Formas de morar nos Estados Unidos: Richard Neutra

Page 1

N E UTRA



Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo Felipe Kilaris Gallani

FO RMAS D E M O RAR

São Paulo 2016

N O S E S T A D O S U N I D O S: RI C HARD N E UTRA



Felipe Kilaris Gallani

FO RMAS D E M O RAR

N O S E S T A D O S U N I D O S: RI C HARD N E UTRA Relatório final de Iniciação Científica da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, apoiado pelo Conselho Nacional de Pesquisa, sob a

orientação da Prof.ª Dr.ª Joana Mello de Carvalho e Silva.

São Paulo 2016



Sumário 1. Introdução....................................................................................................................................................5

2. Parte I............................................................................................................................................................9 2.1. Uma arquitetura entre a Europa, os Estados Unidos e o Brasil: a trajetória e os ideais de Richard Neutra...........................................................9 2.2. Young Brazil..................................................................................................................................19

3. Parte II........................................................................................................................................................25

3.1. Domesticidade e arquitetura em Richard Neutra................................................................................................25 3.2. Os projetos para John Nicholas e Anne Brown, Stuart Bailey e Joseph Staller ........................................................................28 3.3. A Desert House de Edgar e Liliane Kaufmann....................................................................44

4. Considerações finais...............................................................................................................................119 5. Bibliografia...............................................................................................................................................121



1. Introdução

dência particular servia ainda naquele momento como prova de sucesso de seu proprietário, o abrigo destinado a ofere-

Este trabalho participa da pesquisa O avesso da arquitetu-

cer conforto aos seus moradores, a atender os ideais de de-

ra moderna: domesticidade e formas de morar na habitação priva-

mocracia e ao elogio do empreendedorismo e do trabalho.

da brasileira 1930-1960, realizada pela Prof.ª Dr.ª Joana Mello

de Carvalho e Silva com o intuito de investigar mudanças nas

victo da necessidade de fornecer por meio da arquitetura a re-

formas de morar no país em diálogo com os Estados Unidos

cuperação do contato humano com a natureza, fundamental,

da América. Para tanto, seu objeto de análise são os projetos

do seu ponto de vista, por razões fisiológicas. Justamente por

residenciais do arquiteto austríaco Richard Joseph Neutra

um processo criativo que considerava o diálogo com o enco-

(1892-1970). Radicado nos Estados Unidos desde os anos 1920,

mendante, cada projeto do arquiteto é condicionado ao en-

Neutra foi um nome fundamental da constituição de uma do-

tendimento específico do cliente, atrelado a conhecimentos

mesticidade específica, alinhada com os ideais do American

científicos. Assim, pode-se considerar a materialização do pro-

Way of Life, impactante entre arquitetos brasileiros, sobretudo

jeto a celebração de uma sequência de encontros, uma síntese

aqueles que atuavam em São Paulo em meados do século XX.

entre demandas e propostas, e, por isso, um documento vivo.

Neutra parece entender as transformações nos modos

Além dos aspectos já indicados, Neutra era muito con-

Ao longo da pesquisa, o diálogo com os clientes se tor-

de morar em curso naquele país no segundo pós-guerra, de-

nou a questão fundamental, seja porque tratava-se de um as-

senvolvendo propostas não só projetuais, mas também téc-

pecto recorrentemente indicado pela bibliografia, seja porque

nicas para edifícios residenciais, compromisso assumido em

tais diálogos interessam na análise da assimilação dos precei-

vários trabalhos, inclusive no livro Architecture of Social Con-

tos da arquitetura moderna pela clientela privada, questão

cern in Regions of Mild Climate (1948) que escreveu quando de

central para a pesquisa da orientadora. Assim, mantendo esse

sua passagem pela América Latina, quando travou contato

enfoque e o recorte temporal de 1930 a 1960, a seleção dos

com vários profissionais locais. Atento aos desejos dos clien-

projetos do arquiteto Richard Neutra definiu a escolha das re-

tes que ele procurava atender, a obra do arquiteto permi-

sidências realizadas para John Nicholas e Anne Brown (1936-

te além da leitura das propostas disciplinares, dos anseios de

38); Edgar e Liliane Kaufmann (1946); Stuart Bailey (1948) e

sua época, as particularidades da sociedade norte-americana

Joseph e Sonia Staller (1955). Em todos os projetos analisados,

em processo de industrialização, no momento de constitui-

buscou-se não somente o detalhamento da construção, mas

ção de sua hegemonia cultural. Deve-se lembrar que a resi-

também o seu processo de idealização, o modo pelo qual se 5


estabeleceram relações entre as partes envolvidas, segundo os

Richard Neutra, desde a sua formação até radicação nos Esta-

objetivos de pesquisa já indicados. Uma residência, contudo,

dos Unidos, destacando-se o conjunto de experiências e ide-

foi analisada em maior profundidade, em função da possibi-

ais que ajudam na compreensão de seus projetos residenciais

lidade de levantar um material documental completo desde

e nos diálogos estabelecidos com o Brasil. A segunda parte

a sua idealização até a sua inauguração e uso. Trata-se da Re-

volta-se para a análise dos projetos residenciais selecionados

sidência Kaufmann, também conhecida como Desert House.

desenvolvidos por Neutra na Califórnia, com enfoque espe-

Quanto ao desenvolvimento, a pesquisa contou com um

cial na Desert House. Nessa parte procura-se alinhar as dis-

grupo semanal de leituras e discussões organizado pela profes-

cussões apresentadas na primeira parte com a leitura dos

sora orientadora, voltado primeiramente ao contexto interna-

projetos, de modo a aproximar a sua trajetória da produção

cional e nacional de produção arquitetônica, concomitantes às

arquitetônica. Ao final do relatório apresentam-se as conside-

leituras que auxiliassem na compreensão das formas e ideais

rações finais sobre o texto e a experiência de pesquisa.

de domesticidade em curso. Na sequência, foram lidos e discutidos textos específicos sobre a trajetória e a obra de Richard Neutra, de sua autoria ou de críticos, atentando-se para os diálogos entre Estados Unidos e Brasil. Além da revisão bibliográfica, a pesquisa se dedicou também a um amplo levantamento documental, analisando-se revistas de época - Habitat, Acrópole e Módulo -, projetos, ofícios e fotos relativos à produção de Neutra na Califórnia. Parte desses documentos, fundamentais para a comprovação do seu processo criativo, seja do ponto de vista dos princípios arquitetônicos, seja do ponto de vista das características, hábitos e desejos dos seus clientes, foram levantados nos arquivos da Universidade da Califórnia (UCLA), em sua Special Collections Library Department, no Getty Museum e no Neutra Institute for Survival Through Design.

Os resultados da pesquisa são apresentados a seguir em

duas partes. A primeira dedicada a recuperar a trajetória de 6


2. Parte I¹

Life and Shape (1962), além de inspirações arquitetônicas como Otto Wagner (1841-1918), vivenciou também um ambiente cul-

2.1. Uma arquitetura entre a Europa, os Estados Unidos

tural muito rico, travando contato com figuras importantes

e o Brasil: a trajetória e os ideais de Richard Neutra

como Sigmund Freud (1856-1939) e Gustav Klimt (1862-1918).

Academicamente, ao ingressar na Universidade Técnica

Uma arquitetura concebida sem a devida atenção ao

de Viena - onde estudou entre 1910 e 1918 -, aproxima-se da

ser humano, certamente, não teria Richard Joseph Neutra

arquitetura de Adolf Loos (1870-1933). Com ele, Neutra pare-

como protagonista. Ao contrário da vertente funcionalista

ce apreender os ideais de construções sem ornamentos, per-

do movimento moderno, comprometida a pensar novos es-

mitindo o contraste somente nos ambientes internos com o

paços a partir de definições universais, o arquiteto austríaco

uso de diferentes materiais e objetos, diretamente associados

optou em sua carreira por considerar os anseios e as neces-

aos ideais de progresso então vigentes naquele início do século

sidades de cada indivíduo na concepção de suas obras. Em

XX. Mais do que isso, a proximidade levou o então estudante a

função desse cuidado, sua produção está estritamente relacio-

conhecer a vivência de Loos nos Estados Unidos, definido pelo

nada às características da sociedade de sua época, devendo

professor como um novo mundo de mentes abertas. Segun-

ser analisada como documento histórico, indicativa de pro-

do Neutra, “On his return to Europe, Loos tragically thought

postas de novos modos de morar que se estabeleceram no

he could change Vienna with his new knowledge; he seemed

diálogo entre o saber disciplinar específico e o público leigo.

then to fail dismally, except with me” (NEUTRA, 1962: 169).

Neutra nasceu no dia 8 de abril de 1892, em Viena. Cria-

Contudo, aos vinte e dois anos, a convocação para a Pri-

do com seus pais, uma irmã e outros dois irmãos, seu contato

meira Guerra Mundial (1914-1918) interrompeu seus estudos.

com o universo arquitetônico primeiramente se deu por meio

Após dezoito meses em combate, em seu retorno à Áustria, as

dos desenhos técnicos de seu irmão engenheiro e, principal-

dificuldades enfrentadas o levaram a mudar para a Suiça, em

mente, por sua vivência, percepção e admiração pela cidade

1919. Trabalhando ao lado do arquiteto paisagista Gustav Am-

em que vivia. Como destacado em seu livro autobiográfico

mann (1885-1955), Neutra foi apresentado a uma nova maneira de pensar arquitetura. Ali ele desenvolveu um fascínio pela di-

¹ Colaboraram para a recuperação da trajetória e dos ideais de Richard Neutra os textos Survival Through Design (1954), Life and Shape (1962), Architecture of Richard Neutra (1984), Richard Neutra: complete works (2000), Richard Neutra and the search for modern architecture (2005) e Arquitetura moderna desde 1900 (2008).

nâmica e equilíbrio do ecossistema, provocando a indagação da possibilidade de se estabelecer a mesma relação harmônica entre os seres humanos, raiz de seus posteriores conceitos 7


da essencialidade do contato entre a natureza e a vida huma-

conquistas - de certo modo experimentais - fossem perdidas. A

na, da possibilidade de se promover o bem fisiológico através

exemplo da Bauhaus (1919-1933), ideais de união e interação entre

da arquitetura, como veremos mais adiante. Ainda na Suiça,

arte e indústria seguiram como os futuros rumos da arquitetura.

o arquiteto conheceu Dione Niedermann (1901-1990), com

quem se casou em 1922 e teve três filhos - Frank Lloyd Neutra

petição para o centro mediterrâneo de negócios em Haifa, que

(1924-2006), Dion Neutra (1926- ) e Raymond Neutra (1939- ).

não chegou a ser construído. A premiação, contudo, tornou pos-

Em 1920, Neutra seguiu para a Alemanha, onde contri-

sível a realização de um sonho acalentado desde a graduação,

buiu primeiramente como arquiteto da cidade de Luckenwal-

quando por meio do contato com Adolf Loos tomou conheci-

de. No ano seguinte, trabalhou em Berlim ao lado de Erich

mento da arquitetura produzida nos Estados Unidos. Seja pelo

Mendelsohn (1887-1953), reforçando sua inquietação e a pos-

contato acadêmico, seja pela leitura de livros como o Wasmuth

sível intenção de incorporar todos os conhecimentos da van-

portfolio (1910) de Frank Lloyd Wright (1867-1959), ou então pelo

guarda europeia da época. O contato com Mendelsohn, nasci-

emergente apelo otimista da cultura construtiva norte-ameri-

do na Prússia, foi fundamental ao entendimento da produção

cana, sua admiração e, principalmente, sua curiosidade em co-

arquitetônica das primeiras décadas do século XX, junto a

nhecer o que lá se fazia foi crescente, ao ponto de impulsionar

Walter Gropius (1883-1969), Mies van der Rohe (1886-1969) e

sua mudança para os Estados Unidos em 1923. Não se deve me-

Hans Poelzig (1864-1936). Com eles, Neutra pode incorporar

nosprezar nessa mudança o fato de que o primeiro pós-guerra

novos materiais e possibilidades morfológicas em sintonia ao

foi marcado por uma grave crise econômica que dificultava o

movimento expressionista. Segundo Neutra, Mendelsohn “(…)

exercício profissional dos arquitetos na Europa e que, nesse

anticipated, in his sketches, a good deal of Oscar Niemeyer’s

contexto, eles buscaram várias saídas, entre elas a imigração.

expressionism.” (NEUTRA, 1962: 157), mostrando que ao logo

de sua trajetória suas referências e conhecimento sobre arqui-

tra procurou aprender com a experiência de imigração pre-

tetura se ampliou para além dos limites do continente europeu.

gressa de Loos, vislumbrando as possibilidades de inserção

Inicialmente, a assimilação da nova realidade europeia

profissional nos EUA. Por isso, inicialmente buscou trabalho em

venceu sua própria estagnação com exercícios de criação utó-

Nova York como desenhista, recuperando-se sua experiência

picos, avaliando também as técnicas do pós-guerra. Para um

em seu livro autobiográfico, Life and Shape (1962). O arquiteto

segundo momento, os interesses inevitavelmente voltaram-se

relembra dos primeiros escritórios com os quais teve contato,

às questões de planejamento urbano e habitacional, sem que as

sempre em uma sala pequena, com seis ou oito empregados,

8

Ao lado de Mendelsohn, Neutra venceu em 1922 a com-

Ciente das possíveis dificuldades em um novo país, Neu-


produzindo milhões de dólares com projetos que julgava de

de transição entre os séculos XIX e XX, o desejo mútuo entre os

baixa qualidade. Crítico, Neutra aponta que os empregados as-

Estados Unidos e a Europa em ter ou saber o que o outro fazia de

sumiam funcionalidade semelhante a peças de um motor, com

melhor ganhou força. A admiração europeia finalmente reco-

desenhos rápidos de várias linhas, incluindo contrafortes góti-

nheceu a tecnologia construtiva dos norte-americanos, e estes, a

cos e gárgulas padronizadas. O comentário dá conta das trans-

tradição, traduzida com o emprego de variados estilos europeus.

formações pelas quais passava a profissão, também ela atingida

pelo processo de modernização em curso. Tais mudanças ame-

crítica de Le Corbusier, sua experiência com a dinâmica constru-

açavam em parte o estado do arquiteto-artista, por isso Neutra

tiva americana foi proveitosa. O aspecto positivo que o arquiteto

era tão crítico a elas, procurando encontrar outros caminhos

soube explorar, entretanto, não obscureceu o que ele conside-

de prática profissional. Essa busca o levou a Chicago, onde co-

rava problemas fundamentais, a exemplo da degenerescência

laborou com o escritório Holabird & Roche, fundado em 1880.

das grandes corporações no tocante à ênfase nos problemas

técnicos em detrimento da criação de espaços mais humanos.

