticas, sem qualquer conteúdo espiritual ou ético. A relação entre o homem e os deuses constituía uma espécie de negócio a fim de obter proveitos mútuos. Suas divindades tinham funções semelhantes: Júpiter correspondia ao deus do céu Zeus, Minerva correspondia a Atená como padroeira dos artesãos, Vênus a Afrodite, como deusa do amor, Netuno a Posseidon, como deus do mar, e assim por diante. Não possuíam dogmas, sacramentos ou qualquer crença em recompensas e punições numa vida futura, porém a religião romana era nitidamente mais política e menos humanística do que a religião grega em seus objetivos. Servia para proteger o Estado de seus inimigos e não para glorificar o homem. Continha ainda um elemento que era pouco valorizado entre os gregos; os sacerdotes que formavam uma classe organizada, um ramo do próprio governo. Esses 95


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sacerdotes não confessavam, não perdoavam pecados nem administravam sacramentos. A moral dos romanos não tinha quase nenhuma relação com a religião. Não pediam a seus deuses que os fizesse bons, mas que lhes concedessem favores materiais. As virtudes cardeais dos romanos eram a bravura, a honra, a autodisciplina, a reverência pelos deuses, pelos antepassados e o cumprimento dos deveres para com os pais e a família. Era dever dos cidadãos estar sempre à disposição do Estado e pronto a sacrificar até mesmo sua própria vida e se necessário, a vida das pessoas de sua família e de seus amigos. Concomitantemente à religião civil do Estado e ao culto público aos deuses do Capitólio, existia o chamado “culto doméstico”. Cada família cultuava os seus próprios ancestrais, sendo proibida a intervenção de qualquer um que não tivesse o sangue daqueles adorados. As famílias por si só eram sagradas: os membros se reuniam ao redor da chama do altar sacro, que, acesa há algumas gerações, continuava a crepitar para que pais e filhos adorassem seus deuses e relembrassem os antepassados. Cada família com suas práticas e orações, uma respeitando as outras. Roma era uma imensidão, logo, não é de estranhar que a espiritualidade e a vida religiosa se derivassem por entre os campos daquele vasto território. Suas crenças religiosas alteraram-se de várias 96


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maneiras devido, principalmente, à extensão do poderio romano sobre a maior parte dos estados europeus. Para começar, surgiu a tendência das classes superiores em abandonar a religião tradicional e abraçar as filosofias do estoicismo e do epicurismo. Muitos indivíduos do povo também deixaram de lado a adoração dos deuses antigos por considerarem muito formal e mecânica, exigindo demasiado sacrifício. A religião tradicional já não atendia às necessidades das massas, cujas vidas tinham se tornado vazias e sem sentido. Por outro lado, uma enxurrada de imigrantes orientais invadiu a Itália, a grande maioria deles trazendo uma formação religiosa totalmente diversa da dos romanos. O resultado foi uma rápida propagação dos mistérios orientais e de uma religião mais emotiva, que oferecia a recompensa da imortalidade aos mais miseráveis. Do Egito, veio o culto a Isis e a Osíris. Da Frígia, a adoração à deusa-mãe, com seus sacerdotes eunucos e suas orgias selvagens e simbólicas. A atração exercida por esses cultos era tão forte que nem os decretos emitidos pelo Senado romano eram capazes de detê-la. No último século a.C. se estabeleceu fortemente o culto persa do mitraísmo que se tornou o mais popular dos cultos. Até mesmo os camponeses reverenciavam seus deuses da natureza, celebrando as colheitas com fogueiras, música e dança. Os que moravam na cidade adoravam os deuses através de orações, oferendas e festas em honra ao deus Bacco, denominadas bacanálias, muito populares na 97


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época clássica, quando bebiam vinho, cantavam e faziam sexo em honra do sagrado. Para eles, o êxtase divino poderia ser alcançado pelo prazer. Não concordavam com a crença de que eram pecadores desde o nascimento e que deveriam viver uma vida de abstinência em prol de uma suposta salvação. Aproximadamente no ano 40 d.C. apareceram os primeiros cristãos em Roma. Essa nova seita cresceu e derrubou o mitraísmo de sua posição de mais popular dos cultos. Devido ao seu interesse pelas coisas extraterrenas e à recusa aos tradicionais juramentos nos tribunais, os cristãos eram considerados cidadãos desleais e elementos perigosos. Seus ideais de humildade e de não resistência, sua pregação contra os ricos e a prática de realizar reuniões aparentemente secretas fizeram com que os romanos os considerassem inimigos estabelecidos. Mas, a perseguição se mostrou contraproducente e a nova fé se espalhou mais rapidamente do que Roma poderia prever. Em 476 d.C., o insignificante Rômulo Augusto foi deposto e um chefe bárbaro assumiu o título de rei de Roma.

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A evolução de Roma

A evolução romana partiu do ruralismo simples até um sistema urbano complexo, com problemas de desemprego, monopólio, diferenças gritantes entre classes sociais e crises financeiras. O código de conduta de quase todos os países modernos incorporou muito do Direito Romano, além de herdar todas as mazelas sociais que perduram hoje na maioria dos países. Boa parte do ritual da Igreja Católica é adaptação da religião romana, inclusive o Papa ainda hoje ostenta o título de Sumo Pontífice – Pontifex Maximus – título dado ao imperador romano como chefe da religião cívica. Não há dúvida de que o mundo moderno tem muito da herança da Roma antiga. No período que se estendeu de 284 a 476 d.C., a civilização romana foi fortemente influenciada por ideias de despotismo, de pessimismo e fatalismo. Com as crises econômicas e a decadência cultural, os homens perderam o interesse pelas realizações terrenas e focaram seu olhar para a busca de graças espirituais e numa vida depois da morte. Isso desencadeou a evolução de uma nova civilização, que tinha a religião como fator dominante em quase todas as suas realizações.

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Idade Média

Com o fim do Império Romano, chegou-se a uma nova civilização, composta, em parte, por elementos tomados da Grécia e de Roma, mas tendo a religião como fator dominante de quase todas as realizações. Algumas ideias mais antigas que haviam fluído no rumo oeste para a Grécia, se dispersaram pelo mundo. A cultura árabe alimentava inúmeros filósofos dedicados ao estudo da natureza. Abu Ali Al-Hasan Ibn Al-Haitham e os alquimistas da Pérsia chegaram ao Ocidente através de Alexandria, deixando sua marca. Al-Haitham nasceu no ano de 965 em Basrah. Foi um dos físicos mais eminentes do Oriente. Suas contribuições ao sistema ótico e aos métodos científicos se tornaram um marco em sua biografia. Estudou teologia e tentou, sem sucesso, resolver as diferenças entre xiitas e seitas Sunnah. Foi o primeiro a aplicar a álgebra à geometria, fundando o ramo da matemática conhecido como geometria analítica. Escreveu cerca de 90 trabalhos, dos quais somente 100


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cinquenta e cinco chegaram até nossos dias. O foco principal de seus trabalhos foi a ótica, porém aventurou-se pela astronomia, matemática e geometria. Seu trabalho sobre ótica, publicado em sete volumes, foi traduzido para o latim como Opticae Thesaurus Alhazeni, no ano de 1270, e é considerada sua mais importante contribuição. O Almagesto, de Ptolomeu, havia sido o trabalho de maior destaque até então, apesar de seu trabalho não ter o mesmo peso do trabalho de Al-Haitham, ainda assim é considerada a segunda grande contribuição ao assunto. As investigações de Al-Haitham eram baseadas em experimentos e não em teoria abstrata, conforme escreve em seu primeiro livro. Acreditava que os seres humanos são falhos e somente Deus é perfeito. Entendia que a melhor forma para descobrir a verdade sobre a natureza era eliminar a opinião humana e permitir que o universo falasse por si mesmo através de experimentos físicos. Para ele, o pesquisador da verdade não é aquele que estuda os escritos antigos e coloca toda confiança no que lê, mas sim aquele que suspeita e questiona e os submete à discussão e demonstração. Estudou vários fenômenos físicos, tais como o arco-íris, as sombras, os eclipses e especulou sobre a natureza física da luz. Sua obra influenciou grandes nomes como Roger Bacon no século XIII, Leonardo da Vinci e Johann Kepler. Seus estudos geraram novas ideias e resultaram em grande

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progresso para os métodos científicos. Muito antes de Abu Ali Al-Hasan Ibn Al-Haitham, o islã já havia se estabelecido. Islã em árabe significa Submissão a Deus. Difere das demais religiões por ser mais do que uma religião no sentido ocidental da palavra. É um modo de vida completo, uma rendição total à vontade de Deus, conforme revelada ao profeta. Conta a lenda que há muito tempo, uma pedra negra passeava pelo céu; seu rastro de luz era acompanhado pelo olhar atento de tribos assombradas. O local em que aterrissou na Terra tornou-se um lugar sagrado para o povo árabe e ali foi construído um templo de forma cúbica, a Caaba. Com o tempo, essa primeira Caaba foi consumida pela ação do tempo e ruiu. Mais tarde, em plena Idade Média, o templo foi reconstruído e com ele um problema sério se apresentou. Todos os chefes de tribos faziam questão de depositar a pedra negra no local especial que lhe fora reservado dentro do templo. Para resolver o impasse, acordaram que a primeira pessoa que chegasse ao local indicaria quem deveria colocar a pedra em seu lugar. Um rico mercador e o mais famoso condutor de caravanas da região foi o primeiro a chegar. Após ser informado do acordo feito entre os chefes, esse iluminado homem resolveu não indicar nenhum deles e sequer se indicou. Retirou seu manto, estendeu-o no chão, onde depositou a pedra negra. E virando-se para os chefes convidou-os a pegarem, cada um, na borda de seu manto e todos juntos colocaram a pedra no lugar que lhe fora reservado. 102


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Esse homem era Maomé, que se isolou em uma montanha, e, após ouvir a voz de Deus, declarou-se profeta, pregando o monoteísmo dizendo: “Alá é o único deus e Maomé o seu profeta”. O livro santo de Maomé é o Alcorão ou Al-quran, a Recitação. Foi transmitida a Maomé, de acordo com a tradição muçulmana, por um arcanjo da misericórdia que já figurava no zoroastrismo, no judaísmo e que hoje é entendido como cristão. É o Arcanjo Gabriel, que no Novo Testamento prevê o nascimento de João Batista e também anuncia a Maria o nascimento de seu filho, Jesus. O Alcorão proíbe o roubo e preconiza as conquistas militares, como fator de engrandecimento do Estado e da religião. Com ele como guia, os árabes foram à luta. Cem anos após a morte do profeta, não haviam sofrido uma única derrota, estendendo suas conquistas pelo território africano. No ano de 668, dominaram a cidade de Constantinopla e em 711 dominaram a Espanha e, logo após, Portugal. Ao chegarem à França, encontraram um oponente de peso, Charles Martel, no ano de 732, que, ao derrotá-los, conseguiu dar fim à expansão. Mantiveram seus domínios por mais de 800 anos. Nesse período, propiciaram um grande desenvolvimento às artes, à ciência, à literatura e à filosofia. Um dos destaques desse período, Harum al Rachid, que viveu entre os anos de 786 e 809, tornou-se imortal com sua obra.

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Muitas foram as contribuições dos árabes para o mundo ocidental, dentre elas a notação numérica utilizada hoje e a contabilidade, exemplos extraordinários de sua contribuição. Enquanto isso na velha Europa, a memória foi se apagando e as ideias da tradição clássica só foram mantidas vivas nos mosteiros da Idade Média. Lá as coisas estavam confusas, pois os monges teólogos, para manter a paz espiritual e o poder terreno, tinham o desafio de encontrar uma forma de fazer o casamento da ciência da natureza e os ensinamentos dos gregos pagãos com o cristianismo, e unir Aristóteles aos Evangelhos. Para isso, entraram em campo os padres intelectuais da Igreja. Homens como Tomás de Aquino e Alberto Magno promoveram um compromisso estranho e pouco amigável, uma mescla de aristotelismo com cristianismo, que intitularam escolástica. A combinação de três fatores principais foram os principais responsáveis pelo surgimento dessa nova civilização europeia no começo da Idade Média; entre o cristianismo, a influência dos bárbaros germânicos e a herança das culturas clássicas, o principal alicerce da nova cultura foi sem dúvida a religião cristã. Muitas foram as razões para o triunfo do cristianismo sobre as outras religiões. Dentre elas, dar às mulheres plenos direitos de participar dos cultos, enquanto o mitraísmo, o mais forte dos cultos primitivos, as excluía.

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Por muitos anos, os cristãos foram perseguidos pelos romanos, fato que fortaleceu a coesão do movimento, uma vez que aqueles que permaneciam na fé sempre estavam dispostos a morrer por suas convicções. Enquanto a maior parte das religiões girava em torno de figuras imaginárias, criaturas e lendas grotescas, o cristianismo tinha um fundador de personalidade bem definida. E por último, o cristianismo tinha o poder de exercer maior atração sobre os pobres e oprimidos do que qualquer outra religião. O cristianismo propagou uma nova moral extraordinariamente democrática, tendo como virtudes primordiais a brandura, a humildade e o amor aos próprios inimigos.

As três culturas

Três culturas se sobressaíram: a cultura da Europa Ocidental, no começo da Idade Média, que se estendeu do ano 400 ao ano 800 d.C.; a bizantina, que sobreviveu até a tomada de Constantinopla pelos turcos em 1453; e a sarracena, que floresceu do século VII ao fim do século XIII.

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Foi no período da Renascença que surgiu o costume de dividir a história do mundo em três grandes épocas: antiga, medieval e moderna. Aparentemente, isso se deu em função da crença do homem comum de que o nosso planeta testemunhou dois grandes períodos de desenvolvimento e progresso; o período dos gregos e romanos e a época das grandes invenções modernas. Entre esses dois períodos, localiza-se a Idade Média, considerada uma fase de profunda ignorância e superstição, na qual o homem viveu com os olhos vendados, interessado apenas em fugir da miséria deste mundo e dos tormentos do inferno. Sobreviver nesse período era um ato heroico e quase um milagre. A maioria dos recém-nascidos não passava dos primeiros meses e a maior parte dos sobreviventes não chegava à adolescência. Como não existiam antissépticos e havia pouco mais do que um punhado de plantas que serviam de remédios, as crianças normalmente sucumbiam ante doenças hoje facilmente tratáveis. Também os adultos eram vulneráveis a epidemias, a maioria trazida do Oriente por mercadores, soldados e peregrinos. A sífilis, contraída por via venérea e transmitida aos parceiros e filhos, era virulenta e em seu estágio final deixava loucos ou cegos até mesmo jovens de 20 a 30 anos, que vagavam pelas ruas de todas as cidades da Europa. 106


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Não havia água pura nem esgotos sanitários ou depósitos higiênicos de lixo, e os alimentos rapidamente se deterioravam. A vida em companhia dos animais e gado gerava outros riscos para a saúde. A pasteurização, a refrigeração e os cuidados nos métodos de cozinhas eram desconhecidos. Frequentemente, a deterioração era retardada mediante o cozimento da carne ou do peixe, ou da aplicação de picantes condimentos mouros, mas o resultado muitas vezes carecia de valor nutritivo ou de sabor. Os que conseguiam chegar à idade adulta frequentemente perdiam membros e dentes, ou sofriam de outras deformidades devido a dietas inadequadas, a defeitos de nascença, à guerra ou a agressões. O método mais eficaz para evitar o contágio era a quarentena. Com membros em putrefação e feridas purulentas, os leprosos, em especial, eram obrigados a viver no mato e somente podiam entrar nas cidades, a fim de pedir comida ou esmolas, tocando uma sineta ou matraca de alarme, de cujo som quase todos fugiam. Poucos se aproximavam para atirarlhes restos de comida ou trapos para abrigá-los no inverno. A cristandade, ou seja, o mundo religioso e cultural da Europa medieval consistia em duas esferas de influência: a autoridade da Igreja Católica Romana e a jurisdição secular do Imperador Romano. Em 1050, o âmbito dessas duas esferas compreendia 107


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todos os territórios do que hoje chamamos Europa Central e Ocidental, a Grã-Bretanha e a Irlanda, a Escandinávia, a Polônia, a Hungria e a Rússia, enquanto os territórios islâmicos abarcavam a maior parte da Espanha, a Sicília, a África, o Mediterrâneo oriental e a Terra Santa. Em teoria, a Igreja e o império agiam conjuntamente para atender às necessidades espirituais e temporais dos cidadãos; na prática, a sociedade se via dilacerada por divergências entre os papas e os imperadores, perpetuamente engajados numa luta pelo poder. Os imperadores desejavam controlar a nomeação de bispos e ganhar autoridade para dirimir disputas doutrinárias, enquanto os papas, que ungiam os reis e imperadores, formavam exércitos e eram proprietários de cidades, lutavam pelo controle dos assuntos de Estado. O resultado era previsível: disputas constantes, ameaças, manobras políticas que chegavam a traições e assassinatos, além de eclosões incessantes de guerra por toda parte. A Idade Média foi a primeira na história na qual coisas dispendiosas eram compradas com o intuito de demonstrar a riqueza supérflua do possuidor. As roupagens caras eram identificadas como status. Os líderes dos mosteiros eram tipicamente selecionados pelo chefe da família rica que fosse sua proprietária e financiadora. As ideologias e interesses dos 108


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poderosos eram apoiados pelos mosteiros, cujos superiores frequentemente governavam em estilo militar. Ainda assim, ninguém que vivesse na Idade Média ousaria perguntar por que motivo a vida era tão cheia de sofrimento, nem se queixar da sorte. A fé era de importância capital, pois na Europa medieval só ela proporcionava uma maneira de enfrentar a rudeza da realidade diária. Assim, o principal alicerce da nova cultura foi a religião cristã, que inclui entre seus ensinamentos básicos a fraternidade dos homens sob um Deus Pai, o perdão e o amor entre todos. No início da Idade Média, o cristianismo se consolidou, prevalecendo entre todas as religiões. Seu desenvolvimento foi um dos fatos mais importantes de toda a era medieval. A visão de mundo que prevalecia na Idade Média era a visão orgânica, ou seja, vivenciava-se uma interdependência dos fenômenos materiais e espirituais e a subordinação das necessidades individuais às da comunidade. Toda a estrutura científica estava embasada no naturalismo de Aristóteles e na fundamentação teórica de Platão e Santo Agostinho, que consideravam mais importantes as questões referentes a Deus, à alma humana e à ética. Naquela época, a vida na Terra nada mais era do que um preâmbulo para a vida eterna. Assim, a filosofia tinha como objetivo servir de base para a teologia e tinha como causa a salvação da alma após a morte, isto é, vivia-se a fase que se 109


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denominou teocentrismo. Para o homem medieval, tudo era sagrado, pois tudo era estabelecido por Deus e cabia ao homem contemplar e compreender a harmonia existente na natureza. Foi uma época em que se exigia muito das pessoas, uma época em que somente quando a visão heliocêntrica foi estendida, os cardeais da Igreja perceberam que teriam sido ludibriados pelo editor de Copérnico, um ministro luterano que havia incluído, sem consentimento dele, um prefácio no qual declarava que o tratado era meramente um auxílio para o cálculo dos movimentos planetários e não uma afirmação da realidade, e que Copérnico havia, de modo deliberado ou involuntário, tornado confusa a sua mensagem. Diante disso, a Igreja imediatamente classificou os estudos de Copérnico como heréticos, mas era tarde demais. Copérnico havia causado um estrago nos objetivos da Igreja em manter seu poder aperfeiçoando a ignorância e, em sua ânsia de deter o avanço da ciência, fez de Giordano Bruno o primeiro e único mártir da ciência. Era o dia 17 de fevereiro de 1600 quando o lúgubre cortejo deixou a prisão da Inquisição, que se localizava ao lado da Igreja de São Pedro, e seguiu pelas ruas de Roma até chegar ao Campo dei Fiori, onde uma enorme pilha de lenha seca amontoava-se ao redor de uma estaca fincada no terreno. O medo que Bruno pudesse dizer algumas palavras perigosas ao povo fez com que seus algozes o calassem com uma mordaça. Ao oferecerem-lhe o crucifixo para o derradeiro 110


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beijo, Giordano Bruno revirou os olhos. Nesse instante, aos embalos das preces dos monges de San Giovanni Decollato, o verdugo jogou uma tocha na base da pira que, num instante, devorou seu corpo, mas, deixando intactas sua coragem e suas convicções. Bruno havia sido perseguido durante décadas. Seus livros proibidos e suas ideias reprimidas, porém, sempre se mantiveram um passo adiante da Igreja. Por precaução, passou a maior parte de sua vida na Inglaterra e na Alemanha, onde prevalecia o protestantismo. Em 1591, recebeu uma estranha proposta de ensinar um nobre veneziano chamado Giovanni Mocenigo, que trabalhava para a inquisição. Tratava-se de uma armadilha que Bruno estranhamente não percebera. Enfrentou um injusto julgamento, primeiro em Veneza e depois em Roma, onde foi encarcerado numa minúscula cela por sete anos, torturado e humilhado e, finalmente, queimado vivo. Bruno era tudo o que a Igreja temia, um rival a oferecer uma visão alternativa do universo. Como Leonardo Da Vinci e Nicolau Copérnico, Bruno buscava a verdade, atacava os dados, as premissas aceitas e os fundamentos filosóficos defendidos pela Igreja. Para ela, Bruno era um arqui-herege, apesar dele nunca ter perdido a fé no divino: em alguns aspectos até se mostrava um católico tradicional. Infelizmente para o cientista, o mundo não estava preparado para um homem que falava de vida em outros planetas e de uma ciência que descartava quase tudo o que Aristóteles ensinara. 111


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Na década de 1580, Giordano tinha se tornado defensor das ideias de Demócrito e dos atomistas. Seu modelo de um universo em que todas as coisas estão interconectadas no nível atômico era tão avançado que poderia ser comparado com ideias de nossos dias. Por mais visionárias e desprendidas que fossem suas ideias, a Igreja reconhecia em Bruno um rival mortal, alguém que era preciso eliminar e assim o fez. Mas, suas ideias não foram destruídas pela fogueira; uma geração depois, a Igreja iria se deparar com outro inimigo no seu seio, um homem muito diferente de Bruno, mas, como ele, um estudioso da natureza, Galileu Galilei. Galileu já era um cientista famoso e amigo íntimo do papa Urbano VIII, respeitado tanto pela nobreza quanto pelo clero quando entrou em conflito com os intelectuais católicos. Consciente do que havia acontecido com seus antecessores, que ousaram desafiar a Santa Madre Igreja, procurava agir com muita cautela; porém, quando publicou o livro “Diálogo sobre os dois grandes sistemas do mundo” – o de Ptolomeu e o de Copérnico –, ele acreditava que poderia descrever a astronomia de Copérnico de maneira que não seria considerada uma heresia. Estava errado. Seu amigo Urbano VIII, um homem astuto e inteligente, percebeu a manobra; poucos meses depois da publicação, fez com que fosse levado diante de um comitê de dez cardeais. Assim como Bruno, 33 anos antes, o crime de Galileu era apresentar o modelo heliocêntrico de Copérnico como verdadeiro, colocando em cheque o dogma eclesiástico. 112


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Depois de um julgamento que durou dois meses, Galileu foi considerado culpado. Desmoralizado e humilhado, recebeu ordem para, de joelhos, declarar perante o tribunal que Copérnico errara. Diz a lenda que ao sair da sala do tribunal murmurou; “Eppur si muove” – contudo, ela realmente se move – como uma forma representativa da resistência da razão contra o obscurantismo e o preconceito de seus rivais. Felizmente para ele, os poucos que ouviram seu comentário nada fizeram e assim foi poupado da morte na fogueira, mas condenado a viver em prisão domiciliar em uma pequena casa de campo conhecida como II Gioiello, perto de Florença, onde faleceu nove anos depois. Galileu foi um cientista empírico, um experimentador analítico e o primeiro cientista matemático cuja técnica serviu de inspiração para Descartes, Newton, Boyle e outros. Felizmente Galileu não estava só. Poucos meses depois de sua prisão, seus auxiliares conseguiram retirar e entregar seus escritos a editores ansiosos e dispostos a publicá-los nos estados livres do Norte Europeu. Dentre eles, o “Discursos e demonstrações matemáticas sobre duas novas ciências”, um de seus trabalhos mais influentes, escrito durante seus últimos dias na prisão domiciliar. Poucas semanas antes de sua morte, Thomas Hobbes, grande pensador ateu, reuniu um grande público e comunicou a publicação do “Diálogo” em língua inglesa, fato extraordinário para a época. Com a perseguição a Galileu, a rivalidade da Igreja

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com a ciência natural atingira seu ápice e, com isso, seu poder estava passando, sua tirania cada vez mais questionada. Galileu Galilei havia plantado sementes que iriam produzir uma colheita abundante e a razão doravante não poderia mais ser reprimida. O período das trevas na Idade Média terminou a partir de numerosos movimentos intelectuais que culminaram em um brilhante florescimento da cultura nos séculos posteriores.

