Revista Strombolli #1

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Strombolli Revista

fevereiro de 2009 • Edição #01


Revista

Strombolli Revista Stromboli > #1 >Fevereiro de 2009

Expediente Diretora Responsável • Sthefany Frassi Textos • Murilo Polese e Caio Perim Projeto Gráfico • Sthefany Frassi

Os artigos assinados são de responsabilidade dos autores e não refletem necessiariamente a opinião da revista. É proibida a reprodução total ou parcial de textos, fotos e ilustrações, sem autorização dos artistas ou editor da revista.

A Stromboli é um espaço aberto para novas idéias

Colaboradores: Ama Piktorama, Alex Vieira, Aya Rosén, Vinicius Almeida, Jasmin Druffner, MPatate, Murilo Polese, Caio Perim e Photoframe - Com Lynson Anjos e Vanessa de Oliveira

Para colaborar envie seu material por e-mail: revista@strombolli.com.br

Agradecemos a todos aqueles que de alguma forma participaram desta publicação, direta ou indiretamente, colaborando para a possível realização.

CARTAS Mande para Stromboli suas críticas e sugestões: revista.strombolli@gmail.com


Sumário Edição #01

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Strombolli Revista Stromboli > #1 >Fevereiro de 2009

PORTFÓLIO Ama Piktorama

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CORES

Ela gosta de ser feliz, ama música e também chocolate!

Alex Vieira

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Cidades cosmopolitas e delicadas, guardam detalhes leves e ricos em emoções e por mais informação que nossos olhos captem

Técnicas mistas e o contraste do preto no branco, quebrando com o vermelho vibrante

Aya Rosén

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perfeições estéticas com pequenas torções, distorções e manchas

Jasmin Druffner

MPatate

OUSADIA 33

Murilo Polese Da capoeira ao rugby, do doom ao samba e da certeza à incerteza, gosta de tudo que seja extremo suficiente para fazê-lo sentir vivo.

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Passou a infância fazendo bonecos de neve na Alemanha, entre as mil e uma viagens

FOTOGRAFIA 40

Photoframe Photografia digital

CINEMA 48

Caio Perim O futuro tem as marcas do passado como o pesadelo e as tatuagens nos braços, e condena as estórias passadas

A arte da capa dessa edição é de M Patate

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Ilustrações > M Patate http://www.flickr.com/photos/piktorama


Ama Piktorama Amaranta é uma ilustradora venezuelana residente em Buenos Aires conhecida como Piktorama. Depois de estudar artes, animações e cinema, decidiu entrar no mundo da animação gráfica. Desde então trabalhou como freelancer para a MTV, FOX, MUN2, VH1, Discovery Channel, Discovery Kids entre outros. Hoje ela trabalha como diretora de arte para a Nickelodeon Latino Americana, que ama muito. Em seu tempo livre, geralmente à noite, ela desenvolve seu projeto pessoal como Piktorama. Seus desenhos têm cores firmes que contrastam uma com a outra num emaranhado alegre e vivaz de traços e preenchimentos, elementos cur-

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vilineos, listrados e pontilhados deixam em evidência sua influência pela animação. Amaranta já apareceu em uma série de livros e revistas ao redor do mundo. Ela tem colaborado com artistas e designers incríveis e com exposições de ilustrações em paises como Estados Unidos, Austrália, Lithuania, Brasil, Argentina, Costa Rica e possivelmente em breve na Venezuela. Piktorama além de muito simpática, é uma pessoa colorida, artista, ilustradora e designer, uma grande e boa irmã e amiga. Tudo isso a torna uma pessoa feliz, o que fornece inspiração para seu mundo mágico, detalhado e brincalhão tornarem-se realidade.

Ela gosta de ser feliz, ama música e também chocolate!