Sua função em uma grande empresa de arquitetura

Mas, ainda que Neutra provavelmente concordasse com a

comprovou aquilo que ele idealizava antes da imigração. Os

Seu posicionamento crítico, finalmente o levou a se

trabalhos alcançavam a desejada supremacia técnica, sem-

aproximar de Frank Lloyd Wright, arquiteto que conhe-

pre voltada às melhores soluções construtivas e ao progres-

ceu pessoalmente de modo inesperado, em 1924, durante o

so do mundo moderno. No entanto, o mesmo país que de-

enterro de Louis Sullivan (1856-1924). Na ocasião, Neutra

senvolvia as mais avançadas propostas técnico-construtivas,

demonstrou a sua grande admiração pelo arquiteto norte-

clamava por aprovação europeia com o uso ostensivo de or-

-americano que, depois de intensa correspondência, convi-

namentos e linguagens arquitetônicas passadas. Tal práti-

dou-o para trabalhar em seu ateliê, Taliesin, em Wisconsin.

ca resistiria durante toda a década de 1920, tendo levado Le

Aos olhos do jovem arquiteto, as obras de Wright eram fasci-

Corbusier a afirmar em Por Uma Arquitetura: “escutemos os

nantes por apresentarem soluções inexistentes na Europa, pela

conselhos dos engenheiros norte-americanos. Porém tema-

proposta de organização espacial de suas casas praticamente

mos os arquitetos americanos” (LE CORBUSIER, 1923: 24).

sem paredes e com ambientes abertos e mais integrados, ex-

Historicamente, desde o fim da Guerra Civil em 1865, os

pansíveis em qualquer direção. Conformadas em sua maioria

novos ritmos industriais norte-americanos conduziram, entre

nos limites de metrópoles em expansão, as primeiras residên-

outros fatores, à ascensão do país como uma nova potência

cias de Wright recuperavam o espírito das pradarias, trazendo

frente ao restante do mundo. Desta forma, durante o período

para o contexto suburbano as qualidades do campo. Em diálo9


go com a natureza local, Wright defendia a predominância da

deram, enfim, ser desenvolvidos a partir de 1925, quando

horizontalidade e o uso de materiais naturais como a madeira,

Neutra decidiu se mudar para a Califórnia. Segundo o ar-

de certo modo como uma continuidade do movimento Arts

quiteto, naquele Estado encontravam-se pessoas abertas às

& Crafts, iniciado na Inglaterra, nas últimas décadas do sécu-

propostas de uma arquitetura moderna e de novas formas

lo XIX e reinterpretado por ele no contexto norte-americano.

de morar, adaptadas ao clima e ao meio ambiente. Mas isto,

No entanto, nem mesmo a proximidade com o trabalho

inicialmente, só foi possível graças ao convite de seu ami-

de Frank Lloyd Wright levaria à plena apreciação de seus proje-

go dos tempos da Universidade Técnica de Viena, Rudol-

tos. Recuperando o período de sua mudança a Chicago, Neutra

ph Schindler (1887-1953), que acolheu Neutra e sua famí-

relata a sua grande decepção ao visitar as obras daquele que era

lia em sua própria residência, a Kings Road House, até 1930.

uma de suas maiores referências. A percepção de que os mo-

radores que encomendavam residências a Wright recorrente-

dler para a Califórnia, seguindo da Áustria aos Estados Uni-

mente se mudavam de residência, deixando para traz o projeto

dos, trabalhando em Chicago e ao lado de Frank Lloyd Wri-

do grande mestre norte-americano, impactaria a sua forma de

ght, sua personalidade em muito o diferenciava de Richard

projetar. A partir desta experiência, pensar uma arquitetura que

Neutra. O arquiteto, casado com Pauline Gibling (1893-

servisse e se adaptasse aos seus clientes viria a ser sua principal

1977), demostrava o seu grande interesse por interações so-

preocupação, o foco de seu exercício profissional, o seu com-

ciais, principalmente por relacionamentos progressistas e

promisso primeiro. Dessa forma, qualquer casa por ele proje-

liberais. Entendendo o contraste entre os casais, talvez seja

tada deveria refletir desejos, promover novas formas e ritmos

certo afirmar que a própria disposição espacial da casa in-

de vida em sintonia com as particularidades de seus clientes.

tensificou o contato direto entre universos tão diferentes.

10

Apesar da grande similaridade do percurso de Schin-

The people whom I had wanted to face, the hu-

O espírito da Kings Road House [1], concebida e man-

man beings whom I had seen in my mind’s eye

tida com ideais de liberdade e de compartilhamento – in-

and had assumed to be molded by architecture, or

clusive da privacidade -, deve ser responsabilizado por um

especially perhaps those fascinating human be-

crescente desconforto da família Neutra. Ainda que alguns há-

ings who had ordered this thrilling architecture of

bitos e comportamentos do casal aceitassem adaptações, ou-

the future and now were living in it happily ever

tros, relutaram a ser alterados. Neste sentido, Neutra parece

after, were not to be found (NEUTRA, 1962: 180).

ter continuado sua busca por maiores conquistas de modo a

Esse compromisso e abordagem arquitetônica pu-

constituir uma possibilidade real de inserção e, com isso, de


maior independência com relação a Schindler. Assim, dedi-

cativos projetos do arquiteto, a superação das previsões de

cou-se à escrita do livro Wie Baut Amerika (1927). Sua tradu-

custos, os problemas projetuais como o alagamento inde-

ção dos métodos construtivos norte-americanos, à exemplo

sejado das áreas externas em tempos de chuva e a descon-

do Palmer House Hotel (1923-1925) em Chicago, projetado

fiança de relações entre sua esposa e Schindler, levaram o

pela Holabird & Roche, e do El Pueblo Ribera Court (1923),

cliente a certo descontentamento. A prova disso, viria com o

projetado por Schindler, garantiu reconhecimento a ambos

requerimento de outra residência, agora, para Richard Neutra.

os arquitetos, com grande acolhida entre os europeus por ser

considerado a prova da engenhosidade e avanço dos meios de

tiva do arquiteto, sendo considerada hoje o seu mais icôni-

construção norte-americano pelos quais eles se interessavam.

co projeto. A Lovell Health House [2] foi concluída em 1928,

It was received with interest, I later discovered,

levando em seu próprio nome o sentido de sua construção.

in Tokyo, Rome, Paris, and all around the globe,

Como o primeiro projeto residencial nos Estados Unidos

because

experi-

completamente estruturado em aço, o assumido protótipo

ence and dealt with the miraculous American

em outra proporção permitiu a adequação biológica do edi-

production, in which the world had become in-

fício, desejada pelo próprio cliente em consonância com as

terested, and that organizational know-how in

investigações do arquiteto. Assim, arquitetura foi pensada

relation

197).

como a melhor forma de medicina preventiva, pretendendo

Inevitavelmente, o utópico conceito de convívio da casa

influenciar positivamente os processos químicos de seus mo-

para as duas famílias, seguiu para enfim proporcionar o seu

radores, como esclarece posteriormente o arquiteto: “Health

próprio fim. Apresentada a Rudolph Schindler por Pauline,

– by so far little seen fusion of interior and exterior – would

Leah Lovell (1884-1970), esposa de Philip Lovell (1895-1978),

benefit” (NEUTRA, 1962: 223). A proposta de uma constru-

seria personagem importante para a posterior saída de Neu-

ção suspensa, visou a economia de materiais, promovendo

tra da residência. Em um primeiro momento, Leah e seu

o diálogo entre os ambientes internos e externos. Seu suces-

marido – médico e naturopata -, encomendaram a Schind-

so, trouxe a visibilidade de Neutra e de sua arquitetura, ao

ler uma casa em Newport Beach. Construída em 1926, a im-

mesmo tempo em que a sua valoração e atenção aos clien-

portante residência de praia foi pensada como um volume

tes cresciam como elemento fundamental ao seu trabalho.

suspenso, de forma a exaltar a estrutura de concreto arma-

do. Apesar de poder ser considerada um dos mais signifi-

ma de morar poderia ainda servir às futuras necessidades hu-

it

to

reflected

actual

architecture

day-to-day

(NEUTRA,

1962:

O novo projeto celebrou a primeira oportunidade cria-

A fim de demonstrar que sua proposta de uma nova for-

11


[1]Kings Road House. Arquivo pessoal da Prof.ª Dr.ª Joana Mello de Carvalho e Silva. Abril de 2016.

[2] Lovell House. Julius Shulman photography archive, 1935-2009, Job 761. © J. Paul Getty Trust. Getty Research Institute, Los Angeles (2004.R.10) 12


13


manas, Neutra assumiu que não seriam as qualidades técnicas

cionalidade do “estilo”, por sua vez, foi defendida com dezenas

ou o uso de novos gadgets a resposta para a imunidade à ob-

de arquitetos de diferentes países, também apresentados em

solescência e sim o uso adequado dos materiais, incorpora-

duas outras seções da exposição: “Housing” e “The Extent of

dos ao espaço projetado em fiel consideração ao ser humano

Modern Architecture”. A seleção de projetos que compunham a

e suas particularidades. A Lovell Health House parece concre-

exposição, contudo, relevam um esforço para a justificar certos

tizar suas ideologias, permitindo a sequência de sua carreira

critérios que se mostrariam muito limitados. Afinal, ao negar

profissional, ao passo que o contato com Schindler, a partir de

características e movimentos contemporâneos à época - como o

1930, deixou de existir. O desenvolvimento de sua obra, con-

próprio expressionismo -, e incluir Frank Lloyd Wright a Walter

tudo, o afastaria ainda em termos de linguagem da vanguarda

Gropius em um mesmo grupo, deve-se atentar para seus limi-

europeia, cujos ensinamentos ainda se faziam presentes nes-

tes, imaginando-se prejuízos e generalizações desnecessárias.

sas duas primeiras obras de sua carreira nos Estados Unidos.

Pode-se comprovar essa permanência dos referenciais

fendeu a arquitetura como meio de promover a harmonia

europeus e, ainda, a repercussão da residência e sua impor-

entre estética, função e tecnologia, declarando princípios

tância ainda em seu próprio tempo, principalmente com a

fundamentais como a ênfase ao volume ao invés da massa,

inclusão de Richard Neutra para a exposição “Modern Archi-

a regularidade e padronização dos elementos construtivos e

tecture: International Exhibition”, organizada por Philip Jo-

a não ornamentação. Introduzindo ideais de geometria sim-

hnson (1906-2005) e Henry-Russell Hitchcock (1903-1987),

ples, a proposta deveria traduzir as necessidades culturais

para o Museu de Arte Moderna de Nova York em 1932. Con-

apesar das dificuldades financeiras e políticas após a Primei-

tabilizadas trinta e três mil visitas durante as seis semanas

ra Guerra Mundial. Johnson e Hitchcock insistiram na defi-

de duração, fotografias, desenhos e maquetes buscaram tra-

nição de valores estéticos, ao contrário dos europeus que

duzir os principais aspectos do então nomeado Internatio-

privilegiam os significados sociais, políticos ou tecnológicos.

nal Style, categorizando um primeiro grupo de arquitetos.

Recuperando ideais de prestígio e tradição europeia, a

nizadores ainda apresentaram o livro-catálogo The Inter-

mostra parece indicar certa continuidade de um embasamen-

national Style: Architecture Since 1922 (1932). Nele, são deta-

to ideológico a partir de quatro líderes da arquitetura moder-

lhadas obras dos principais arquitetos da exibição, como

na: Walter Gropius (1883-1969), Mies van der Rohe (1886-1969),

Walter Gropius, Raymond M. Hood (1881-1934), Howe &

Jacobus Oud (1890-1963) e Le Corbusier (1887-1965). A interna-

Lescaze (1896-1969) e Richard Neutra.

14

A “Modern Architecture: International Exhibition” de-

Complementando o conteúdo da exibição, os orga-

São divulgados en-


fim,

os elementos morfológicos e compositivos do novo

Analisando sua proposta de arquitetura em um sentido

estilo, tendo o livro como uma ferramenta educacional,

mais amplo, parece justo identificar a cada construção uma

não apenas como um importante documento histórico.

responsabilidade maior que a de servir seus clientes. Recupe-

Mesmo que a exibição possa ser vista como controvérsia,

rando seus ideais no livro Survival Trough Design (1954), Neutra

ela deve entendida como essencial para a carreira dos arqui-

declara a necessidade de novos caminhos ao ambiente urbano,

tetos participantes, principalmente para Le Corbusier, Oud,

destacando sua urgência à sobrevivência da espécie. Em sinto-

Mies van der Rohe e Neutra. Então classificados como repre-

nia ao conceito de adaptabilidade, as novas propostas constru-

sentantes da arquitetura moderna, seguindo os parâmetros

tivas e espaciais deveriam amenizar a subta transformação do

declarados no livro, o trabalho destes imediatamente ganhou

habitat - agora majoritariamente sem o contato primordial da

um novo significado. Quaisquer que fossem as construções

natureza. Para tanto, os materiais e técnicas frutos da industria-

que não cumprissem tais requerimentos, seriam desfavoravel-

lização não deveriam ser ignorados, mas sua assimilação deve-

mente classificadas como não modernas. Neste sentido, a Lo-

ria se dar em outros termos, ou seja, a indústria deveria se ade-

vell Health House – uma das poucas construções americanas

quar de modo a causar menos impactos ambientais, sem que

apresentadas pelo novo estilo -, trouxe ao arquiteto o reconhe-

se perdesse de vista a necessidade da produção de larga escala.

cimento necessário, a chancela das vanguardas europeias, ga-

If design, production, and construction cannot be

rantindo a continuidade da materialização de suas proposições.

channeled to serve survival, if we fabricate an envi-

Neutra, contudo, seguiu profissionalmente estabele-

ronment - of which, after all, we seem an insepara-

cendo para si a razão da forma como elemento fundamen-

ble part - but cannot make it and organically possible

tal. A determinação de cada espaço e sua respectiva caracte-

extension of ourselves, then the end of the race may

rização deveria ser desenvolvida defendendo o Biorealismo

well appear in sight. It becomes improbable that a

como princípio, em consideração fiel às incontáveis percep-

species like ours, wildly experimenting with its vi-

ções humanas, a partir da investigação exaustiva dos clien-

tal surroundings, could persist (NEUTRA, 1954: 21).

tes. Mostra disso, os projetos residenciais para C. R. Van der

O conceito de Biorealismo, incorporado nesse mesmo

Leeuw (1932), William e Melba Beard (1934), Josef Von Ster-

sentido, não deve ser visto como um privilégio de seus clientes,

nberg (1936), George Kraigher (1937), John Nicholas Brown e

mas como uma nova ordem construtiva que a metrópole deve-

Anne Brown (1938) indicam as possibilidades das novas for-

ria incorporar para também sobreviver. A recuperação do con-

mas de morar, junto à correspondência de parte da sociedade.

tato inerente e indissociável entre o homem e a natureza é pre15


ocupação central do arquiteto, principalmente por acreditar na

destaca uma proposta de readequação das salas de aula, cons-

sinergia entre técnica e conforto para a melhora fisiológica dos

tatando posteriormente os positivos reflexos com a redução de

seus habitantes em um momento de intensa urbanização e me-

65% das dificuldades de vista, 47,8% dos problemas de alimen-

canização da vida. Para tal raciocínio, no entanto, fazia-se neces-

tação, 43,3% dos sinais de infecções crônicas, 25,6% dos proble-

sário o emprego e o amparo dos conhecimentos científicos da

mas de postura e outros 55,6% de fadiga crônica das crianças.

época, pois estes, inevitavelmente, garantiriam a sua validade.