O Renascimento

A partir do período iniciado no século XV, e que os historiadores denominaram Idade Moderna, surgiu o Renascimento, que recolocou o homem como centro do universo, período esse chamado de antropocentrismo. Com o Renascimento o comércio começou a tomar força e com ele surgiram as grandes companhias de navegação, caracterizando-se a época pelos descobrimentos marítimos e, como consequência, o apogeu do mercantilismo, do racionalismo e o advento da experimentação científica. A Renascença se distinguiu pelo humanismo, por um novo interesse pelo homem como criatura mais importante do universo e pelo interesse pelas coisas deste mundo em 114


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detrimento do exagerado interesse extraterreno da Idade Média. Desenvolveu-se ainda uma tendência em glorificar a vida de aventura e de conquistas em lugar dos antigos ideais de aniquilamento do eu. Foi muito mais do que o simples reviver da cultura pagã. Nela abrange um notável acervo de novas realizações no campo da arte, da literatura, da ciência, da filosofia, da política e da religião. De acordo com esse modelo de ciência, o homem, senhor do mundo, podia transformar a natureza, explorá-la, e ela deveria servi-lo, fazer-se escrava e obedecer. Do ponto de vista da ciência, essa mudança da relação homem/natureza alterou também a relação ética e teórica do homem consigo mesmo. Na verdade, essa visão homemmáquina deu origem a um novo método de investigação científica que envolve a descrição matemática da natureza, defendida por Francis Bacon. É a época chamada de Revolução Intelectual, cujo início pode ser atribuído a Nicolau Copérnico. Pelos dogmas religiosos da época, se Deus havia criado a Terra e o homem para povoá-la, sendo o homem a imagem do Criador, seria, portanto, superior às demais criaturas. O universo existia apenas para que o contemplássemos. Copérnico foi contra essa concepção de Ptolomeu e da Bíblia, aceita por milênios, de que a Terra era o centro do universo. Mesmo sob a influência do pensamento medieval, concluiu ainda que o sol ocupava a posição central do universo, 115


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o que, para ele, simbolizava a “Luz de Deus”. Na verdade, nosso planeta se move em torno de uma estrela anã que está na periferia da galáxia, uma entre bilhões de outras ilhas de estrelas do cosmos. Galileu Galilei deu continuidade ao estudo de Nicolau Copérnico e introduziu a descrição matemática da natureza e a abordagem empírica como característica predominante do pensamento científico do século XVII. A obra de Copérnico foi o alicerce no qual se apoiaram outros grandes pensadores da humanidade, além de Galileu: Kepler, Newton e mais recentemente Albert Einstein, que teve comprovada sua última teoria, quando cientistas provaram a existência das ondas gravitacionais, mostrando que um corpo com massa, quando é acelerado, pode deformar o tecido do espaço-tempo. Essa comprovação marca o nascimento de um domínio novo da astrofísica, comparável ao momento em que Galileu apontou pela primeira vez seu telescópio para o céu. Os pensadores atuais reconhecem que a mentalidade moderna tem suas raízes fincadas na astronomia de Copérnico, Galileu e outros. Contudo, surgem ainda no século XVII dois personagens que muito colaboraram para a substituição da concepção orgânica da natureza, pela visão mecanicista de homem-máquina: Descartes e Newton. René Descartes foi um ferrenho defensor do racionalismo na filosofia, porém, seu racionalismo difere do 116


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pregado pela maioria dos pensadores que o precederam, como os escolásticos medievais por exemplo. Seu método partia de verdades ou axiomas simples e evidentes por si mesmos e depois raciocinava com base neles para chegar às conclusões particulares. Partindo do axioma “cogito, ergo sum” – penso, logo existo – afirmava ser possível deduzir um conjunto perfeitamente lógico de conhecimentos universais. Como, por exemplo, provar que Deus existe e que o homem é um animal pensante e que o espírito é distinto da matéria. Além de pai do racionalismo moderno, Descartes introduziu o conceito de um universo mecanicista. Ensinava que tanto o mundo orgânico quanto o mundo inorgânico podem ser definidos em função da extensão e do movimento, a ponto de afirmar certa vez: “dai-me a extensão e o movimento e construirei o universo”. Para ele, cada objeto particular, seja o universo, uma estrela ou mesmo a terra, é uma máquina automática impulsionada por uma força oriunda do movimento original imprimido por Deus ao universo. O pensamento não é uma forma de matéria, mas uma substância inteiramente diversa, implantada no corpo do homem por Deus. Dos vários ensinamentos de Descartes, o novo racionalismo e o mecanicismo foram, sem dúvida, os que tiveram maior influência. A razão passou a ser considerada como o único 117


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manancial de conhecimento, ao mesmo tempo em que a ideia de um significado espiritual do universo era posta à parte. René Descartes concluiu a formulação filosófica que deu sustentação ao surgimento da ciência moderna. Tinha a dúvida como ponto fundamental de seu método. Assim, para ele, a essência da natureza humana está no pensamento e esse está separado do corpo. Duvidava sistematicamente de tudo, desde que pudesse encontrar um argumento, por mais frágil que fosse: por conseguinte, os instrumentos da dúvida nada mais eram do que auxiliares psicológicos, de uma ascese, instrumentos de um verdadeiro “exército espiritual”. O “modus vivendi” do período medieval sufocava o indivíduo e o Renascimento significou um “tsunami” para o sistema montado pela Igreja. Com os novos descobrimentos territoriais, todo o sistema mercantil – e, portanto, o processo econômico – foi modificado. A teoria do Mercantilismo se vê deslocada pela proposta liberalista de Adam Smith e, à medida que novos horizontes além-mar iam sendo desvendados, o espiritual também se transformava.

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A Reforma

Assim como no Novo Império Egípcio, a verdadeira espiritualidade e o significado ético da religião foram substancialmente desvirtuados. Se entre os egípcios, poderosos sacerdotes vendiam fórmulas que garantiam o ingresso no reino de Re, a todopoderosa Igreja Católica do século XVI estava envolta em muitos processos suspeitos e obscuros, que permitiam aos ricos pagarem uma taxa – as indulgências plenárias – para efetivamente entrarem no céu. Um exército de vendedores profissionais, reunido pela Igreja, tinha como objetivo vender indulgências, isenções e suspensões de penas, garantindo aos compradores a vida eterna do paraíso. Embora a Igreja ainda contasse com um grupo de sacerdotes e religiosos, monges e freiras dignos e totalmente dedicados, as exceções eram enormes. Logo muitos começaram a questionar essa Igreja que se desviara de seu verdadeiro caminho. Entre eles, Martinho Lutero, sacerdote dedicado do norte da Alemanha, que aos 33

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anos rebelou-se. Sua indignação maior era contra a prática de venda de indulgências, nada mais que o pagamento em troca de perdão. Como a maioria dos reformadores religiosos, Lutero não pretendia abandonar a Igreja Católica, queria apenas moralizá-la, mas, diante da intransigência da cúpula, rompeu definitivamente com Roma. No dia 31 de outubro de 1517, Lutero resolveu agir e fixou na porta da igreja do castelo da pequena cidade Wittenberg seus protestos, escritos em latim em forma de manifesto, com 95 pontos. Embora seus protestos fossem um tanto políticos e sociais, eram primeiramente religiosos. Diante da atitude rebelde de seu sacerdote alemão, em junho de 1518 a Igreja Romana abriu processo alegando que ele incorria em heresia. Em janeiro de 1521, através da bula Decet Romanum Pontificem, foi excomungado. Lutero foi exilado no Castelo de Wartburg onde, diante do retiro forçado, teve tempo para trabalhar na tradução da Bíblia para o alemão. A ideia central da Reforma era a convicção de que o ser humano não poderia, nem teria necessidade de salvar-se por si mesmo. Antes, a salvação é dada em Cristo unicamente pela graça e aceita somente pela fé. Aparentemente simples, este pensamento originou uma nova compreensão da Igreja, do sacerdócio, dos sacramentos, da espiritualidade, da devoção, e das condutas 120


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moral e ética, incluindo as exigidas nas áreas da economia, da educação e na política. A rebeldia de Lutero começou com uma pergunta: Como posso conseguir o amor e o perdão de Deus? Ao longo de seus estudos em busca de respostas, ele foi descobrindo que para ganhar o amor e o perdão de Deus ninguém precisava castigar-se, precisava apenas ter fé. Diante dessa conclusão, Lutero não estava inventando uma nova doutrina, estava apenas retomando pensamentos bíblicos importantes que estavam à margem da vida da igreja medieval. Lutero teve como aliado uma invenção importante para a época: a tipografia. Rapidamente toda a Alemanha tomara conhecimento do conteúdo de suas teses e elas se espalharam também pelo resto da Europa. Ao contrário de Lutero, que era filho de camponês, João Calvino nasceu de uma família de classe média na cidade de Noyion in Picardy, na França. Seu pai era advogado. Foi educado em Paris, onde estudou Direito. Aos 20 anos, passou por uma conversão quando se convenceu de que Deus lhe confiara a missão de fazer a Igreja retornar à pureza original. Não era um homem lógico e muito menos um filósofo lógico. Era um homem ansioso e cruel, buscando o poder temporal. Em março de 1536, publicou seu principal livro “As 121


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Institutas”. A publicação desse livro não agradou em nada o rei francês Francisco I, que passou a persegui-lo. Em sua fuga, foi para Genebra, onde foi persuadido pelo igualmente cruel Guilherme Farel a ficar por lá e ajudálo a estabelecer a Reforma; assim, foi nomeado professor de filosofia. Fugiu de Genebra somente no período em que a oposição ocupou o poder, exilando-se em Estrasburgo, onde se casou com Idellette de Bure, com quem teve um filho. Depois retornou à Suíça e permaneceu lá até sua morte no dia 27 de maio de 1564. Calvino estabeleceu um reino de silencioso terror em Genebra, cidade que tinha florescido economicamente, mas onde havia um controle moral de tolerância zero. Adotou a prática de infiltrar espiões nos grupos que considerava delinquentes; os indisciplinados eram sumariamente excomungados. Em 1552, o Conselho de Genebra considerou os Institutos uma santa doutrina que ninguém poderia criticar. Embora lhe faltasse o magnetismo de Lutero, foi o pregador que ajudou a manter acesa a chama da reforma. Uma das bases de sua doutrina era a crença na predestinação. Acreditava que Deus sabia antecipadamente como cada vida humana se desenvolveria. Em essência, acreditava que algumas pessoas, desde o seu nascimento, estavam predestinadas a ganhar um lugar no céu, outras não. 122


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Talvez para a época e para aquele momento, essas convicções fossem apropriadas, hoje estão totalmente fora de contexto. Durante 40 anos, as ideias protestantes se sobressaíram e forçaram a Igreja Católica a se reinventar, proibindo os principais abusos, a começar pela venda de indulgências por cobradores profissionais de receitas, o que finalmente foi reprimido pelo Concílio de Trento em 1562. Os bispos foram proibidos de se afastarem de suas dioceses por longos períodos e a música e a liturgia foram mantidas sob controle. Surgiu uma nova arquitetura barroca que se tornou símbolo e uma nova afirmação de fé dentro de um catolicismo rejuvenescido e disciplinado. Em contrapartida, a perseguição aos protestantes teve início na Europa Central, onde praticar a fé dissidente passou a ser considerada traição. Diante disso, as bases dos protestantes ficaram confinadas ao noroeste da Europa, em especial na Escandinávia, na Inglaterra, na Escócia, na maioria dos principados do norte da Alemanha e em algumas regiões da Suíça. Em todos esses locais, a fé católica foi banida. Da mesma forma que ocorria em terras onde prevalecia o catolicismo, o culto de qualquer outra fé foi proibido. Sem a tirania da Igreja e numa época ainda de intenso fervor religioso, como afirma o historiador e professor da Universidade de Harvard Geoffrey Blainey, a crença na 123


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misericórdia e na bondade andava de braços dados com a crença no poder do mal em arruinar a vida das pessoas. Sobrou para as bruxas. Todas as tragédias, as dificuldades econômicas e os problemas em qualquer lugarejo ou mesmo de uma família eram atribuídos à conspiração de algumas delas. Como consequência dessa crença, as tensões religiosas aguçaram a caça às bruxas, numa época em que todos acreditavam no poder da organização do mal. Acreditava-se que o demônio estava à solta, espalhando mauolhado, tendo as bruxas como servas pessoais. Logo, ao deixar de acreditar em bruxas, a civilização ocidental também começou a deixar de acreditar na imensa capacidade do homem de praticar tanto o mal quanto o bem.

As lições do Oriente

No Oriente, apesar da vida sofrida e cheia de privações, cotidiano da maioria da população, muitos tinham consciência de que a vida não era livre de sofrimento. Acreditavam piamente que o ser humano sofre com o envelhecimento, com as doenças e com a morte, e que o 124


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sofrimento tem de ser tolerado. Tinham consciência de que o propósito do homem é compreender a causa do sofrimento e encontrar um meio correto de superá-lo. Essa consciência não nasceu no cotidiano e na rotina da vida desses muitos homens, mas na lição de um grande professor que ensinava que todos os seres vivos possuem Natureza Búdica idêntica e são capazes de atingir a iluminação através da prática. Esse grande professor nasceu no norte da Índia, em um lugarejo hoje chamado Lumbini, no Nepal, como um rico príncipe de nome Sidarta, no distante século VI a.C. Aos 29 anos, Sidarta teve quatro visões que transformaram sua vida. As três primeiras visões – o sofrimento devido ao envelhecimento, o sofrimento devido às doenças e o sofrimento devido à morte – mostraram-lhe a natureza inexorável da vida e as aflições universais da humanidade. Na quarta visão, ele se deparou com um eremita que lhe revelou o meio capaz de alcançar paz. Após essas quatro visões, compreendendo a insignificância dos prazeres sensuais, Sidarta deixou sua família, abriu mão de toda fortuna e se dedicou à busca da verdade e da paz eterna, porém, sua busca era mais por compaixão pelo sofrimento alheio do que pelo seu próprio. Aos 35 anos, em uma noite de lua cheia, quando meditava embaixo de uma árvore Bodhi, uma espécie de figueira, subitamente experimentou uma sensação 125


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extraordinária de sabedoria, compreendendo a verdade suprema do universo e alcançando profunda visão dos caminhos da vida humana. A partir de então, Sidarta passou a ser chamado de Buda Shakyamuni. Buda não foi um deus, foi um ser humano que alcançou a iluminação por meio de sua própria prática e a partir de então viajou por toda a Índia, ensinando e divulgando seus princípios às pessoas por mais de 45 anos, até sua morte, aos 80 anos de idade. Buda era a própria encarnação de todas as virtudes que pregava, traduzindo suas palavras em ações. Ensinava que uma pessoa é uma combinação de matéria e mente e que o corpo é a combinação dos quatro elementos, terra, água, calor e ar, e que a mente é a combinação de sensação, percepção, ideia e consciência, enquanto que o corpo físico, assim como toda matéria na natureza, está sujeito ao ciclo de formação, duração, deterioração e cessação. Ensinava que grande parcela do sofrimento é autoinfringido, oriundo do pensamento e do comportamento influenciados pelos sentidos do homem. Seu desejo por dinheiro, poder, fama e bens materiais, suas emoções, tais como raiva, rancor e ciúme, são fontes de sofrimento causado pelo apego a essas sensações. Hoje sabemos que a sociedade moderna tem foco considerável na beleza física, na riqueza material e no status. Essa obsessão com a aparência e com o que as outras 126


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pessoas pensam a seu respeito são fontes de sofrimento. Buda ensinava que o sofrimento está primariamente associado às ações. É a ignorância que faz o homem tender à ambição, à cobiça, à vontade doente e à ilusão, o que o leva à prática de maus atos, causando diferentes combinações de sofrimento. Durante seus momentos de meditação embaixo de uma árvore, Buda descobriu e compreendeu que para erradicar a ignorância e compreender a causa das principais fontes do sofrimento, era necessário entender as Quatro Nobres Verdades, caminhar pelo Nobre Caminho Óctuplo e praticar as Seis Perfeições. Para Buda, as Quatro Nobres Verdades são: a Verdade do Sofrimento; a Verdade da Causa do Sofrimento, sintetizada na ignorância que leva ao desejo e à ganância por prazer, fama e posses materiais, que se transformam em grande insatisfação com a vida; a Verdade da Cessação do Sofrimento, que advém do desapego à ganância e aos desejos, trilhando o Caminho que leva à Cessação do Sofrimento, cuja receita é o Nobre Caminho Óctuplo: o Entendimento Correto, a Intenção Correta, a Fala Correta, a Ação Correta, o Esforço Correto, o Modo de Vida Correto, a Concentração Correta e a Meditação Correta. Para Buda, entender o significado das Quatro Nobres Verdades é essencial para o autodesenvolvimento e o alcance das Seis Perfeições, que farão o homem atravessar o mar da

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imortalidade até o Nirvana. Nirvana em sânscrito “Nir” significa “não” e “Vana” significa “cordão”, ou seja, “não estar preso” ou estar liberto da tirania do ego, da ignorância, da ilusão e da dor. Nirvana é um estado do ser, não é um lugar ou um paraíso e pode ser alcançado por qualquer homem que renuncie ao “eu” e ao apego. É um estado de paz e alegria sem limites, algo eterno, fora do sofrimento. O homem que consegue atingir esse estado de ser se torna livre da ignorância, dos desejos egoístas, do ódio, da vaidade, do orgulho, tornase um ser puro, meigo, cheio de amor universal, compaixão, bondade, compreensão, simplicidade, humildade e tolerância. Para Buda, as Seis Perfeições ou as Seis Paramitas são: Caridade, Moralidade, Paciência, Perseverança, Meditação e Sabedoria. A prática dessas virtudes ajuda a eliminar a ganância, a raiva, a imoralidade, a estupidez e as visões incorretas. As Seis Perfeições e o Nobre Caminho Óctuplo ensinam o homem a alcançar o estado no qual todas as ilusões são destruídas, para que a paz e a felicidade possam ser definitivamente conquistadas. Os ensinamentos de Buda se multiplicaram, atravessando fronteiras e chegando aos nossos dias como uma alternativa de busca pelo homem. Atualmente existem cerca de 400 milhões de budistas 128


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no mundo. Em alguns países, esse número corresponde à maior parte de sua população. Na Tailândia, cerca de 92% da população é budista; no Japão, são 33%; no Brasil, os budistas são cerca de 3%. Estão espalhados pelo Nepal, Tibete, Índia, Sri Lanka, Malásia, Mongólia, Camboja, Indonésia e Estados Unidos, com população budista estimada em 10 milhões; na França e no Reino Unido, o número está em torno de um milhão. Canadá, Alemanha, Itália e Austrália apresentam uma população budista de 100 mil pessoas, aproximadamente. O budismo é uma religião, embora muitos insistam que seja apenas uma filosofia de vida. Em toda a religião, existe filosofia, modo de vida, dogmas e costumes; a diferença é que o budismo ensina que o homem não deve se apegar a eles, ou seja, o budismo é uma religião, mas, de maneira diferente. Religião não deísta, ela traz princípios e formas de agir em sociedade. Buda não foi o único. Ainda na antiga China, no estado de Lu, um velho de 60 anos sonhava em ter um filho, porém, o destino dera-lhe nove filhas. Com o firme propósito de realizar seu sonho, abandonou sua velha esposa e casou-se com uma jovem de 17 anos.

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Confúcio

Um ano depois, nascia um varão, chamado de Guin Fu Tse, que depois mudou seu nome para Cong Fu Tse, tornando-se o grande filósofo, a quem os jesuítas deram o pseudônimo de Confúcio. Sua influência na cultura chinesa é tanta que mesmo hoje ainda é reconhecido como o primeiro e maior mestre da China. Seus fundamentos continuam a ser a base do sistema ético e social e seu legado é inseparável do que significa ser chinês. Nasceu na cidade de Zou, onde atualmente está localizada a província de Shandong, em 551 a.C. em uma época de muita violência. Em sua infância, adorava fazer rituais de faz de conta no templo próximo à sua casa e quando jovem tinha verdadeira paixão pela justiça, cortesia e amor pelo aprendizado. Foi um viajante contumaz. Ao se fixar por um período na capital imperial, Zhou, para estudar, teve a oportunidade de encontrar, conhecer e se relacionar com LaoTse, o fundador do Taoísmo. Mais tarde, pôde-se constatar que seus ensinamentos se harmonizavam com os ensinamentos de Lao-Tse; a 130


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diferença é que enquanto Lao-Tse propunha uma abordagem mais mística, os ensinamentos de Confúcio enfatizavam a ética e a filosofia social. Tornou-se excelente professor, reconhecido pela maioria da população, viajando pelos estados com o intuito de persuadir líderes políticos de que seus ensinamentos eram a fórmula para o sucesso político e social. Acreditava que em algum lugar do passado havia existido uma época mítica em que cada pessoa conhecia seu lugar e fazia seus deveres. Sonhava em retornar a isso. Advogava o princípio da ordem; assim, procurava apoiar instituições que tivessem condições de assegurá-la, para produzir pessoas que respeitassem a cultura tradicional, a boa forma, o bom comportamento e procurassem realizar suas obrigações morais. Jamais se colocou como profeta, apesar de o povo ter-lhe atribuído poderes divinos e considerado sagrados seus livros. Seus ensinamentos jamais se transformaram em religião, são apenas guias para um comportamento adequado e para um bom governo, enfatizando as virtudes da autodisciplina e a generosidade. A essência de seus ensinamentos é humanidade (ren). A bondade é a ação das pessoas que amam e a sabedoria é encontrada na compreensão. Para Confúcio, as virtudes da autodisciplina e da generosidade são as mais importantes. 131


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Uma de suas principais máximas: “Seja rígido consigo mesmo, mas seja benevolente para com os outros” prevalece até hoje na doutrina confuciana. Sua regra de ouro: “Não faça ao outro o que não quer que façam para você” traz uma grande semelhança com a teoria da virtude de Aristóteles e com o imperativo categórico de Kant. Podemos dizer, sem errar, que Confúcio poderia ser colocado junto aos grandes precursores da administração. Vários de seus conceitos persistem até hoje. Dizia que sua missão era ensinar os homens a administrar os outros e a si mesmos. Acreditava que o bemestar e o bom funcionamento do Estado estavam diretamente ligados à educação do povo, já há 24 séculos. São célebres suas frases de efeito, que nos fazem refletir, entre as quais podemos citar: “Quando vires um homem bom tenta imitá-lo; quando vires um homem mau, examina-te a ti mesmo”; “Se queres prever o futuro, estuda o passado”; “Eu não procuro saber as respostas, procuro compreender as perguntas”; “A humildade é a única base sólida de todas as virtudes”; “De nada vale tentar ajudar aqueles que não se ajudam a si mesmos”; “Pensar sem aprender torna-nos caprichosos, aprender sem pensar é um desastre”; “Nem todos podem ser ilustres; mas todos podem ser bons”; “Não adianta fazermos obra já realizada; ensinar coisas já aperfeiçoadas; nem lamentar coisas já passadas”; “O verdadeiro filósofo 132


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procura mudar o curso dos rios; se não consegue, coloca-se à margem ou acompanha a corrente; nunca a afronta”; “O sábio espera tudo de si; o homem vulgar espera tudo dos outros”; “O estudo não assimilado pelo pensamento é esforço perdido, o pensamento descontrolado pelo estudo é um perigo”; “Não nos corrigirmos após uma falta involuntária é cometermos uma falta voluntária”; e, por último: “A linguagem deve expressar, com clareza, o pensamento”. A herança deixada por Confúcio vai muito além de suas frases de efeito. Como afirma o historiador Ricardo Gonçalves, “o confucionismo é a base da ética empresarial japonesa e de alguns dos chamados Tigres Asiáticos, como Coréia do Sul e Cingapura. Ele é promovido como sistema filosófico a encorajar o desenvolvimento econômico” Hoje o confucionismo constitui um código de conduta que poderia guiar e orientar um governo justo, as relações entre as pessoas, a conduta pública, orientar a vida privada e a procura da retidão. Os dois conceitos mais importantes da doutrina confuciana são o Li e o Jen. O Li são as cerimônias, a etiqueta, os rituais e os bons costumes. O Jen é a benevolência, a cortesia e a gentileza. A harmonia, a paz, a justiça e a ordem estariam asseguradas se todos praticassem o Li e o Jen. Confúcio continua a ser considerado o maior dos sábios chineses e suas cinco virtudes – caridade, justiça, propriedade, sabedoria e lealdade – continuam a ser apreciadas como

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condição necessária para o autoesclarecimento e a melhoria de cada pessoa. O nascimento de Confúcio continua a ser celebrado pelos chineses como uma data festiva; em Taiwan é considerado feriado nacional. Confúcio desenvolveu a ideia de que o Governo justo tem de ser impregnado de ética. A política e a ética têm de andar associadas para que a justiça prevaleça, lição essa que deveria ser seguida por todos os que possuem ou aspiram cargos públicos. A educação para todos é um conceito central no pensamento confuciano. O respeito pelos mais velhos e o amor aos pais são, sem dúvida, uma herança da tradição confuciana. O gosto pelo trabalho, o apreço pelo investimento e pela poupança e o amor à escola constituem traços comuns às culturas de muitos países orientais e explicam, em parte, o sucesso obtido por esses países na qualificação dos recursos humanos e no desenvolvimento das suas economias.