Ama Piktorama

Ilustraçþes > Ama Piktorama http://www.flickr.com/photos/piktorama

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Ama Piktorama

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Ama Piktorama

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Alex Vieira

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Ilustrações > Alex Vieira http://www.flickr.com/photos/smart_alex


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Alex Vieira Alexsander Vieira nasceu, cresceu e mora em Vila Velha, Espírito Santo, cidade conhecida fora das redondezas pela cena punk e hardcore local. Alex foi vocalista da banda Ajudanti di Papai Noel e hoje toca no Morto Pela Escola. Prestes a concluir Artes Visuais na UFES, faz questão de manter-se cercado por tudo que o influência, como ilustrações e fragmentos de enciclopédias antigas, revistas em que possa buscar referências e publicações que auxiliem em sua produção, enriquecendo-a com outras fontes como arte conceitual. Possui um acervo de livros e quadrinhos, não restringindo suas inspirações a um modelo específico de arte, agregando aquilo que o agrada. Em geral, a arte punk, endossada por publicações e contatos pessoais e profissionais, é o coração pulsante dos seus trabalhos.

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Utilizando técnicas mistas e basicamente o contraste do preto no branco e quebrando o tom monocromático com um vermelho vibrante, seus traços sinuosos nos dão vários momentos na percepção do desenho, a cada nova análise são notados pontilhados, preenchimentos e elementos que haviam então passados despercebidos. Carregada de informação e desconstrução, cada composição, por mais simples que seja, agrega seus valores à sua arte. Alex publica muito ativamente em vários projetos nacionais como a revista Prego, na qual também faz o papel de editor, revista Protesta e os zines Full Metal Jerkoff, Nuclear Iogurte, Em Crise, Bongolé Bongoró e no Catálogo da Feira Anarquista de São Paulo. Futuramente seus trabalhos serão publicados nas revistas Gente Feia na TV e Ponta Seca.


ALEX VIEIRA

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ALEX VIEIRA

Ilustrações > Alex Vieira http://www.flickr.com/photos/smart_alex

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ALEX VIEIRA

Carregada de informação e desconstrução, cada composição, por mais simples que seja, agrega seus valores à sua arte

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AyA ROSEN

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Aya Rosén Nascida em Jerusalém, o pai Design Gráfico, a mãe Assistente Social e é a mais velha das três irmãs. Passou 12 anos na escola aberta de Nissui em Jerusalém, focando, no ensino secundarista, em artes, literatura e teatro. Completou o serviço militar e mudou-se para Tel Aviv depois de graduar-se na academia de arte de Bezalel, onde viveu em diferentes vizinhanças até mudar-se para o Brooklin, Nova Iorque, em Julho de 2006. Cada artista põe em seus trabalhos um pouco de si, liberando em sua atmosfera um pouco de sua personalidade e história de vida. Arte nunca foi uma surpresa para Aya Rosen, sempre empunhando com gosto gizes de cera e pinturas, coisas que a rodeavam desde cedo. Seus desenhos nunca eram os melhores da sala e nunca foi aquela criança que se destacava da sala por seus trabalhos artísticos, apesar de sempre está fazendo, mais como um hábito que qualquer coisa.

Expressando-se através da arte, uma espécie de fuga pela porta dos fundos, não se preocupa o que as pessoas iriam pensar sobre ela, características que tornam seus trabalhos ainda mais fascinantes. Seus traços usualmente surpreendem a nossa expectativa de encontrar perfeições estéticas com pequenas torções, distorções e manchas. Usando principalmente de uma paleta de cores que vai do vermelho ao marrom, consegue agregar uma sensação de tempo passado sem que seus desenhos fiquem pesados demais para que as freqüentes asas que aparecem ilustradas possam nos dar a impressão de que vão levantar vôo em bando. Hoje, recém casada com o homem que ama e sentindo que todas essas coisas, todas essas formas de auto-expressão e auto-conhecimento, vieram juntas para dar nesse espaço de tempo o lugar e a situação onde ela pode simplesmente ser ela mesma e ser amada por isso.

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Revista

Strombolli Envie seus trabalhos A Strombolli é uma revista independente com uma proposta de veicular conteúdo de arte. Ilustrações, cinema e fotografias de artistas que divulgam seu trabalho em sites pessoais. A revista será eletrônica e, a cada edição, será disponibilizado de 6 (seis) páginas para cada artista apresentar o seu trabalho. Para participar basta enviar um e-mail para:

revista@strombolli.com.br

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jasmin druffner

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JASMIN DRUFFNER Nascida em fevereiro de 1991 com polidactilia, depois de 10 difíceis meses de gestação, em Tucson no estado do Grand Canyon. Pitorescamente juntados, seus genes vieram do seu pai alemão e da mãe brasileira. Mudaram dos EUA, ainda nos seus tensos meses de vida e foram morar apenas por alguns meses na Guiana Francesa e depois na China. Passou a infância fazendo bonecos de neve na Alemanha, entre as mil e uma viagens. Votaram para o Brasil apenas no ano 2000, quando finalmente aprendeu a ler e escrever em português. Foi quando aprendeu que jamais adaptaria inteiramente a qualquer lugar ou cultura. Também percebeu que jamais poderia escolher entre o tropicalismo do Brasil e a nostalgia da Alemanha. Os anos foram passando, e Jasmin foi desenvolvendo cada vez mais a habilidade de exprimir em traços e cores seus pensamentos.

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Ilustração >Jasmin Druffner http://www.cachalote.wordpress.com

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Os anos foram passando e fui desenvolvendo cada vez mais a habilidade de exprimir em traços e cores meus pensamentos

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Ilustração >Jasmin Druffner http://www.cachalote.wordpress.com


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M Patate

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Ilustração > M Patate http://www.fotolog.com/mpatate

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M Patate Jean-Michel Ouvry é M Patate, um francês que está submerso em um mundo cheio de influências, capta tudo que pode e sintetiza em seus desenhos em forma de universos com funcionamentos próprios e uma complexidade fabulosa. Lugares com arquiteturas, terrenos e até mesmo culturas singulares são traçados no Photoshop dele. Cidades cosmopolitas e delicadas, guardam detalhes leves e ricos em emoções e por mais informação que nossos olhos captem, há sempre esse toque de leveza dado por aviões de papel que cativam as memórias das crianças que fomos ou somos ao criar nossos mundos de fantasia, para podermos brincar, sonhar, sorrir ou mesmo bancar o Godzilla! Como se não bastasse, o myspace dele é recheado de desenhos que ele animou, tornando aquela atmosfera estática de uma fotografia nostálgica em um grande circo colorido e movimentado, nos deixando como um bebê frente ao móbile colorido no teto. .

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Ilustração > M Patate http://www.fotolog.com/mpatate

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M Patate

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Murilo Polese Murilo, nasceu em Vila Velha, mas morou sua vida inteira em Vitória e hoje reside na Serra, Espírito Santo.

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Ilustração > Murilo Polese http://www.alfredosouza.wordpress.com

Queer Fiction

Filho de uma Assistente Social e um professor de Educação Física, faz Física na UFES e tem afinidade com inúmeras coisas. Da capoeira ao rugby, do doom ao samba e da certeza à incerteza, gosta de tudo que seja extremo suficiente para fazê-lo sentir vivo.

QUEER FICTION propõe redescobrir o significado transgressor da experiênciaerótica através da atitude estética, buscando a anulação das categorias do correto e do proibído, do belo e do sujo, a partir do questionamento dos papéis e afirmação das diversidades de corpos e desejos.

Tem paixão especial por música, sexualidade e conhecimento.

A experiência erótica guarda uma violência criativa, única capaz de nos arrebatar para fora do cotidiano mortificante e fundar nossa singularidade existencial. Por isso, é necessário assumir um novo compromisso de representação estética do erótico, através do questionamento das possibilidades do desejo, tomando a via do resgate da violência constitutiva da experiência erótica.

Foi apresentado ao QUEER FICTION através de amigos que fez na cena hardcore brasileira, caminho que passa exatamente pelas três áreas de seu maior interesse. Seus desenhos são uma interpretação gráfica, ora minimalista, ora detalhista, de fotos do coletivo de Porto Alegre. Seus desenhos também fazem parte da Revista Prego, número um e dois, porém o estilo e a temática é completamente diferente. Essa diferença é um traço típico devido a variedade praticamente sem conexões de suas influências.

o pornográfico passa a conjugar-se com o poético, para enfim explicitar os crimes do desejo, sendo o corpo e sua manipulação obscena os elementos pela forma e conteúdo. Como Georges Bataille afirmou: A “animalidade, ou a exuberância sexual, é em nós aquilo que faz com que não possamos ser reduzidos a coisas. A “humanidade, pelo contrário, no que tem de específico, no tempo do trabalho, é aquilo que, à custa da exuberância sexual, tende a fazer de nós coisas. QUEER FICTION queerfiction@yahoo.com.br