Neutra demonstra interesse na produção do fisiolo-

tre as configurações do espaço contruído pelo homem e sua

gista russo Ivan Petrovich Pavlov (1849-1936), do psicólogo

saúde física e mental, parece contribuir às propostas de no-

alemão Wilhelm Maximilian Wundt (1832-1920) e do médi-

vas formas de morar, desenvolvidas por Neutra na Califórnia.

co Darrell Boyd Harmon (1898-1975), de forma a questionar

Possivelmente por questões como o receio à inexistência do

a possibilidade de construção dos novos espaços a partir de

conforto nesses novos ambientes racionalmente planejados,

valores palpáveis. Mais uma vez, nota-se seu amplo cam-

que se fez necessário o condicionamento comportamental da

po de referências, independente de nacionalidades e pro-

sociedade. Assim, o apelo fisiológico pode ser entendido como

fissões. Ao que parece, a busca por informações que direta

um dos caminhos por ele encontrados ao estímulo inicial que

ou indiretamente pudessem refletir em sua produção, não

permitiria a aceitação de sua arquitetura. Segundo o arquiteto,

necessariamente se restringiam ao campo da arquitetura.

Acceptance of design must turn from a commercial

Para o melhor esclarecimento de tais ideologias de Ri-

into a physiological issue. Fitness for assimilation

chard Neutra, especialmente quanto à relação entre os diversos

by our organic capacity becomes a guiding princi-

campos de pesquisa e a arquitetura, deve-se atentar à publica-

ple for judging design because such fitness aids the

ção The Coordinated Classroom (1951), escrita por Darrell Boyd

survival of the individual, the community, the race

Harmon. O relatório desenvolvido pelo médico comprovaria

itself. Design must be a barrier against irritation

a relação fisiológica do espaço com a saúde humana, tendo

instead of an incitement to it (NEUTRA, 1954: 91).

Nesse sentido, a comprovação da correspondência en-

como objeto as escolas primárias do Texas. Mais do que apon-

tar as deficiências nos ambientes de ensino, são apresentados

hábitos e fixações da sociedade, necessário à evolução cultural

resultados de um extenso processo investigativo, associando

ainda em seu tempo. Suas obras seguiriam para toda a sua car-

questões odontológicas, de postura, visão e alimentação ao de-

reira à luz dos mesmos ideais, como a valorização das questões

senho do mobiliário, sua disposição e a iluminação. O estudo

fisiológicas, o Biorealismo e a exaustiva investigação de seus

16

Enfim, Neutra defende o constante enfrentamento dos


clientes, declarando a modificação ou a gradual substituição de

2.2 Young Brazil²

valores tradicionais. Tal processo de transformações sociais poderia ser notado com a integração ou segregação do ambiente

Em continuação cronológica à análise fundamental

construído, principalmente a partir da tipologia que traduzisse e

dos ideais e dos caminhos de Richard Neutra, consideran-

protegesse os desejos individuais humanos, a própria residência.

do as possibilidades e limites dos desdobramentos das novas

Justamente por ser possível identificar estes mes-

manobras para o condicionamento humano, é importante a

mos ideais desde o início do seu exercício profissional nos

recuperação de sua relação com o Brasil. A partir das refle-

Estados Unidos, até o fim, e não pelo emprego de mate-

xões de Jorge Francisco Liernur, serve o questionamento da

riais e técnicas construtivas inovadoras – como outros de

medida em que o modernismo brasileiro se relacionou ou

seu tempo também o faziam -, é que o arquiteto mere-

não com as proposições do arquiteto, a saber o diálogo entre

ce o reconhecimento de sua singularidade. São esses ideais

arquitetura e design em processo de industrialização.

que guiaram Neutra na produção residencial, cujos exem-

plos serão analisados em detalhe nos próximos capítulos.

gura seu texto The South American way: o milagre brasileiro, os

Cumpre agora pensar os diálogos entre Neutra e o Brasil.

Estados Unidos e a segunda Guerra mundial – 1939-1943, publi-

Contextualmente, talvez seja a pergunta que inau-

cado no segundo volume do livro Textos fundamentais sobre a história da arquitetura moderna (2010), a que melhor exprima fundamental inquietação, “Por que o Brasil” foi tão valorizado em sua produção cultural, incluindo a arquitetônica, no Segundo Pós-Guerra. As nítidas iniciativas de aliança dos Estados Unidos com o Brasil no período indicado, vista a competição United Hemisphere (1942) e a exposição Brazil Builds (1943), ambas organizadas pelo Museum of Modern Art de ²Para o desenvolvimento dessa parte do texto foram fundamentais as leituras The south american way: o milagre brasileiro, os Estados Unidos e a Segunda Guerra Mundial – 1939-1943 (1999), Da Antropofagia a Brasília (2002), Da Califórnia a São Paulo (2005), São Paulo, os estrangeiros e a construção das cidades (2011), Richard Neutra e o Brasil (2013) e os periódicos Habitat, Acrópole e Módulo. 17


Nova York, não devem ser encaradas despretenciosamente.

Vale notar que tais iniciativas também seguiram em di-

da Segunda Guerra Mundial, principalmente com a propagan-

versos outros países da América Latina, de forma continen-

da dos valores do American way of life e o posicionamento dos

tal. Além disso, é possível identificar não somente os esforços

Estados Unidos como uma nova potência, Neutra parece acom-

da política de boa vizinhança em território estrangeiro, mas

panhar e representar certa alteração do discurso. Agora priori-

também no próprio território norte-americano, principal-

zando um sentido educador àqueles que anos atrás permitiu o

mente com a divulgação da imagem dos latino-americanos

diálogo, o arquiteto publica em São Paulo, em 1948, seu livro Ar-

à sociedade, apresentando valores até então desprezados.

chitecture of Social Concern in Regions of Mild Climate, em português

Outrossim, pode-se afirmar as tentativas de aproxima-

e inglês. Consolidando sua passagem pelo Brasil, são traduzidos

ção dos Estados Unidos como incessantes, a exemplo de visitas

seus ideais de arquitetura, vislumbrando-se a edificação como

de oficiais, acordos bilaterais econômicos e símbolos popula-

meio de promover melhor qualidade de vida aos usuários, em

res como Carmen Miranda. Nesse sentido, a imagem do pró-

diversas escalas e usos, não somente em projetos residenciais.

prio arquiteto Richard Neutra, que visita Porto Rico em 1940,

o Brasil e outros países latino-americanos em 1945 - patrocina-

sing Authorities, diretor dos estudos da California State Plan-

do pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos , permite

ning Board e membro ativo da Professional Standards Comis-

sua identificação como parte dos protagonistas da época que se

sion, Neutra assumiu em seu capítulo inicial, O mundo rural

envolveram nos esforços de aproximação entre os dois países.

pede arquitetos, a necessidade de adequação e planejamen-

No entanto, ainda que as explicações para a produção

to rural. O arquiteto considera o alargamento da profissão

arquitetônica moderna brasileira aos olhos internacionais par-

e a necessidade de atender o povo em geral, que com no-

tissem da consideração do inesperado, com o sentimento de

vas exigências e melhor poder aquisitivo, traria progressi-

surpresa e desconcerto, a maior proximidade da produção es-

vamente o surgimento da indústria e seu desenvolvimento.

trangeira pareceu repercutir favoravelmente por aqui. A evolu-

ção deste contexto propõe explicações sobre o desenvolvimento

da melhoria das condições de vida ao meio rural, especialmente

da arquitetura moderna no Brasil, suas características e razões

com projetos de caráter público, como as escolas, para efetiva-

de valorização. A investigação de tal situação histórica significa o

mente promover transformações sociais. Entendendo a impor-

melhor entendimento da visita de Neutra ao Brasil, a descoberta

tância do sentido comunitário, Neutra defende a designação de

das mudanças dos ritmos de vida e o seu reflexo nas edificações.

dupla funcionalidade a uma mesma construção, vislumbrando

18

Celebrando o sucesso desta aproximação após o término

Conselheiro da U.S. Housing e da Federal Public Hou-

Seus pensamentos aqui, teriam como foco a proposição


a manutenção de sua atividade para todos os períodos possí-

mente, a redução dos gastos públicos com os serviços de saúde.

veis. Assim, imagina-se que durante o dia certa construção seria

uma escola e à noite um centro de atividades cultural e social

cação Architecture of Social Concern in Regions of Mild Climate (1948)

para adultos, com a participação ampla da comunidade. Ainda,

comprovam, enfim, a inserção do arquiteto em um contexto de

se fosse possível, outras construções junto ao centro escolar po-

esforços de aproximação internacional, junto à reafirmação de

deriam ser previstas, como a de um centro de saúde modesto.

suas ideologias. Desenvolvendo questões projetuais e concei-

Ciente justamente das dificuldades construtivas voltadas à

tuais a partir de similaridades climáticas com Sul da Califórnia,

possibilidade de expansão dos programas, o livro defende a pré-

Neutra destaca a possibilidade, e necessariedade, da recorrên-

-fabricação, centralizada em um determinado ponto, para que

cia de novas formas de projetar, construir e ocupar o espaço, in-

pudesse contribuir com o seu barateamento. Ademais, as edifi-

dependentemente das variações de escala e dos usos espaciais.

cações viriam a ser garantidas projetualmente, encontrando no

princípio da flexibilidade a possibilidade dos seus diversos usos.

moderna brasileira, parece repercutir nos anos seguintes, re-

Considerando a evolução dos métodos de educa-

cuperando-se a ampla divulgação de suas ideologias e projetos

ção e instrução que até agora ainda não se cristali-

através de publicações. Segundo o Índice da Arquitetura Brasi-

zaram numa forma única, é indispensável adotar

leira, para os veículos Habitat, Acrópole e Módulo, constam mais

um princípio capaz de evitar que as construções

de uma dezena de artigos dedicados à produção de Richard

deixem de preencher as suas finalidades e se tor-

Neutra entre 1952 – quando é indicado o primeiro – e 1960.

nem ineficientes e antiquadas (NEUTRA, 1948: 56).

Os primeiros contatos do arquiteto com o Brasil e sua publi-

A influência do arquiteto em diálogo com a arquitetura

São detalhados em cada oportunidade, os materiais e

A partir desta mesma proposta de arquitetura, recupe-

mobiliário dos projetos, o valor da investigação e do conhe-

ram-se os ideais do arquiteto, adaptados somente a valores

cimento dos clientes para o arquiteto, seus conhecimen-

tecnológicos, já que a realidade enfrentada não deveria ser a da

tos de psicologia e fisiologia humana e a disposição singular

metrópole em expansão. Notam-se esforços à garantia da hi-

dos ambientes. De breve notas acerca do lançamento de um

giene, ventilação e iluminação natural dos espaços, novamente

novo livro, até a extensa análise de residências, os meios bra-

pensados à melhoria da qualidade de vida e do uso das edifica-

sileiros de divulgação parecem encontrar correspondência.

ções. Neutra acrescenta às características construtivas o aspec-

Prova disso, é a notável série da revista Acrópole, entre 1957 e

to político organizacional, almejando - em razão de salas de

1958, com três artigos especiais à Richard Neutra, apresentan-

aula bem projetadas -, a redução de doenças e, consequente-

do dois projetos – incluindo a residência Staller (1955) – e a 19


transcrição de uma conferência realizada em Zurique.

que deveria existir o diálogo, a possibilidade do aprendizado

Esta mesma série ainda permite o questionamento

para ambas as partes da mesma forma em que se pode iden-

e resposta dos brasileiros interessados na arquitetura de Ri-

tificar em seus processos investigativos, que veremos adiante.

chard Neutra, os nomes daqueles que posteriormente pro-

duziriam à luz de suas ideologias. O caminho à descoberta se

adesão parcial ao funcionalismo arquitetônico e uma valo-

deu com a recorrente autoria dos artigos na própria revista

ração dos aspectos táteis e afetivos do espaço. Como explica

Acrópole: Rodolpho Ortenblad Filho. Em entrevista a Sabri-

Liernur no texto já citado, a exposição Brazil Builds além do

na Souza Bom Pereira e Abilio Guerra, Ortenblad recupera

contexto da política de boa vizinhança, era, ao mesmo tem-

seu tempo como aluno de arquitetura na Universidade Ma-

po, resultado de um esforço dos norte-americanos de afir-

ckenzie, em São Paulo, destacando o seu grande interesse na

marem a sua centralidade também do âmbito cultural. Do

produção contemporânea, principalmente com a leitura de

ponto de vista da arquitetura, essa afirmação implicou um

revistas atualizadas. Nesse sentido, recuperam-se outros no-

questionamento do funcionalismo em prol de uma arqui-

mes que possivelmente compartilhavam dos mesmos inte-

tetura que, sem abandonar a técnica, atentava mais para as

resses, Gregori Warchavchik, Oswaldo Bratke, Sergio Ber-

especificidades climáticas e culturais locais e para o bem es-

nardes, Marcos Acayaba, Pedro Paulo de Mello Saraiva, Jorge

tar dos usuários. Nesse esforço, os arquitetos brasileiros e os

Wilheim e Carlos Millán, importantes nomes identificados a

norte-americanos, naturais ou imigrantes, encontraram-

partir de referências, depoimentos e momentos de convívio.

-se, estabelecendo trocas que ainda merecem investigações.

Contudo, a relação de Richard Neutra com o Brasil,

não deve ser encarada como de sentido único, imaginando-se erroneamente que apenas os brasileiros teriam sido por ele influenciados. Prova disso, o documento [3] Young Brazil, de autoria do próprio arquiteto e arquivado na University of California de Los Angeles (UCLA), apresenta a valorização dos jovens arquitetos brasileiros – os quais podem ser compreendidos como os interlocutores. Neutra se vale ainda de um projeto residencial de Jacob Ruchti, sendo perceptível a sua surpresa, mas também a sua admiração, a demonstração de 20

E esse diálogo se dava pela atenção à natureza, por uma


[3] Artigo Young Brazil. Collection 1179. Box 157. F.10. Professional Papers. Writings.

21


22


3. Parte II

apenas da construção, mas, principalmente de seu processo de concepção; o modo como se estabeleciam as relações en-

3.1. Domesticidade e arquitetura em Richard Neutra

tre as partes envolvidas; a existência de novos meios de produção e criação da arquitetura; as propostas de novas formas

Sob a crescente influência da máquina e o consequen-

de morar que exprimem as características singulares de um

te anseio à racionalização, a concretização dos projetos re-

ideal de sociedade construído a partir dos Estados Unidos.

sidenciais de Richard Neutra permite investigar além das

soluções que o arquiteto idealizou sob o influxo da indus-

que essa pesquisa se restringe, foram selecionados a prin-

trialização. A partir de sua produção é possível notar os li-

cípio os projetos residenciais para John Nicholas e Anne

mites da mecanização produtiva e uma preocupação pouco

Brown (1936-38), Stuart Bailey (1948) e Joseph e Sonia Stal-

usual em relação aos anseios e necessidades de seus clientes,

ler (1955), de forma a comprovar a existência de um singu-

o que faz da obra do arquiteto uma contribuição sui generis.

lar processo criativo. Contudo, para uma investigação mais

Considerando o empenho do arquiteto na extensa leitura

precisa e aprofundada da intimidade dos clientes que pu-

do perfil de seus clientes, é inegável que seus projetos assim te-

desse informar os ideias do arquiteto e daquela socieda-

nham um valor histórico que ultrapassa o campo disciplinar. Afi-

de, optou-se por uma análise mais detida do projeto Desert

nal, eternizam os desejos da sociedade norte-americana em seu

House (1946), destinado ao casal Edgar e Liliane Kaufmann.

devido tempo e lugar. Resgatar tais nuances projetuais, estejam

elas atreladas à escolha do material, do processo construtivo, da

teto, doados por seus filhos e esposa - Frank, Raymond, Dion e

organização do espaço ou da sua relação com o meio ambiente,

Dione Neutra - à Universidade da Califórnia (UCLA) e guarda-

significa também o resgate da história da habitação moderna.

dos na Special Collections Library Department. Tal biblioteca abriga

A seleção de alguns de seus projetos conforme o recor-

661 caixas de tamanho padrão, além de outras 860 caixas e 379

te temporal foi inevitável, dada a extensão de sua produção

pastas maiores que compõem a denominada coleção Richard

arquitetônica. Nesse sentido, a escolha de quatro projetos

and Dion Neutra papers, 1925-1970, correspondente ao número

buscou iluminar algumas das características recorrentes de

1179. Nesse acervo, teve-se acesso aos documentos do escritório

sua obra em seus diálogos com uma sociedade em processo

– cartas, ofícios e anotações -, além dos projetos e fotografias, as

de industrialização. Entendida como parte de um conjun-

quais foram complementadas pelo acervo de imagens do Get-

to de documentos, suas casas permitem a compreensão não

ty Museum e pelo Neutra Institute for Survival Through Design.