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Lao Tsé

Assim como Confúcio, Lao Tsé nasceu no sul da China por volta do ano 604 a.C. Foi superintendente judicial dos arquivos imperiais em Loyang, capital do estado de Ch’eu, mas renunciou ao cargo, enojado com a hipocrisia e a decadência da época, passando a procurar a virtude em um ambiente mais puro e natural. Ao contrário de Confúcio, que ensinava que as pessoas só poderiam viver uma vida exemplar se estivessem em uma sociedade bem disciplinada, Lao Tsé enfatizava que as pessoas deveriam evitar todo tipo de obrigações e convívios sociais e se dedicarem a uma vida simples, espontânea e meditativa, voltada para a natureza. Já em idade avançada, Lao Tsé comprou um boi e uma carroça e partiu em direção ao Tibet. Conta que, ao chegar à fronteira em Hank Pass, um policial chamado Yin Xi o reconheceu e não o deixou passar, dizendo que só o deixaria atravessar a fronteira se deixasse seus ensinamentos por escrito. Não tendo alternativa, voltou para sua casa e após três dias retornou com seus ensinamentos escritos em um pequeno livro com aproximadamente 5.500 135


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palavras e 81 pequenos aforismos que ele chamou de “Tao te Ching”, o “Caminho do Poder” ou “Caminho e Princípios Morais”. Os aforismos são de simplicidade desconcertante, adaptáveis a todas as atividades, a todos os lugares e a todas as épocas; por essa razão, o “Tao te Ching” é mais um texto de aplicação prática do que de ensinamentos doutrinários diretos. Essa pequena obra se tornou imortal e atravessou milênios, chegando aos nossos dias com o mesmo valor de 2.600 anos passados. Os ensinamentos de Lao Tsé representam para o povo chinês aquilo que os ensinamentos de Jesus representam para o mundo ocidental. Assim, satisfeito, o policial o autorizou a montar em seu boi. Lao Tsé partiu para nunca mais voltar. Foi, sem dúvida, um dos mais elevados seres entre os que viveram na terra. Dizem os mitos que Lao Tsé era dono de uma personalidade marcante e dotado de grande afabilidade e inteligência, tendo recebido tudo o que o seu pai poderia lhe oferecer em conhecimentos. Foi um homem tão excepcional a ponto de existir uma lenda que afirma ter ele sido concebido imaculadamente por uma estrela cadente e permanecido no ventre de sua mãe por 62 anos, até que surgiu na Terra no ano 604 a.C., já com os cabelos brancos. Sintetizou o Monismo numa doutrina que recebeu o 136


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nome de Taoísmo. O Taoísmo baseia-se em um dos Princípios Herméticos, o Princípio da Polaridade, que diz que tudo é duplo; tudo tem dois polos; tudo tem seu par de opostos; o semelhante e o dessemelhante são uma só coisa; os opostos são idênticos em natureza, mas diferentes em grau; os extremos se tocam; todas as verdades são meias verdades; todos os paradoxos podem ser reconciliados. Na essência, o universo conhecido é composto de componentes opostos: mundo físico: hard/soft; claro/escuro; mundo moral: bom/ruim; mundo biológico: masculino/feminino; enfim, tudo pode ser classificado em duas polaridades: Yang ou Yin. Yang é a força positiva do bem, da luz e da masculinidade, enquanto Yin é a essência negativa do mal, da morte e da feminilidade. Quando esses dois elementos estão desequilibrados, o ritmo da natureza é interrompido, gerando conflitos. A filosofia taoísta ensina que, da mesma forma que a água se modela dentro de um copo, o homem deve aprender a equilibrar seu Yang e seu Yin a fim de viver em harmonia com a força universal chamada Tao. O Tao não é só um caminho físico e espiritual, é identificado com o absoluto que, por divisão, gerou os opostos/ complementares. O Taoísmo é uma religião anti-intelectual, que leva o 137


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homem a contemplar e a se sujeitar às leis da natureza. Seu principal credo é: “sujeite-se ao efeito e não busque descobrir a natureza da causa”. Sua doutrina se resume em uma forma prática conhecida como Três Joias; compaixão, moderação e humilhação. A bondade, a simplicidade e a delicadeza são virtudes valorizadas no Taoísmo. Embora formulado há mais de 2.500 anos, o taoísmo continua influenciando a vida cultural e política da China, mesmo sendo perseguido desde 1949. Conta com cerca de três mil monges e 20 milhões de adeptos em todo o mundo, sendo muito popular em Hong Kong e na Tailândia. Assim como Confúcio, Lao Tsé deixou muitas frases de impacto que chegaram até nossos dias, dentre elas: “As palavras verdadeiras não são agradáveis e as agradáveis não são verdadeiras”; “É fácil apagar as pegadas; difícil, porém, é caminhar sem pisar o chão”; “Pagai o mal com o bem, porque o amor é vitorioso no ataque e invulnerável na defesa”; “Uma longa viagem começa com um único passo”; “A felicidade nasce da infelicidade; a infelicidade está escondida no seio da felicidade”; “Aquele que sabe não fala; aquele que fala não sabe”; “O homem realmente culto não se envergonha de fazer perguntas também aos menos instruídos”. Todo chinês é taoísta em casa, confucionista na rua e budista na hora da morte. De certa forma, esse ditado chinês 138


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resume a complexa espiritualidade da nação mais antiga do mundo. Se o ideal de Confúcio era reformar a sociedade, o de Lao Tsé era harmonizar o ser humano com o universo e o de Buda era a moderação. Tais lições do Oriente podem inspirar o homem a buscar ser melhor e a construir uma espiritualidade sólida, que irá ajudá-lo no nobre papel de líder. O Oriente continua nos dando lições de competência, princípios e valores que influenciam nossa vida tanto profissional quanto pessoal.

Japão

O Japão é um exemplo de sucesso e de melhoria de qualidade e produtividade, de competência e de superação. Localizado ao longo da costa oriental do Continente Asiático, é formado por quatro ilhas principais: Hokkaidou, Honshuu, Shikoku e Kyuushuu, além de milhares de pequenas ilhas. A maior é a Honshuu, onde fica a capital, Tóquio. Mesmo nos momentos mais difíceis, os valores

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transmitidos pela cultura milenar japonesa estão lá: respeito, disciplina, introversão e espírito coletivo. Para entender a origem desses princípios e valores, é necessário fazer um passeio por essa história tão fascinante e ao mesmo tempo intrigante. Uma história de competência, de poder de realização e de sucesso. Durante longos anos, o Japão se enclausurou completamente, fechando suas portas para o mundo. Foi a chamada Era Tokugawa, que cobriu o período de 1603 a 1868. Nesse período, têm origem os grandes valores da sociedade japonesa, uma história que veremos mais abaixo. Em 1853, os americanos invadiram a baía de Uraga e forçaram o Japão a abrir o seu comércio com outras nações. Esse foi o estopim de um longo período de turbulência que culminou com guerra civil interna e diversos confrontos com outros povos em expansão. Os conflitos internos e externos só terminaram com a Revolução Meiji, restaurando o império, unificando o país e inaugurando o processo de modernização. Os sistemas feudalistas e dos samurais foram extintos, ainda que fossem preservados todos os valores da sociedade. A filosofia instituída no Japão foi: “espírito japonês, tecnologia ocidental”. A revolução industrial para os japoneses durou cerca de 40 anos. Teve como objetivo a defesa da nação contra o avanço dos colonizadores europeus. 140


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A indústria bélica cumpriu papel fundamental nesse processo de modernização, uma vez que contava com amplo subsídio do governo, favorecendo a formação dos chamados Zaibatsu, em que as principais empresas eram organizadas em pequenos grupos. Cada grupo era composto por mais ou menos 20 a 30 grandes empresas, todas aglomeradas em torno de um banco poderoso. Essas empresas representavam cada um dos importantes setores industriais da economia, como navegação, siderurgia, companhia de seguros, comércio etc. Por outro lado, ao redor de cada uma delas existia uma série de empresas satélites, que fabricavam equipamentos ou prestavam serviços vendidos exclusivamente a um único cliente maior. As pequenas empresas não eram consideradas membros do grupo, razão porque não desfrutavam da proteção financeira ou outros tipos de proteção oferecidos às grandes corporações. O modelo constituía um monopólio bilateral, onde as empresas satélites tinham somente um cliente e as grandes somente um fornecedor para cada um de seus insumos. Por isso, a importância da preservação de valores como confiança, sensibilidade, sutileza e outros. O desenvolvimento industrial é apenas o aspecto visível que repousa sobre os valores que permaneceram. Outro aspecto importante a ser ressaltado é que, 141


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apesar da figura formal do Imperador, com a Revolução Meiji ascenderam ao poder ex-samurais, que, na falta de uma atividade militar, tornaram-se burocratas, acumulando assim alguma experiência administrativa. Os ex-samurais levavam consigo os valores distintivos de sua classe: “compromisso com a educação, responsabilidade social, autorrespeito e devoção à tarefa que deviam cumprir”. Externamente, o Japão adotou perante seus vizinhos uma atitude imperialista predatória a partir de suas vitórias nas guerras contra a China e contra a Rússia, no início do século XX. Tal postura culminou na Segunda Guerra Mundial, cujas consequências foram a destruição quase completa do país. Mais uma vez, os valores culturais seculares sobreviveram, permeando o funcionamento da sociedade. Após a Segunda Guerra, o povo japonês estava decidido a apagar as lembranças do período anterior e buscar a prosperidade como nação. Com isso, uma nova visão de poder se instalou: não mais a expansão por meio do poderio militar, mas pelo poder econômico. Para essa empreitada, o Japão contou com os investimentos e a intervenção dos Estados Unidos. Apesar dos rigores da intervenção, particularmente nos aspectos econômicos, o Japão acabou se beneficiando da Guerra Fria entre os Estados Unidos e a União Soviética. Para manter um aliado no Oriente, os americanos 142


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afrouxaram algumas de suas exigências, permitindo a ascensão dos keiretsu, trustes industriais japonesas, com patrocínio do MITI – Ministry of International Trade and Industry. A grande diferença é que nos moldes americanos as empresas deveriam se desenvolver por si mesmas, enquanto no Japão as indústrias estavam apoiadas no poder político compromissado com sua prosperidade, disposto a protegê-las e fortalecê-las, superando, inclusive, a indústria americana, antes de abrir o país ao comércio internacional. Em 1960, o governo japonês traçou um plano de longo prazo e estratégias para dobrar o PIB em um prazo de 10 anos. Desencadeou-se, assim, o período de alto crescimento do país, tornando-o uma das nações mais avançadas do mundo. O período pós-guerra, caracterizado por uma crise generalizada, expirou, favorecendo a consolidação do que são considerados os três pilares da recuperação do Japão em pouco mais de duas décadas: um partido político forte no poder, paz trabalhista e unificação do povo. É dentro desse contexto que se desenvolveu a administração japonesa, responsável por transformar o país numa máquina econômica ambiciosa e cujos métodos tornaram-se alvo da comunidade empresarial, que buscou compreendê-la para adaptá-la e alcançar melhores condições na competição global. Além disso, outros fatores contribuíram para formar o amplo quadro de referência da sociedade japonesa: 143


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o compromisso do governo com a educação, além da valorização cultural da instrução; uma alta taxa de poupança interna; a ampla utilização dos serviços de consultoria para o desenvolvimento empresarial; a compra de tecnologia; e a manutenção da essência de valores culturais seculares, apesar do processo de ocidentalização do estilo de vida ocorrido a partir do início da restauração. A história do Japão registra um longo processo de influência mútua entre diferentes tradições religiosas, porém, sua religião nativa, conhecida como Xintoísmo, sempre esteve presente desde sua organização como Estado e foi a base de sua cultura e de seus valores. O estudo do Xintoísmo é vital para o entendimento da cultura japonesa: sua visão de mundo determina boa parte do comportamento nipônico. Originalmente o Xintoísmo, que incorpora práticas espirituais derivadas de diversas tradições pré-históricas japonesas, não possuía nome, não possuía doutrina e muito menos dogmas. Era constituído por um conjunto de ritos e mitos que procuravam explicar a origem do mundo, a origem do Japão e a origem da família imperial. O culto é realizado no templo dos Kami locais, feito de madeira e, segundo a tradição, construído a cada 20 anos. Tornou-se a religião oficial do país de 1868 a 1946, quando o imperador Hiroíto viu-se obrigado a renunciar ao caráter divino atribuído à realeza. A partir daí, o Japão passa a 144


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defender a liberdade religiosa e a prática do Xintoísmo passa a ser supervisionada por uma associação denominada Jinja Honcho.

Xintoísmo

Baseado em uma mitologia panteísta com inúmeras divindades que atribuem valor sagrado a todos os elementos da natureza, para o Xintoísmo tudo no universo é divino, sendo interligado e interdependente, de forma que não só os seres vivos, mas o vento, a água, as pedras, a montanha e todos os níveis invisíveis da natureza coexistem em harmonia, tendo se originado da mesma fonte. Para o Xintoísmo, tudo o que existe provém da ação recíproca de dois princípios; yo, o princípio ativo, e in, o passivo. A partir daí, nasceram as primeiras sete gerações das divindades celestiais que ficaram inativas. Izanagi (céu) e Izanama (terra), ao mexerem com sua lança na terra molhada, deixaram cair algumas gotas de lama que, ao se solidificarem, criaram as duas ilhas Futaminoura. Deles nasceram várias divindades, entre as quais Amaterasu, a deusa do sol, que deu origem a Jimmu Tenno, 145


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o antepassado que deu origem à raça Yamato e fundou o império japonês no ano 600 a.C. A deusa Amaterasu é considerada a mãe de toda a família japonesa e a fundadora do Japão e é a mais elevada dos Kami, deusa não só do céu, mas de toda a luz, claridade física e espiritual. Dessa forma, o Xintoísmo destaca como uma de suas máximas a busca espiritual para a claridade e para a pureza da luz. Diferente do Budismo, que tem origem indiana e influência chinesa, o Xintoísmo é dominante apenas no Japão. Embora muitos não a considerem uma religião, devido à ausência de elementos como códigos de leis explícitos, filosofia textualmente definida, profetas ou um livro sagrado mais elaborado, ninguém duvida de que o Xintoísmo é um dos elementos cruciais para a formação da identidade japonesa. Estamos vivendo hoje em uma sociedade que, ao menos no discurso, tem uma preocupação evidente com a ecologia, em que as relações vão além dos comportamentos individuais. Para o xintoísta isso não é novidade. Trata-se de uma característica forte de sua religião a harmonia com a natureza, na qual o praticante busca se familiarizar e se integrar com a natureza num comportamento simbiótico, de onde ele tira seu sustento, mas entende que também deve e tem a obrigação de retribuir. Para o Xintoísmo a sobrevivência depende do entendimento do ser humano com toda a estrutura vital à 146


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sua volta. Essa concepção é oposta a todas as concepções ocidentais nas quais o homem se considera adversário da natureza e assim segue lutando para dominá-la e subjugá-la. Na concepção Xintoísta, e do Oriente em geral, mesmo milênios antes de qualquer concepção ecológica já se considerava que o ser humano não deve e não pode viver em confronto com a natureza. Toda a natureza é descendente de Kamis; sendo assim, tudo está interligado. O homem e a natureza, seus elementos, minerais, vegetais e animais são considerados irmãos; logo, a vida dissociada da natureza é incompatível e o homem não deve combater ou transformar a natureza sem uma necessidade vital. Para o Xintoísmo todo ser humano é puro e bom tal qual seus ancestrais. Não existe, como no cristianismo, o pecado original ou o estigma de sofredor por natureza como no caso do Budismo. Quando o homem pratica o mal ele está sobre a influência do Yomi, a essência negativa do universo. Todo pecado não passa de uma sujeira temporária acumulada, entretanto, pelos que se entregam à maldade, cultivando-a e abnegando-se da purificação, fatalmente serão punidos pelos Kamis e aquele que insiste na maldade tem como destino o inferno e, talvez, a incorporação ao Yomi. No Xintoísmo não existe o estigma da danação eterna; mesmo além do mundo físico, a vida continuará oferecendo 147


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sempre uma possibilidade de redenção. Todo valor decorre da pureza; o ser humano só encontrará a verdadeira iluminação em seu estado puro. A vida na impureza conduz à desgraça e ao sofrimento.

Lições orientais

Na questão psicológica, a cultura japonesa tem um conceito de consciência muito mais elevado do que no mundo ocidental, levando a paradoxos como a “consciência sabe sem saber” ou “é tudo e ao mesmo tempo é nada”. A propósito, os povos orientais têm muito mais facilidade de aceitar paradoxos. Um exemplo é a narrativa da atitude de um piloto na Segunda Guerra Mundial que, após uma missão de reconhecimento aéreo, pousou seu avião e imediatamente fez um relatório detalhado com informações de vital importância, para logo em seguida debruçar-se morto. Após checar o corpo, seus colegas constataram que ele havia falecido há horas. Para nós ocidentais, um fato assim seria motivo de assombro, para eles, não. Em função da importância da missão, o espírito conduziu o corpo daquele nobre piloto mesmo após sua morte, para que ele pudesse completar a 148


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missão em honra e dedicação sagrada ao país e ao imperador. É característica do povo japonês aceitar acontecimentos sobrenaturais sem grandes resistências e sem a necessidade de procurar explicações. O Japão ao longo de sua milenar história mudou sucessivamente de pele e mesmo em tempos modernos isso aconteceu. De potência militar para a grande derrota nos anos 1940, da grande derrota para exemplo de desenvolvimento rápido e com sucesso duas décadas depois, transformandose em modelo para os “tigres do Pacífico”, e referência das melhores práticas de management empresarial nos anos 80. Basta recordar expressões que ficaram na gíria da gestão como just in time, termo inglês que significa literalmente “na hora certa” ou “momento certo”, um sistema que auxilia as empresas a reduzir estoques e custos decorrentes do processo. Kanbam, sistema que utiliza cartões para indicar o andamento dos fluxos de produção, utilizado principalmente em empresas de fabricação em série. “Kaizen”, que significa melhoria contínua, ser melhor hoje do que ontem, melhor amanhã do que hoje. Sugere uma melhoria que envolve todos dentro da empresa, do diretor ao mais humilde dos trabalhadores, bem como práticas de melhoria dos processos de manufatura, gestão de negócios e demais processos dentro de uma empresa. Poka-yoka ou pocá-ioquê, significando “à prova de erros”. Trata-se de uma ferramenta de inspeção

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criada com o objetivo de prevenir falhas humanas e corrigir erros eventuais. O exemplo japonês não deve ser elevado apenas ao seu modelo de gestão, que é consequência do seu modo de vida, de sua cultura e de seus valores.

O Iluminismo

O obscurantismo medieval caracterizou-se por dois fatos: acentuada religiosidade, com dogmas e cultos, e um sistema de governo baseado na monarquia sobrenatural, onipotente e absolutista. A espiritualidade da Idade Média não estava ligada a valores morais e éticos, mas sim na Igreja, base dos princípios em que o homem se desenvolvia. O culto e o dogma eram os pilares da existência e o homem, proibido de pensar conforme seu livre arbítrio: não existia a razão. No terreno material, o rei era considerado eleito de Deus, e por isso, a sociedade deveria viver, trabalhar e atuar em função dele. O jejum do conhecimento imposto no período da Idade Média gerou o desejo e o apetite de conhecer mais e 150


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mais, o que levou ao questionamento das velhas crenças e elaboração de novas concepções do mundo. Esse desejo de abrir o universo ao seu conhecimento passou a denominar-se Iluminismo. A partir daí, o Estado deixou de ser considerado como instituição divina e sim o resultado natural de um pacto entre povo e governo, limitando o objeto do Estado a esta vida. Os monarcas deixaram de ser responsáveis pela salvação eterna de seus súditos. Galileu, Descartes, Newton, Kepler e muitos outros recriaram as ciências naturais e a matemática que, por princípio, deveriam ser independentes de toda autoridade eclesiástica, para produzir uma reviravolta no pensamento científico, destruindo o antigo quadro cósmico. São vencidas as crenças em diabos, demônios, bruxas e feiticeiras e, à medida que as ciências naturais vão se desenvolvendo, percebe-se uma acentuada inclinação para o racional. Assim, a partir do século XVIII, uma nova corrente de pensamento começou a tomar conta da Europa, defendendo formas inovadoras de conceber o mundo, a sociedade e as instituições. O chamado Movimento Iluminista aparece nesse período como um desdobramento de concepções desenvolvidas desde o período renascentista, quando os princípios de individualidade e razão ganharam espaço, e se 151


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tornou o ponto culminante da Revolução Intelectual. Caracterizou-se por uma brusca mudança de ideias; foi um movimento e uma revolta intelectual contra as autoridades, contra o autoritarismo e contra o poder da Igreja e enfatizava a razão e a ciência como formas de explicar o universo em contraposição à fé cega que prevaleceu em outras épocas. Tinha como objetivo principal criar um alicerce para a moral, a ética e a religião que estivesse em sintonia com a razão imutável do homem. Para eles, cada pessoa tinha o direito de pensar por si próprio e não se deixar levar por ideologias que eram forçadas a seguir, mesmo não concordando. Pregavam uma sociedade livre, com possibilidades de transição de classes e mais oportunidades iguais para todos. Poucos movimentos históricos tiveram efeitos tão profundos no pensamento do homem e na moldagem de suas ações como esse que se iniciou na Inglaterra, tendo sua manifestação suprema ocorrido na França, culminando na Revolução Francesa de 1789. Sua filosofia se fundamentou concepções, entre as quais: 1-

sobre

algumas

A razão é o único guia infalível da sabedoria.

2- O universo é uma máquina governada por leis inflexíveis que o homem não pode controlar e a ordem da natureza é absolutamente uniforme, não comportando 152


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milagres ou qualquer forma de intervenção divina. 3- A melhor estrutura da sociedade é a mais simples e a mais natural. A religião, o governo e as instituições econômicas deveriam ser libertadas de todo artificialismo e reduzidos a uma forma coerente com a razão e a liberdade natural. 4- Não existe pecado original e o homem não é congenitamente depravado, não cometeria atos de crueldade se tivesse a liberdade de seguir as diretrizes da razão e dos seus instintos inatos. A inspiração do Iluminismo provém, em parte, do racionalismo de Descartes, Espinosa e Hobbes, mas os verdadeiros fundadores do movimento foram Isaac Newton e John Locke. Embora Isaac Newton não tenha sido filósofo, sua obra teve um significado importantíssimo para a história do pensamento universal. Seu grande legado foi submeter toda a natureza a uma interpretação mecânica precisa. Por meio de seus experimentos e observações, Newton conseguiu elaborar uma série de leis naturais que regiam o mundo material. Tais descobertas acabaram colocando à mostra um tipo de explicação aos fenômenos naturais, independente das concepções de fundo religioso. Dessa maneira, a dúvida, o experimento e a observação seriam instrumentos do intelecto capazes de decifrar as “normas” que organizam o mundo. 153


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Foi Galileu que durante a última fase da Renascença descobriu a queda dos corpos na superfície da terra, enquanto John Kepler deduzira a lei dos princípios dos movimentos dos planetas, mas coube a Newton estender a ideia da física invariável a todo o universo. Seu famoso princípio de que “cada partícula de matéria, no universo, atrai todas as outras partículas com uma força diretamente proporcional ao produto das respectivas massas”, foi considerado válido não somente para a terra, mas para todo o sistema solar. Partindo desse princípio, chegou à conclusão de que todos os acontecimentos da natureza são governados por leis universais, capazes de ser formuladas com tanta precisão quanto os princípios matemáticos. Descobrir essas leis tornouse o principal desafio da ciência. Com isso, Newton enterra de vez a concepção medieval de um universo regido por uma finalidade benévola. Ele não excluía a ideia de Deus, mas despojava-o do poder de guiar as estrelas nas suas órbitas ou de fazer parar o sol. A física newtoniana é considerada o ponto culminante da Revolução Intelectual, que forneceu consistência para a visão matemática da natureza e que se constituiu no alicerce do pensamento científico de grande parte do século XX. Na verdade, o inglês Isaac Newton complementou o pensamento de Descartes, concebendo o mundo como uma máquina perfeita, sintetizando, com isso, as obras de 154


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Copérnico, Kepler, Bacon, Galileu e Descartes. O Iluminismo alcançou seu apogeu na França durante o século XVIII, sob a influência de Voltaire. Segundo ele, a interferência religiosa nos assuntos políticos estabelecia a criação de governos injustos e legitimadores do interesse de uma parcela da sociedade. Sem defender o radical fim das monarquias de sua época, acreditava que os governos deveriam se inspirar pela razão, tomando um tom mais racional e progressista. Considerava uma barbárie todas as restrições à liberdade de expressão e de opinião. Em carta que escreveu a um de seus adversários, deu um belo exemplo de tolerância intelectual ao afirmar: “Não concordo com uma única palavra do que dizeis, mas defenderei até a morte o vosso direito de dizê-la”. Um dos grandes expoentes do Iluminismo foi JeanJacques Rousseau, que criticava a civilização ao apontar que ela expropriava a bondade inerente ao homem. Para ele, a simplicidade e a comunhão entre os homens deveriam ser valorizadas como itens essenciais na construção de uma sociedade mais justa. Rousseau trouxe a ideia de um princípio inato, que permite às pessoas o julgamento de bom e mau, justo e injusto, certo e errado e chamou esse princípio de consciência. Nesse período, foram feitas descobertas que mudaram o curso da humanidade e deram balizamento para que a 155


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Revolução Industrial fosse possível. No começo do século XVII, René Descartes inventou a geometria analítica, uma fusão da geometria e da álgebra; logo depois, Sir Isaac Newton desenvolveu o cálculo infinitesimal, que se tornou um instrumento essencial para a engenharia mecânica. Foram feitos alguns progressos na compreensão dos fenômenos elétricos quando o inglês Willian Gilbert descobriu as propriedades do ímã e introduziu a palavra eletricidade, que vem do grego âmbar. Em sua experiência, Gilbert observou que o âmbar friccionado com uma pele de animal atraia pedacinhos de papel, cabelos, palhas e vários outros objetos pequenos. Quase tão espetacular quanto o progresso da física foi o desenvolvimento da química, tendo como principal protagonista Robert Boyle. Deu à química um caráter de ciência pura, estabeleceu a distinção entre uma mistura composta, extraiu álcool da madeira, sugeriu a ideia de elementos químicos e reviveu a teoria atômica. As ciências biológicas também receberam atenção durante a Revolução Intelectual. Um dos maiores biólogos foi Robert Hooke, o primeiro homem a ver e descrever a estrutura celular das plantas. De todas as ciências de nossos dias, a única que realmente surgiu durante a Revolução Intelectual foi a geologia. Um dos movimentos sociais mais significativos desse 156


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período foi a revolta contra a moral cristã, em especial contra as bases sobrenaturais. Os filósofos iluministas tentaram separar por completo a ética da religião e encontrar uma explicação, tanto racional quanto psicológica, para a conduta humana. Tinham uma tendência a acreditar que a moral tem suas raízes nos instintos naturais do indivíduo. O Movimento Iluminista caracterizou-se como um movimento deísta, isto é, acreditava na presença de Deus, porém, anticlerical, pois, negava a intermediação do clero entre o homem e o Criador. A Revolução Intelectual foi a base para que, no século seguinte, o mundo vivesse um dos seus maiores períodos de inovação, a Revolução Industrial.