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Ilustração > Murilo Polese http://www.alfredosouza.wordpress.com


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Tem paixão especial por música, sexualidade e conhecimento. Ilustração > Murilo Polese http://www.alfredosouza.wordpress.com

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Photografia Digital contato@photoframe.fot.br

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Fotografias > Photoframe - Lynson Anjos e Vanessa Oliveira http://www.photoframe.fot.br

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Pi: um thriller de 60000 dólares Frenesi é uma das palavras que melhor define o filme, transe frenético de uma mente perturbada. Já na abertura o filme apresenta alguns dos 56 milhões de números que consistem o π seguido de uma série de contas algébricas e definições gráficas das ciências exatas. Aliás, tudo no filme é matemática, considerando que se baseia em apenas um personagem protagonista, Maximillian Cohen, que vê o mundo pela ótica dos números. Os outros eventos que envolvem os demais personagens podem não ter relação direta com a matemática, mas de certa forma são relacionados a ela por estarem ligados a Max. Em suma, o filme apresenta uma série de teorias e

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embasamentos algébricos para explicação da vida humana.

Transporta quem o assiste para uma grande tese explicativa dos mistérios da lógica temporal da existência Max desde criança apresentava um comportamento anormal de capacidade intelectual e sendo muito estudioso e focado nos números conseguiu se formar aos 16 e ser PhD aos 20 anos.

Porém, em toda essa genialidade se mostra também presente a loucura, esta refletida em múltiplas crises que se finalizam em clarões, como regressão à primeira vez, aos 6 anos, em que viu o sol - tinha sido ordenado por sua mãe para que não o fizesse. Influenciado pelo professor que buscava o padrão do Pi, Max decide achar o padrão da bolsa de valores: a mais viva e pulsante rede de milhões de mentes relacionada à matemática no mundo, e uma outra definição para caos. Baseando-se na teoria de Pitágoras, ele desenvolve uma forma de pensar que utiliza de espirais e da hipótese de ciclos que é aplicada na tentativa de padronizar os eventos da vida. Nessa busca incessante pela ordem e padrões Max acaba se encaixando inconscientemente em sua própria


teoria: vai em espiral em sentido ao caos. Desenvolve uma esquizofrenia que grossamente degenera seus raciocínio lógico e capacidade de relacionamento humano, se torna agressivo e os remédios não mais conseguem controlá-lo.

O quadro psicológico do personagem pode ser fechado também pelas cicatrizes de uma possível lobotomia ou intenso tratamento com eletro-choques O diretor Darren Aronofsky utilizou muito inteligentemente o rolo de 8 mm para gravar seu primeiro filme, e desenvolvido num preto e branco de alto contraste com cenas muito pre-

tas e outras muito brancas, conseguiu criar uma atmosfera forte e suja. A criação do filme em alto contraste e muitas vezes alta exposição fez com que Pi não entrasse na lista dos muitos filmes cinzas do preto-e-branco. O uso da câmera “Steady Cam” e as rápidas séries de cenas misturadas a uma trilha sonora de inquietas batidas eletrônicas contribuem para dar um ritmo acelerado ao filme. Quanto à estória, inusitadamente elementos como os judeus e estudos algébricos do Torá se misturam com o tumultuoso mundo da bolsa de valores. Diversos simbolismos estão presentes também, como espirais na fumaça, no café, na concha e até na gosma analisada em microscópio; no inseto, bug em inglês, que causa um bug no computador de Max e, conseqüentemente um bug em Max; na explanação da teoria do caos exemplificando-a com um tabuleiro de Go e flocos de neve.

Esses traços enriquecem a obra e a deixa mais envolvente, ímpar. O filme termina com uma bela representação da libertação do jovem matemático e muitos números e teorias em nossas cabeças. Para entender a linha de raciocínio de Max deve-se ler os três fundamentos dele:

1 – Matemática é a linguagem da natureza 2 – Tudo pode ser representado e entendido através de números 3 – Ao fazer gráfico dos números de qualquer sistema, surgem padrões. Portanto, na natureza há padrões em tudo