A partir desses parâmetros e do limite temporal a

Para tanto, contou-se com o apoio dos arquivos do arqui-

23


Realizou-se também entrevistas com o filho de Neu-

Library Department revelaram um tratamento de certo modo pa-

tra, o também arquiteto Dion Neutra, que confirmou a

drão em relação aos clientes, ainda que suas especificidades fos-

existência de “questionários” para a investigação dos clien-

sem consideradas. Isso porque com tal prática, Neutra adotaria

tes, apresentando um modelo-exemplo [4]. A esse conta-

um tratamento similar às análises psicológicas, intensificando

to se deve a busca pelo que comprovaria o reconhecimento

o contato com os clientes. O processo criativo do arquiteto, po-

da contribuição do cliente no processo criativo de Neutra,

deria, pois, ser entendido como colaborativo e não impositivo.

levando-nos ao acervo da UCLA. Ademais, seria este documento a prova física e o caminho de descoberta das características mais íntimas daqueles que confiaram em Neutra e seu escritório para a criação de seus refúgios de privacidade.

Em sua parte superior, seria possível identificar rapida-

mente o cliente e a data, além do termo de aprovação de aspectos não constestados. O centro do “questionário” seria destinado ao espaço em branco para o livre preenchimento, e em sua parte inferior, seria finalmente requisitado ao cliente que assinasse a folha, permitindo que o desenvolvimento do projeto levasse em conta os requerimentos escritos. Dion revelou que seu pai era quem defendia veementemente tal assinatura, e que alguns clientes hesitavam em fazê-la. Completou ainda que as informações não necessariamente eram anotadas pelo próprio arquiteto, podendo contar com a participação de outro membro do escritório. Com a sua existência, comprovar-se-ia também que simultaneamente à construção do diálogo com o cliente, Neutra se certificaria de firmar um contrato com o cliente, documentando e responsabilizando-o pelas decisões de projeto.

Além de comprovar o processo investigativo para cada um

dos projetos, os documentos disponíveis na Special Collections 24


[4] Modelo indicativo dos “questionários” enviado por Dion Neutra por e-mail no dia 17 de novembro de 2015. 25


3.2. Os projetos para John Nicholas e Anne Brown,

ter sido realizada nas primeiras conversas, justamente para

Stuart Bailey e Joseph Staller

o melhor esclarecimento entre as partes. São descritas desde as características climáticas e a localização do terreno até a

À luz da descrição dos “questionários” feita por Dion

rotina, os hábitos e as preferências da família, além inúmer-

Neutra, uma primeira análise documental voltou-se aos três

os vislumbramentos espaciais regrados às particularidades

projetos residenciais anteriormente mencionados. Arquiv-

dos indivíduo. A liberdade descritiva parece encontrar no cli-

adas na categoria Project Records 1915-1975 Client Files 1915-

ente grande entusiasmo, garantindo ao arquiteto informações

1975, foram analisadas as caixas 29 e 30 para os clientes John

essenciais para a concepção e o detalhamento do projeto.

Nicholas e Anne Brown (1936-38), a caixa 22 para Stuart Bailey (1948) e as caixas 1395 e 1396 para Joseph e Sonia Staller (1955).

Finalmente, após a leitura de um total de 534 documen-

tos, pode-se afirmar para todos os casos – e assim para o processo criativo do arquiteto - a recorrência da investigação e participação dos clientes no desenvolvimento dos projetos. O valor da descoberta excede o de apresentar maiores detalhes à elaboração das residências, permitindo o entendimento do interesse do próximo como um dos estímulos à sensação de reconhecimento do próprio cliente, garantindo-lhe, mesmo que inconscientemente, o conforto necessário para discorrer sobre sua vida. Aliás, é apropriado supor que caso fossem aplicados “questionários” com as mesmas perguntas pré-estipuladas a todos os diferentes clientes, os resultados seriam outros.

O primeiro sinal do processo investigativo de seus cli-

entes aparece com a série de documentos [5] para o projeto de John Nicholas e Anne Brown (1936-38), um Memorandum para o arquiteto em resposta ao questionário. Mesmo que não datada, a sequência sugere por suas próprias informações 26

[5] Memorandum para Richard Neutra em resposta a questionário. Collection 1179. Box 30. F.8. Richard & Dion Neutra Papers: Client Files Brown, John Nicholas Planning Information. no date


27


28


29


[6] Brown House. Julius Shulman photography archive, 1935-2009, Job 1910. Š J. Paul Getty Trust. Getty Research Institute, Los Angeles (2004.R.10) 30


31


Comprovada a existência dos “questionários”, no en-

tanto, a formatação indicada por Dion não apareceria neste primeiro caso. Esta somente seria encontrada no projeto de Stuart Bailey (1948), com dois exemplares. Respectivamente dos dias 4 de janeiro de 1947 e 28 de janeiro de 1947, os documentos [7] seguem todas as descrições anteriormente sugeridas. Nota-se em ambos certo esforço para a objetividade das informações, sem que exista prejuízos qualitativos. Desta forma, detalhes como o desejo da cor amarela em uma das paredes do quarto do casal, a oposição ao uso de madeira escura e a quantidade necessária de estantes para livros são acordados entre as partes e arquivados para eventual consulta.

O intervalo aproximado de um mês entre os documentos

[7] evidencia também o aspecto irrestrito do espaço para o livre preenchimento, no sentido de permitir documentar qualquer preferência do cliente, seja ela técnica ou subjetiva, ao longo do processo de criação e construção. Como visto neste segundo exemplo, sugere-se que junto ao andamento do projeto informações mais específicas e técnicas - como a pavimentação e iluminação dos ambientes - ganhem maior importância.

[7] Questionários investigativos a Stuart Bailey. Collection 1179. Box 22. F.1. Richard & Dion Neutra Papers: Client Files Bailey, Stuart G. Correspondence. 1946-1947

32


33


34


[8] Fotografias selecionadas da Bailey House. Julius Shulman photography archive, 1935-2009, Job 2622. Š J. Paul Getty Trust. Getty Research Institute, Los Angeles (2004.R.10) 35


No terceiro projeto determinado, tendo Joseph Staller

arquiteto reconhece desde o princípio a importância de cada

e sua família como clientes, novamente o modelo apontado

membro da família, interessando não somente o conhecimento

por Dion pode ser constatado. Assim como os documentos

dos hábitos e preferências, mas, o diálogo direto com cada um.

previamente destacados, o “questionário” [9], realizado no

dia 6 de novembro de 1953, apresenta uma mesma série de

da à Sonia Staller, demonstra a importância da inexistência

informações voltada à construção das preferências do clien-

de possíveis traduções dos desejos de sua esposa por par-

te. Conforme sua leitura, nota-se o desejo de uma cozinha

te de Joseph Staller. Em busca de preferências a certos ma-

separada para os funcionários, a necessidade de uma cama

teriais, incômodos por possíveis desníveis entre os ambien-

de casal e banheiro para cada quarto na residência, a ideia

tes, hábitos e obrigatoriedades, Neutra assume que qualquer

de combinação dos hábitos de leitura e de assistir à televisão

ideia discutida serviria como grande ajuda ao seu trabalho.

na sala de visitas, além do requerimento de um espaço para

cinco carros estacionarem, somado a três vagas de garagem.

significava ao arquiteto uma ação solitária. A proposta de uma

Apesar de inserido no contexto do início do primeiro

nova forma de morar apenas poderia ser aceita com a condição

mês de contato entre o arquiteto e cliente, o documento pare-

de sintonia aos desejos de seus próprios habitantes. Para tanto,

ce tirar proveito da oportunidade sinalizando algumas infor-

um universo de conforto, que permitisse a melhora física e

mações construtivas mais específicas. A exemplo, notam-se o

mental humana, necessariamente deveria investigar as mínimas

que seriam instruções para os primeiros esboços da residên-

particularidades; os eventuais conflitos causados por uma certa

cia, como a quantidade de degraus apropriada ao cliente para

disposição espacial proposta pelo arquiteto, por exemplo, po-

vencer um possível desnível entre a garagem e os ambientes

deria significar danos irreparáveis, como a separação familiar.

de estar, entre os ambientes de estar e os dormitórios. Mais

uma vez, é necessário, pois, que o projeto seja entendido desde

Richard Neutra como documentos vivos, principalmente por

o primeiro contato entre as partes, mesmo que em palavras,

seu processo criativo, a escolha do seguinte estudo de caso se

e não a partir dos primeiros desenhos ou do início da obra.

voltou à minuciosa tradução das características de parte desta

Neutra parece desenvolver o processo investigativo ao

sociedade em processo de industrialização, de modo a inter-

passo do desenvolvimento de sua própria carreira, buscando

pretar as proposições arquitetônicas em seus diálogos com a so-

o maior detalhamento de seus clientes a cada projeto. Para a

ciedade e, com isso, analisar também as mudanças nos padrões.

residência de Joseph Staller, pode-se comprovar ainda que o 36

A carta [10] do dia 9 de novembro de 1953, destina-

Conceber os espaços mais íntimos à vida humana, não

Ora, entendendo os projetos residenciais do arquiteto


[9] Questionårio investigativo a Joseph Staller. Collection 1179. Box 1395. F.1. Richard & Dion Neutra Papers: Client Files Staller, Joseph H. Correspondence. November 1953 – May 1954

37


38


[10] Carta à Sonia Staller. Collection 1179. Box 1395. F.1. Richard & Dion Neutra Papers: Client Files Staller, Joseph H. Correspondence. November 1953 – May 1954 39


40


[11] Fotografias selecionadas da Staller House. Julius Shulman photography archive, 1935-2009, Job 2162. Š J. Paul Getty Trust. Getty Research Institute, Los Angeles (2004.R.10) 41


3.3 A Desert House de Edgar e Liliane Kaufmann

um para cada um dos membros do casal, e o ambiente para se vestir deveria ser de tamanho considerável, com guarda-

Da mesma forma, são encontrados os “questionários” in-

-roupas e gavetas . Outros dois quartos, grandes o suficien-

vestigativos no caso da Desert House de Edgar e Liliane Kau-

te para dois leitos, deveriam ser previstos, cada qual com

fmann (1946). Mas, como mencionado anteriormente, este

seu banheiro. Somente um dos banheiros deveria ter ba-

caso será analisado documentalmente junto à busca por deta-

nheira, considerando que o casal não tinha o hábito de usá-

lhes característicos não apenas dos clientes, como também de

-la. Os equipamentos e as unidades do sanitário deveriam

comportamentos e ideais de domesticidade da sociedade nor-

ser separadas do lavatório. A casa deveria contar ainda com

te-americana daquele período. Tal análise será feita seguindo

uma garagem e quarto com banheiro para os funcionários.

a ordem cronológica dos documentos e considerando as in-

trepretações de Adrian Forty no livro Objetos de Desejo (2007).

uma possibilidade de descoberta de características daquela so-

Seguindo o entendimento da casa como a celebração do

ciedade em seu devido tempo. Edgar Kaufmann revela a pre-

encontro entre cliente e arquiteto, o início da Desert House

ferência do casal para banheiros independentes, ressaltando

deve ser visto a partir do pedido de uma residência para tem-

a falta do hábito de uso de banheira. A indicação de banhei-

poradas de inverno por Edgar J. Kaufmann e sua esposa Liliane

ros independentes revela a preocupação com a intimidade,

[12], no dia 5 de Fevereiro de 1946 - uma década após o mesmo

mesmo entre os membros do casal. A partir deste primeiro

casal solicitar ao arquiteto Frank Lloyd Wright a residência que

sinal de confiança, com informações dos hábitos de uma ro-

ficou conhecida como Fallingwater (1935-1939). Em sua carta,

tina privada, o cliente progressivamente abre-se ao arquite-

escrita em sequência à conversa telefônica com o arquiteto, Ed-

to, permitindo a elaboração de um projeto que atenda às suas

gar formaliza alguns requerimentos, indicando as dimensões

particularidades. Mais do que isso, ao que parece, a preocu-

e a localização dos terrenos de seu interesse em Palm Springs.

pação com a higiene é evidenciada com a determinação do

Segundo o cliente, a casa deveria ter a sala de jantar à

material metálico para a cozinha e área de serviço, indican-

parte da sala de estar, uma cozinha com armários metálicos

do uma associação do material com a preservação da saúde.

dimensionados de modo a guardar bem os eletrodomésti-

cos. O quarto do casal deveria ter um grande closet para a Li-

continentes, europeu e norte-americano, a atenção e divulga-

liane e, junto a ele, um ambiente para que o próprio Edgar

ção do ideal moderno de casa associou-se não só ao ideal de

pudesse se vestir. O quarto deveria ainda ter dois banheiros,

eficiência de tempo e de recursos, mas também ao de higie-

42

Esse primeiro documento já pode ser entendido como

De fato, durante as duas primeiras décadas e em ambos


ne, ditando os novos modos de morar com a adesão de maior

Quanto a isso, Forty questiona a hipótese de que horas

expressão nas décadas de 1920 e 1930. Nesse sentido, é inte-

na escola, livros e artigos de revistas serviriam à total trans-

ressante a perspectiva do autor Adrian Forty em seu capítulo

formação higienista na sociedade, não convencendo-o. So-

“Higiene e Limpeza”, no qual recupera as mais famosas for-

mente com a linguagem dos objetos e a percepção de seu

mas de expressão da beleza através do ideial de limpeza desde

poder em transmitir mensagens e ditar novos parâmetros

o “Manual da Habitação” de Le Corbusier, em Vers une Archi-

que o design incorporou os ideais da limpeza obrigatória.

tecture (1923). Forty argumenta ainda que o ideal higienista e

a preocupação com a limpeza para além de se associarem às

motivos morais e estéticos pela determinação da higiene des-

ações reformistas de controle sanitário e moral por parte das

de 1910, notavelmente disseminada através do próprio design

classes médias e das classes operárias - ainda que de modos

dos objetos. Neste primeiro momento, o crescente desenvolvi-

e com sentidos diversos -, atenderiam a busca por conforto

mento de utensílios destinados à vida doméstica, encontrou a

físico e psíquico, incluindo aí aspectos vinculados à beleza.

justificativa da eficiência em promover a limpeza, alimentando

As preocupações de Richard Neutra parecem se inserir den-

a paranóia da higiene. Em consequência, não seria justa a afir-

tro desse contexto, como indicamos na parte I deste relatório.

mação de que o tempo gasto com as tarefas domésticas foram

No entanto, tal discurso enfretou dificuldades de acei-

reduzidos, mas, que os padrões de limpeza passaram a ser mais

tação calcados apenas em justificativas científicas dentro do

altos, implicando em mais ações de trabalho dentro de casa.

ambiente privado. Para Forty, somente com o condiciona-

mento emocional da população, a partir da divulgação de

tria automobilística de que o consumo aumentava com a intro-

imagens para a determinação dos padrões de higiene pe-

dução de novos designs, a aparência dos utensílios domésticos

los anunciantes, designers e fabricantes, o público assimi-

incorporou novos ritmos e expressões. A redução dos custos

lou o novo conteúdo. A inquestionável relação entre sujei-

com materiais e componentes da mesma forma seguia a defesa

ra e doença, agora foi utilizada a favor da publicidade para

de novas estéticas, inevitavelmente regradas para o aumento das

o aumento de vendas dos utensílios domésticos industria-

vendas. Novas máquinas de lavar, aspiradores de pó, geladeiras

lizados. Enquanto que a primeira demonstrava um valor

e seus semelhantes, afinal, criaram oportunidades para a inces-

pessoal, não sendo absoluta, a segunda poderia ser verifica-

sante construção dos incisivos valores de limpeza que passaram

da, valendo-se intencionalmente da condição de limpeza

a orientar não só as suas funções, mas também o seu desenho.

como algo sagrado, semelhante a uma realidade inatingível.