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Sociedade capitalista

A Revolução Industrial em sua essência foi a responsável pela criação de um novo sistema de produção e um novo sistema político e econômico. O artesanato encerrou historicamente seu ciclo, dando início a outro, o da produção em massa e seriada, surgindo assim as grandes empresas. Entram em cena o desenvolvimento dos transportes e das comunicações, a expansão do capitalismo, que passou a controlar quase todos os ramos da atividade econômica, e o mercantilismo, gerando intercâmbios comerciais e estimulando a produção de manufaturados. O aparecimento de novos mercados consumidores proporcionou uma procura cada vez maior de produtos industriais, graças à formação dos impérios coloniais e ao aumento da população europeia. Por outro lado, o liberalismo econômico, defendendo a liberdade de ação empresarial, contribuiu para a abolição das restrições impostas ao comércio e a indústria. O impacto dessas mudanças foi tão grande que 158


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modificou também a situação político-social, com a ascensão e o fortalecimento das classes, principalmente a do proletariado. Boa parte da população, predominantemente rural, passou a buscar as cidades, vivendo em cortiços superlotados, desencadeando o aparecimento de epidemias de tifo, cólera, disenteria e outras. O mundo passou a conviver com siderúrgicas expelindo fumaça, poluindo o ar, enquanto minas e pedreiras maltratavam a terra. Mulheres e crianças de até seis anos eram exploradas por feitores. A rápida expansão da prosperidade resultou em qualidade de vida melhor para as classes mais altas da sociedade. A eficiência das novas máquinas deu a industriais, comerciantes e banqueiros, riquezas sem precedentes. O aumento da produtividade, agora 100 vezes maior, estabeleceu, definitivamente, o cenário para o desenvolvimento do capitalismo, sistema de mercado baseado em vários princípios como: - Propriedade privada dos meios de produção, com indivíduos ou sociedades assumindo o controle. Nesse sistema, as forças de trabalho passam a ser remuneradas, ou seja, quem não é dono dos meios de produção é obrigado a trabalhar em troca de salário. - Acumulação do capital: o princípio do capitalismo é produzir pelo menor custo e vender pelo maior preço possível;

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para isso, procura pagar o mínimo pelas matérias-primas, salários e outros meios de produção. - Preços com base na oferta e na procura: a definição de preço é feita pelo mercado, com base na oferta e na procura, ou seja, na disputa de interesses entre quem quer comprar e quem quer vender. No capitalismo, o mercado orienta a economia. - Livre concorrência: a competição das empresas na venda de bens e serviços torna-se aberta, com agentes de produção e consumidores tendo a prerrogativa de tomar decisões, o que permite a movimentação dos preços pelo mecanismo da oferta e da procura. O capitalismo, ao estimular a investigação, multiplicou o número de invenções, aumentou a produtividade, reduziu as distâncias pelo desenvolvimento dos meios de transportes e de comunicação, democratizando a aquisição de produtos e serviços até então reservados a poucos. Por outro lado, em seus primórdios, supervalorizou o fator “produção”, deixando o homem à mercê do sistema, gerando abusos incalculáveis na escala salarial, aproveitandose ainda de mulheres, crianças e trabalho escravo. O capitalismo materializou a sociedade, preparando o terreno para a sociedade de consumo. A partir do advento do capitalismo, o ser é trocado pelo ter e o homem passa a ter seu valor determinado em cifras.

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O consumismo, originado em ânsias e desejos, transformou-se em uma forma de sofrimento a provocar doenças físicas e emocionais, indiferenças, vícios, abusos e, inclusive, guerras. Donah Zorah e Ian Marshall, em seu livro “Capital Espiritual”, afirmam que a cultura capitalista, com as práticas de negócios que gera, está em crise. Para eles, o caráter primordial do capitalismo e suas hipóteses básicas, junto com muitas práticas de negócios deles derivados, são insustentáveis. O desafio é criar um capitalismo autossustentável e um mundo que seja capaz de gerar riquezas aptas a atender todas as necessidades humanas. Nesse sentido, a palavra chave é: riqueza, aquilo a que temos acesso para melhorar a qualidade de vida. O correto seria falar de riqueza de talentos, riqueza de caráter ou riqueza de vida, em lugar de se enfatizar como conceito primordial “uma grande quantidade de dinheiro”. Quem sabe tenha chegado o momento de se começar a focar no capital espiritual, que trata das preocupações relativas ao significado do ser humano e ao propósito da vida, com o que poderemos aumentar a dimensão dos princípios e valores e dos propósitos compartilhados.

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A Revolução Comercial

A Revolução Comercial não teria sido tão intensa se não fossem as viagens de descobrimento iniciadas no século XV. O mais importante resultado do descobrimento e conquistas além-mar foi a expansão do suprimento de metais preciosos, fato decisivo no desenvolvimento da economia capitalista. Outro fato importante foi o desenvolvimento do sistema bancário, acompanhado da necessidade de adoção de vários instrumentos auxiliares das transações financeiras em larga escala. Mas, a Revolução Comercial não se limitou ao desenvolvimento do comércio, incluiu também modificações significativas e fundamentais nos métodos de produção, pela adoção de novo corpo de doutrinas e de normas práticas conhecido como mercantilismo, doutrina econômica que se firmou na Europa colonial e que se baseava na convicção de que a riqueza e o poder de um país dependiam da quantidade de metais preciosos que esse mesmo país conseguia acumular.

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Mercantilismo pode ser definido como um sistema de intervenção governamental para promover a prosperidade nacional e aumentar o poder do Estado. Apesar de ser considerado um programa de ordem exclusivamente econômica, seus objetivos eram em grande parte políticos. Para a consecução dos objetivos mercantilistas, todos os outros interesses deveriam ser relegados a segundo plano; a economia local deveria transformar-se em economia nacional e o lucro individual deveria desaparecer quando conviesse ao fortalecimento do poder nacional. Todo o quadro econômico da vida moderna teria sido impossível sem a Revolução Comercial, pois ela deslocou as bases do comércio do plano local e regional, da Idade Média, para o plano mundial. Exaltou o comércio com finalidade de lucro, santificou a acumulação de riqueza e estabeleceu a concorrência como base da produção e do comércio. Em outras palavras, foi a Revolução Comercial que forneceu os elementos que vieram a constituir o regime capitalista, antítese direta da economia das corporações medievais, na qual se acreditava que a produção e o comércio deveriam orientar-se para o benefício da sociedade. Devido à rigorosa condenação religiosa e moral da usura, prática proibida, pois a cobrança de juros era considerada uma forma de explorar uma pessoa em situação 163


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difícil, os negócios bancários eram considerados pouco respeitáveis na Idade Média. A Revolução Comercial criou condições para o desenvolvimento do sistema financeiro e os pensadores da época começaram a achar justo que o credor recebesse uma parte dos lucros obtidos com seu empréstimo, sob a forma de juros; assim, no final do século XV surgiram as primeiras tabelas disciplinando e limitando os valores cobrados pelo empréstimo de dinheiro, com o que passou a haver distinção entre juro e usura. Juro era a taxa cobrada dentro dos valores estipulados por tabela prevista em lei; usura passou a ser o termo utilizado para se referir à cobrança de taxas superiores ao limite máximo permitido. Com a Revolução Comercial, o sistema bancário se desenvolveu trazendo com ele vários instrumentos auxiliares das transações financeiras em larga escala. Dentre eles, com o intuito de facilitar a expansão do crédito, passou-se a adotar a letra de câmbio e, a seguir, apareceu o sistema de pagamento por cheque, que assumiu especial importância no aumento do volume do comércio, uma vez que os recursos de crédito dos bancos puderam expandirse muito além do montante real de seus depósitos. Mas a Revolução Comercial trouxe também um desejo insaciável de experimentar todas as sensações do ter, do poder e do prazer. 164


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Toda essa transformação desencadeou a Revolução Industrial, que deu origem à automatização do trabalho, com inúmeros desdobramentos a partir do fim do século XVIII, culminando com a produção em massa. A facilidade para se adquirir bens e serviços ficaram cada vez mais evidentes. O desenvolvimento dos meios de transportes e de comunicação fez com que a mobilidade humana se ampliasse dando início à globalização dos mercados. Com a produção em escala maior, os preços baixaram e mais pessoas podiam adquirir produtos, bens e serviços. Tudo isso resultou numa nova postura do homem em relação à vida. O divino desapareceu completamente da visão científica do mundo, deixando um vácuo espiritual que se tornou característico de nossa cultura; a base filosófica passou a ser a divisão cartesiana entre res cogitans e res extensa, ou seja, entre espírito e matéria. O homem passou a direcionar sua atenção a tudo que fosse mensurável e quantificável; assim, o mundo foi ficando árido, incolor, sem consciência de espírito. Ao passar a viver em uma sociedade de consumo o ser humano tornou-se materialista, no sentido de acumulação de riquezas materiais – diferente de materialista no sentido ideológico, que nas sociedades de economia estatal, como na 165


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antiga Cortina de Ferro, distinguia quem tinha fé de quem não a possuía.

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Segunda Parte


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O homem torna-se materialista

Trabalho em equipe, grupos de trabalho, times de alta performance são anseios da sociedade moderna, principalmente no mundo corporativo. Na era primitiva do homem, esse era o padrão de vida. Tudo que faziam, faziam em grupo e os resultados eram divididos entre eles; consequentemente não havia o desejo de tirar vantagem individual, postura comum nos tempos atuais. Os gregos foram os divisores de água dessa história. Para eles, a piedade não era nem um assunto de conduta, nem um assunto de fé. Isso teve consequência em sua religião, pois em nenhum período da história grega encontraremos mandamentos, dogmas, rituais ou sacramentos complicados. Todo homem era livre para acreditar no que lhe aprouvesse e poderia conduzir sua vida como melhor entendesse. Essa concepção começou a despertar no homem a tomada da consciência do “eu individualista”, favorecendo o crescimento do egoísmo, base do querer ter, mais do que do querer ser.

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Se o homem da pré-história era um ser primitivo, em relação à natureza era civilizado, não no sentido literal, mas porque não possuía as doenças morais da atualidade como a ganância, o egoísmo, o desejo incontido de ter e principalmente por valorizar a natureza, respeitando-a. Na atual conjuntura, o homem se comporta como dono do mundo. Temos casos de líderes que deveriam ser exemplo, mas agem de forma irresponsável, sem compromisso com o planeta e com as gerações presentes e futuras, transformandose em responsáveis pelo desequilíbrio e por ações desastrosas. Durante o desenvolvimento do homem, sempre houve desequilíbrios, momentos em que as pessoas agiram de forma imoral; porém, o que se constitui de novo hoje, conforme afirma a historiadora Barbara Thuchman, é a extensão da imoralidade, tanto no setor público quanto no setor privado. Infelizmente o Brasil tem sido um grande exemplo de imoralidade, ganância e falta de respeito com o patrimônio público. Temos inúmeros problemas para lidar, a começar pela degradação ambiental, o abismo entre os mundos desenvolvido e em desenvolvimento, a explosão populacional, o extremismo religioso, os conflitos ideológicos que têm levado milhares e milhares de pessoas a migrar. Porém, se não controlarmos o colapso ético ao nosso redor, estaremos tão condenados quanto se ocorresse uma catástrofe nuclear. Nas últimas décadas, a humanidade navegou pelo 170


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oceano das mudanças, atravessando vários canais de transformações; com ela nasceu um mundo regido mais pelo consumo material do que pelo consumo espiritual, mais pela competitividade do que pela solidariedade. Um mundo moderno de pessoas relativamente beminformadas, mas de escassa educação humanista e de ínfima preocupação com o próximo. Pessoas que por tudo se interessam, porém, de maneira superficial, sem capacidade de senso crítico e de fazer uma autoleitura do que são ou do que se passa com elas. Pessoas indiferentes e que bem pouco se orientam por referenciais humanos. Perambulam diariamente sôfregas por toneladas de informações e, entretanto, ignoram como se portam perante a vida e perante seus semelhantes. Pessoas à primeira vista atraentes, dinâmicas e solidárias, mas que a convivência as mostra vazias, materialistas, evasivas e contraditórias. Não são religiosas nem ateias. Desenvolvem, quando muito, uma forma peculiar de espiritualidade, segundo sua própria perspectiva. Fazem questão de decidir arbitrariamente o que é o bem e o que é o mal. Seu sonho de eternidade começa por uma satisfação material: dinheiro, poder, prazer e fama, o que 171


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culmina com a fabricação de uma ética à sua medida. Ajudam a construir uma sociedade em que se é persuadido a adquirir o que está na moda, como forma de se integrar socialmente. Esta sociedade do “descartável”, do “usar e jogar fora” inverteu a lógica da atividade econômica, em que a produção tinha como finalidade atender as necessidades das pessoas. Hoje o mundo já consome muito mais do que a Terra consegue renovar. Se toda a humanidade consumisse como nos países ricos, seriam necessários quatro planetas para suprir esse consumo. O problema não é adquirir e ter bens materiais, o que é necessário para se viver em sociedade, mas sim se tornar escravo deles. Vivemos em uma sociedade de extrema desigualdade. Como informa a ONG britânica Oxfam, os oito homens mais ricos do mundo possuem tanta riqueza quanto as 3,6 bilhões de pessoas que compõem a metade mais pobre do planeta. Questionáveis ou não tais dados, o fato é que a violência física e moral são frutos da desigualdade. Diante dessa perspectiva, toda administração foi construída com o intuito de melhorar a eficiência e produzir mais e mais. Se fizermos uma analogia da história da administração com a própria figura do homem, chegaremos à seguinte 172


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conclusão: 1 - Quando Taylor começou a sistematizar os princípios da administração, havia um foco muito intenso no racionalismo. Toda sua teoria foi baseada no estudo de tempos e movimentos e sua preocupação sempre foi a melhoria da eficiência dos processos. Podemos dizer que Taylor se preocupou com os membros superiores e inferiores do indivíduo. Para ele, o importante era o trabalhador ter pernas fortes e braços ágeis. 2 - Elton Mayo resolveu fazer um experiência na fábrica da Western Electric em Hawthorne, bairro de Chicago, para provar que os princípios de Taylor estavam corretos e que o ambiente não tinha influência na produtividade dos operários. Para sua surpresa, a experiência deu errado. E ele percebeu que o “Homem Econômico” de Taylor não era somente econômico, era também social e fortemente influenciado pelo ambiente. Logo, para melhorar a produtividade, era necessário não somente se preocupar com os membros inferiores e superiores dos indivíduos, mas também se preocupar com a cabeça das pessoas. 3 - A evolução das ciências e a tecnologia igualou as empresa: trabalhos repetitivos e preditivos passam a ser executados por máquinas inteligentes, restando ao homem o trabalho criativo, o raciocínio lógico, as relações interpessoais. Isso quer dizer que ter um produto diferenciado não é mais garantia de sucesso. A satisfação dos colaboradores passou a ser importante; assim, cuidar do coração das pessoas passou 173


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a ser prioridade. Acontece que a competição desenfreada e a facilidade de se conseguir bens materiais gerou um vazio existencial. O homem começa então a buscar um sentido para a vida; além de cuidar dos membros inferiores e superiores, de cuidar da cabeça e do coração das pessoas passou a ser necessário cuidar também de sua alma. Talvez esse seja o maior desafio para a moderna gestão neste início de século e o grande desafio para o líder E. O que devemos fazer para melhorar ou mudar um mundo transgressor? Muitos diriam, ensine ética; entretanto, no momento em que o mundo atravessa, o ser humano perambula perdido. Logo, o primordial para esse estágio caótico em que nos encontramos é o culto à espiritualidade. Valores sólidos criam escolhas difíceis em um mundo de pessoas embriagadas pelo mundo moderno, fecundo em crises. Contradições que incidem cotidianamente na maneira de ser e de trabalhar das pessoas nas empresas, impulsionadas por seus líderes cujas prioridades estão focadas em metas e objetivos insanos. Crises de solidão, insegurança afetiva, medo e ansiedade muitas vezes se manifestam por meio de atitudes e palavras agressivas, o que se constitui em uma das mais 174


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cruéis consequências do progresso. A questão é: por quê? O grande Bob Marley costumava dizer; se Deus criou as pessoas para amar e as coisas para cuidar, por que amamos as coisas e usamos as pessoas? A resposta talvez seja porque o homem moldou seu caráter à imagem do mundo e se transformou em um ser árido e egoísta, esquecendo-se de que Deus criou o homem à Sua Imagem e Semelhança. O ser humano optou por se tornar a imagem e semelhança de todos e assim perdeu o que tinha de mais nobre, a sua essência.

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Consequências do materialismo: O descompasso dos verdadeiros valores

Ao longo da história, o egoísmo e a ganância sempre foram características daqueles que detêm o poder se sobrepondo aos valores morais e éticos. Parece que hoje ser honesto é uma qualidade, quando honestidade deveria ser um valor. Estamos vivendo em um mundo, parafraseando Sir Winston Leonard Spencer-Churchill, em que as pessoas não têm amigos eternos, têm interesses eternos. O Brasil é um exemplo, com diversos políticos corruptos e executivos de grandes corporações desonestos desmascarados pela operação Lava-jato. Diante disso, a questão é, por que pessoas bemsucedidas, altos executivos do mundo empresarial e público, passam por cima de valores éticos e morais? Desde o século XIX, revelações de práticas supostamente antiéticas ou ilegais sacodem o mundo empresarial e o setor público. Embora, algumas vezes, houvesse a percepção e a 176


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esperança de que os líderes seriam indivíduos confiáveis para fazer a coisa certa, que procurariam gerar valor à instituição e à sociedade, nem sempre tais premissas se transformaram em prática. Sempre há quem tenha a tentação de negligenciá-las. O materialismo exagerado, a busca da rentabilidade a qualquer custo e a ganância por lucros cada vez maiores parecem ter levado as instituições e muitas pessoas à decadência moral, fazendo com que excedam os limites éticos e morais e desrespeitem seus próprios valores, desencadeando um dilúvio de práticas questionáveis. O amor ao dinheiro tem deixado as pessoas cegas para outros valores mais importantes e as move para uma tentação antiga, ganhar mais e mais. No mundo corporativo, quando o foco está, sobretudo, nos lucros, há um grande estímulo para a ganância. Não está na natureza do capitalismo se satisfazer com os números do ano passado. Segundo o Budismo, a ganância pode ser combatida com os “oito desdobramentos do caminho”. O caminho número um é o entendimento correto, ou seja, o entendimento de nós mesmos, dos outros e de nossa empresa. Essa compreensão é a base de nossas escolhas e objetivos. Entendimento correto também é enxergar as próprias ações e intenções. Um líder competitivo que vê o mundo como algo a ser conquistado, provavelmente desejará ter muito mais do que precisa (ganância), tratará de aumentar 177


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a fatia de mercado e esmagar os concorrentes (compulsão pela hegemonia) e realizará ações baseadas na ilusão da permanência (ignorância). O caminho número dois é a intenção correta. Significa que é preciso compreender que a autêntica riqueza vem como recompensa pelo trabalho bem realizado. Os três componentes da intenção correta são: Repudiar o Desejo, Objetivar a Boa Vontade e Intencionar a Inocuidade (compaixão). O caminho número três é a fala correta. As palavras que saem da boca se originam na mente. O homem precisa compreender e resistir ao impulso de mentir, pois a mentira é um comportamento para ganhar tempo, para salvar a própria vida, esconder a verdade que o prejudica ou obter vantagens pessoais; principalmente, precisa deixar de ameaçar, fofocar ou dominar verbalmente, componentes comuns em reuniões e salas de diretoria e nos gabinetes. Como líderes empresariais, quanto mais o homem focaliza em “nós ganhamos... vocês perdem...”, pensa incorretamente, o que conduz à fala incorreta. O quarto caminho é ação correta, na verdade a aplicação prática da Lei. Aquilo que é permitido pela lei pode não ser eticamente correto ou moralmente lícito. A ação boa exige que o homem olhe para além daquilo que é legalmente correto. Esse quarto caminho nos instiga a buscar uma pitada de filosofia com base na proposta de André Comte-Sponville e 178


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em seu livro intitulado: “O capitalismo é moral?”. Sponville propõe quatro ordens que regem o comportamento das pessoas e até admite a existência de uma quinta, a ordem do divino; mas, por ser ateu, entende que esta é dispensável, embora acredite na necessidade de uma espiritualidade mesmo no ateísmo. A primeira ordem proposta por Sponville é a Ordem tecnocientífica, estruturada internamente pela oposição entre o possível e o impossível, ou seja, tecnicamente há o que se pode fazer, o possível, e o que não se pode fazer, o impossível. Se perguntarmos, quais são os limites da biologia quando o assunto é clonagem? Sponville responde que o que a biologia pode fazer como ciência é apenas dizer se tecnicamente é possível ou não clonar uma pessoa. Ela diz como fazer, mas não tem condições de afirmar se devemos fazer, uma vez que tudo o que a ciência torna possível não necessariamente deve ser feito. Essa ordem é incapaz de limitar a si mesma; por essa razão, há a necessidade de uma segunda ordem para limitála, que Sponville denomina de ordem jurídico-política. Essa ordem, estruturada entre o legal e o ilegal, é a ordem democrática. Concretamente é a lei, o estado em que a vontade do povo é soberana e se é soberana não temos como limitá-la. Segundo Sponville, devemos limitá-la por duas razões. Primeiro por uma razão individual. 179


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Imagine um indivíduo respeitoso e legalista que faz sempre o que a lei impõe, que nunca faz o que a lei veda, o legalista perfeito, mas que se ateria somente a essa determinação. Não faz muito tempo um indivíduo se utilizou de um meio de comunicação em massa para tentar explicar o inexplicável, um político de renome que afirmava com todas as letras que fizera tudo dentro da lei. Como afirma Sponville, um canalha legalista pode ser cientificamente competente e tecnicamente eficiente, mas nem por isso deixa de ser canalha. Para o professor Thomas W. Dunfee, da Wharton School of the University of Pennsylvania, a ganância não explica tudo. O dinheiro em si não compensa o risco envolvido nas ações das pessoas. Para ele, uma explicação é que as pessoas, ao não terem consciência da questão ética, perdem a noção dos valores morais. Outra explicação, segundo Dunfee, é que muitas pessoas se sentem com o direito a tudo. Esqueceram-se de que antes de qualquer bem material estão os valores éticos e morais, muito mais valiosos do que todo resultado conseguido sem escrúpulos, mesmo que dentro da lei. Sabemos que o povo é soberano e tem todos os direitos, porém, devemos limitar a ordem jurídico-política também por uma razão coletiva, pois o povo pode ser levado a fazer escolhas erradas. Basta lembrar Hitler e outros tiranos. Nos dias de hoje, os políticos corruptos se valem da ingenuidade 180


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do povo para se elegerem e legislarem em causa própria; logo, temos duas razões para querer limitá-la. Uma razão individual, para escapar do espectro do canalha legalista, e uma razão coletiva para escapar do espectro do povo que teria todos os direitos, inclusive o direito de escolher o pior. A soberania não tem limites, mas tem “marcos”, contratos sociais. Segundo Rousseau, ser soberano não é ser onipotente. Moralmente, a consciência de um homem de bem é mais exigente que a do legislador, restando entender a diferença entre legal e moral. A questão moral, segundo Sponville, não trata do dinheiro que ganhamos, mas do que fazemos com o dinheiro ganho. O que é imoral não é a riqueza, é o egoísmo, a ganância e a desonestidade. A ordem moral também é limitada, limitada pela ordem do amor. Para Sponville, existem três amores: o amor à verdade, o amor à liberdade e o amor ao próximo. Isso gera o amor em plenitude; assim necessitamos dessas quatro ordens ao mesmo tempo, cada um com sua lógica própria interagindo com as demais. Todas podem funcionar de forma independente, mas, mesmo assim, as quatro ordens são necessárias, nenhuma é suficiente por si só.

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Ainda os caminhos de Buda

O quinto caminho para o combate à ganância é o esforço correto; afinal, o homem não pode ganhar a vida escravizando ou explorando outros, nem contribuindo para a degradação do meio ambiente. O sexto caminho é o modo de vida correto, o que significa viver eticamente. Ter como objetivo participar de uma organização que incline positivamente a mente na direção da tranquilidade, da compaixão e da sabedoria. O sétimo caminho é a concentração correta, estar atento, considerar cada momento como evento único e enxergar a própria essência, separando tendências e opiniões, conceitos e ideias, e diferenciando interpretações de percepções. O oitavo caminho é a meditação correta, o olhar paciente para dentro de si mesmo. Isso requer o reconhecimento de que a bondade e as nossas outras características, e os valores morais e espirituais, são impermanentes, devendo receber atenção de momento a momento. Enfim, 182

os

valores

humanos

são

fundamentos


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morais e espirituais da consciência humana. Os escândalos empresariais, econômicos e políticos ocorrem em função da negação desses valores como suporte e inspiração para o desenvolvimento integral do potencial individual e consequentemente do social. A adoção de tais valores dá alicerce ao caráter e reflete diretamente na conduta como uma conquista espiritual da personalidade. Portanto, o sucesso deve caminhar lado a lado com valores humanos: honestidade, verdade, justiça, ética, disciplina, integridade, desapego e amor; caso contrário, não poderá ser considerado sucesso. A desilusão tem influenciado nos excessos ocorridos nos últimos anos, em que as pessoas passaram a pensar que o mundo havia entrado em uma era em que o dinheiro e a aquisição de bens materiais justificariam posturas antiéticas e a construção de negócios duvidosos. Não há nada de novo sobre a conduta antiética que tem gerado diversos escândalos, como afirma o professor R. Edward Freeman da Dardem Graduate School of Business Administration da Universidade da Virgínia. A ideia de que o único objetivo da administração é maximizar o valor aos acionistas, fazendo o que for necessário para elevar o preço das ações de uma empresa, foi levado aos extremos. A Petrobras não entrou em colapso porque seus diretores, fornecedores e políticos corruptos roubaram bilhões, mas, porque em algum momento acabaram esquecendo os

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princípios básicos, se é que um dia souberam de sua existência. A separação entre negócio e ética vem ocorrendo desde o início do século XIX e tal divórcio está por trás da postura antiética do indivíduo, das empresas e dos políticos em geral. Criou-se a ideia de que nos negócios tudo é válido. O mundo entende que negócio é a resposta para a prosperidade econômica, mas infelizmente, como afirma o professor Edward Freeman, estivemos contando a história errada. E qual é a história certa? O próprio professor Freeman responde: negócio é um meio de trabalhar em conjunto para criar valor, coisa que nenhum de nós pode fazer sozinho. O mundo, afinal, é cheio de transgressões em todos os níveis. Empresas gastam milhões para evitar perder outros milhões em roubos e fraudes cometidos por seus próprios colaboradores. As pessoas gastam fortunas para proteger seu patrimônio, investindo em alarmes, cercas elétricas e guardas noturnos. Cada ação imoral e antiética abrange um leque de transgressões individuais e cada transgressão individual começa quando alguém toma a decisão de fazer algo que não é correto.