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A Fonte da Vida: clareza em ver o escuro “Assim Deus expulsou Adão e Eva do Jardim do Éden e colocou uma espada flamejante para proteger a Árvore da Vida.” Gênese 3:24 A Fonte não deixa linhas certas, precisas. Tudo bóia numa imensa bacia de águas turvas. Durante o filme pode-se criar hipóteses, desenvolver teses, se explicar, se enrolar e pensar tudo outra vez. Até o momento em que a interação entre as estórias se torna

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mais clara e gradualmente permite uma interpretação geral mais concisa do filme. São três as estórias que se passam em épocas diferentes, mas com o mesmo propósito: debater as diversas visões de vida e morte e vida após a morte. A incessante busca da eternidade se mostra como foco principal, com diferença de datas e de como essa eternidade é buscada. Na trama principal, passada nos tempos atuais, o apaixonante casal se depara com uma desnorteante situação: a grave doença de Izzi Creo, interpretada por Rachel Weisz. O marido Tommy Creo, interpretado por Hugh Jackman, é um grande cientista cirurgião que desenvolve pesquisas em animais. A esposa escreve um

livro sobre a situação da Espanha em meados do século XVI e a busca de um desbravador pela Árvore da Vida, a qual é protegida e reverenciada pelos maias da Nova Espanha.

Acreditavam que aquela possuía o misterioso poder de tornar imortais aqueles que bebessem de sua seiva A trama escrita por Izzi, reflexo de seus pensamentos e a lenda maia uma decisiva influência na sabia decisão de aprender a morrer, serve de retórica para a ostentação contra


Shibalba, a estrela que morre e da origem a outras estrelas, se torna a maior inspiração de Izzi, que estuda a fundo a cultura maia e embasada então pela lenda desenvolve o livro e a sua crença espiritual sobre vida e morte. A serenidade com que ela enfrenta a morte é contrastada pela desenfreada busca pelo impedimento dela, que é projetada no futuro onde a Árvore é a representação de Izzi já próxima do processo de criação, para não se dizer morte, e Tom na impotente esperança de que ela não morra. O próprio Tommy diz que a morte é uma doença como outra qualquer e pode ser curada, que há uma cura, e que ele irá descobri-la. A morte é sim uma doença, mas para quem fica, e a cura se expõe na simples aceitação dos fatos.

O futuro tem as marcas do passado como o pesadelo e as tatuagens nos braços, e condena as estórias passadas

No filme, é representada numa serie de subjetivas cenas de singela beleza que refletem inteiramente a visão de Tommy. Seja no passado quanto no futuro, desnudam o momento da aceitação da morte - sublimação. Aronofsky atingiu um soberbo nível de sapiência ao realizar uma obra como esta, que com um aspecto de sonho te envolve e faz pensar, em questionamentos que assiduamente invadem nossas mentes inquietas, curiosas, muitas vezes não sentidas amparadas. Enlaça as estórias com objetos que se interagem claramente, com objetos não concretos que são de subjetividade quase oculta e falas de desnortear. Tão enlaçadas são estas como o casal que se torna parte da sua vida enquanto o filme dura. Quase dá para

todos os assombrosos pensamentos que a morte próxima causa, e do sentimento vazio do nada seguinte. Nada esse que pode ser preenchido pela confortante crença em uma criação após o perecer.

senti-los ao seu lado sorrindo preocupações e chorando desesperos. As caídas melodias da trilha sonora cintilam como as velas flutuantes no salão da rainha, como os olhos dos personagens descobrindo novas esperanças, como as estrelas no futuro distante. Faz com que tenha um ritmo, que se transforma em pulsação, que é o marca-passo de seu sonho mais longo.

A morte é um ato de criação. A morte é o caminho para o sublime. A morte é curada pela superação

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Réquiem para um sonho quando os violinos prenunciam o pior Aronofsky conseguiu achar, se não o melhor, um dos melhores debates sobre dependências químicas: a obra escrita por Hubert Selby Jr. Réquiem Para Um Sonho denuncia o uso de ambos os tipos de drogas, licitas e ilícitas, de maneira imparcial e completa, como a relação entre os personagens desta sociedade se dá e como se desenvolve após a gradual degeneração de caráter dos personagens. Essa autodestruição desemboca em uma decadência irrecuperável dos mesmos, que perdem as últimas relações que mantinham com a sociedade, que se resume a limitados grupos, e também a chance de se recuperar. A mãe (Ellen Burstyn) é uma clássica depressiva que se isola do mundo real e vive o círculo de amigas e a TV, o seu vício.