Nesse sentido, é importante recuperar a substituição de

Em um segundo momento, com as descobertas da indús-

Finalmente, é justo o entendimento de que a capacida43


de de tradução de uma mensagem pelo design, com a determinação objetiva da eficiência à maior limpeza, impulsionou à crescente compulsão pelo consumismo. Assim, ainda que destacada por higienistas em função de preocupações com a saúde individual e coletiva, a sujeira como causa do sofrimento e a limpeza como sua solução, apenas se transformou em realidade padrão pela ação do comércio e da indústria, com os avanços do marketing e da publicidade.

[12] Documento inicial de conversa entre o casal Kaufmann e Richard Neutra. Collection 1179. Box 119. F.2. Richard & Dion Neutra Papers: Client Files Kaufmann, Edgar Correspondence. February – June 1946 44


Tais transformações - em sintonia com o período deter-

do sistema. Intensificando-se, ainda com a propaganda dos

minado da produção de Richard Neutra -, devem ser analisadas,

eletromésticos afirmava que os mesmos poupariam tempo

especialmente quanto às consequentes transformações da vida

em cada tarefa, não seria verdade afirmar que com eles o gas-

privada, e na relação com outras mudanças em curso, notada-

to de tempo com o trabalho doméstico diminuiu. Para Forty,

mente aquelas relativas à separação entre casa e trabalho. Para

O que parece ter acontecido é que os aparelhos tor-

melhor compreensão desses aspectos, é importante recuperar as

naram mais leve o fardo e pouparam tempo em cer-

análises desenvolvidas por Adrian Forty em seu capítulo “O lar”.

tas tarefas, mas também tornaram possível atingir

No processo de distinção entre os espaços de moradia

padrões mais elevados. Desse modo, o tempo econo-

e os espaços de produção, que se intensifica a partir da me-

mizado era gasto fazendo a mesma tarefa, ou outras,

tade do século XIX, Forty aponta que passa a valer uma as-

com mais frequência e melhor (FORTY, 2007: 284).

sociação complexa entre as atividades domésticas e criadas –

O aumento no número de tarefas e dos níveis de exigên-

vistas como inferiores e indignas. Dessa forma, qualquer que

cia com a limpeza e higiene tem relação com o que indicamos

fosse o esforço físico dentro de casa era visto como algo im-

acima, seja do ponto de vista médico, sanitário, seja do ponto de

próprio, sobretudo quando realizado pelas donas de casa de

vista das estratégias de consumo e de separação entre as esferas

classe média ou das elites. Seguindo de forma mascarada, o

do descanso e do trabalho. De todo modo, se nesta primeira

trabalho dentro de casa somente seria justificado se este fosse

instância a publicidade auxiliou o início da mudança significa-

assumido como cuidado com a família e o lar. Mesmo o tra-

tiva de modos de morar em defesa da eficiência dos produtos,

balho realizado pelas criadas deveria ser escondido e, portan-

em um segundo momento, esta suportaria outro argumento:

to, totalmente separado e distante das áreas de estar e íntima.

a própria substituição das criadas. Mesmo com clientes de po-

No entanto, com o desenvolvimento das metrópoles e as

der aquisitivo significativo, a difusão de tal ideologia assimi-

transformações econômicas em processo de industrialização, a

laria inconscientemente o objeto eletrodoméstico à criada, a

manutenção da ordem doméstica exigiria revisões. Sua princi-

ilusão a quem nunca havia tido empregada doméstica, da con-

pal alteração talvez possa ser entendida com a contribuição do

quista de status na sociedade, como uma nova senhora servida

Mito da criada mecânica, afinal, a ideia de que os novos eletrodo-

de criadas. A questão é complexa e exige detalhamento. Para

mésticos substituiriam as criadas significou reflexos comporta-

Forty, nos Estados Unidos houve rapidamente uma mudança

mentais. Nesse sentido, deve-se à publicidade – elo de conven-

nas formas de relação de trabalho, com a incorporação de um

cimento entre quem consome e quem produz – a manutenção

contingente significativo de mulheres, que antes assumiam o 45


papel de empregadas domésticas, pela indústria. Essa trans-

formação foi sentida sobretudo pelas mulheres de classe mé-

gências de Edgar quanto a separação da cozinha com seus armá-

dia que passaram a ter que abraçar um conjunto de trabalhos

rios metálicos, assim como a distância do quarto dos proprie-

realizados anteriormente pelas criadas. Para elas os eletrodo-

tários e hóspedes das áreas de serviço, bem como as escolhas

mésticos assumiriam não só o papel de facilitar as atividades,

de materiais. Assim, retomando a documentação, encontra-

como também de distingui-las do trabalho manual e artesanal

mos a primeira resposta ao cliente [13], no dia 12 de Fevereiro

das empregadas. Ao mesmo tempo, entre aquelas mulheres

de 1946. Richard Neutra revela que havia começado a pensar

cujo poder aquisitivo permitia a contratação de domésticas, os

no projeto, já com alguns questionamentos. Primeiramente,

eletrodomésticos serviam a afirmação de modernidade e van-

discute com o cliente sobre a orientação da casa, considerando

guardismo, de atendimento às exigências de higiene e limpeza.

o quarto do casal e dos convidados, a projeção da cobertura e

O desenvolvimento da estética aos utensílios domésticos

o visual externo a que os ambientes se voltam. Neutra ainda

veio em seguida. A produção em massa, principalmente após o

sugere favorecer a entrada de luz natural nos ambientes, con-

ano de 1930, abandonou as exclusividades, e, com ela, os objetos

siderando que a casa serviria para as temporadas de inverno,

voltaram-se também ao uso pelas donas de casa. A referência

sem o receio, portanto, de que nos dias de verão a casa poderia

direta à eficiência das fábricas com o design dos objetos passou

oferecer algum desconforto térmico. À parte de suas dúvidas

a ser oposta à mais nova prioridade: a praticidade e a necessi-

sobre o posicionamento e funcionamento da garagem para os

dade da não associação doméstica aos ambientes de trabalho.

convidados e funcionários da residência e sobre as restrições

Difícil, segundo o autor, é definir quando isto ocorreu, sendo

de gabarito, outro detalhe importante em sua carta está rela-

mais apropriada a sua definição como um processo. Difícil tam-

cionado diretamente à sua preocupação com a privacidade.

bém é responder ao questionamento de se este design emergiu

para satisfação do consumidor ou se apresentou como um re-

dos convidados da vista da piscina, garantindo aos visitantes a

sultado de persuasão. Nesse processo, a linguagem dos eletro-

privacidade apropriada. O arquiteto aqui evidencia sua valiosa

domésticos antes mais próximas do maquinário industrial, foi

percepção de diferentes esferas de privacidade, compreenden-

se aprimorando tanto em termos de limpeza e uso, quanto em

do a configuração familiar de seus clientes, dispostos a receber

termos estéticos. Materiais de fácil limpeza e manutenção, de-

visitas e prevendo funcionários. Pode-se assumir, pois, a forte

senho com cantos arredondados e linhas sintéticas atenderam

influência de questões como intimidade para o desenvolvimen-

a esse conjunto novo de exigências funcionais e simbólicas.

to criativo da residência, seguindo desde o início a preocupação

46

Esse conjunto de reflexões ajudam a circunscrever as exi-

Neutra apresenta a possibilidade de destacar os quartos


do acolhimento de universos distintos em um mesmo abrigo.

No mesmo sentido, a questão da privacidade também é

evidente quando analisado o contexto urbano em que a casa se insere. O apelo de exclusividade para a venda dos lotes é empregado em Palm Springs para a Chino Mesa Estates, como visto no anúncio de 25 de Outubro de 1946 [14]. As palavras-chave Exclusivo, Restrito e Protegido (“Exclusive, Restricted, Sheltered”), atreladas à localização distante do centro da cidade, comprovam a valorização da sociedade em ter a casa como um refúgio. Como indicam os documentos, as residências não pretendiam criar relações de convívio entre si, e sim a de negar o seu próprio entorno urbano. Quando muito - sendo este o caso de Neutra - a relação extra-propriedade voltar-se-ia à natureza, às vistas e possíveis horizontes a partir do lote. No entanto, é curiosa a configuração de similares conjuntos exclusivos, restritos e protegidos ao redor do centro da cidade. Ao mesmo tempo em que são segregadas intimidades, estas podem ser vistas como semelhantes pelo simples fato de se notar no vizinho uma postura igual à própria.

[13] Documento inicial de conversa entre o casal Kaufmann e Richard Neutra. Collection 1179. Box 119. F.2. Richard & Dion Neutra Papers: Client Files Kaufmann, Edgar Correspondence. February – June 1946 47


48


O artigo [15] publicado pelo jornal The Desert Sun of

Palm Springs no dia 8 de fevereiro de 1935 - anterior à Chino Mesa Estates -, anuncia o Chino Canyon Mesa Tract, responsável pelo loteamento da área em que a Kaufmann House viria a ser construída. Delimitando uma área periférica da cidade, em suas duas primeiras fases (1935-36), Rufus J. Chapman (19071970) negociou quarenta e oito parcelas subdivididas, seguidas de outras doze parcelas negociadas por W. J. Reynolds e Charles J. Burket em sua terceira fase (1945). Nota-se o enfoque da área para a construção de residências, valorizando a sua localização elevada, protegida pelas montanhas e com vistas incomparáveis. Ainda segundo o jornal, são postos à venda grande lotes, altamente restritos e protegidos de qualquer pessoa não desejável ou tipo de construção. Adverte-se que os serviços públicos são subterrâneos, incluindo gás, água, linhas telefônicas e elétricas, sem a necessidade de temer postes que estraguem a vizinhança.

A publicidade do artigo, no entanto, é contraditória à car-

ta [16] que Richard Neutra encaminha a Mike Flavin - agente imobiliário da empresa Harold J. Hicks Realty Co. -, no dia 21 de fevereiro de 1946, formalizando sua preocupação em manter as vistas panorâmicas dos terrenos em oferta pelo Chino Canyon Mesa Tract, de forma que a estrutura e fiação elétrica deixassem de ser aparentes. A defesa ao aterramento segue com sua constatação de viagem à Argentina e ao Brasil, onde diz ter encontra[14] Anúncio no jornal. The Desert Sun of Palm Springs, California. Número 16, página 18. 25 de outubro de 1946.

do modelos de resorts para a saúde principalmente em cidades como Petrópolis, Atlantida e Mar del Plata. Neutra enfatiza sua preocupação com o comentário da depreciação das proprie49


dades caso a interferência visual da rede elétrica perdurasse.

O envolvimento de arquiteto para além do contato com

o cliente, revela o seu engajamento em busca da defesa de seus ideais. A exemplo desta carta [16] a Mike Flavin, o interesse maior não é o de impedir a depreciação dos lotes ou construções pela presença aparente da rede elétrica, mas, o de garantir o conforto visual ao seu cliente em contato com um horizonte desobstruído. Em outras palavras, seu objetivo voltava-se à melhoria da saúde dos ocupantes da residência em contato com a natureza, não sendo admitidos quaisquer incômodos, segundo os ideais do Biorealismo, analisado na primeira parte deste trabalho.

[15] Artigo do jornal. The Desert Sun of Palm Springs, California.. Número 27, página 5. 8 de fevereiro de 1935. 50


[16] Documento de Richard Neutra a Mike Flavin. Collection 1179. Box 119. F.2. Richard & Dion Neutra Papers: Client Files Kaufmann, Edgar Correspondence. February – June 1946 51


Seguindo os primeiros passos do desenvolvimento do projeto,

pluvial para a piscina. Ao mesmo tempo, destacam-se infor-

Neutra comenta com Edgar Kaufmann o seu grande entusias-

mações que talvez jamais fossem descobertas sem este parti-

mo com o projeto, documentando em 18 de fevereiro de 1946

cular processo investigativo, a exemplo das solicitações de uma

os primeiros contatos com engenheiros estruturais e emprei-

mesa para um teleimpressor ao ambiente de troca de roupas de

teiros. Ao mesmo tempo, desde a declaração inicial do cliente

Edgar Kaufmann, dos devidos acabamentos para a lareira e da

acerca do desejo de construção de sua casa, o processo criativo

necessidade de alteração da entrada da residência, prevendo-

seguiu fiel às ideologias defendidas pelo arquiteto. Em nenhum

-se uma porta deslizante para o armário de roupas de inverno.

momento, a partir do que os documentos demonstram, Neutra assumiu uma postura impositiva, sustentando o ritual de dialogar com seu cliente, propondo soluções em comum acordo.

Tal processo investigativo, segundo as análises, é mantido

e incentivado a partir de diferentes tipos e formatações de documentos. Para a Desert House predominam as cartas entre os clientes, mas, são notáveis também diversos telegramas telefônicos, fotografias, anotações de telefonemas e os “questionários”. Distintos significativamente, estes últimos parecem abranger um campo maior de informações, diretamente associados à busca por particularidades. A partir deles, são apresentados desejos e hábitos específicos, descobertos durante uma conversa.

Inaugurando a sequência de similares documentos in-

vestigativos para a concepção da Desert House, o documento [17] do dia 19 de fevereiro de 1946 reafirma a existência dos “questionários” como uma constante ao processo criativo do arquiteto. Para este primeiro caso, notam-se requerimentos como Hercules glass aos painéis deslizantes, forno elétrico e a gás para a cozinha, aquecedor elétrico para os banheiros, quartos de visitas e de funcionários e a possibilidade de reuso da água 52

[17] “Questionário” investigativo ao casal Kaufmann. Collection 1179. Box 119. F.2. Richard & Dion Neutra Papers: Client Files Kaufmann, Edgar Correspondence. February – June 1946


Após pouco menos de um mês do primeiro exem-

plar encontrado, no dia 11 de março de 1946 é documentado o segundo “questionário” [18]. Sua formatação segue idêntica ao primeiro e, considerando a extensa troca de correspondências para o intervalo de tempo, o documento parece mostrar-se útil ao melhor esclarecimento entre as partes, evidenciando um acordo consciente das anotações.