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A busca desenfreada pelo sucesso

As pessoas vivem pressionadas e a palavra cooperação foi substituída por competição que, em muitos casos, significa disputa de poder. É uma palavra poderosa, que leva líderes a destruírem a si mesmos e aos outros para atingir o que para eles significa sucesso. O jornalista brasileiro Alexandre Caldini faz um trocadilho com a citação de Sêneca sobre a escravidão da fortuna que traduz muito bem as consequências desta busca desenfreada pelo sucesso. Sêneca disse que “...aquele que persegue a volúpia e a ela subordina tudo o mais, a primeira coisa de que descuida é a sua liberdade…”. Para Caldini, Sêneca hoje provavelmente diria que “…aquele que persegue o sucesso e a ele subordina tudo o mais, a primeira coisa de que descuida é da sua liberdade…”. Sêneca acreditava que o homem somente alcançaria a tranquilidade da alma caso se libertasse das paixões e estivesse orientado pelas virtudes. Para ele, o primeiro sinal de um espírito bem formado consistia em ser capaz de parar e de coabitar consigo mesmo. A virtude é um bem supremo e poderia ser atingida pela 185


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inteligência, pela justiça e pelo autocontrole, e a tranquilidade somente seria alcançada se estivesse liberto das paixões. Parece que a maior paixão de muitos líderes atuais é o sucesso a qualquer custo. Infelizmente, como afirma Caldini, ele não compra o sucesso, vende-se a ele. Essa é, sem dúvida, a maior das escravidões, pois o homem começa a precisar do sucesso, daí resulta uma vida ansiosa, suspeitosa, temerosa, assustada com os acontecimentos, sem ética e sem os verdadeiros valores. Em função disso, o mundo vai ficando indiferente, árido, incolor, sem estética, materialista, sem consciência e espírito e, como consequência, o homem tornou-se escravo de seu próprio sucesso. O principal produto de um líder pode ser o sucesso, porém, deve estar conectado em cada pequeno ato e em cada ação que faz e alicerçado em valores morais, espirituais e éticos.

A inveja

Ao mesmo tempo em que busca o sucesso, o líder tem que estar preparado para o insucesso. Uma das causas mais influentes do insucesso é a inveja. Falar de inveja é falar de comparação. Quando uma pessoa se compara a outra e 186


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se sente inferior, em algum aspecto está com inveja. Isso não significa que toda vez que você se compara a alguém esteja com inveja, porém, nunca poderá haver o sentimento de inveja se não houver a comparação. A inveja é a vivência de um sentimento interior sob a forma de frustração, de tristeza, de mal-estar, que ocorre quando uma pessoa se sente menos do que o outro. É o desequilíbrio íntimo oriundo de um sentimento de inferioridade. Quando alguém é impedido ou tem a impressão de que está sendo impedido de se desenvolver, esconde todas as suas frustrações pessoais e principalmente o ato de prestar contas consigo mesmo, analisando o seu potencial não efetuado. Aferir o potencial perante outrem sempre será doloroso e quanto maior for o sentimento de estar aquém de alguma expectativa ou de determinada pessoa, maior será a possibilidade de se deflagrar um sentimento de inveja. Em algumas ocasiões se perde o controle, fazendo surgir a vingança. Infelizmente isto se dissemina muito mais rapidamente no mundo corporativo. Quanto maior for o complexo de inferioridade de uma pessoa, mais combustível é liberado para aumentar a chama da inveja. O efeito colateral é que a cada dia fica mais difícil criar um clima psicológico saudável nas organizações, sendo as pessoas vítimas da sabotagem social e pessoal. A verdade é que muitos líderes não estão preparados para administrar suas próprias frustrações e ficam absortos

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pela fúria quando as coisas não saem como planejaram. O motivo é que não possuem nenhuma capacitação para a contrariedade ou crítica, seja construtiva ou não. O invejoso não inveja o que é de outra pessoa, mas o que essa pessoa representa no seu ambiente de trabalho e em sua vida social. Ele não consegue perceber que jamais poderá ser essa outra pessoa e que insistir nessa empreitada é perda de tempo, com o que deixa de desenvolver suas potencialidades e passar a oportunidade de brilhar com luz própria. O tributo maior cobrado pela inveja é estar à sua disposição constantemente, consumindo-o com a energia negativa, em detrimento de algo que poderia dar certo. Os líderes sempre procuram identificar-se com o vencedor e muitos sofrem de um terrível medo de, a cada dia, estarem mais distantes do ideal internalizado. A inveja gera autocompaixão, tanto pelo fracasso de não conseguir os mesmos resultados de outro líder de sucesso, mas por insegurança. Ela é um dos sentimentos mais difíceis de serem aceitos pelo ser humano, embora em nossos tempos e nos meios corporativos seja o mais vivenciado, processo que não deveria ocorrer. Afinal, os líderes deveriam ser os maiores incentivadores da amizade, do companheirismo, gerenciando para que a ajuda mútua prevaleça. Em razão disso, os líderes precisam rever o seu conceito de sucesso. Repensar e desenvolver novas crenças, 188


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novas conexões, novas competências. Rever o significado da vida, da empresa, das instituições, buscando novas formas de aplicação dos objetivos e das normas para que as pessoas e as organizações se desenvolvam de maneira saudável. Faz-se necessário transformar o ambiente de trabalho em uma experiência que transcenda as ações diárias, no qual a motivação e o entusiasmo venham de dentro para fora, naturalmente.

Espiritualidade – O novo desafio

Ao longo da história, o homem conviveu com um sem-número de crenças, religiões, cultos e seitas. Foi de dezenas de deuses ao Deus único. Chegou a acreditar que mesmo os fenômenos naturais, como a chuva, os relâmpagos e trovões, eram controlados por deuses e espíritos. As civilizações antigas eram politeístas, acreditavam em vários deuses e deusas. Os hebreus introduziram a ideia de um Ser Superior único e por fim surgiu o Cristianismo, no qual o Homem, Jesus, o Cristo, ensinou o poder do amor verdadeiro. A partir do século XX, o desenvolvimento se deu pelo

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viés tecnológico. Parece ter o ser humano desbravado uma via na qual não pode mais parar de perseguir avanços, com ousadia cada vez maior. Todavia, no início deste novo século, urge empenharse na busca de novos valores, como tolerância, justiça, solidariedade e espiritualidade na construção de modelos inovadores de organização. Retomar o cultivo das virtudes humanas e as de cunho espiritual tornou-se um imperativo familiar, institucional e social. No plano existencial, a ética individualista e os valores materiais cimentam a circulação do ter. O progresso científicotecnológico é fruto desse sistema; todavia nele residem também as causas da crise multidimensional, entre as quais o aumento da violência e a degradação do ambiente físico e social. Parece que as pessoas se preocupam mais com o poder, relegando a responsabilidade a um segundo plano. Há uma velha canção que diz que ninguém está no comando, não podemos prever o futuro. Na verdade, estamos no comando e podemos, sim, aprender a prever o que vem a seguir: aprender a viver de forma mais autêntica, com base na espiritualidade, a qual parece ser a receita mais certa para as organizações e seus colaboradores. Espiritualidade é uma expressão individual de dentro para fora, afirma Ken O’Donnell, não depende de uma organização externa. É viver a vida de coração e não superficialmente. Para alguns, a espiritualidade envolve uma 190


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convicção de que Deus existe. Para outros, ela expressa formas diferentes. Em relação às instituições, uma boa definição de espiritualidade é justamente a prática de valores humanos em situações adversas. Não é sinônimo de religião; por essa razão, desenvolver a inteligência espiritual na organização não significa esoterismos, rituais estranhos, paredes com cores novas ou sessões de passes. É o desenvolvimento de novos valores que passam a ser a base do desempenho de boas equipes de trabalho, é a permissão de revelar os valores especiais de cada ser humano.

Espiritualidade – uma questão subjetiva

A grandeza dessa palavra pode não ter importância para esta ou aquela pessoa, pois a definição de espiritualidade é muito subjetiva e depende de cada um. Espiritualidade significa acreditar, fazer, tentar melhorar o mundo em alguma coisa. Significa sempre alguma renúncia própria. Significa acreditar no que se faz e ter garra para lutar, mesmo quando as coisas parecem contrárias ao que buscamos. Significa viver em harmonia com valores que estão acima do simples ganho financeiro. Significa ser feliz e 191


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levar felicidade aos outros, estar em paz, usufruir de conforto, ser querido, interessante, conhecer e viver de forma íntegra, integrada e integradora. É a alavanca que move o ser humano em direção à evolução. O segredo da espiritualidade está no envolvimento das pessoas porque sem isso nada acontece. É a única saída para as organizações prosperarem, pois vivemos numa época em que a rapidez das mudanças, em especial da tecnologia, acaba minando os conhecimentos específicos. Logo, o líder E procura investir muito mais nas competências duráveis de seus colaboradores, que as novas tecnologias não têm condições de tornar obsoletas. O que faz um líder vencedor é a sua atitude arrojada, a sua determinação para o desenvolvimento de seu conhecimento.

O conhecimento

O conhecimento, como sabemos, é uma das maiores fontes de poder, principalmente agora que já não vivemos em meio a uma cultura essencialmente industrial, mas de informação; porém, só o conhecimento não é suficiente, é preciso agregar ao conhecimento os valores éticos, morais e 192


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espirituais. Dessa forma, um líder E está sempre um passo à frente; tem autoconfiança, carisma, ambição, gosta de conviver e liderar pessoas exigentes, trabalha em busca de novas oportunidades e tem um plano a longo prazo. Sabe que a espiritualidade é um processo contínuo do esforço para tornar-se maior. Encara os desafios e obstáculos da vida como uma oportunidade de continuar crescendo emocional, social, espiritual, intelectual e financeiramente, contribuindo de forma positiva para com os outros. Na verdade, a estrada da espiritualidade está sempre em construção, é um caminho que avança, não um fim a ser alcançado. O homem ganha maturidade espiritual quando deixa de anexar “felicidade” a coisas materiais. Toda a espiritualidade está relacionada com ação, é a ação que produz os resultados. Um dos maiores desafios que um líder E tem é não viver somente para o sucesso, mas também para a significância. Não há glória maior para um líder do que o reconhecimento da sociedade e de seus colegas pelos feitos conquistados. Mas, uma organização, seja ela privada ou pública, é a somatória do esforço de todos e o líder E precisa entender que é apenas uma peça entre tantas que fazem parte da construção do processo que leva ao sucesso individual e da instituição. Não é possível prever a trajetória de uma carreira de 193


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sucesso, mas é perfeitamente possível construí-la, o que exige necessariamente esforço e dedicação.

Confiança

A confiança é o primeiro segredo para um líder se tornar um líder E e a disciplina é a parte mais importante. Construir uma carreira com foco na espiritualidade requer mais do que um diploma de primeira linha, exige disposição em aceitar que sempre há algo novo para aprender, saber lidar com os erros e aproveitar as oportunidades. É preciso ter em mente também que esforço e dedicação isolados não são suficientes; é preciso estar aberto às mudanças, o que significa o mesmo que aprender a desaprender. Desde que Peter Senge, na década de 90, lançou seu livro a Quinta Disciplina, fala-se muito em aprender a aprender. Aliás, aprender não é só uma questão de se inscrever em um curso e ser alimentado de informações à força. O verdadeiro aprendizado vem da curiosidade constante sobre o mundo, pronto a aproveitar as várias oportunidades que surgem. Requer leitura e questionamentos, afinal, o primeiro segredo para uma vida profissional satisfatória é o conhecimento. Infelizmente, a quantidade mínima de conhecimento 194


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aceitável aumenta constantemente e o conhecimento em si muda com a regularidade de uma queda d’água. Isso significa que, o que anteriormente estava no topo, hoje já não tem valor. A água que despenca traz outros componentes. Nesse mundo de mudanças, para um líder obter sucesso é necessário estabelecer prioridades e, ao mesmo tempo, ser fiel a si mesmo. Por exemplo, não é possível fingir que trabalha, nem tentar ser outra pessoa. Historicamente, os que saíram dos padrões estabelecidos enfrentaram dificuldades. Hoje, ser diferente é a receita para sobreviver e para ter sucesso. Nesse sentido o americano Tom Peters tem uma frase interessante; “Torne-se distinto... ou acabe extinto”. Significa que, se não houver nada muito especial sobre o seu trabalho, por mais que você se aplique ninguém irá reparar em você. O que também significa que não irão lhe pagar bem. Para ter sucesso o líder precisa ser original. Qualquer instituição tem suas atividades, suas regras, seus procedimentos e convenções, mas regras e convenções foram feitas também para serem quebradas. A maioria das grandes descobertas e avanços, em qualquer área, é consequência de iniciativas de líderes que ousaram quebrar regras. Outro fator que pode contribuir para uma receita de espiritualidade é a humildade. Como a maior parte dos egocêntricos parece encontrar seu caminho nos negócios 195


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e, principalmente, na área pública, os que são realmente humildes custam a ser reconhecidos. É comum líderes chegarem à conclusão de que são o começo, o meio e o fim de tudo o que acontece dentro da organização. Há aqueles que desejam passar a impressão de serem humildes, mas, ao mesmo tempo, não admitem que os outros deixem de saber algo de significativo a seu respeito. Usam de uma falsa humildade, com sentenças cuidadosamente elaboradas. Na fachada mostram-se razoáveis, mas, no seu âmago, abrigam uma mensagem de superioridade que os leva a pensar: “sou o único aqui que faz com que as coisas funcionem. Eu sou o cara”. Para ter sucesso é necessário ser audacioso, ser o primeiro sempre, mas acima de tudo, para ser um líder E é preciso ser justo, ter respeito às pessoas e ao próprio nome, pois tudo passa, mas ele permanecerá para sempre. No novo milênio, a questão mais desafiadora para os líderes, sejam eles públicos ou privados, não é “como obter sucesso”, mas sim “como manter o sucesso”, com ética e sem ferir as pessoas e isso só se consegue tendo a espiritualidade como fonte de inspiração e edificação.

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O valor das virtudes

O ser humano mostra, a cada instante, aquilo que ama, busca e se propõe a conquistar. Em uma organização, o conhecimento técnico e a qualidade de seus produtos contam muito no processo de alcance dos objetivos traçados; mas nenhum deles substitui o valor de virtudes tais como: honestidade, discernimento, inspiração, confiança, gratidão, fraternidade, confiança, sabedoria, disciplina, humildade, perseverança, diálogo, serenidade, gentileza, solidariedade, cortesia, harmonia, sabedoria. E qual seria a condição para que tais virtudes possam se transformar no diferencial dos líderes dentro de uma organização? A resposta a essa questão aparentemente tão complexa é simples: uma consistente espiritualidade. Hoje mais do que efetividade é preciso enxergar além das análises frias das planilhas financeiras, da racionalidade dos procedimentos e técnicas. Fundamental é abrir-se para a força espiritual, virtude adquirida por quem se faz aprendiz das manifestações do mistério da vida.

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O ser humano deve ter o discernimento de que existem muitos caminhos para a realização, como profissional e como ser humano, uma vez que não dá para dissociar um do outro, mas deve sempre escolher o caminho que tenha um significado. Para isso, é preciso pintar um novo cenário, cercar-se de novos personagens, escrever uma nova peça, livrar-se de um velho roteiro e escrever um novo. É triste viver em um mundo no qual só se acredita no que pode ser comprovado por meios estatísticos, governado pelo que se pode medir e sem nenhuma importância para o incomensurável. Já está mais do que na hora dos verdadeiros líderes trabalharem para mudar esta realidade fecunda de contradições e crises diversas que incidem cotidianamente na maneira de ser e de trabalhar das pessoas. O líder precisa buscar ser uma pessoa mais digna, culta, tornar-se mais desprendido sem perder o apreço aos demais. Buscar criar em si a capacidade de lidar com o material, o espiritual e o cultural, de tal maneira que possa torná-lo um ser humano melhor, portador de controle e autoconhecimento emocional. Ter a convicção de que somente com a valorização dos sentimentos e das emoções individuais torna-se possível criar uma verdadeira organização contemporânea, cujo principal fator de respeitabilidade consista na evidência da 198


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integridade de caráter de todos os seus acionistas, diretores, colaboradores e fornecedores, pulsando criatividade, capacidade de relacionamento entre as pessoas e lideranças centradas e corretas. O líder deve entender que o ser humano é mais do que eficiência, competência ou versatilidade, qualidades tão cobradas no mundo corporativo. É essencial ser um itinerante, não no sentido de percorrer milhas geográficas, mas viajar para o seu interior imbuído da mais nobre intenção: contemplar as mais belas paisagens do sentido de sua existência, que se descortinam quando entregues ao discernimento, ao anseio de acordar das ilusões diárias e, enfim, desejoso de conferir a mais singela originalidade nos seus gestos. O homem não é uma máquina predisposta pela natureza para ser veloz, repetitiva e obsessivamente precisa. É claro que em função do desenvolvimento tecnológico criou aparelhos mais eficazes do que ele mesmo. Para si deixou intacto o monopólio da criatividade, da ambiguidade, da ideia vaga, da ironia, do imprevisto, da mudança, da descontinuidade, da complexidade, da emoção; enfim, de tudo aquilo que o identifica como um ser pensante. O sucesso de uma organização não depende mais só de uma boa dose de competência dos colaboradores, mas também de uma espiritualidade interna. Os líderes devem estar cientes de que o ser humano é, antes de tudo, parte do ecossistema e não seu proprietário.

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O dinheiro não pode ser maior que seus valores

O dinheiro não deve mudar os valores básicos da pessoa. O dinheiro é como um boletim, uma maneira de dizer como você está indo na vida. Essa frase dita pelo Sr. Allan, personagem de Thomas J. Stanley em seu livro “O milionário mora ao lado”, mostra que o dinheiro é apenas um instrumento para auxiliar na melhora da qualidade de vida das pessoas. Pode-se comprar o tempo de um homem, como também se pode comprar sua presença física em determinado local; pode-se até comprar um número mensurado de movimentos musculares, bem treinados, por hora ou por dia, como propunha Taylor, mas não se pode comprar o entusiasmo, a iniciativa, a lealdade, a devoção do sentimento e da alma. Essas coisas devem ser conquistadas e pautadas em valores e princípios sólidos. Os valores não surgem na vida de uma sociedade como um trovão no céu, são construídos na convivência humana e nas manifestações culturais. O que leva um líder a esquecer seus valores e arriscarse em uma aventura perigosa em busca de dinheiro “falso”?

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Pedro não era necessariamente um líder, mas sempre foi um homem de bem, pai de família e trabalhador. Apesar da simplicidade e das dificuldades, sempre levara uma vida honesta. Certo dia, retornando do trabalho, parou no barzinho próximo à sua casa para tomar uma cerveja com alguns amigos como sempre fazia. Ali foi apresentado a um jovem bem vestido, roupa de marca e com um carro esportivo, sonho de consumo de Pedro. Após algumas cervejas, Pedro resolveu ir para casa. O jovem insistiu para que ele ficasse para tomar a “saideira”, mas Pedro argumentou que sua esposa poderia ficar preocupada e, além disso, tinha que ajudar a cuidar de seus dois filhos pequenos. O jovem, então, ofereceu-lhe carona e, percebendo o entusiasmo de Pedro em relação ao carro, pediu para que experimentasse dirigir aquele “carrão”. Pedro não pensou duas vezes e assumiu o volante. E assim, todos os dias, ao voltar do trabalho, Pedro parava para tomar sua cervejinha com os amigos e lá estava o jovem com suas roupas de marca e seu carro, pronto para dar carona. Aos poucos o jovem foi relatando a Pedro a receita de conseguir dinheiro fácil e, segundo ele, sem nenhum risco. Não demorou muito e Pedro se mostrou interessado. O jovem então propôs a Pedro fazer um serviço de transporte de droga de São Paulo a Amsterdã, o que iria lhe render um bom dinheiro. O jovem lhe garantiu que era seguro e que estava tudo planejado para que ele não tivesse nenhum problema. Ao chegar ao aeroporto, tudo transcorria normalmente, até que ao entrar na sala de embarque Pedro foi abordado por dois homens, que a princípio Pedro achou que fizessem parte do plano. Convidado 201


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a acompanhar-lhes até uma sala reservada, os senhores se apresentaram; – Polícia Federal, o senhor está preso. O pobre Pedro reside agora em uma pequena cela de uma prisão, imunda, longe de sua família e de seus filhos. É claro que todos precisam de dinheiro para sobreviver. O problema começa quando há separação entre ganhar dinheiro e ter sentido e propósito para a vida. Pedro foi vítima da geração fatura, da síndrome do dinheiro fácil e do sucesso a qualquer preço. Esqueceu-se de que o valor está no ser e não no ter. Foi convencido de que o progresso financeiro daria a ele a sensação de independência, o que contribuiu para a soberba, a autoconfiança, o individualismo e a falência de seus valores éticos, morais e espirituais. O Citibank, com sede em Nova York, é o segundo maior banco dos Estados Unidos e faz parte do Citigroup Fnc, o maior banco do mundo no ramo varejista. No Brasil, teve seu auge nos anos 80, quando se tornou o maior credor da dívida externa brasileira. Em 2010, o Citibank espalhou uma série de outdoors pelas ruas e avenidas da cidade de São Paulo, que chamaram a atenção pelas mensagens: Crie filhos em vez de herdeiros; Dinheiro só chama dinheiro, não chama para um cineminha, nem para tomar um sorvete; Não deixe que o trabalho sobre a mesa tampe a vista da janela; Não é justo fazer declarações 202


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anuais ao Fisco e nenhuma para quem você ama; Para cada almoço de negócios, faça um jantar à luz de velas; Por que as semanas demoram tanto e os anos passam tão rapidinho?; Quantas reuniões foram mesmo esta semana? Reúna os amigos.; Trabalhe, trabalhe, trabalhe. Mas, não se esqueça: vírgulas significam pausas; “e quem sabe assim você seja promovido a melhor (amigo, pai, mãe, filho, filha, namorada, namorado, marido, esposa, irmão, irmã, etc.) do mundo!”; Assistir ao pôr do sol da janela do escritório não vale; Podese dar uma festa sem dinheiro, mas não sem amigos; Não eduque seu filho para ser rico, eduque-o para ser feliz. Assim, ele saberá o valor das coisas e não o seu preço; Nem sempre podemos mudar as circunstâncias, mas sempre podemos mudar nossas atitudes em relação a elas. Apesar das mensagens do Citibank, muitos líderes buscam a rentabilidade e o lucro para suas organizações a qualquer preço, mesmo sendo necessário fraudar e roubar o dinheiro público, e não se inibem em colocar os valores éticos e morais em cheque. João construiu uma carreira fulminante e, em pouco tempo, por sua desenvoltura e capacidade de liderança, foi elevado a gerente de suprimento de uma grande montadora. Como parte de seu trabalho, sempre manteve uma relação próxima dos fornecedores. Para ele os fornecedores se constituíam em uma extensão de sua empresa, razão por que João mantinha relações de amizade próximas com diretores e gerentes das 203


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empresas fornecedoras. No final do mês de março de um ano qualquer, João resolveu fazer uma visita aos parceiros. Em um dos principais fornecedores, José, diretor comercial com quem João mantinha mais do que uma simples relação comercial, lhe fez uma proposta. Argumentando que precisava fechar a meta de vendas daquele mês, propôs a João que aumentasse a quantidade dos pedidos em 30%. João argumentou que não havia necessidade, pois sua empresa trabalhava no sistema Just in time e só comprava os materiais necessários e na quantidade certa para um determinado período da produção. Para sua surpresa, José foi mais além, lhe oferecendo 10% sobre todos os pedidos, desde que houvesse o aumento sugerido. A primeira reação de João foi de revolta, afinal, havia construído sua carreira profissional pautada em valores éticos, morais e espirituais. José insistiu na proposta, argumentando que essa era uma prática comum e que tudo seria feito da forma mais sigilosa possível. Diante dessa colocação, João tomou uma posição coerente com seus valores e em prol da empresa em que trabalhava. Exigiu de José dez por cento de desconto nos preços de todos os produtos fornecidos; caso contrário, deixaria de ser fornecer para sua empresa. José disse que isso era uma loucura e que não faria isso em hipótese alguma. João lhe disse que não abria mão do desconto e se retirou. Retornando à sua cidade, chegou cedo à empresa e 204


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relatou o ocorrido ao seu diretor, que lhe deu todo o apoio, enaltecendo a atitude e comunicando que José já havia entrado em contato com ele e solicitado uma reunião de emergência para aquele dia. No meio da manhã, José, acompanhado do presidente da sua empresa, passou sem sequer cumprimentá-lo. Após alguns minutos de reunião, a portas fechadas, seu diretor solicitou que fosse à sua sala. Ao entrar percebeu que o clima era tenso. Seu diretor se dirigiu a ele com rispidez, dizendo-se decepcionado diante de sua proposta de aumentar em 30% os pedidos desde que a empresa lhe pagasse 10% sobre o valor do faturamento. Após alguns instantes de um tenso silêncio, o diretor dirigiu-se aos dois visitantes, dizendo que João era líder de sua equipe de compradores, de sua inteira confiança, e que por conta de seus valores jamais teria uma atitude como esta. Sempre se empenhara profundamente em suas funções. Argumentou que, assim como ele, João tinha convicção de que uma empresa é muito mais do que uma fábrica de fazer lucro, de remunerar o capital investido e de procurar a maior satisfação possível dos acionistas, clientes e colaboradores. Acreditava piamente que o trabalho poderia ser entendido como uma forma de moldar o caráter das pessoas, não apenas motivadas pela busca de ótimos resultados financeiros, mas também pela possibilidade de adquirir experiência, estabelecer novos contatos e tirar lições dos muitos desafios enfrentados no mundo corporativo. E aquele era um desafio com o qual 205


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ambos não estavam acostumados: lidar com executivos que usavam de todos os meios para cumprir metas e obter lucros. Diante de tudo isso, o diretor informou aos fornecedores que as relações comerciais entre suas empresas se encerravam ali. Para João, ficou a sensação de que sempre vale a pena priorizar o que é certo e para José a lição de que o dinheiro não pode ser maior do que os valores éticos e morais e que o elo da espiritualidade, perdido dentro das organizações, deve ser recuperado o mais rápido possível. E, como ensinava Henry Ford, uma empresa não nasce para ter lucro e sim para servir; o lucro deve ser consequência de um bom trabalho, porque a verdadeira razão de ser de uma empresa não é ganhar, mas principalmente construir.