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Uma ingênua senhora que se rendeu ao ócio e se tornou impotente no combate ao vício do filho Nesse conflito, alem de perder suas rédeas, acaba alimentando o comportamento do filho por deixá-lo roubar (e vender) repetidamente a televisão de sua casa. Recorre ao uso de medicamentos para emagrecer que a confortam e lhe dão projeções de um futuro próspero como, principalmente, ir ao programa de auditório que se torna seu sonho máximo de realização pessoal. Poderia então mostrar-se para o mundo e exibir sua bela prole resu-

mindo o sucesso que sua vida é. Uma ilusão que acaba se tornando em obsessão, uma desenfreada busca pela aparência de um ser que já não existe há anos, a senhora Sara Goldfarb magra, elegante, mãe de um prodigioso filho e viúva de um honrado homem. Anfetaminas são remédios que aceleram seu ritmo, atacam seu sistema nervoso e ativam seu cérebro. E, tomadas em grandes doses fazem muito mal à saúde. Harry Goldfarb (Jared Leto), filho de uma mulher sem pulso e facilmente iludível, se torna o que ela nunca desejou e espera que compreenda seus atos. Um cara que não desenvolve nada de relevante até o ponto em que entra na maior jogada da sua vida ao começar a comercializar drogas com a ajuda dos desbussolados Marion e Ty, passando então para uma nova etapa do maravilhoso mundo das drogas. Desenvolve uma relação


maquiada com a mãe, de mentiras e devaneios que são acreditados por Sara, que muito o ama, seja propositalmente fingido ou por pura aceitação crédula dos fatos. Eles inclusive fazem o que não querem um para o outro e reciprocamente alimentam seus vícios, exemplificados pelo ciclo das TVs: a dela, que se revertia magicamente em dinheiro quando vendida pelo filho - e sempre comprada em seguida por ela mesma, e a que Harry compra para a mãe após o repentino sucesso com o tráfico, um modelo possante e atraente. Marion Silver (Jennifer Connelly) vem de uma família rica mas não muito bem sucedida na educação da filha, que se torna uma mimada sem objetivo algum na vida. Torna-se completamente dependente das drogas tanto para produzir seu trabalho quanto pra manter relações sociais. Essa dependência é resumida em uma rápida cena a qual Marion está com ombros baixos e aparência desprezível e, logo após cheirar seu

alimento, surge bela e revigorada. Tyrone C. Love (Marlon Wayans) se resume na trama ao amigo que serve como impulso a novas tentativas, como apoio para tais, e que anseia por poder e dinheiro. No desenvolver do filme a perda, ou quebra de valores morais e o desperdício de uma carreira também são expostos pelo diretor. Há uma ótima cena num elevador onde Marion se encontra entre executivos, o que ela poderia ter se tornado, porém sendo uma prostituta que acabara de vender o corpo por drogas. Também na omissão desta prostituição, que vem sendo seu meio de sustento há algum tempo. O grupo dos personagens usuários de drogas ilícitas são os que não confiam, e não são de se confiar. No filme eles se mostram pessoas de caráter fraco, até de certo potencial, porém inutilizado. O diretor usou de recursos sonoros e visuais perturbadores para criar cenas de paranóia angustiante, lidando com conseqüências racio-

nais e irracionais das ações dos personagens e criando uma atmosfera muito densa. Aronofsky marcou-se fortemente pelas técnicas de Steady Cam e Hip Hop Montage com esse filme, que abusa de câmeras fixas no peito e sequências rápidas de cenas para mostrar o uso de drogas, o que faz de forma bonita e de repetição não cansativa. Também está presente no filme o uso de simbolismo, figuras de linguagem e um tanto de subjetividade, como vistos na cena de alucinação de Sara na qual o programa de TV se transporta para sua casa e grita: “Alimente-me Sara”. Sara está inserida na cadeia alimentar midiática, é o alimento, o ibope de que precisam. Réquiem para um sonho termina com a explicação visual exata do próprio nome, de certa forma a morte do indivíduo pela sociedade. O arruinamento dos sonhos e aspirações, tanto pensados por eles quanto esperados por outros.

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