Neste caso, nota-se o envolvimento minucioso de Edgar

Kaufman com as questões técnicas como a potência dos aquecedores para cada ambiente e o posicionamento dos pontos de iluminação elétrica, contrastantes às notas de acabamento dos armários dos quartos. Como recupera este “questionário”, não deveria existir diferença de importância entre valores técnicos e visuais, uma vez que os ideais de Richard Neutra enfrentam a qualidade do espaço a partir de sua estrita correlação e mútua dependência. Segundo o arquiteto, optar pela supremacia da função ou mesmo da forma significaria uma perda irreparável à qualquer construção. Os dois deveriam ser trabalhados em conjunto, de modo que sua arquitetura promovesse aos incontáveis sentidos humanos a melhoria da qualidade de vida em termos de conforto físico e mental.

Outros interesses como a descoberta do futuro uso das

tomadas ao lado da cama do casal - revelando os itens desejáveis ao fácil alcance do casal como o rádio, um cobertor com aquecimento elétrico, luminárias de leitura e uma bolsa elétrica para água quente – seguem estritamente relacionados ao conforto do usuário no ambiente. Comprova-se, enfim, a preocupação do 53


arquiteto em projetar segundo as especificidades de cada cliente.

Como temática predominante à arquitetura moder-

na nos Estados Unidos, o conforto inevitavelmente é enfrentado como fundamental aos projetos de Richard Neutra. Neste sentido, a carta [19] de Edgar Kaufmann endereçada ao arquiteto no dia 9 de Abril de 1946, recupera a preocupação da qualidade espacial aos diferentes usuários e funções da casa. Ao contrário de negar o devido tratamento para cada ambiente durante o processo criativo, o documento [9] apresenta a importante reflexão do cliente à melhor acomodação de seus funcionários, demonstrando intenções de igual qualidade, ainda que a separação entre as áreas de estar, íntima e de serviço se mantivesse como um ideal.

54


[18] “Questionário” investigativo ao casal Kaufmann. Collection 1179. Box 119. F.2. Richard & Dion Neutra Papers: Client Files Kaufmann, Edgar Correspondence. February – June 1946

55


56


Ao perceber, até então, que os documentos cronologi-

camente analisados apresentam somente Edgar Kaufmann como responsável pelo diálogo com Richard J. Neutra, a partir do documento [20] de 16 de abril de 1946, aparece a figura de sua esposa. O contraste das questões abordadas por Liliane Kaufmann, em comparação a Edgar, são evidentes.

Inicialmente, por exemplo, suas preocupações voltam-

-se à coloração do linóleo da cozinha. Enquanto o amarelo pareceu-lhe demasiadamente forte e o turquesa uma cor não muito agradável para o ambiente, o cinza trouxe-lhe o receio da escuridão, mas, foi considerada uma possibilidade levando-se em conta os revestimentos claros de marcenaria. Seu relato em não saber ao certo qual outra cor sugerir ou escolher, evidencia uma objeção de Neutra. Segundo Liliane, apesar de não considerar ruim a cor verde, esta não podia ser escolhida para o revestimento por conta do comentário do arquiteto lembrando-a da vegetação visível pela janela.

A recordação da opinião de Neutra apresenta um pri-

meiro limite imposto pelo arquiteto. Sua restrição de coloração, curiosamente não havia sido o turquesa, ou qualquer outro de tonalidade forte. Ao que as análises indicam, Neutra elege a cor verde como praticamente uma proibição por esta ser contrária a um de seus ideais. Servindo em defesa da re[19] Carta de Edgar Kaufmann a Richard J. Neutra. Collection 1179. Box 119. F.2. Richard & Dion Neutra Papers: Client Files Kaufmann, Edgar Correspondence. February – June 1946

cuperação e valorização do contato com a natureza, a atitude é justificada pela condução do olhar do observador às áreas externas. É válido ressaltar que mesmo restritiva, sua postura permite ao cliente procurar e propor outra cor que lhe agrade. 57


Se entendermos a residência como meio de interação do

estaticidade das edificações humanas em comparação à dinâ-

indivíduo com a natureza, a total liberdade de escolha do cliente

mica da natureza, Neutra novamente sustenta como caminho

quanto a materiais e cores, por exemplo, possibilitaria a ruína

mais apropriado a recuperaração do contato com a natureza,

de muitos dos ideais do arquiteto, porque interferem na lingua-

trazendo-a para o interior do edifício. Por isso, a questão de

gem e espacialidade. Seria este o caso do interrompimento do

combinar e posicionar elementos que não eram notados no

olhar ao exterior, sem que este fosse devidamente conduzido.

terreno, não deveriam invalidar seu ideal de recuperação do

Por mais participativo e minucioso que fosse o processo investi-

contato de um habitat intrínseco à nossa espécie. Sua artificiali-

gativo e criativo de Richard Neutra, em determinados momen-

dade deveria ser justificada pelo prazer e saúde dos moradores.

tos, deveriam existir limites aos quais sua arquitetura, como tradução de suas ideologias, não aceitaria ser desconfigurada.

Liliane parece compreender o posicionamento e a par-

ticipação do arquiteto, ainda revelando para o mesmo documento informações acerca do paisagismo da residência. Para cada canteiro projetado e para o próprio terreno, são determinadas as espécies de seu desejo, considerando a irradiação solar, a época e a facilidade de crescimento, além da coloração. É evidente, assim, a criação de um cenário; oposta à defesa da intocabilidade das pré-existências naturais do terreno. Por mais que para este caso o ecossistema fosse o deserto, diversas espécies são cautelosamente posicionadas, e outras - como o próprio cacto -, evitadas.

Desta forma, a carta colabora à compreensão de diferen-

ças entre a produção de Wright e Neutra. Ao primeiro, pode-se entender sua proposta de tornar a arquitetura imperceptível junto à natureza, enquanto que para o segundo a arquitetura não deveria tentar fingir uma naturalidade que não é sua. Exaltando a agressividade dos esforços construtivos e a relativa 58

[20] Carta de Liliane Kaufmann a Richard J. Neutra. Collection 1179. Box 119. F.2. Richard & Dion Neutra Papers: Client Files Kaufmann, Edgar Correspondence. February – June 1946


59


60


Enquanto perceptível a atenção do arquiteto à condu-

Mesmo assim, Edgar Kaufmann, em sua carta de res-

ção do olhar para as áreas externas, de igual importância é o

posta [22] no dia 14 de maio de 1946, parece esclarecido, va-

tratamento da intimidade, associada aos espaços da casa. Em

lendo-se de uma conversa por telefone [23]. Porém, é de sua

sua carta [21] a Edgar Kaufmann, escrita no dia 11 de maio de

preocupação formalizar questões como a não necessida-

1946, Neutra comenta sobre a viabilidade do uso de um mi-

de do microfone aos quartos dos funcionários. Assumindo a

crofone para o contato dos proprietários com os funcioná-

responsabilidade de cuidar da própria intimidade, o cliente

rios. Ficticiamente o acesso às áreas de serviço da residên-

ressalta a promessa feita pelo arquiteto de garantir em pro-

cia interessavam apenas para a manutenção da ordem da

jeto a facilidade de uso do aparelho, sem que sua esposa ti-

casa, mascarando-se o trabalho necessário, em função dos

vesse que rastejar para fora da cama. Novamente, é notável a

ideais de domesticidade modernos analisados acima. A pro-

busca pelo conforto, servido do ideal de mínimos esforços.

blemática da comunicação sem a necessidade de contato visual reforça as preocupações com a privacidade, revelando-se o que era desejável à vista ou não dos proprietários.

Neste mesmo documento, também são indicadas pre-

ocupações com o inicial processo construtivo da residência. É relatado o início do trabalho com as pedras de revestimento Utah, contando com posterior amostra fotográfica para a aprovação do cliente. A terceirização das atividades da obra, incluindo o seu acompanhamento in loco, parecem servir à complexa simultaneidade com a concepção de diversos aspectos da residência. Desta forma, constantes revisões de projeto junto ao cliente e aos fornecedores significariam um mesmo número de revisões ao canteiro. Como demonstram as alterações para a gloriette, as novas portas e as readequações das janelas da parede de entrada da residência e quartos dos funcionários, seria necessário uma nova entrega geral de documentos com plantas e elevações, junto a notas por escrito. 61


62


[21] Carta de Richard J. Neutra a Edgar Kaufmann. Collection 1179. Box 119. F.2. Richard & Dion Neutra Papers: Client Files Kaufmann, Edgar Correspondence. February – June 1946

[22] Carta de Edgar Kaufmann a Richard J. Neutra. Collection 1179. Box 119. F.2. Richard & Dion Neutra Papers: Client Files Kaufmann, Edgar Correspondence. February – June 1946 63


[23] Telegrama de conversa telefônica entre Richard Neutra e Edgar Kaufmann. Collection 1179. Box 119. F.2. Richard & Dion Neutra Papers: Client Files Kaufmann, Edgar Correspondence. February – June 1946

64


Ao que parece, a frequência das cartas, telefonemas e

questionários para a investigação do cliente e sua intimidade, conquistou teores de amizade, fundamentada na confiança entre ambas as partes. No dia 6 de junho de 1946, Liliane Kaufmann escreve nova carta [24] a Richard Neutra, dando continuidade às características do paisagismo da residência. É proposta determinada espécie ao canteiro em frente ao seu futuro quarto, ressaltando como anteriormente os aspectos de coloração, período de duração das flores e possibilidade de adaptação ao ambiente. Curiosamente, em seguida, comenta sobre sua próxima viagem ao México, requisitando a Neutra uma carta de apresentação para que ela assim pudesse visitar a mesma residência que um dia havia surpreendido o arquiteto.

Com esta passagem, revela-se o interesse do cliente para

uma visita em meio de sua viagem, associando-se questões de prazer. Recordando-se ainda de outra propriedade do casal, realizada por Frank Lloyd Wright - mundialmente conhecida como Fallingwater House -, ao que tudo indica não só Liliane como Edgar devem ser vistos como apreciadores de arquitetura, curiosos às novas propostas de modos de morar.

Quanto a Neutra, com sua posterior carta [25] a Luis Bar-

ragán no dia 13 de junho de 1946, pode-se comprovar mais um personagem de seu círculo de relações pessoais e profissionais. O caráter da internacionalidade entre os arquitetos permite assegurar certo reconhecimento para ambos, além da grande admiração de Neutra pelo paisagismo do arquiteto mexicano.

65


[24] Carta de Liliane Kaufmann a Richard Neutra. Collection 1179. Box 119. F.2. Richard & Dion Neutra Papers: Client Files Kaufmann, Edgar Correspondence. February – June 1946

66


[25] Carta de Richard Neutra a Luís Barragán. Collection 1179. Box 119. F.2. Richard & Dion Neutra Papers: Client Files Kaufmann, Edgar Correspondence. February – June 1946 67


Continuando a análise dos documentos, parece apro-

dor, que a exemplo das dificuldades enfrentadas na obra, pa-

priado afirmar que as preocupações do cliente e do arquiteto

recem sofrer da falta de capacidade de antecipação de suas ne-

transformam-se segundo o andamento do projeto. Notavel-

cessidades, exigindo a prontidão a qualquer dúvida ao cliente.

mente, os assuntos mais abrangentes, voltados à concepção

inicial da residência, perdem intensidade, enquanto que in-

importante compreender a defesa de Richard Neutra para a

vestigações de particularidades e preferências específicas para

sobrevivência da espécie humana necessariamente relaciona-

cada ambiente ganham força. Da mesma forma, é possível

da à indústria. Esta, deveria ser o elemento-chave à garantia

perceber a crescente recorrência de questões quanto ao anda-

de conforto e qualidade de vida da população, uma vez que

mento da obra e a correspondência entre sua qualidade de de-

somente a partir de sua produção, largas escalas poderiam ser

senho e execução. A carta [26] de Edgar Kaufmann a Richard

atendidas. A evolução da indústria, pois, deveria ser encara-

Neutra no dia 18 de junho de 1946 destaca tais características.

da como exigência à sua própria sobrevivência, mas, para que

existisse, deveria inevitavelmente atualizar-se, reinventar-se.

Edgar parece preocupado quanto ao andamento da obra

Ainda que um período de adaptação fosse necessário, é

e aos atrasos, principalmente de fornecedores como o dos caixilhos da residência. As especificidades de projeto exigidas e defendidas por Neutra pela proposição de novas soluções aos produtos de mercado, acabava por diretamente refletir no cronograma da obra, exigindo atualizações constantes. Desconfortável, o cliente revela suas dúvidas quanto aos prazos de entrega dos produtos especificados pelo arquiteto, não parecendo compreender que estes verdadeiramente refletiriam significativamente na melhor qualidade da residência.

Em resposta [27], no dia 21 de junho de 1946, Neutra re-

vela suas constantes tentativas em antecipar o que poderia causar qualquer tipo de problema. O questionamento a todos os envolvidos com o andamento da obra quanto a atrasos é posto como constante, e os atrasos ou problemas, como contrários à sua compreensão. São apontados o eletricista e o canaliza68

[26] Carta de Edgar Kaufmann a Richard Neutra. Collection 1179. Box 119. F.2. Richard & Dion Neutra Papers: Client Files Kaufmann, Edgar Correspondence. February – June 1946


69


[27] Carta de Richard Neutra a Edgar Kaufmann. Collection 1179. Box 119. F.2. Richard & Dion Neutra Papers: Client Files Kaufmann, Edgar Correspondence. February – June 1946 70


71


Construtivamente, a obra da residência seguiu os novos

norte-americanas por conta dos avanços industriais da épo-

moldes econômicos, com cadeias de terceirizações do trabalho

ca, pode-se compreender uma urbanidade ainda não comple-

construtivo e do seu próprio acompanhamento. Com a conse-

tamente assimilada. Os vestígios de externalidades indesejá-

quente subdivisão a diversas especialidades, são mencionados,

veis, como a demasiada ordem no posicionamento das pedras

por exemplo, os nomes Underwood, Stoddard, Smith, Webb e

para o revestimento, incomodariam pela transgressão do

Goggia.Ao mesmo tempo substituíveis, são todos, pois, responsá-

sentido de refúgio da casa, pela memória do trabalho.

veis pela complexa dinâmica de concretização do projeto, acom-

panhada, mesmo à distância, com muito cuidado pelo cliente.

revolução industrial, o trabalho que anteriormente era rea-

Recupera-se, assim, o esforço e interesse de Edgar Kauf-

lizado no mesmo ambiente de abrigo de seus moradores foi

mann a cada detalhe da residência em sua carta [28] a Richard

separado das atividades habituais de comer e dormir. Con-

Neutra no dia 5 de agosto de 1946. No documento, Edgar res-

sequentemente, e em vista das péssimas condições iniciais

ponde a uma série de fotografias a ele enviadas, para a aprova-

de trabalho nas fábricas, a oposição de um a outro é exalta-

ção ou não do progresso com o revestimento de pedras. Além

da. Ou seja, se a função do trabalho – precário – é enfren-

disso, o cliente comenta sobre os sistemas de aquecimento

tada exclusivamente dentro das fábricas, para as demais ati-

e resfriamento da residência, sob a responsabilidade, espe-

vidades, buscou-se o isolamento da indústria. Explica-se tal

rando não encontrar nenhum tipo de problema no futuro.

reação pela necessidade humana de viver sem a constante

Em meio a demais comentários, no entanto, é pre-

sensação de opressão, suficientemente presente nas fábricas.

ciosa uma observação de Edgar Kaufmann. Atento às míni-

É óbvio que as fábricas são resultado da revolu-

mas escalas do projeto, o cliente exige uma diferença má-

ção industrial, mas raramente pensamos que os

xima de uma polegada para a largura do revestimento da

lares, tal como os conhecemos hoje, são uma cria-

área externa e interna, não devendo ser aparente vestígios

ção da mesma revolução (FORTY, 2007: 137).