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Espiritualidade e religião

Parece que no mundo atual criar uma nova igreja virou moda. Basta que um líder religioso discorde de uma regra, uma lei ou uma crença que rapidinho cria uma nova igreja e, se novamente alguém discorda, mais uma igreja é criada, e assim sucessivamente. Nunca se criaram tantas igrejas como hoje. O principal motivo parece ser o fato da maioria dos líderes não querer ouvir; todos querem ter razão e impor suas opiniões. Parece que o preceito “eu sou” foi substituído pelo preceito “eu sei” e você deve aceitar que eu sei mais do que você e ponto final. Prioriza-se mais o conflito de ideias, que deva prevalecer o confronto de ideias. O que significa isso? Que, se uma pessoa tem uma ideia diferente da outra, do confronto das duas pode nascer uma terceira, melhor. Desenvolver a espiritualidade não depende de se ter uma religião. A crença é particular, produto da vivência de cada um. Como afirma Tenzin Gyatso, o eterno Dalai Lama; “... meu apelo por uma revolução espiritual não é um apelo por uma revolução religiosa. Considero que a espiritualidade esteja 207


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relacionada com aquelas qualidades do espírito humano – tais como amor e compaixão, paciência, tolerância, capacidade de perdoar, contentamento, noção de responsabilidade, noção de harmonia – que trazem felicidade tanto para a própria pessoa quanto para os outros. É por isso que às vezes digo que talvez se possa dispensar a religião. O que não se pode dispensar são essas qualidades espirituais básicas...” A espiritualidade não depende de questões sociais; os conflitos sociais existem onde há religião. Entre os índios, por exemplo, não existiam conflitos, pois não existiam religiões; os conflitos apareceram entre eles a partir do momento em que apareceram as religiões tentando conquistá-los. A espiritualidade é livre; a sociedade não busca religião, deve buscar a espiritualidade e uma das formas que usa para encontrá-la é por meio das religiões. Confundir espiritualidade com religião gera em muitos líderes uma grande confusão. Mas são coisas distintas. Aderir a uma religião é uma opção livre e consciente de cada um. A partir da adesão a uma confissão religiosa, as pessoas realizam a transcendência de si por meio da experiência de comunhão com um Ser Superior. Cada religião possui características próprias, como a vinda de um messias, códigos de leis explícitas, livros sagrados e igrejas, entre outras. Se a ela tiver menor campo de atuação, relegando-se a um segundo plano sob uma religião dominante ou se lhe falta qualquer dessas características, muitas vezes 208


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ela é taxada de seita, termo que tende a ser pejorativo. Quando falamos de espiritualidade, estamos falando de postura, de conduta no caminho do bem e da prosperidade ética, um auxiliando o outro na busca dos objetivos, tanto organizacionais quanto pessoais, independentemente de qualquer crença ou adesão a uma religião. Espiritualidade cria as reais condições de um relacionamento harmônico entre as pessoas. A espiritualidade não é algo concreto ou palpável, mas incide diretamente na maneira de ser do ser humano. Ela nasce e se consolida no cotidiano de quem a cultiva, de quem se dispõe a aprender com as adversidades e as diferenças interpessoais. A espiritualidade reveste as pessoas de retas intenções e, consequentemente, de bons sentimentos. Logo, só pode trazer benefícios a todos os envolvidos no processo organizacional, pois o que prevalece não é a lei do ganha, é a lei do participar para somar. Nesse sentido, a espiritualidade se mostra consistente pela perspectiva do sentir humano e nas organizações existem vários fatores que nos levam a crer que possamos desenvolvêla, dentre eles, a constante de aperfeiçoamento das pessoas, as crenças, os valores éticos e morais tão importantes para direcionar comportamentos dentro da organização, logo, a somatória do caráter de cada colaborador é que forma a espiritualidade de uma empresa.

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Espiritualidade no trabalho

O assunto do momento tem sido como lidar com as novas gerações. Antes de aprender a lidar com elas, talvez seja importante aprender com elas, principalmente neste momento em que há um movimento muito forte em direção à busca de uma vida com mais sentido e mais qualidade do que a compensação monetária, mordomias ou bônus são capazes de fornecer. Como afirmam Gary Hamel e Bill Breen em seu livro “O futuro da Administração”, as empresas ainda estão sendo administradas pelos conceitos, regras e convenções da gestão moderna, criados por pequeno grupo de teóricos nos primeiros anos do século XX. Figuras como Frederick W. Taylor, Henri Fayol, Henry Ford, Alfred Sloan, Douglas McGregor, Abraham Maslow, Amitai Etizioni, Elton Mayo, Max Weber, Mary Parker Follett e outros são os poltergeists que estrelavam aquele modelo, hoje exemplo de gestão bolorenta. A influência desses patriarcas é tão difundida que 210


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a tecnologia de gestão varia apenas ligeiramente de uma empresa para outra; logo, para lidar com a nova geração, podemos concluir que a gestão está ultrapassada. Como afirmam Gary e Bill, ninguém pode contestar o fato de que a máquina da gestão moderna equivale a uma das maiores invenções da humanidade, e está no mesmo patamar do fogo, da linguagem escrita e da democracia; no entanto, com o tempo, toda grande invenção percorre um caminho, do nascimento à maturidade e, ocasionalmente, à senescência (velhice). Até as empresas “mais admiradas” do mundo não são tão adaptáveis como precisam, tão inovadoras como poderiam, tão divertidas para se trabalhar como deveriam. O ambiente que as empresas do século XXI enfrentam é mais volátil do que nunca: a internet e a nova onda de inteligência artificial estão transferindo o poder de barganha dos fabricantes para os consumidores com grande rapidez. Os ciclos de vida da estratégia estão diminuindo, os custos de comunicação estão em queda livre e a globalização está abrindo os setores para um grande número de novos concorrentes, que praticam preços ultrabaixos. As empresas estão sendo progressivamente envolvidas em “redes de valor” e “ecossistemas”, sobre os quais têm apenas controle parcial e, à medida que o ritmo das mudanças se acelera, cada vez mais se encontram na contramão da curva da mudança.

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As novas realidades exigem novos recursos e novas competências gerenciais e empresariais. Muito se fala da necessidade de mudar o paradigma de “comando-e-controle”, totalmente incapaz de lidar com a complexidade que o caos alheio, dinâmico e contínuo, produz a todo o momento. As novas gerações não aceitam ser controladas; por isso se rebelam contra tiranias de qualquer natureza, sejam elas de pessoas, sistemas, estruturas e prazos. O próprio trabalho é visto como um ofício necessário para ganhar o suficiente e viver suas vidas fora do expediente e longe da tortura diária de uma organização tradicional. Elas querem mais controle sobre suas vidas e não é uma questão de conciliar a vida com o trabalho, mas de sentirem-se mais vivas, energizadas e realizadas em termos de sua essência espiritual, no lugar de passar até cinquenta ou sessenta horas semanais em um local de trabalho. São gerações que desejam ter perspectiva de futuro, compartilhar a missão, a visão e os valores da empresa e não recebê-los prontos como cartilha a ser seguida. Querem ter condições de gerenciar suas carreiras à sua maneira, almejam trabalhar com projetos desafiadores e não estão nem um pouco interessados em cargos hierárquicos. Não querem saber do organograma da empresa, pois para elas ele não serve para mostrar projetos, produtos e clientes, mas só para mostrar poder; assim, buscam o 212


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relacionamento de pessoa para pessoa e não de cargo a cargo. São gerações que, além de pretender fazer bem o seu trabalho, querem, principalmente, ter prazer no que fazem. Querem ser a diferença na empresa, na família e na sociedade; desejam pertencer e não apenas fazer parte. Para essas gerações, o nível social e o dinheiro não são tão importantes; o que importa é o interesse pelas várias tecnologias. Estão formando uma nova divisão na sociedade, não mais em classes sociais de acordo com a renda, mas de acordo com a tecnologia. Para se adaptar às novas gerações, as abordagens de questões relacionadas à cultura organizacional, ao ser humano e seu trabalho, devem sofrer grandes mudanças, uma vez que os modelos de gestão e de liderança, ultrapassados devido à sua rigidez, estão sendo questionados cada vez mais. Esse ambiente corporativo no qual os executivos chegam não apenas a níveis insustentáveis de estresse, mas também a imensas infelicidades com suas próprias existências, não tem espaço na vida das novas gerações. A receita está na espiritualidade; afinal, trata-se de uma nova maneira de fazer, pode ser aprendida e aplicada por pessoas e organizações com o intuito de transformar o trabalho numa experiência que transcenda as ações diárias, no qual a motivação e o entusiasmo venham de dentro para fora naturalmente.

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Não é uma técnica, é um valor de vida. É o exercício completo da personalidade no trabalho. Para os líderes construírem a espiritualidade no trabalho é preciso, antes de tudo, vencerem a si mesmos, usarem a humildade e compreenderem que o mundo nos foi dado para ser compartilhado e não disputado palmo a palmo. E isso só se consegue se nos respeitarmos uns aos outros, caminharmos juntos, conhecendo o lado bom das pessoas, independente de posição hierárquica. Não maquiarmos a verdade sobre nós mesmos e termos a hombridade de nunca dar asas à vaidade. Não termos a presunção de nos acharmos todo-poderosos e melhor que os demais, postura que levou a muitos fracassos, uma vez que quem é bom naquilo que faz não precisa dizer que é, e muito menos se autoproclamar o melhor.

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Liderança E & Espiritualidade Organizacional

A partir de um modo de ser e viver, se nasce para a dimensão transcendente e sagrada da vida, do trabalho e das inter-relações humanas. É o encontro com a inspiração interior, balizadora de todo empreendimento de grande envergadura. É, enfim, a destinação dos peregrinos do espírito e de todos aqueles que almejam construir uma bem-sucedida carreira. É claro que a espiritualidade não é a única responsável pela conduta e postura pessoal dos líderes, porém, sua presença pode contribuir e trazer benefícios. A grande força motivadora para uma mudança de postura coletiva está na conduta ética das ações pessoais; desse modo, devemos entender espiritualidade como sendo a faculdade humana de gerar harmonia entre razão e emoção, de divisar e conferir sentido às tarefas e ações na empresa; logo, por meio da espiritualidade é possível mudar a empresa, mudar a sociedade, mudar o mundo. Você deve estar indagando: que ousadia, mudar o mundo. E por que não?

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Imagine os líderes instaurando propósitos e atividades em que a capacidade de doar, perdoar, amar, compadecer-se, ser paciente, bondoso, honesto, humilde e tolerante estivesse referendando as relações, os negócios. As grandes transformações começam dentro das pessoas, principalmente pelo cultivo de bons sentimentos. Se o que emana da pessoa é bom, o que ela produzir também irradiará isso. A mudança do mundo começa a partir da convicção dessa possibilidade. Espiritualidade é algo que leva o profissional a entender que, mais do que saber fazer, ele precisa saber ser. Espiritualidade tem várias acepções; entretanto, espiritualidade no ambiente de trabalho refere-se a algo que gera comprometimento das pessoas com a missão da empresa e com o bem-estar de seus pares. Comprometimento enquanto sinônimo de corresponsabilidade profissional, de dinamismo nas relações interpessoais, de excelência na gestão, das diferenças em prol de um objetivo comum. Espiritualidade é algo muito mais amplo do que podemos imaginar, é algo mais do que um simples valor individual ou profissional. Em um mundo de valores materiais, está na hora de vivermos a partir de uma força maior e, por que não dizer, a partir de Deus. Não que isso seja espiritualidade, mas é o que gera na pessoa a abertura necessária para a experiência de 216


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se deixar conduzir por uma inspiração. Sempre que imbuído e conduzido por uma inspiração divina, seja qual for o seu credo, o ser humano se torna imprescindível em qualquer empreendimento. O que faz provoca alegria, suscita admiração; ele se faz portador de “enthousiasmo”, que é uma excitação da alma, paixão viva que nos leva a ser. Não são poucos os pensadores que comungam da ideia de que o ser humano não nasce pronto. Nasce com a incumbência de, por todos os meios, ir revelando o melhor de sua humanidade. O verdadeiro sentido da vida e a razão de ser das organizações, do trabalho e do progresso é tornar a humanidade mais feliz. Nesse sentido, se o progresso tornar a humanidade infeliz significa que, na prática, a organização não cumpriu com seu papel. É salutar lembrar que o propósito das atividades econômicas foi, é e sempre deverá ser o de alocar recursos não só de maneira justa, mas também apropriada, visando à melhoria do bem-estar social. Esse é o paradigma a ser vencido pelas instituições, pois existem líderes que ainda possuem a visão puramente capitalista, que significa interesse apenas no lucro, na própria sobrevivência e na sobrevivência da empresa. Esse tipo de atitude faz dos trabalhadores simples operários, sem motivação a não ser a obrigação de ganhar 217


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dinheiro para atender às necessidades essenciais. Em tal caso, o ponto de contato entre empresa e trabalhador é apenas pagar e receber o salário, com o trabalho sendo simplesmente um negócio, no qual o empresário está interessado no faturamento e o trabalhador em receber o dinheiro da empresa. Não há empresa que resista a esse nível de relacionamento. É um conceito muito pobre de negócio, que não cabe em uma empresa espiritualizada. A liderança não espiritualizada ainda prefere a racionalidade aos sentimentos, condiciona suas decisões estratégicas à frieza dos fatos, como se o empregado deixasse de ser humano ao atravessar os muros do escritório ou da fábrica. Nenhum líder corporativo se considera ganancioso, ao contrário, alegam estar competindo por uma fatia de mercado e pela lucratividade. Não veem e não querem ver as verdadeiras consequências de seus atos. Talvez fosse o caso de prestar atenção ao que o poeta sufi do século XVII Rabi´a al-Adawiyya dizia; “...contei algumas histórias para vender alimento e o vendi por duas moedas de prata. Coloquei uma moeda em cada mão porque tive medo de que se eu colocasse as duas em uma só mão essa grande pinha de riqueza fosse me deter.” As organizações refletem as intenções e valores de seus grupos de liderança. Quase todas as crises que os 218


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líderes precisam enfrentar se relacionam, essencialmente, ao acúmulo e/ou distribuição de riqueza. A frieza do capitalismo, aliada ao materialismo das organizações e à marcante visão tecnicista das concepções pós-modernas nas relações de trabalho e nos negócios, nos conduz a um completo repensar do verdadeiro sentido da vida e do trabalho. Quem sabe não esteja na hora de toda instituição acrescentar um valor essencial em sua declaração de princípios e valores: não causar danos.

O caso Tylenol

Em 29 de setembro de 1982, a Johnson & Johnson foi surpreendida pela alarmante notícia de que sete pessoas que moravam no subúrbio de Chicago tinham morrido envenenadas com cianeto, após a ingestão de cápsulas do produto Tylenol extraforte, medicamento importante no portfólio de produtos da empresa, com participação de 35% do mercado americano de analgésicos vendidos em balcão, com vendas anuais de U$ 450 milhões, e que contribuía com mais de 15% para os lucros da empresa, em um mercado cujo total de vendas alcançava a faixa de U$ 1,2 bilhão

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Percebendo que tinha pouco tempo para agir, a direção da McNeil Products Company, subsidiária da Johnson & Johnson e fabricante do Tylenol, decidiu não priorizar a investigação de como e por que isso havia acontecido, mas concentrar seus esforços na retirada imediata do produto das prateleiras das farmácias. Todos os 93 mil frascos do lote suspeito foram recolhidos e um dia depois mais 171 mil frascos também foram retirados das farmácias; em 6 de outubro, a Johnson & Johnson enviou mensagens a aproximadamente 15 mil revendedores, pedindo que removessem 11 milhões de frascos do Tylenol, normal e extraforte. No mesmo dia, James Burker, o presidente do conselho diretor da Johnson & Johnson, fez uma declaração em rede nacional na televisão americana e se prontificou a responder imediatamente a todas as perguntas dos consumidores. Ao final, a Johnson & Johnson recolheu um total aproximado de 31 milhões de frascos com um valor de revenda de mais de U$ 100 milhões; com isso, seus ganhos do terceiro quadrimestre daquele ano caíram de forma substancial.

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Microvlar

O anticoncepcional Microvlar sempre foi um dos anticoncepcionais mais utilizados pelas brasileiras de classes sociais desfavorecidas, por conta do preço convidativo, em torno de R$ 3,00. O produto é fabricado por um grande laboratório farmacêutico centenário, fundado em Berlim na Alemanha em 1871, com fábrica no Brasil e ranqueado entre os 25 maiores laboratórios farmacêuticos do mundo. Em 20 de maio de 1998, o fabricante do anticoncepcional recebeu uma carta anônima e uma cartela de Microvlar, com a advertência de que a composição da pílula estava adulterada. Sete dias depois, o laboratório já sabia que as pílulas continham farinha e, mesmo assim, se manteve calado. No dia primeiro de junho daquele ano, uma comerciante informou ao laboratório que, apesar de estar tomando Microvlar, engravidara. Alguns dias depois, mais duas mulheres fizeram a mesma queixa. O fabricante continuou calado, descumprindo, inclusive, as normas da Vigilância Sanitária, que obrigam os laboratórios a notificar imediatamente situações do tipo. 221


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Somente um mês depois da carta anônima e um dia após a denúncia ser veiculada no Jornal Nacional, o laboratório rompeu o silêncio e prestou aos consumidores as informações que devia, através de um comunicado intitulado; “Ocorrências com Microvlar”. Mesmo assim, o comunicado não focava diretamente o problema, pois em nenhum momento informou que havia embalagens do Microvlar com farinha no lugar de hormônio, além de sugerir que as clientes usassem o “método de barreira”, ou seja, a camisinha. Ou seja, não cumpriu com os requisitos necessários de uma empresa transparente, voltada ao interesse do consumidor, além da motivação do lucro. Os líderes também precisam responder uma perguntinha simples, ao mesmo tempo complexa: “Somos responsáveis pelas pessoas que compram nossos produtos ou serviço e pela maneira como elas o utilizam?” Talvez a resposta a essa questão devesse estar implícita na declaração dos princípios e valores da empresa, pois representam as convicções dominantes, as crenças básicas naquilo em que a organização acredita. Poucos termos têm mais acepções do que a palavra “princípios”. Pode significar o começo, uma norma ou a causa de uma ação e, ainda, o enunciado de uma verdade. Fayol empregou o termo como uma regra ou um preceito. De qualquer maneira, podemos considerar que a 222


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maioria dos grandes personagens da história evidenciou a importância dos princípios e valores, como Confúcio, que ensinava ser preferível sermos envenenados por nosso sangue a contaminar em nossos princípios e valores. Para Peter Senge, uma das características das organizações de sucesso é o forte senso de identidade baseado em princípios e valores; são seus alicerces que, paradoxalmente, lhes conferem maior flexibilidade. Os comportamentos proativos, os valores e princípios estão relacionados com as ações éticas, morais, criativas e produtivas das pessoas e das organizações. São as variáveis que contribuem com os processos decisórios nas organizações. “Nossos princípios podem ser uma vantagem competitiva, mas não foram incorporados por causa disso e sim porque definem o que defendemos. E nós os defenderíamos mesmo que, em determinadas situações, se tornassem uma desvantagem competitiva”. Essa declaração de um ex-CEO da Johnson & Johnson resume muito bem a importância dos princípios e valores que constituem o conjunto de fundamentos e de critérios (práticas e procedimentos), os quais aplicados de forma sistêmica geram atitudes e resultados responsáveis por contribuir na construção da excelência em uma instituição. A questão essencial é compreender que a competitividade não vem antes do bem-estar da sociedade, porque a coisa mais importante é o caráter, que deve anteceder 223


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o dinheiro e todas as demais questões. Não Causar Danos requer uma atitude diferente dos líderes no momento de tomar uma decisão. Deverão estar cientes de que suas decisões irão afetar a todos, desde acionistas, investidores, clientes, colaboradores e consumidores até o meio-ambiente e a própria sociedade. A aplicação do conceito de “Não Causar Danos” pode até diminuir o lucro da empresa em um período de curto prazo, mas aumentará substancialmente sua capacidade de atender ao conceito de responsabilidade social, talvez a principal falha da corporação moderna, ou seja, a ausência de humanidade. A atitude da Johnson & Johnson estava de acordo com esse credo e certamente não foi motivada pela simples mentalidade de conquistar resultados financeiros a qualquer custo, o que, infelizmente, não ocorreu com o laboratório fabricante do Microvlar no Brasil. Não Causar Danos é uma consideração significativa para os líderes de todas as corporações e deveria ser o primeiro valor nas declarações de princípios e valores de qualquer organização. Como afirmam os economistas da School of Natural Economics, Não Causar Danos é uma forma de fazer negócios que vai originar um ambiente mais sustentável para nós e para as futuras gerações. Lloid M. Field, em seu livro Buddha e os Negócios, descreve uma sugestão de declaração do valor Não Causar 224


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Danos, traduzindo uma postura que deveria fazer parte das ações de todas as empresas: “Um valor essencial de nossa companhia é a atenção constante com relação às nossas intenções e a contribuição positiva para criar ‘comunidades melhores’ entre nossos investidores internos e externos. Portanto, não vamos adquirir matérias-primas, nem projetar, nem fabricar, nem vender quaisquer produtos ou serviços que sejam prejudiciais às pessoas e ao meio ambiente”. As instituições que causam impactos em sua área de influência são responsáveis pela minimização ou erradicação de seus efeitos negativos; logo, o desafio dos líderes organizacionais não é somente desenvolver e disponibilizar produtos que possam ser considerados úteis, mas também produtos que não causam danos às pessoas, ao meio ambiente e à sociedade. A questão a ser respondida pelos principais líderes nas organizações é: “a maneira como ganhamos dinheiro ou obtemos lucros interfere no valor não causar danos?”. Os doze passos, propostos por Lloid, para que o valor Não Causar Danos seja cumprido poderiam ser: 1. Ficar atento à lei de causa e efeito: toda ação tem uma reação, portanto, as decisões empresariais também têm consequências. 2. Não considere a busca da viabilidade financeira e do lucro a única motivação de uma organização. 3.

Mude a direção do negócio se a visão futura ou 225


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a missão atual provocam sofrimento. 4. Faça com que a consulta e o consenso sejam as maneiras aceitas para liderar e administrar a organização. 5. Não fabrique e/ou venda produtos nem ofereça serviços que causem danos. 6. As definições de autorresponsabilidade responsabilidade corporativa devem ser as mesmas.

e

7. Alinhe cada uma e todas as políticas, práticas e decisões de negócios com seus princípios e valores. 8. Perceba que a resposta para mudar uma sociedade doente é o comportamento não violento. 9. Veja a diferença entre pessoas unicamente com base em seu desempenho profissional. 10. Dedique um quarto do lucro para a sociedade, de forma que as pessoas possam construir uma vida melhor. 11. Passe mais tempo no local de trabalho colaborando com clientes do que competindo com concorrentes. 12. Cultive a intenção de criar uma sociedade melhor. Além disso, o trabalho em equipe, linhas de comunicações abertas, cooperação, saber escutar e dizer o que pensa são rudimentos da inteligência social que devem ser resgatados para permear as ações de líderes, colaboradores, empresas e instituições governamentais, todos cientes de que 226


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a espiritualidade nunca é um presente, é preciso conquistá-la e trabalhá-la com ilusão e sonhos. Para construir uma liderança espiritualizada, é necessária uma nova mentalidade, quem sabe uma nova renascença com foco não no homem em si, mas no ser humano como um todo; afinal, estamos no crepúsculo de uma sociedade baseada em dados, em que, à medida que a informação e a inteligência tornam-se domínio das novas tecnologias, a sociedade atribuirá cada vez mais valor às habilidades humanas que não podem ser automatizadas, tais como as emoções, a imaginação, a criatividade, a iniciativa, a intuição e outras inerentes aos seres humanos. Numa liderança espiritualizada, a linguagem da emoção irá afetar tudo, desde decisões de compra e o setor vendas até a maneira como as pessoas trabalham uma com as outras. Assim, “o maior problema da tecnologia moderna não é que as máquinas comecem a pensar como pessoas, mas que as pessoas comecem a pensar como máquinas”. Não sabemos quem disse a frase acima, mas um líder E não pode permitir tal comportamento. Uma coisa é certa: a tecnologia muda, principalmente no mundo de hoje, mas o conceito de bem e de mal permanecem intactos, independente da tecnologia.

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Empresa espiritualizada

No longínquo século XVII, Bento de Espinoza (ou Baruch Espinoza), um dos grandes racionalistas da Filosofia Moderna, já dizia: “nada existe que não tenha alguma consequência”; por essa razão, o ser humano precisa refletir sobre o seu papel social. O homem precisa construir o seu novo ser, construir novo jeito de governar, uma nova empresa, mais humana, mais espiritualizada, fazer com que, de certa maneira, as instituições seja reféns do ser humano e não o contrário. Construir um ambiente com espírito ético, fraternal e voltado para o resgate de uma hipoteca social. Para enfrentar esse desafio, somente boas intenções não bastam. Isso significa que a existência de uma organização espiritualizada não deve ser pensada apenas em função de seu potencial de lucro, mas com a consciência de que ela está inserida num sistema social mais amplo; logo, ao se pensar a existência de uma organização espiritualizada e socialmente responsável, deve-se fazê-lo tendo em vista os impactos desta sobre o sistema.