Como já mencionamos, com o advento da fábrica pela

mecânicos. Sua associação incômoda entre o revestimen-

to natural e o trabalho realizado, não deve ser vista exclusi-

utensílios, cada escolha viria a ser mostra avessa da vida nas

vamente em seu sentido literal. Ao contrário, deve-se atentar

fábricas. O reflexo trouxe o questionamento do cenário apro-

às suas possíveis interpretações além das esferas materiais.

priado para o lugar do não-trabalho. Para a burguesia, a res-

Se recordarmos do artigo [15] do jornal The Desert Sun

posta foi de um palácio protegido em meio à natureza, rico

of Palm Springs, além do rápido crescimento das cidades

de intimidade e conforto, palco de consumo e segredos.

72

Desta forma, desde sua decoração, até o design dos


[28] Carta de Edgar Kaufmann a Richard Neutra. Collection 1179. Box 119. F.3. Richard & Dion Neutra Papers: Client Files Kaufmann, Edgar Correspondence. August 1-15, 1946 73


Sabendo-se que a intensificação do processo constru-

tivo da Desert House inevitavelmente trouxe maiores preocupações às questões técnicas, não é correto afirmar o término do seu processo investigativo e criativo. A carta [29] de Richard Neutra a Edgar Kaufmann no dia 17 de outubro de 1946 comprova a continuidade investigativa do cliente a partir do arquiteto. São assim conciliados o andamento da obra com o questionamento a preferências e hábitos pontuais.

No documento, notam-se assuntos anteriormente tra-

tados por telefone, como os procedimentos para resolver os equipamentos de iluminação, a proposta da Rohloff Co. para a pavimentação cimentícia e o isolamento térmico para as paredes da casa. Ao mesmo tempo, o arquiteto pergunta ao cliente sobre a melhor altura e posição das saboneteiras, além da necessidade e do posicionamento das barras de toalha. Sua última dúvida volta-se à específica postura de Edgar em seus momentos de leitura na cama. O interesse ao hábito do cliente, intencionalmente volta-se a questões de conforto, garantindo suporte ao minucioso detalhamento da residência pelo arquiteto.

À mostra disso, o verso da mesma carta revela o de-

senho como linguagem; a comprovação do diálogo também por croquis. Voltado à leitura de Edgar Kaufmann, o esboço identifica a capacidade e familiaridade do cliente ao desenho, junto à preocupação de sua postura para o mais apropriado posicionamento da luminária, com a curiosa consideração da altura da cama comprimida.

74

[29] Carta de Richard Neutra a Edgar Kaufmann. Collection 1179. Box 120. F.1. Richard & Dion Neutra Papers: Client Files Kaufmann, Edgar Correspondence. October 16-31, 1946


75


A continuação dos diálogos investigativos parece priori-

zar detalhes que isoladamente poderiam ser encarados como preciosismos, mas, entendendo-se as ideologias de Neutra e o conjunto da obra, estes devem ser encarados como essenciais. O cuidado com a mínima escala traduz os esforços do arquiteto e de seus clientes para a materialização de um universo de máximo conforto. As liberdades criativas, assim, são conduzidas por particularidades. Se no início do processo foram assumidas diretrizes gerais, com o avanço construtivo, o desenho voltou-se à solução de pontualidades. Além da postura do cliente para a leitura, Neutra investiga em sua carta [30] do dia 29 de novembro de 1946 as possibilidades têxteis para a casa.

Endereçada a Liliane Kaufmann, os dois quartos de hós-

pedes, junto ao quarto dos proprietários e a sala de estar, recebem as primeiras especificações dos tipos de tecido e cor. É de importância ao arquiteto a harmonização de cada ambiente, e seu conjunto. No entanto, por mais que os dormitórios dos funcionários e a cozinha comprovadamente tenham sido projetados com igual consideração às questões de higiene, para estes, é evidente uma diferenciação de acabamentos. A exemplo da determinação do material plástico para as cortinas destes ambientes, e não de tecido, o documento [31] comprova o seu caráter de exceção, recuperando, novamente, valores históricos.

Na última década do século XIX e início do século XX,

Adrian Forty alega que não eram vislumbradas maiores abrangências da sociedade com o embate entre higiene e limpeza. Somente com o condicionamento emocional, utilizando, por 76


exemplo, imagens propositivas dos novos padrões de higiene pelos anunciantes, designers e fabricantes, que o público assimilou o conteúdo. Praticamente, no entanto, o discurso enfrentou o preconceito da necessidade de distinção de classes. Os esforços burgueses para a manutenção visível das diferenças colocou em xeque os princípios difundidos. Como mostra disso, o autor recupera o exemplo dos vagões de trens - organizados de acordo com o poder aquisitivo de seus passageiros - que seguiam os ideais higienistas apenas às classes inferiores, mas, que aos vagões das classes superiores, mantinham-se os tecidos e estofados - opostos aos preceitos higienistas.

Para os anos seguintes, a arquitetura moderna pro-

pôs alterações, principalmente com a exaltação da limpeza e higiene dos ambientes e de seus objetos. No entanto, com a análise deste documento pode-se perceber a resistência à sua imediata aceitação, condicionando a proposta de um novo modo de morar, sem o completo abandono de hábitos ou costumes passados. Ao que parece, a postura de Richard Neutra seguiu caminhos em defesa da adaptabilidade dos clientes, possivelmente traduzido como um período de transição e uma especialização da higiene, concentrara nos banheiros, cozinha e área de serviço, enquanto nas demais áreas da casa outros valores e preocupações orientavam o seu desenho.

77


[30] Carta de Richard Neutra a Liliane Kaufmann. Collection 1179. Box 120. F.2. Richard & Dion Neutra Papers: Client Files Kaufmann, Edgar Correspondence. November 1946 78


[31] Carta de Liliane Kaufmann a Richard Neutra. Collection 1179. Box 120. F.2. Richard & Dion Neutra Papers: Client Files Kaufmann, Edgar Correspondence. November 1946 79


A continuar as análises dos documentos, o uso da foto-

Em meio a crescentes repercussões, o documento [33],

grafia sugere transformações. Se até então esta servia à tra-

escrito no dia 3 de março de 1947, destaca o interesse de edi-

dução do andamento construtivo da residência, em sequên-

tores, repórteres, fotógrafos e outros clientes do arquiteto ao

cia, destacou-se como meio de divulgação de novos modos

descobrimento da casa. No entanto, são todos avisados do

de morar. O documento [32], endereçado a Julius Shulman,

desinteresse da notoriedade de Edgar Kaufmann; nem mes-

comprova a importância das imagens para a tradução de

mo veículos como Life e Architectural Forum parecem con-

seus ideais. Ciente da impossibilidade de equivalência en-

vencer inicialmente o cliente. Neutra negocia a possibilidade

tre a experiência in loco e a fotografia, Neutra manipula a

de um acordo, defendendo as primeiras imagens pelo pra-

arquitetura como um cenário, exigindo aos melhores ân-

zer de ambas as partes, respeitando-se os diferentes interes-

gulos. Desta forma, a fotografia para o arquiteto assume

ses. Mesmo assim, assume-se um caráter de produto à casa,

outros sentidos, envolvendo-se também com a imprensa.

determinando-se estratégias para a sua melhor divulgação.

Julius Shulman e Richard Neutra parecem trabalhar

Apesar do viés de reconhecimento dos esforços, a pro-

em conjunto, seguindo a lógica do diálogo. O arquiteto en-

dução fotográfica para o arquiteto deveria servir, na verda-

tão assume postura similar a de seus clientes, determinan-

de, ao processo criativo. Segundo o artigo escrito por

do temas específicos para o fotógrafo. No caso da Desert

mon Niedenthal “Glamourized Houses”: Neutra, Photography,

House, como comprova o documento [32], Neutra indica

and the Kaufmann House, Neutra transferia às imagens senti-

a necessidade de valorização dos diferentes espaços da resi-

dos de uma qualidade plástica, flexível ao reestabelecimen-

dência e suas aberturas, relacionados entre si e ao ambiente

to das concepções de projeto. Com a incorporação de am-

externo. O mobiliário não deveria ser visto como um im-

bivalências, sua compreensão das limitações fotográficas

portante item, aparecendo apenas como detalhe nas fotos.

coexistiu com os sentimentos de fascínio e adoração. Recupe-

ra-se, enfim, também a possibilidade de criação de um ícone.

Prevendo publicações em renomados veículos, o ar-

Si-

quiteto propõe a possibilidade de reorganização do ambien-

te, condicionada à desordem programada de poucos obje-

cia onírica da perfeição de seu trabalho, utilizando a seu favor

tos aparentes. O cuidado em não reproduzir deficiências de

a possibilidade de manipulação técnica e do cenário para a sua

execução da obra deveria sempre ser tomado. Aliás, as fo-

memória. Ainda assim, contínuas séries fotográficas da mesma

tografias não serviriam para comprovar erros, e sim para

residência demonstram outra vez a impossibilidade de repre-

traduzir as intenções de limpeza e claridade do projeto.

sentação plena de seu projeto, a inexistência de um fim também

80

Através das fotografias, Neutra parece encontrar a existên-


para si. Os tambĂŠm contĂ­nuos estudos do arquiteto para o conforto do cliente, jamais poderiam ser traduzidos em sua plenitude, lembrando-se, principalmente, da condicionante tempo.

[32] Carta de Richard Neutra a Julius Shulman. Collection 1179. Box 120. F.4. Richard & Dion Neutra Papers: Client Files Kaufmann, Edgar Correspondence. January - August 1947 81


[33] Carta de Richard Neutra a Edgar Kaufman. Collection 1179. Box 120. F.4. Richard & Dion Neutra Papers: Client Files Kaufmann, Edgar Correspondence. January - August 1947 82


83


Quanto ao poder de repetição de uma mesma imagem, e

três diferentes exposições para a sua realização, a foto [34]

seu orquestramento para publicação, é evidente sua consequ-

registra Liliane Kaufmann estrategicamente posicionada

ência direta à construção emblemática da casa e da proposta de

para impedir o distúrbio da iluminação artificial da piscina.

novas formas de morar. Neste sentido, a dificuldade de divul-

Ao mesmo tempo, é a partir do posicionamento de um ob-

gação, dado o embate com Edgar Kaufmann, parece colaborar

servador, tranquilamente em sua área de lazer, que a ideia

com sua valorização. Em meio à procura de diversos veículos,

da possibilidade de conforto e vida moderna é apresentada.

como novamente indica o dumento [35], celebra-se um primeiro artigo [36] na revista Los Angeles Times Home Magazine, no dia 4 de maio de 1947, sem um ideal material fotográfico.

A carta [37] de Richard Neutra ao cliente, no dia 15 de ju-

nho de 1947, recupera as intenções de ordem e sincronia das publicações. Relatando o contato com John Entenza, responsável pela revista Arts and Architecture, e certamente entendendo as lógicas de consumo, o arquiteto propõe a não simultaneidade de artigos em diferentes meios, de modo que seja satisfatório às partes a divulgação e a venda dos produtos. Entre outras preocupações, destaca-se o receio de um primeiro veículo local ao invés de um nacional, considerando as possibilidades de alcance.

Quanto à casa como símbolo, somente após sua divul-

gação na revista Life, no dia 11 de abril de 1949, que assume-se uma outra postura. Para Richard Neutra e Julius Shulman, o reconhecimento internacional seguiu com a apresentação do trabalho em nome da própria fotografia, e não como arquitetura. A dramatização da cena propõe perspectivas próprias do fotógrafo, deixando de seguir as principais indicações do arquiteto. Junto às montanhas do deserto, a casa não é posta como foco, priorizando sua singular atmosfera. Com 84

[34] Kaufmann House. Julius Shulman photography archive, 1935-2009, Job 093. © J. Paul Getty Trust. Getty Research Institute, Los Angeles (2004.R.10)


85


[35] Carta de Richard Neutra a Edgar Kaufmann. Collection 1179. Box 120. F.4. Richard & Dion Neutra Papers: Client Files Kaufmann, Edgar Correspondence. January - August 1947 86


[36] Capa da revista Los Angeles Times Home Magazine. Collection 1179. Box 120. F.4. Richard & Dion Neutra Papers: Client Files Kaufmann, Edgar Correspondence. January - August 1947

87


[37] Carta de Richard Neutra a Edgar Kaufmann. Collection 1179. Box 120. F.4. Richard & Dion Neutra Papers: Client Files Kaufmann, Edgar Correspondence. January - August 1947 88


A ocupação da residência com o mobiliário, da mes-

tamento diretamente à Liliane Kaufmann. Em razão do pe-

ma forma que a fotografia, revelaria a impossibilidade de

dido de desenvolvimento de uma mesa, é infeliz ao desig-

sua precisão com o passar do tempo. Em outras palavras, ao

ner a situação em que afirma se encontrar. Imaginando o

passo que o arquiteto revela sua inquietude para a redesco-

incômodo do seu atraso, o designer assume sua precipitação

berta de seu próprio trabalho com novas sequências fotográ-

ao comprometer-se com as peças de mobiliário da residên-

ficas, o mobiliário não deve ser admitido estaticamente, eter-

cia, justificada pelo reconhecimento a tudo o que a família

no. Através deles, pode-se recuperar características históricas,

Kaufmann fez e possibilitou nos campos de arte e arquitetu-

principalmente com a revelação do cuidado para cada item.

ra. Apesar do contratempo, a circunstância, não deveria ser

vista em razão da indiferença ou falta de desejo em ajudar.

Por mais que para Neutra sempre devesse existir o diá-

logo com a crescente força industrial, sua proposição a novas

soluções também refletiria certa busca por exclusividades. Se

em muito se deviam ao desenvolvimento paralelo de um “la-

a defesa do arquiteto seguia a possibilidade da indústria em

boratório” para produção em massa, a qual deveria alcançar

incorporar melhorias em seus produtos, em termos de pro-

eventualmente o público com um preço razoável. A atenção

dução em larga escala, a reinvenção exigia grandes esforços.

anterior a peças individuais e exclusivas significaria a inter-

Mesmo assim, o conflito entre catalogações industriais e os

ferência de um programa de produção, e, a mesa, prome-

desejos de reconfigurações específicas, deveria ser encara-

tida para setembro do mesmo ano, viria a ser prova disso.

do como uma obrigatoriedade, garantindo a sobrevivência

econômica e, sobretudo, da própria espécie. Os novos pro-

cipativa para o mobiliário da residência, recuperam-se tam-

dutos deveriam acompanhar os hábitos e ritmos da socie-

bém ecos dos manuais para donas de casa do final do século

dade, a partir de um processo relativamente participativo.