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Na verdade, o cerne da construção de uma organização espiritualizada gira em torno da preponderância do fator ético sobre os demais. A ética é o pressuposto primeiro quando se imagina uma organização espiritualizada. É sentir-se corresponsável pelos problemas dos colaboradores e pelos problemas da sociedade. Quantas organizações se dizem espiritualizadas e socialmente corretas perante a sociedade, publicando balanços sociais de feitos extraordinários, e internamente tratando seus colaboradores como trabalhadores do século XIX? A organização espiritualizada deve possuir propósitos e instrumentos sociais para dentro e para fora de seu ambiente, os quais não podem ser confundidos com práticas comerciais e/ou objetivos econômicos. Numa organização espiritualizada não existe a separação entre planejamento estratégico e políticas sociais. O social é uma variável indispensável para a concepção da estratégia, o que é diferente de meras ações assistenciais. Organizações não espiritualizadas se preocupam mais em anunciar o que vão realizar do que aquilo que realizam. Trata-se de atitude nada ética – e ser ético é um grande negócio, um investimento que traz muitos frutos. Se a organização for transparente e correta, as pessoas terão confiança tanto nos seus executivos quanto nos produtos e serviços. 229


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O comportamento ético é um impulso natural por ter sido gerado a partir da nossa livre compreensão das coisas. É espontâneo, naturalmente orientado para não causar dor ou sofrimento às pessoas e fazer o bem sempre que possível. O profundo respeito pelos outros é a base do comportamento ético, exigência para a qualquer construção dos valores empresariais. Para tornar-se uma organização espiritualizada, é preciso que tenha como valores centrais a honestidade, a integridade e o respeito às pessoas. É preciso acreditar na importância de se promover a confiança, o trabalho em equipe e o profissionalismo e, principalmente, o orgulho do que se faz. Fundamental é entender que os valores empresariais subjacentes devem determinar os princípios da empresa, que devem ser aplicados a todas as suas ações, além, é claro, de descreverem o comportamento que se espera de cada colaborador na condução de suas atividades. A empresa deve reconhecer que o seu comportamento deve se equiparar com as suas intenções para que, pautada em valores éticos e morais, torne-se uma empresa efetivamente espiritualizada. Também em uma organização espiritualizada é necessário que cada colaborador olhe para si com estima, sendo humilde e tendo consciência de suas limitações e defeitos. Entender que para ser vitorioso é necessário buscar 230


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constantemente a perfeição através de pequenos passos, combater os pequenos defeitos e reconhecer a importância de ser ajudado. Num mundo de aceleradas mudanças, a pior atitude que uma organização pode ter é a de querer viver totalmente “limpa” no sentido pejorativo do termo, isto é, não se envolver, não se comprometer, não participar. Sobreviver, hoje, é ter coragem de se “sujar” um pouco por causas pelas quais vale a pena lutar. É preciso participar de projetos sociais, sejam eles filantrópicos ou culturais, e construir uma relação saudável com seus colaboradores. Organizações não espiritualizadas não querem correr nenhum risco e por isso não se comprometem com nada, além de criticar as que tentam fazer a sua parte. Essas só esquecem que assim agindo os clientes também se sentem livres para não se comprometerem com elas e assim acabam ficando sozinhas num mundo onde o isolamento é fatal. O homem necessita iniciar uma nova etapa de sua história, uma nova forma de agir, um novo modelo de gestão, muito mais participativo e menos centralizado. Esse novo modelo requer imparcialidade, predisposição para fazer também perguntas proibidas; requer certa dose de confiança em que as respostas corretas sejam surpreendentemente simples. Requer sensibilidade e compreensão. Requer muita dedicação, não importa em que momento ou de que forma. Requer amizade, de forma que o 231


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carinho entre as pessoas ultrapasse os muros da empresa; requer gratidão, que pode estar em atitudes cuja grandeza pode estar muito além de nossa compreensão. Requer amor, sentimento que incentiva alguém a desejar o bem maior de outra pessoa, mesmo que seja seu concorrente. Sabemos que isso é muito difícil no mundo corporativo, mas é necessário. Importante é exercitarmos a virtude da humildade, que pode ser traduzida no desejo de servir o próximo. É preciso solidariedade, nada mais que o sentido moral que vincula a pessoa à vida. Requer compreender e aceitar que para alcançar um sonho é preciso muito mais do que conhecimento científico. É preciso ter esperança, enxergar além das nuvens. Para tanto, é preciso sabedoria, que nem sempre se revela no momento em que desejamos, porque ela pode estar nas entrelinhas, nos entremeios, trazendo sensatez, justiça, calma; é a lição que nos ensina ser necessário confiar para compreender. Como ensinou Padre Vieira, em seu Sermão do Santíssimo Sacramento feito na Igreja de Santa Engrácia, em Salvador, na Bahia, em1662, é preciso união: “Dentre todas as coisas ainda que não sejam coisas, a palavra é união. A união de tijolos é edifício, a união de ferros é navio, a união de homens é exército, até o homem é a união de corpo e de alma, porque, o edifício sem união é ruína, o navio sem união é naufrágio, o exército sem união é despojo e 232


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o homem sem a união de corpo e de alma é cadáver”. Pergunta-se: o que seria de uma empresa sem a união de todos? Mas outras exigências se fazem para construir uma empresa espiritualizada. Por exemplo, franqueza, sinceridade, lealdade e aceitar com seriedade tanto críticas quanto elogios. Requer tolerância, humildade, intuição, bom-senso, requer paciência. Dizem que paciência é a virtude dos sábios, mas, para a organização espiritualizada, é a calma do amor, do afeto para com seus colaboradores, parceiros e stakeholders.

Boas ideias – Como conseguir?

Existe uma concepção errônea de que o bom líder tem que necessariamente ser a origem de todas as ideias brilhantes. Não é verdade, até porque a fonte de ideias não é o mais importante. O que interessa é o fato de os líderes apoiarem e encorajarem as pessoas a gerar novas ideias; porém, a insegurança e a prepotência de muitos fazem com que esses se inibam, e até roubem ideias de seus subordinados, apresentando-as como suas. 233


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O verdadeiro líder deve entender que a melhor maneira de vencer não é chegar junto, derrubar, apossar-se de informações confidenciais, e sim antecipar-se, conseguir gerar boas ideias. Para tanto, o líder precisa buscar pessoas talentosas e compreender que os colaboradores não são seus, são colaboradores de ideias. Como líder, deve se colocar como catalisador de ideias. Qualquer negócio, independentemente de seu ramo ou tamanho, requer uma transfusão maciça de talentos e ideias, componentes mais fáceis de serem encontrados entre os não conformistas, dissidentes e rebeldes do que entre os colaboradores metódicos e comportadinhos. Pode parecer um pouco exagerado, porém, não é fácil conseguir pessoas talentosas; a concorrência está acirrada também nessa área, apesar de muitas empresas abrirem mão delas sem se aperceberem. Em administração, a única coisa que não sai da moda é o talento, independente da época, lugar ou estilo. Orientar-se pelas ideias de pessoas talentosas talvez seja uma das características mais importantes para um bom líder, embora não o suficiente. Ken Blanchard em seu novo livro “Gung Ho”, expressão chinesa associada aos conceitos de motivação, colaboração e interajuda, que nos EUA vulgarizou-se com a expressão go for it, significando força, diz que “como num jogo de futebol, 234


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o líder deve entusiasmar a equipe, aplaudir, incentivando-a a marcar o gol, pois sem pontuar não há jogo”. O livro conta a história de uma gestora que tem a natureza como modelo e administra uma fábrica com base nos ensinamentos de um índio. Para ela, existem três segredos para o sucesso de um empreendimento: o espírito do esquilo, o método do castor e o talento dos gansos. O espírito do esquilo foca a energia das pessoas. A principal característica do esquilo é ser trabalhador: os esquilos nunca param, estão sempre em atividade. Trabalham arduamente porque consideram que seu trabalho vale a pena, reconhecem que ele faz a diferença, e que objetiva um propósito comum. O castor controla as suas ações até atingir o objetivo; para isso, é necessário respeitar, ouvir e levar em consideração os pensamentos, sentimentos, necessidades e sonhos de cada um. Quanto aos gansos, sabemos que eles voam em grupo. Quando o líder está cansado, se junta ao grupo e outro ganso assume a liderança do voo. Trata-se de uma liderança partilhada; além disso, quando estão juntos fazem grandes algazarras, como se estivessem congratulando-se: esse é o principal dom do ganso, a felicitação. Para implantar o mesmo dom na empresa, é preciso que o líder faça felicitações verdadeiras, que podem ser diretas, como um elogio, um sorriso, um afago ou um aperto 235


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de mão; ou indiretas, quando entrega a alguém um trabalho muito importante, dando-lhe total liberdade para a execução. Qualquer que seja a forma, elas precisam ser verdadeiras. Importante também é comemorar o progresso, como fazem os gansos, entusiasmar a equipe, incentivá-la a fazer o gol, já que sabemos não haver jogo sem pontuação, mas é importante também comemorar progressos, não somente os gols. Muitas empresas fazem um esforço enorme para buscar a descentralização, o que requer líderes que escolhem, criam, convencem e causam; enfim, líderes que possam tomar decisões em todas as camadas e setores da organização. São essas as razões que fazem com que esteja tão enraizado na sociedade o mito de que líder é quem está no topo da hierarquia. Isso não é necessariamente verdadeiro: muitas vezes quem está no topo da hierarquia não é necessariamente o líder. Definir normas não constitui a essência do líder. Ordenar, gerir, chefiar, embora sejam atribuições importantes, não são sinônimos de liderança. É claro que o ideal é que os gestores tenham capacidade de liderança e que os líderes tenham capacidade de gestão. Liderança é um tema que vem sendo discutido desde os mais remotos tempos pelo homem, apesar de perigoso. 236


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E é perigoso porque significa desafiar as pessoas a mudar hábitos, valores, mudar a vida, o que tende a gerar estresse. Infelizmente, alguns gestores reagem atacando, denegrindo a imagem do líder, inventando e construindo inverdades para justificar posturas autoritárias, por não conseguirem conquistar a simpatia e a admiração de seus comandados. Ser líder não mais significa apenas ter visão, reunir pessoas e montar uma equipe em torno de si. O desafio do líder E é detectar as mudanças e fazer com as pessoas se adaptem a elas. Esse é o papel do líder E: aprender e ensinar todos a lidar com os conflitos existentes entre as crenças e a realidade a ser enfrentada. Para tanto, o líder E deve ter força emocional para tolerar incerteza, frustração, angústia e dor. Por outro lado, não precisa chegar ao absurdo de levar adiante o mito pelo qual o líder é um guerreiro solitário. Ao contrário, deve lidar com os conflitos existentes junto com sua equipe de forma coesa e harmoniosa. Como dizia Luciano de Crescenzo, ex-presidente da IBM na Itália: “Somos todos anjos com uma asa só; e só podemos voar quando abraçados uns aos outros”. O líder E sozinho não é nada.

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O líder E

O mundo de hoje costuma avaliar o valor de uma pessoa somente a partir do ponto de vista econômico, da produtividade, do espírito empreendedor, da competência, da sua titulação etc. Tais preceitos não estão de todo errados; afinal, o mundo corporativo sobrevive em função dos resultados alcançados e esses são fatores imprescindíveis para o sucesso; porém, o maior erro que se comete é reduzir o valor de uma pessoa a apenas isso. Somos seres compostos da dimensão social, emocional, racional e espiritual e quanto mais exercitarmos essas virtudes, mais expandiremos nosso potencial. Líderes que exercitam essas dimensões fazem a grande diferença. São esses os líderes que as empresas buscam; afinal, tecnologia não é mais um diferencial competitivo. As pessoas são muito mais importantes do que a tecnologia. O ser humano é constituído de um esplêndido conjunto de dimensões, dons e talentos. O mais excepcional valor de uma pessoa é a índole humana, em perene gestão e aprimoramento. 238


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Muitos moldam sua índole a partir de referenciais de caráter ético-religiosos, o que tem imprimido nas culturas e espaços sociais os mais diversos parâmetros de comportamento. A destinação de uma pessoa é consequência do que ela ama e busca. Ao amar, o ser humano entrega-se ao nobre movimento de sair de si, romper com as amarras que o prendem ao egoísmo e se dispõe à doce loucura de ser e sentir-se pleno na companhia de outro. Não é a busca que gera amor, mas o amor que impulsiona o ser humano a empreender a busca, a traçar objetivos, a cogitar estratégias para estar na proximidade, na cercania e na ambiência tanto do que ama, como de quem se sabe amado. Da consistência disso, emana o desvelamento da origem e da destinação humana, a gestação de seu caráter. O filósofo Feuerbach sintetiza esse sentimento quando diz “... sem dúvida o nosso tempo... prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade, a aparência ao ser... ele considera que a ilusão é sagrada, e a verdade é profana. Aos seus olhos o sagrado aumenta à medida que a verdade decresce e a ilusão cresce, a tal ponto que, para ele, o cúmulo da ilusão fica sendo o cúmulo do sagrado”. O líder E é uma pessoa que confia plenamente em sua equipe, não faz julgamentos precipitados, procura corrigir os erros sem ficar procurando culpados, torce pelo sucesso dos subordinados. Trazem harmonia a um ambiente repleto

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de disputas, de corridas pela vaidade e pelo reconhecimento. As pessoas são, de forma geral, boas e honestas. A confiança é o princípio básico que dá a necessária sustentação a um relacionamento e o líder E deve possuir discernimento para combater o individualismo em favor das ações em grupo, valorizando a qualidade de vida dentro e fora da organização. O líder E é aquele que: 1. Escuta seu coração sabendo que ele vibra na frequência da natureza. 2. É gentil com todas as pessoas que atravessam seu caminho. 3. Conversa de igual para igual, independentemente de níveis de hierarquia. 4. Evita discutir e procura escutar sem contraargumentar, falando apenas se tiver algo inspirado para incluir. 5. Admite que não sabe tudo e que talvez o outro tenha razão. Valorizar e enfatizar os pontos fortes dos outros deve ser uma prática constante de todo líder E. Circulou na rede digital um texto com o título “Ninguém é insubstituível”. O autor é desconhecido, mas exemplifica muito bem a questão. Na sala de reunião de uma multinacional o diretor nervoso fala com sua equipe de gestores: agita as mãos, mostra gráficos e, olhando nos olhos de cada um, ameaça: “Ninguém é insubstituível”. 240


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A frase parece ecoar nas paredes da sala em meio ao silêncio. Os gestores se entreolham, alguns abaixam a cabeça. De repente, um braço se levanta e o diretor se prepara para triturar o atrevido: – Alguma pergunta? – Tenho sim – respondeu o atrevido – e Beethoven? – Como? – Encara o diretor confuso. – O senhor disse que ninguém é insubstituível e quem substituiu Beethoven? Silêncio. O colaborador atrevido fala então: – Ouvi essa história e achei muito pertinente falar sobre isto. Afinal as empresas falam em descobrir talentos, mas no fundo, continuam achando que os colaboradores são peças ou apenas números, e que, quando sai um, é só encontrar outro para substituí-lo. Então, pergunto: quem substituiu Beethoven, Tom Jobim, Ayrton Senna, Ghandi? E Frank Sinatra, Garrincha, Santos Dumont, Monteiro Lobato, Dorival Caymmi, Elvis Presley, Os Beatles, Albert Einstein, Picasso e tantos outros? Quem os substituiu? O rapaz fez uma pausa e continuou: – Esses talentos marcaram a história fazendo o que gostavam e o que sabiam e, portanto, mostraram que são sim, insubstituíveis. 241


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O argumento do tal líder foi destruído. Portanto, não estaria na hora de rever seus conceitos e começar a pensar em como desenvolver o talento da sua equipe, focar no brilho de seus pontos fortes e não utilizar energia para destacar erros ou deficiências? Acredito que ninguém lembra e nem quer saber se Beethoven era surdo, se Picasso era instável, Caymmi, preguiçoso, Ayrton Senna, obcecado pela perfeição, Kennedy, egocêntrico, Elvis, paranoico. O que queremos é sentir o prazer produzido pelas sinfonias, vibrar com as memoráveis vitórias, se encantar com as obras de arte, com os discursos memoráveis e as melodias inesquecíveis, resultado de seus talentos. Cabe aos líderes mudar o olhar sobre a equipe e fazer brilhar o talento de cada um em prol do sucesso de um projeto, na busca de um objetivo comum a todos. Se um líder ainda está focado em ‘melhorar as fraquezas’ de sua equipe, corre o risco de ser aquele tipo de técnico de futebol que barraria Garrincha por ter as pernas tortas, Albert Einstein por ter notas baixas na escola, ou Beethoven por ser surdo. Na gestão dele, o mundo teria perdido todos esses talentos. Não vamos esquecer quando Zacarias, o personagem dos Trapalhões, faleceu. Didi, ao iniciar o programa seguinte, entrou em cena e fez um pronunciamento: “estamos todos muito tristes com a ‘partida’ de nosso irmão Zacarias. Por isso, 242


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hoje, para substituí-lo, chamamos.… NINGUÉM, pois nosso Zaca é insubstituível”. Estava declarando que cada um é dono de um talento único. Para alimentar a espiritualidade em sua organização, o líder E precisa criar um ambiente de trabalho no qual o foco seja também a realização integral dos colaboradores, promovendo a plena extensão do potencial e do talento, reconhecendo como únicos. Somente assim as competências individuais serão maximizadas e as contribuições se revelaram excelentes para o negócio. Para tanto é necessário estimular a participação e o pensamento criativo, criando um ambiente fértil para ações e ideias inovadoras. Isso só acontecerá se estimular e inspirar um clima de bom-humor e alegria, utilizando a comunicação como ferramenta não apenas de informação, mas principalmente de formação. O líder E deve ser exemplo de ética, integridade, valores elevados e ações sustentáveis; é alguém que tem consciência de que, antes de gerenciar seus colaboradores, deve gerenciar a si mesmo, buscando o aprimoramento pessoal e o equilíbrio emocional, tendo coragem de expressar amor, compaixão, humildade e gratidão, fomentando a visão compartilhada. Esse tipo de postura mostrará sua humanidade, criando sintonia com a alma de seus colaboradores, e dando condições de estabelecer elos construtivos entre todos,

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ampliando a confiança e a transparência nas relações, gerando entusiasmo e comprometimento das pessoas com os objetivos da organização. Deve ter em mente que as palavras são o espelho mais fiel da identidade de uma pessoa. É comum líderes afirmarem que a boca fala daquilo que o coração está cheio. Assim, um líder pode a todo custo esconder-se atrás de palavras rebuscadas ou de ótima fluência gramatical, mas acaba mostrando seu caráter pela entonação da voz e pela gesticulação, que são extensões de seu pensamento. É possível encontrar líderes bem trajados, carro último modelo, roupa de grife e relógio de marca, mas deselegantes nos sentimentos e no caráter. Quando falam, as palavras acabam apenas revelando o que, interiormente, não condiz com as aparências, gerando impactos negativos nas relações da empresa, seja entre colaboradores, seja dos negócios dessa empresa com outras instituições. A harmonia é a virtude mais preciosa em todos os campos da convivência humana. O líder E tem que aprender a alegria de viver desprendido de si mesmo e das coisas, entender que não somos plenamente felizes enquanto estivermos apegados a nós mesmos e às coisas materiais. Tudo é importante e possui o seu devido valor. Mas nada se compara à liberdade de auscultar a voz do espírito recriando a cada instante. Hoje a sociedade estimula à exaustão o ser exterior em 244


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detrimento do interior. O ser interior exige silêncio, meditação para presentear, num dado momento, com o dom da paz. Exteriorizado, o ser humano vive na periferia de si mesmo e do essencial da vida. Ser um líder E é um pouco disso: mostrar-se generoso, prudente, despretensioso, sereno, comedido. Infelizmente alguns recursos do mundo moderno não têm estimulado o ser humano a tais virtudes. Têm sim levado a relativizar seus princípios, a mecanizar as relações e até, em muitos casos, a multiplicar as possibilidades de saciar potencialmente sua ganância. O líder E é um profissional técnico, porém, com visão de conjunto. Objetivo, porém, flexível. Criativo, porém, focado. Cheio de energia, porém, equilibrado. Competitivo, porém, capaz de trabalhar em equipe. Hábil na gestão de pessoas, porém, firme. Líder, porque sua liderança foi conquistada. Para o líder E, mais importante do que fazer bem as coisas é fazê-las melhor. Não deve ser ganancioso, mas audacioso; procura diferenciais para subir na hierarquia, mas, acima de tudo, deve ser justo e trabalhar na busca da perfeita alegria. Perfeita alegria era uma das principais buscas de São Francisco de Assis, que é um exemplo forte de que a maior riqueza a ser conquistada é a realização plena de um ideal. Vivemos em um mundo em que muitos se imaginam pequenos deuses, capazes de tudo. De criar ou destruir, de 245


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admitir e demitir colaboradores como se fossem números que não se adaptaram à tirania da caixa registradora; aliás, é ilusório o sentimento de onipotência que alimenta grande parte da agressividade que hoje, perplexos, constatamos. Os extremos da vida de Francisco, durante os quais ele passou de playboy a penitente, revelam um indivíduo que se colocou à margem do mundo. Para ele, a honra não estava na companhia dos mais fortes, dos mais atraentes, dos mais bem vestidos ou mais seguros, mas entre os mais fracos. Fez uma experiência para o ser humano, a qual trouxe uma luz alicerçada no amor, na simplicidade, na humildade e na devoção. Conseguiu descobrir a fraternidade na ecologia em uma época em que a natureza era apenas a natureza, não fator de preocupação. Descobriu com os leprosos que esse ser humano doente, rejeitado e humilhado era igual a qualquer outro, apesar de ser obrigado a viver no isolamento. Francisco traçou um caminho, o caminho da superação. Saiu da sociedade não porque a rejeitasse, mas porque não conseguia descobrir o que buscava. Mesmo tendo vivido há mais de 800 anos, ainda nos ensina que o maior desafio está exatamente no novo, não apenas em tecnologia e conhecimento técnico, mas em conhecimento humano. Deixou-nos a lição de que, quem seja a pessoa, é necessário vê-la como ser humano. Para Francisco, a primeira coisa a ser construída em uma nova comunidade deveria ser uma escola, não uma igreja, o que demonstra a preocupação 246


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com o humano. Francisco, em relação à instituição que criou, era uma personalidade profética, não um jurista teórico. Era testemunha da integridade da vida de fé, não um gerente. Em sua identificação com aqueles que a sociedade polida rejeita, Francisco questionou a insensatez de confiar somente no dinheiro, nos bens e coisas materiais em busca da felicidade; seu conceito de felicidade destoa do conceito mundano de hoje, passa pelo valor que intitula de perfeita alegria. É instigante definir e entender na sua plenitude a perfeita alegria de Francisco de Assis. Supomos que nela estejam inseridas todas as virtudes humanas, as quais ele buscava com veemência. Diante de tantas virtudes, saber qual pode ser mais valiosa em busca da felicidade é o desafio constante. Praticar o bem já é por si só motivo de alegria. Ver o bem de outra pessoa também é motivo de júbilo. Porém, se formos avaliar que a felicidade é nosso objetivo maior, e que mantê-la é nosso desejo, talvez precisemos saber um pouco sobre a maior virtude de Francisco. Para nós, simples mortais, é difícil admitir que exista a perfeita alegria; o que existe são momentos fortuitos de alegria. Resta-nos, assim, crer que ela é possível e que podemos buscá-la nas situações mais corriqueiras do nosso cotidiano. Talvez possamos entendê-la adaptando-a ao nosso cotidiano empresarial. 247


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Quantas vezes nos deparamos com líderes malhumorados ou chefes descarregando toda a sua insegurança nos colaboradores? Quantas vezes nos sentimos injustiçados por termos sido preteridos para aquela promoção que julgávamos certa e, no último momento, negada sem uma explicação plausível? Por mais contraditório e sem lógica que possa parecer, esses são momentos de vivenciar a virtude da perfeita alegria. Porque, em momentos assim, o que nos leva a persistir não é o reconhecimento da chefia ou o amparo dos colegas de trabalho, circunstâncias sempre incertas. Administrar a frustração de forma serena, sem esboçar sentimentos de retaliação, é dar-se a chance de sentir a perfeita alegria proposta por Francisco. Ela acontece quando uma pessoa, independente dos que lhe são favoráveis ou contrários, se empenha em realizar com excelência aquilo que é seu dom. Não é a ausência de adversidade, é um estado de espírito que não se desestrutura mesmo ante a provação mais arrebatadora. Trata-se de um encantamento inefável e, por isso, imune a toda espécie de desgaste, seja humano ou profissional. Perfeita alegria são as convicções adquiridas no caminho do espírito percorrido que, com ou sem reconhecimento, jamais chegam a ser relegadas. Toda vez que não nos eximimos das virtudes próprias da condição humana, abrimos caminho para a perfeita alegria. Mostrar-se maior que a mesquinharia alheia é uma atitude humana e, por isso mesmo, divina. 248


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Não é fácil alcançar a perfeita alegria de Francisco, mas vale a pena tentar. Para começar, o líder E deve ter consciência de que não há subordinados, mas pessoas que se diferenciam unicamente pelo tamanho da responsabilidade que assumem; lembramos, mais uma vez, que hierarquia se faz a partir de delegação com responsabilidade. Ele sabe que o fato de exercer um cargo hierárquico não significa que seja melhor ou pior do que qualquer de seus colaboradores; pelo contrário, tem ciência de que, como pessoas, muitos talvez sejam até melhores do que ele. Deve plantar, ao longo de seu convívio diário com seus colaboradores, muito mais do que o necessário para a construção de uma organização de sucesso; trocas fraternas e férteis fazem com que se edifique mais do que simples encontros profissionais. Para o líder E, as principais barreiras para o verdadeiro sucesso são falsidade, o fato de não poder confiar, falta de transparência, de ética e de cumplicidade, preconceitos, rótulos, inveja, deslealdade, falta de ética, desonestidade, negativismo, pessimismo, ausência de elogios, distorções, prepotência, sarcasmo, entre outros. A primeira responsabilidade de um líder E é definir a realidade, os objetivos e as metas; a última é dizer “muito obrigado”.’ Isso resume a postura de um líder E. O grande desafio é se preocupar com o todo, mas também, e principalmente, se preocupar com a alma das 249


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pessoas e ajudá-las a reencontrar um sentido para a vida. Como diz Steve Farber, liderança é sempre palpável e raramente efêmera. É intensamente pessoal e intrinsecamente assustadora, exige que vivenciemos integralmente os ideais e os valores que abraçamos, além do ponto do medo. Essa é a postura do líder E. Tal forma de pensar, de agir e de viver ratifica-se nas palavras de Oscar Arias, prêmio Nobel da Paz e ex-presidente da Costa Rica: “Nossos líderes precisam entender que no século XXI não pode sobreviver com a ética do século XX. Todos nós precisamos nos tornar menos egoístas, menos agressivos e descobrir em nossa alma a compaixão necessária para as pessoas do planeta”.

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Características do líder E

É muito comum as empresas buscarem líderes com carisma e formadores de opinião; porém, carisma decididamente não entra na lista de qualidades de um líder. É certo que existem estilos pessoais que têm se revelado eficazes, o que acontece se os princípios éticos e morais estiverem certos. Se a empresa quer um bom líder, deve procurar caráter, não carisma. Para ser um bom líder E, são necessárias determinadas qualidades, mas como descobri-las? Claramente não existe uma única lista de qualidades de liderança que seja correta para todas as organizações, mas poderíamos considerar algumas. A primeira é coragem. Para ser um líder E é preciso ter coragem nas relações interpessoais. Coragem para seguir os princípios morais e éticos, para seguir as próprias convicções, mas também para mudar de mentalidade, aprender a desaprender. Coragem de “dizer não sei, mas vou descobrir”, em admitir que não é perfeito e admitir que nunca virá a ser. 251


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Coragem de colocar seus princípios acima dos preconceitos e do oportunismo. Coragem significa também desafiar a segurança. Os líderes não são perfeitos, mas quem disse que suas decisões devem ser sinônimos de perfeição? Tudo o mais depende dessa qualidade. Trata-se de uma combinação de fatores inexplicáveis como intuição, sorte, trabalho árduo e riscos assumidos. É preciso estar ciente de que para cada decisão certa existem centenas de decisões que não deram certo, o que não pode tirar o ânimo e a responsabilidade do líder E em decidir. Outra característica é confiança, derivada da coragem. Fazer alguma coisa começa sempre pela convicção de que se consegue fazer. Os líderes precisam da tenacidade que decorre da confiança e não da timidez ou da incerteza. Os dias atuais representam um desafio constante ao sentimento da confiança. Para quem trabalhamos, como trabalhamos e por quanto tempo trabalharemos são atualmente fatores em mutação constante. A confiança pode fazer a diferença entre o sucesso e o fracasso de um líder. Ela requer honestidade. Deixar claro aos colaboradores de que não só é humano errar como também é humano negar os erros, por medo de que isso prejudique sua carreira. Muitos confundem confiança com arrogância. Arrogância não é um termo simpático, mas traduz o comportamento de muitos líderes, que fazem tudo à sua maneira, para seu próprio benefício. Muitos dos fracassos na 252


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área de gestão se devem à arrogância, quando as pessoas não ouvem, quando adoram o seu próprio conhecimento e quando abusam do poder. Muitas vezes, é difícil reconhecer o arrogante logo de início, uma vez que não demonstra esse tipo de comportamento para os que são importantes para ele. O verdadeiro caráter surge quando sente necessidade de intimidar alguém, momento em que se revela difícil e desrespeitoso. As pessoas arrogantes podem nunca gritar, bater na mesa; podem, sim, ser sutis e cultas, podem nunca usar linguagem chula, mas no fundo estão apenas guardando sua raiva. Sabem que precisam dos outros, mas ninguém é suficientemente bom para elas. Tem tão pouco respeito pelos demais, mudam tantas vezes de ideia, que seus subordinados não conseguem elaborar planos sólidos, mais um motivo para suas críticas. É um comportamento destrutivo que chega a diminuir as chances de pessoas boas continuarem na organização, prejudicando a própria instituição, que perde assim seu verdadeiro capital intelectual. Outra qualidade importante do líder E é o bom-senso, resultado da união de conhecimento com inteligência. Em 1976, G. Cirigliano publicou um artigo em Juicio de la Escuela em Buenos Aires, de onde ainda podemos extrair lições interessantes sobre bom-senso. Conta que em época incerta aconteceu um incêndio 253


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num bosque onde se encontravam alguns porcos, que foram assados pelo incêndio. Os homens, acostumados a comer carne crua, experimentaram os porcos assados e acharam deliciosos. Logo, toda vez que queriam comer carne assada, incendiavam a floresta. O sistema foi desenvolvido e aperfeiçoado. Mas nem sempre as coisas iam bem: às vezes, os animais ficavam parcialmente crus ou tão queimados que era impossível comêlos. Em razão das deficiências, aumentavam as queixas. Já havia um clamor geral quanto à necessidade de se reformar profundamente o sistema. Assim, passaram a realizar congressos, seminários, conferências e jornadas para achar a solução. Mas não havia jeito de acertar a melhora do mecanismo, porque no ano seguinte repetiam-se os congressos, os seminários, as conferências e as jornadas. As causas dos fracassos do sistema, segundo os especialistas, podiam ser atribuídas à indisciplina dos porcos, que não permaneciam onde deviam – no meio da floresta –, à inconstante natureza do fogo, difícil de controlar, às árvores excessivamente verdes, à umidade da terra, ao serviço de informações meteorológicas que não acertava o lugar, o momento e a quantidade de chuva, ou... Como se vê, as causas eram difíceis de determinar porque o sistema para assar os porcos era muito complexo. As soluções que os congressos sugeriam eram, por exemplo, 254


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aplicar triangularmente o fogo de acordo com a velocidade do vento sul, cercar os porcos 15 minutos antes que o fogopromédio alcançasse a floresta toda; outros diziam ser necessário instalar grandes ventiladores que serviriam para orientar a direção do fogo. Poucos especialistas estavam de acordo entre si e cada um tinha investigações e dados para provar suas afirmações. Um dia, um investigador da categoria baixa, chamado João Bomsenso, falou que o problema era muito fácil de se resolver. Tudo consistia, segundo ele, em matar o porco escolhido, limpando e cortando adequadamente o animal, e colocando-o, posteriormente, numa jaula metálica ou armação sobre brasas, até que o efeito do calor e não das chamas, o assasse ao ponto. Ciente, o Diretor Geral de Assamento mandou chamálo e perguntou que coisa esquisita ele andava falando por ali. Depois de ouvi-lo, disse-lhe: “O senhor está correto na teoria, mas não vai dar certo na prática. Pior ainda, é impraticável. O que o senhor faria com os anemotécnicos, com os acendedores, com os especialistas, com a comissão redatora de programas de assados?” João Bomsenso, perplexo apenas respondeu, “não sei”. Diante disso o Diretor Geral continuou; “Temos que melhorar o que temos, não mudá-lo. Ao senhor falta sensatez, senso-comum; pare de ficar dando sugestão sobre um assunto que não lhe diz respeito, pois poderá trazer problemas para o senhor no seu cargo. Eu falo pelo seu próprio bem, porque eu 255


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o compreendo, entendo seu posicionamento, mas o senhor sabe que pode encontrar outro superior menos compreensivo”. João Bomsenso não falou um “A”. Sem se despedir, meio assustado e atordoado com a sensação de estar caminhando de cabeça para baixo, saiu e nunca mais ninguém o viu. Não se sabe para onde foi. Por isso é que até hoje é costume dizer que, na tarefa de reforma e melhoria do Sistema, falta o bom-senso. Se fizermos a seguinte pergunta: “Qual é a qualidade que poucos possuem, mas que todos julgam possuir?” A resposta mais óbvia será: bom-senso. Faça uma pesquisa, você vai ver uma quase unanimidade nas respostas. Mas, afinal, o que é um líder de bom-senso? É o líder ponderado, aquele que, para tomar uma decisão em relação à determinada questão, pondera; isto é, tem habilidade para segmentá-la e atribuir pesos adequados a cada parte da questão em análise. Na avaliação de um problema, o líder de bom-senso enxerga à sua frente uma pizza fatiada. Cada fatia representa um ângulo do problema. E, assim, ele valoriza cada um dos ângulos e pode tomar a decisão mais conveniente. O líder de bom-senso também tem consciência de que, uma vez tomada determinada decisão, terá que “trabalhar” os descontentes, pois, caso contrário, eles poderão influir negativamente no resultado da ação a ser executada. Utilizar o bom-senso é uma das principais maneiras de tornar possível 256


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o impossível. Mas, às vezes, é necessário despedir e não utilizar o bom-senso. Tal afirmação pode parecer paradoxal, mas acontece que não vivemos em um mundo em que as ocorrências seguem uma lógica linear. Conviver com paradoxos, agir muitas vezes de forma não lógica devem ser características básicas do líder atual. O líder que sempre segue a corrente simplesmente faz o que todos fazem. E, quando uma empresa faz o que é comum, ela não inova. E quem não inova não consegue tornar possível o impossível. Perceba neste último parágrafo não escrevemos “não ter bomsenso” e sim “não utilizar o bom-senso”, o que é diferente. A pessoa de bom-senso precisa ter consciência de que, assim como em muitos momentos basta utilizá-lo, também existirão momentos em que não utilizá-lo será a melhor saída. É quando deve esquecer as normas, ignorar as regras; enfim, o momento em que se deve contrariar o bomsenso. Tornar possível o impossível é consequência da inovação. E a inovação é fruto da criatividade que, por sua vez, manifesta-se mais facilmente quando utilizamos certa irreverência, quando nos libertamos de normas e regras. Enfim, ter bom-senso é ter plena consciência do que toca a organização e do que toca o coração das pessoas. Infelizmente muitos líderes sabem muito sobre o que leem nos livros, mas não sabem nada do que veem nas pessoas.

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Os líderes verdadeiramente sensatos são suficientemente espertos para reconhecer quando não sabem quase nada e mais sensatos se tornam quando tomam providências para aprender. Sabem que a sensatez exige sensibilidade e visão de conjunto, concentração e firmeza. Outra qualidade importante vem da combinação de coragem, confiança, bom-senso e maturidade, resultando na integridade. É certo que ela não vale somente para os líderes: todo ser humano precisa ser íntegro, mas os líderes E devem refletir integridade e honestidade em todos os seus atos, a todo o momento, e exigir o mesmo dos demais. Escamotear, esconder a verdade ou, até mesmo, inventar fatos para parecer bom, embora sejam formas de pura covardia. Infelizmente essa não é uma prática muito incomum. O que sustenta os melhores líderes, o que os faz ir mais longe e trabalhar um pouco mais para que as organizações tenham êxito, é procurar tornar a vida das pessoas melhor, não trabalhar sempre em benefício próprio. Ser líder é servir, aceitar que o reconhecimento pode ser tardio, talvez mesmo depois de sua despedida do poder; é saber que será combatido, que só terá bons colaboradores se convencê-los de que é a pessoa certa para levar as ideias e ideais adiante.

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A alma

O líder E deve ser a alma da empresa. Como assim? Se você se beliscar, poderá sentir que está vivo. Se alguém lhe chamar aos gritos, você certamente irá atender ao chamado. Seus sentidos lhe orientam como reagir a cada ato que ocorre em sua vida. Mas, quando alguém em que você confia e tem como exemplo de conduta e inspiração se ausenta, que sentido você usa para expressar o que sente? Provavelmente você usa sua alma! A alma é energia, não pode ser vista. É para o corpo aquilo que o astronauta é para a roupa espacial: dá vida e animação. Sem o astronauta a roupa será inútil. Tire a alma do corpo e o corpo desmorona. E a empresa tem alma? Para alguns, a alma da empresa é o cliente e o desafio é atrair e manter clientes lucrativos pelo maior tempo possível para que a organização possa se manter viva, saudável e crescendo.

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Para outros, a alma da empresa são seus colaboradores. Não é possível ter lucro sem colaboradores competentes, que se empenham em fazer coisas para clientes que se mantêm fiéis porque gostam do que recebem. Para nós, a alma da empresa está na liderança, pois o líder patrocina para toda a empresa a cultura da competência, do bom atendimento, dos processos corretos, do ambiente saudável, da visão ousada e da missão adequada. Se esses não forem os valores do líder também não serão da empresa. Portanto, o líder E tem o compromisso de ser verdadeiramente a alma da empresa, porque ele é capaz de inspirar e ensinar. Ensina que antes de se pensar em excelência é importante pensar em essência, fundamento de qualquer empresa, construída por meio de princípios e valores, éticos e morais, e atitudes contidas na alma do líder E. Ensina que a excelência não está em colocar mais e mais, mas não ter mais o que tirar. Ensina que a vida é uma aventura fascinante e repleta de riscos e que permite às pessoas transparecerem sua originária identificação com a itinerância. Itinerância de si para o seu semelhante, da casa para a sociedade, da solidão para o convívio, do anonimato para um gesto de solidariedade, da falsidade para o valor do caráter, do turbilhão urbano para o silêncio de um bosque, da terra para o céu, do tempo para a eternidade. 260


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Traços comuns entre líderes E

Os líderes, em geral, possuem muitos traços em comum. Um deles é a automotivação, responsável por fazer com que sejam impulsionados, indo além das expectativas. Para o líder E a palavra-chave é alcançar. Muitas pessoas são estimuladas a ir além, motivadas basicamente, no dizer de Herzberg, por fatores externos ou higiênicos, como alto salário, benefícios, status, prestígio, ascensão social. A afirmação pode parece taylorista demais, porém trata-se da realidade em muitas organizações. Por outro lado, é certo que os líderes E são motivados por desejos profundos de alcançar objetivos, ir além de seus limites, superar-se e incentivar sua equipe a se superar a cada instante. Mas, como identificar esses líderes E? O primeiro sinal é a paixão pelo trabalho. Eles buscam desafios criativos, adoram aprender e se orgulham de um trabalho bem feito. Mostram energia inesgotável para fazer as coisas de forma cada vez melhor, além de se sentirem insatisfeitos com os ambientes medianos. Normalmente são inquietos, insistem em saber por que as coisas são feitas desta ou daquela forma. 261


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E como são curiosos! A todo instante mostram-se ávidos a explorar novas abordagens para o seu trabalho e para o trabalho da sua equipe. Embora todos os líderes sejam razoavelmente inteligentes, nem todos são necessariamente curiosos. As pessoas com alta motivação mantêm um otimismo contagiante mesmo quando as coisas não saem como deveriam. Nesse caso, o autocontrole combina com a motivação e supera frustrações e a depressão que acompanham eventuais reveses e fracassos passíveis de acontecer ao longo de uma caminhada. O autocontrole é outro traço a ser considerado entre os líderes E. Imagine um líder que vê sua equipe fracassar estupidamente e, em lugar de esmurrar a mesa, exerce autocontrole, analisa a questão e propõe soluções. As pessoas que têm controle sobre seus sentimentos e impulsos são capazes de criar um ambiente de confiança e justiça, em que politicagens e brigas passam a ser raras; ali, e isso é o mais importante, a produtividade aumenta. O autocontrole é importante pela própria competitividade do mundo dos negócios, em que impera a ambiguidade e a mudança. O líder que controla as emoções consegue acompanhar as mudanças, não entra em pânico, é capaz de evitar julgamentos apressados, buscar informações e escutar explicações. Se o autocontrole é virtude importante para todos, 262


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muito mais ela é para o líder. Muitas das coisas negativas que acontecem dentro das empresas são resultados de reações impulsivas, um tipo de atitude capaz de atrapalhar até a sociabilidade, um traço importante e comum entre os líderes E. Sociabilidade não é apenas um comportamento amigável, embora as pessoas com sociabilidade sejam amigáveis. Se fôssemos conceituar, diríamos que é a capacidade de uma pessoa de administrar seu relacionamento com as outras, mas não é tão simples assim. O comportamento amigável do líder E tem objetivo claro. Significa impulsionar as pessoas na direção desejada, seja para que concordem com uma nova estratégia de mercado, seja para que se entusiasmem com relação a um novo produto e/ou serviço. As pessoas sociáveis costumam ter um grande círculo de conhecidos e a capacidade inata de descobrir pontos em comum com outros tipos de personalidade. Nesse sentido, os líderes E se esmeram em levar em consideração os sentimentos dos colaboradores. Trata-se de empatia. A empatia como componente da liderança é importante por três motivos. Primeiro é preciso que o líder seja capaz de perceber e compreender os pontos de vista de todas as pessoas. Pense no desafio de liderar uma equipe! Sabemos que não é fácil. Como toda pessoa que já fez parte de uma equipe pode confirmar, elas são caldeirões de emoções em efervescência.

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Outro motivo que deve ser levado em consideração é a globalização. O diálogo entre culturas pode levar facilmente a erros e desentendimentos. Para isso, a empatia é um antídoto. As pessoas que possuem tal habilidade estão sintonizadas e atentas às sutilezas da linguagem corporal, ouvem a mensagem por trás das palavras. Além disso, têm compreensão profunda da existência e da importância das diferenças étnicas e culturais.

O maior líder

Uma questão difícil de responder: se você fosse eleger o líder dos líderes, aquele que poderia servir de exemplo, em quem apostaria? Não é uma resposta difícil, o maior líder de todos os tempos foi Jesus Cristo. Basta olhar sua obra. Qualquer que seja o processo de avaliação, os fatos atestam que a organização fundada por Jesus é a mais bem-sucedida da história. Longevidade? Mais de dois mil anos. Riquezas? Incalculáveis. Números? Impossível de avaliar. Lealdade dos membros? Muitos chegaram a dar a vida por ela. Distribuição? No mundo inteiro, em todas as nações. Diversificação? Integrada em todo tipo de empreendimento com grande sucesso. Resultado 264


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final? Muitos milhões de adeptos literalmente fidelizados. Jesus Cristo reina, supremo, como o maior líder E que o mundo já conheceu. Não se está pregando ou pretendendo transformar Jesus em guru para os líderes de hoje, cheio de fórmulas, slogans e respostas para uma revolucionária mudança na vida das organizações, até porque Ele é muito mais do que isso. Agora, mesmo se colocarmos sua vida e seus ensinamentos fora de qualquer contexto místico ou espiritual, com certeza iremos nos deparar com ensinamentos altamente relevantes que podem ser aplicados com sucesso em qualquer área de nosso mundo corporativo, seja ele público ou privado.

Um novo amanhã

Um dia, um vento forte e cruel invadiu, sem convite, um ninho tranquilo onde uma família de sementes vivia. Essa aragem cruel raptou uma pequena semente indefesa e levou-a embora, até que, cansada e aborrecida com toda a aventura, lançou-se ao longe. E, então, a pequenina semente viu-se derrubada em terra estranha e desconhecida. Ali, sozinha e perdida, rolava por uma calçada de concreto até que parou por um estalo seco no cimento árido. Em seguida, a sola de 265


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uma bota de couro suja e maltratada pisoteou-a, apertando-a profundamente na fissura. Ficou presa. Uma refugiada aprisionada, descartada. Separada da família. Sozinha. Uma frágil sementinha órfã, presa firmemente em uma profunda e escura garganta. O desespero foi uma consequência. Então, aconteceu. Dentro do coração daquela sementinha indefesa, despertou uma força de vida milagrosa, mística e estranha, desafiou a morte. Com toda força, gritou ao mundo: “Eu viverei e não morrerei!”. Quando a primeira gota suave da neblina da manhã verteu naquela fissura e o cimento, a sementinha estava à vontade e absorvia a umidade cordial. Um punhadinho de pó, movendo-se com a brisa suave, entrou de mansinho na fissura para cobrir a sementinha lutadora que gritava mais uma vez: “Eu me enraizarei e crescerei”. Suavemente, silenciosamente, formou raízes com pelos microscópicos que descobriram afluentes escondidos nesse ambiente árido e hostil. Lá, nas cavernas, em miniaturas escondidas, as gavinhas meigas acharam mais umidade, mais alimentação pulverulenta, até que a sementinha peregrina, inchada e com determinação, fendeu uma abertura ampla, e rompeu-se para uma nova vida. E, numa manhã ensolarada e brilhante, uma pequena folha de grama apareceu na fissura da calçada, sorriu ao sol, riu para a chuva, acenou ao vento e, orgulhosamente, declarou: “Aqui estou eu, mundo!!! Eu lutei contra as condições 266


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impossíveis e venci!”. A história dessa sementinha, que abriu caminho no meio do concreto e se ergueu para a vida, nos faz refletir sobre o que somos capazes quando nos determinamos a lutar contra todas as impossibilidades! Sobreviver neste mundo competitivo é um desafio diário. Para isso, os líderes são chamados a transformações e adaptações, a fim de sobreviverem. Mas sobreviver, desabrochar, inovar, mostrar excelência e liderança nessa nova realidade nos exigirá ir além da eficácia. O que a nova era exige é “grandeza”, que somente a espiritualidade será capaz de oferecer. Há um mundo acabando e outro que está começando, no qual os valores éticos, morais e espirituais terão prioridade. Estamos exatamente na encruzilhada. A descontinuidade gera transformação, espaço para o novo, para o que não é conhecido; gera profundas mudanças na cultura das organizações e na postura de cada um de nós, como pessoas, profissionais e líderes. Buscar a espiritualidade significa abrir caminho para que a organização possa se antecipar ao restante do mercado na tarefa de satisfazer necessidades e desejos, e até superar as expectativas dos consumidores. A espiritualidade permite que os líderes se preparem com mais cuidado, sem serem obrigados a decidir e trabalhar sob a pressão dos concorrentes mais agressivos. 267


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Parafraseando Mahatama Gandhi: “Se queremos progredir não devemos repetir a história, mas fazer uma nova história”. Significa que os líderes precisam se reinventar a cada momento, acreditar que é possível e redescobrir o elo perdido. Ou seja, a espiritualidade.

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Bibliografia Livro: História da civilização ocidental; Do homem das cavernas até a bomba atômica. Editora: Globo – 1985 Autor: Edward Mcnall Burns Livro: Sapiens: Uma breve história da humanidade Editora: L&PM – 2014 Autor: Yuval Noah Harari Livro: Trabalho, Educação e Inteligência Artificial Editora: Penso – 2019 Autor: Rui Fava Livro: Homo Deus Editora: Harvill Secker – 2015 Autor: Yuval Noah Harari Livro: Era do Capital Editora: Vitage Books – 2004 Autor: Eric Hobsbawm

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Liderança E – Exigência para uma sociedade ética e justa Livro: História do mundo para quem tem pressa Editora: Valentina – 2016 Autor: Emma Marriott Livro: Uma breve história do século XX Editora: Fundamento – 2008 Autor: Geoffrey Blainey Livro: A ética budista e o espírito econômico do Japão Editora: Elevação – 2007 Autor: Ricardo Mário Gonçalves Livro: Textos budistas e Zen-Budistas Editora: Cultrix – 2010 Autor: Ricardo Mário Gonçalves Livro: A prática da história Editora: José Olímpio – 1995 Autor: Barbara W. Tuchman Livro: A última fronteira Editora: Gente Autor: Ken O’donnell Livro: Ties that bind – A social contracts approach to business ethics Editora: Harvard Business School – 1999 Autor: Thomas Donaldson and Thomas Dunfee

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Darci Piana e Rubens Fava Livro: O capitalismo é moral? Editora: Martins Fontes – 2005 Autor: André Comte-Sponville Livro: Endoquality Editora: Casa da Qualidade – 1997 Autor: Ken O’donnell Livro: Strategic Management – A stakeholders approach Editora: Cambridge Autor: R. Edward Freeman Livro: Os valores humanos do trabalho Editora: Gente Autor: Ken O’donnell Livro: Business Ethic Editora: Boston: Prentice Hall – 2010 Autor: Andrew C. Wicks – R. Edward Freeman Livro: A arte da felicidade Editora: Easton Press – 2004 Autor: Tenzin Gyatso – Howard C. Cuttler Livro: O espírito do líder Editora: Integração – 2010 Autor: Ken O’donnell

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Liderança E – Exigência para uma sociedade ética e justa Livro: Bridging the Values Gap Editora: Barrett: Koehler Publishers – 2015 Autor: R. Edward Freeman – Ellen R. Auster Livro: O futuro da administração Editora: Campus – 2007 Autor: Gary Hamel – Bill Breen Livro: Budha e os negócios Editora: Gaia – 2009 Autor: Lloyd M. Field Livro: A alma do negócio Editora: Brahma Kumaris – 2002 Autor: Ken O’donnell Livro: De olho no furação Editora: Casa da Qualidade – 2008 Autor: Brian Bacon – Ken O’donnell Livro: Os ciclos de vida das organizações Editora: Pioneira – 1996 Autor: Ichak Adizes Livro: Organizações em mudanças Editora: Atlas – 1976 Autor: Warren Bennis

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Darci Piana e Rubens Fava Livro: Os 7 hábitos de pessoas eficazes Editora: Stephen Covey Autor: Best Seller – 1989 Livro: Inteligência emocional Editora: Campus – 1998 Autor: Daniel Goleman Livro: A era dos extremos – O breve século XX Editora: Companhia das Letras – 1998 Autor: Eric Hobsbawm Livro: A empresa inteligente: O sucesso é humano Editora: Gente Autor: Elyseu Mardegan Jr. Livro: Empresa feliz Editora: Makron Books – 1996 Autor: Francisco Gomes Matos Livro: Os aspectos humanos da empresa Editora: Livraria Clássica Editora – 1960 Autor: Douglas McGregor Livro: Ética nas empresas: boas intenções à parte Editora: Atlas Autor: Laura L. Nach

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Liderança E – Exigência para uma sociedade ética e justa Livro: O homem moderno Editora: Mandarin – 1996 Autor: Enrique Rojas Livro: A quinta disciplina: Arte e prática da organização que aprende Editora: Best Seller – 1998 Autor: Peter M. Senge Livro: Sociedade pós-capitalista Editora: Pioneira – 1993 Autor: Peter F. Drucker Livro: Uma era de descontinuidade: Orientação para uma sociedade em mudança Editora: Círculo do Livro Autor: Peter F. Drucker Livro: Integração Editora: Makron Books – 2000 Autor: Philip B. Crosby

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