XIX. A saber a determinação das senhoras a função de ex-

No entanto, as dificuldades de adaptações e os anseios da

pressar a personalidade de seus ocupantes, acrescentaram-se

indústria inevitavelmente enfrentaram um período para o co-

conselhos de decoração doméstica nos veículos de comunica-

nhecimento de suas possibilidades e limites. Neste sentido, a re-

ção. Dentro de casa, a liberdade passou a difundir o fascínio

cuperação da carta [38] de Charles Eames a Richard Neutra, escri-

com as aparências. Consequentemente, os próprios ambien-

ta no dia 3 de abril de 1947, identifica o designer como mais uma

tes domésticos passaram a ser a identidade de seus ocupan-

personagem à concepção da casa, junto de seus questionamentos.

tes e a mobília assumiu significado e personalidade. No en-

tanto, como isto seria possível a partir da pré-determinação

Em posterior carta [39], Eames destaca certo desapon-

Ao contrário, Eames esclarece que suas dificuldades

Determinando-se a Liliane Kaufmann a função parti-

89


do que seguir no design de decoração? A situação paradoxal

res com a importância do mobiliário doméstico. Deve-se des-

destacada por Adrian Forty revela a inconsistência da bus-

tacar a continuidade do conflito na tentativa de expressão da

ca pelo individualismo, certa fragilidade em meio a impo-

personalidade particular com a similaridade do interior das

sição de novos valores num mundo em industrialização.

residências elegantes da época. Nada mais que o constrangi-

Seguiu-se como princípio, a partir do final do século XIX,

mento entre a necessidade de afirmação do indivíduo perante

a intenção de reduzir a quantidade de móveis, propiciando o

as dificuldades econômicas e o ideal próspero da decoração.

melhor uso dos espaços. Concomitantemente, a beleza assumiu

É o fato de que o lar é ao mesmo tempo uma fá-

significado moral, além da estética. Assim, a maior responsabi-

brica de ilusões privadas e um catálogo de gostos,

lidade da mulher seria a de encontrar e traduzir a satisfação dos

valores e ideias prontos que tornam todo o design

sentidos estéticos em virtudes morais aos membros da família.

doméstico tão extraordinariamente revelador das

No final do século XIX, era o caráter principalmen-

condições de vida doméstica (FORTY, 2007: 163).

te das mulheres que se revelava pela escolha da mobília. As pressões sobre as mulheres para participar dessa charada burguesa eram consideráveis. Tão próxima se tornara a identificação entre mulher e casa que aquela que não conseguisse expressar sua personalidade dessa maneira corria o risco de ser vista como pouco feminina (FORTY, 2007: 146).

O início do século seguinte sugeriu a continuidade de

alguns aspectos para a identificação da qualidade do lar, mas, com certas alterações. Se a intenção de separação enfática entre lar e trabalho podia ser identificada nos ambientes, a introdução do conceito de lar como fonte de bem-estar físico e não só moral, foi notável. Repercussões dessa nova concepção aparecem claramente nas preocupações de Richard Neutra.

Os anos posteriores, segundo Forty, exaltariam o ques-

tionamento da liberdade e individualidade de seus morado90


[38] Carta de Charles Eames a Richard Neutra. Collection 1179. Box 120. F.4. Richard & Dion Neutra Papers: Client Files Kaufmann, Edgar Correspondence. January - August 1947 91


[39] Carta de Charles Eames a Edgar Kaufmann. Collection 1179. Box 120. F.4. Richard & Dion Neutra Papers: Client Files Kaufmann, Edgar Correspondence. January - August 1947 92


Finalmente, o primeiro inverno com a apropriação do es-

paço pelos proprietários é anunciado. Edgar Kaufmann escreve uma carta [40] a Richard Neutra no dia 13 de janeiro de 1948, afirmando sua recém chegada. A acomodação acompanhada de algum mal-estar de saúde não impede o proprietário de comentar que não necessitava de nenhuma ajuda de Neutra, mas, que caso algo extraordinário fosse notado, entraria em contato.

[40] Carta de Edgar Kaufmann a Richard Neutra. Collection 1179. Box 120. F.5. Richard & Dion Neutra Papers: Client Files Kaufmann, Edgar Correspondence. September 1947 – May 1948, 1953. 93


O breve documento celebra o primeiro dia de ocupação

humana na residência, e não o seu final construtivo. Afirmar que uma vez ocupada, a casa poderia ser considerada pronta, é incorreto. A Desert House enfrentou nos anos seguintes reconsiderações construtivas dos clientes, ao mesmo tempo em que o arquiteto construía fotograficamente sua memória. Os documentos [41] e [42] comprovam a inexistência de um fim para a residência, seja pela necessidade de sua constante documentação em imagens, seja pela sua não configuração como algo intocável - principalmente constatado com requerimentos de adaptações espaciais nos ambientes já construídos.

A carta [41] de Richard Neutra a Edgar Kaufmann, es-

crita no dia 17 de Maio de 1948, demonstra a continuidade do diálogo entre cliente e arquiteto quanto ao planejamento das divulgações da residência. A seletividade e as restrições impostas pelo cliente, no entanto, parecem finalmente incomodar Neutra, que afirma ser não apenas frustrante, mas um grande prejuízo não poder divulgar o seu trabalho. As fotografias e publicações são enfim defendidas pelo arquiteto como parte de seus direitos de autoria. Mas, mesmo com contrastantes interesses, Neutra parece concordar em realizar novas séries de fotografias da residência regrada à satisfação mútua.

94


A manutenção do diálogo entre arquiteto e cliente pa-

rece também propiciar a continuidade do processo investigativo e criativo, incorporando transformações aos ambientes. Comprova-se com a carta [42] de Richard Neutra a Edgar Kaufmann, no dia 17 de fevereiro de 1953, a necessidade de reparos na cobertura da residência e suas primeiras ideias para corresponder à intenção do cliente em expandir a sala de estar. Recuperando os desenhos do projeto original para consulta, Neutra anexa à carta outras duas páginas explicativas sobre as alterações do projeto, com um total de três desenhos de estudo, à exemplo do documento [43].

Em seu primeiro comentário, Neutra indica uma pro-

posta para o assento ao lado da lareira, assumindo um caráter mais técnico do que artístico para o desenho. É apresentada a intenção de prateleiras ajustáveis, novos revestimentos, e o reposicionamento das tomadas elétricas e de telefone. Para um segundo esclarecimento, o arquiteto revela as intenções de alteração no hall de entrada da residência. Após interpretação de requerimentos e preferências do cliente, propõe-se que o armário para roupas de inverno deveria ser removido para dar lugar a um tronco, escultura ou plantas do deserto. Os revestimentos também deveriam ser alterados e uma parede demolida. Neste caso, a consulta aos desenhos exe[41] Carta de Richard Neutra a Edgar Kaufmann. Collection 1179. Box 120. F.5. Richard & Dion Neutra Papers: Client Files Kaufmann, Edgar Correspondence. September 1947 – May 1948, 1953.

cutivos confirma a importância de seu arquivamento, visto que revelaram o conflito com a estrutura de resfriamento da casa. Para o terceiro esclarecimento, Neutra descreve alterações para a valorização do armário próximo à entrada da re95


sidência, contando com outros revestimentos e iluminação.

Os diversos estudos para a sala de estar recuperam a ideia

de inexistência de um fim para a construção da residência. Seja por parte do cliente que volta a conversar com o arquiteto, ou por parte de Richard Neutra que dá continuidade ao seu desenvolvimento criativo, é valiosa a percepção da casa como uma construção relativamente flexível. Conjuntamente à percepção de transformações de hábitos e comportamentos, ambos concordam na necessidade do apoio transformativo do ambiente.

96


[42] Carta de Richard Neutra a Edgar Kaufmann. Collection 1179. Box 120. F.5. Richard & Dion Neutra Papers: Client Files Kaufmann, Edgar Correspondence. September 1947 – May 1948, 1953. 97


98


Entendendo a evolução construtiva e suas inevitáveis al-

terações espaciais, uma última análise documental da residência voltou-se aos desenhos executivos assinados por Richard J. Neutra em 1946. As três folhas fornecidas pelo Neutra Institute for Survival Through Design, apresentam as plantas, elevações e cortes do projeto. Pode-se imaginar desde a sua implantação até a especificação dos acabamentos, uma hipotética inserção em cada ambiente, recuperando-se as características históricas, as ideologias do arquiteto e as particularidades dos clientes.

Volumetricamente, a Desert House é disposta caracte-

risticamente, de forma similar empregada por Richard Neutra em seus projetos para Warren e Katharine Tremaine (1948), Fred e Alicia Adler (1956), Charles Oxley (1958) e Martin Rang (1961). Quatro diferentes alas da casa abrigam cada qual uma função diversa. A semelhança do desenho a um um cata-vento traduz para os ambientes ao norte as duas suítes de hóspedes e um pátio aberto. A oeste, são dispostos os ambientes de serviço como cozinha e depósito, além dos dois quartos para funcionários. Ao sul, é destinado o abrigo para carros e disposto o caminho de acesso à residência. Finalmente, a leste, Neutra determina o quarto dos proprietários, conectado visualmente e fisicamente com a área externa da piscina. [43] Carta de Richard Neutra a Edgar Kaufmann. Collection 1179. Box 120. F.5. Richard & Dion Neutra Papers: Client Files Kaufmann, Edgar Correspondence. September 1947 – May 1948, 1953.

Intencionalmente planejado como um amplo ambien-

te de encontro das diferentes alas, a sala de estar incorpora a sala de jantar, destacando a centralidade da lareira ao restante da casa. A confluência dos possíveis fluxos para um mesmo espaço, assume importância maior ao volume revestido 99


de pedra, dando continuidade aos mesmos significados gra-

nerosas aberturas, além de canteiros para vegetação, a con-

dualmente desenvolvidos por Frank Lloyd Wright, que cul-

dução do observador à natureza é aliada aos planos hori-

minam na expressão simbólica e praticamente sagrada da

zontais do forro ininterruptos pela indiferença de altura do

lareira. É este o elemento que apresenta ao visitante a impor-

pé-direito dentro ou fora da casa. Justamente nestes espaços

tância do conforto para o lar, evidenciando um foco de reu-

de transitoriedade, com a projeção da cobertura, que a sen-

nião, também pela proximidade da própria mesa de jantar.

sação de comunicação com a natureza assume continuidade.

A amplitude deste ambiente central também confere um

A máxima desta virtude do projeto, ideologicamen-

caráter propício à observação das dinâmicas internas e externas

te defendida pelo arquiteto, é vista na gloriette. Determina-

da residência. Para alguém posicionado na sala de estar, qual-

da pela palavra de origem francesa, empregada usualmen-

quer movimentação na ala dos quartos de hóspedes, piscina ou

te a construções com jardins em um local elevado, não são

quarto dos propietários pode ser percebida. A exceção do conta-

consentidas

to visual, intencionalmente, volta-se à área de serviço, com uma

do um espaço aberto de contemplação da paisagem. Com

cozinha, dois quartos de funcionários e um depósito. Neste sen-

acesso por uma escada externa, o único ambiente da casa

tido, a separação do restante da casa - ainda que exista uma mes-

disposto no primeiro pavimento apresenta a continuida-

ma linguagem arquitetôncia e qualidade espacial - é evidente.

de da lareira da sala de estar junto ao seu mobiliário solto.

A segregação visual da ala oeste, com seus ambientes

Novamente como o volume fixo próprio do ambiente, a la-

e usos praticamente escondidos, indica significados maio-

reira é contrastante às persianas verticais de alumínio, pos-

res que os fomentados pela distinção de classes. O não con-

sivelmente alternadas de posição para a proteção do vento.

tato com o que garante a funcionalidade da casa, ao que pa-

rece, indica novamente os desejos de conforto do lar a partir

no extremo leste da residência, parece certo afirmar em um

do esquecimento da atmosfera de trabalho. Associa-se a esta

primeiro momento sua controvérsia. Ocasionalmente, pode-

disposição espacial a criação de um universo de ilusões, em

-se imaginar a exposição indesejada do quarto dos proprietá-

que as refeições, a limpeza e a ordem façam obrigatoriamente

rios a convidados, mas, se considerado o emprego de cortinas

parte da da casa, sem que existam vestígios de seus esforços.

e a reflexibilidade prevista nos planos de vidro, a privacida-

Seguindo a busca pela materialização de outras ideo-

de não deveria ser prejudicada. Sua disposição, ao contrá-

logias do arquiteto, comprova-se a valorização do contato

rio, talvez seja de fato a que melhor se adeque às dinâmicas

entre o ambiente interior e exterior da residência. Com ge-

e usos da residência, também devendo-se considerar seu

100

formalidades

construtivas,

mas,

determina-

Quanto à área de lazer da casa, disposta com a piscina


fundamental papel ao equilíbrio de implantação proposto.

a necessidade do acompanhamento da modernização da casa

Para o projeto, percebe-se também a preocupação com a

junto às já notáveis transformações na rotina de seus habi-

relativa reconfiguração dos ambientes. Notável na sala de estar,

tantes. O arquiteto destaca a revoltante existência de muitos

nos quartos de hóspedes e dos proprietários, a existência de pai-

que trabalhavam em escritórios modernos, dirigiam auto-

néis de vidro deslizantes garante a alteração espacial a partir das

móveis como um Studebaker e, ainda assim, resistiam às no-

necessidades de conforto e privacidade, além de criar ou impe-

vas proposições para a vida privada. A esquisofrenia de nega-

dir novos acessos. Neutra promove, em certos aspectos, a inte-

ção da residência em sintonia ao moderno deveria ser revista.

ração do usuário com o ambiente construído, permitindo sua

acomodação sem que existam imposições como planos fixos.

plitude, a paisagem externa ao ambiente interno, Richard Neu-

A predominância horizontal da Desert House aproxima

tra discorre em sua entrevista à revista Times sobre as residên-

a vivência dos moradores à paisagem exuberante do seu entor-

cias modernas. Ainda com o avanço em curso da aceitação dos

no. Os vazios internos da residência, como um pátio entre a sala

novos parâmetros e ritmos de vida, a resistência ou a impossi-

de estar e os quartos de hóspedes, defendem a ideia de transito-

bilidade de adaptação, em alguns casos, era inevitável. No en-

riedades imperceptíveis para o bem-estar. Ao passo que a mu-

tanto, pode-se entender a “libertação” descrita por um cliente

dança de ambientes internos e externos não é declarada, mas

ao se mudar para uma casa projetada pelo arquiteto, como um

sutil, o arquiteto cria certa experiência sinuosa. Valendo-se de

possível combustível à continuidade de seus esforços. Segundo

ideais de limpeza visual para o menor distúrbio espacial, os ma-

a revista, assegurar que a terminologia “moderno” fosse aceita

teriais empregados parecem solidificar a relação com o uso do

como “tradicional” nos Estados Unidos não viria através da acei-

vidro, aço, madeira e pedra. Como exemplo, deve-se destacar

tação da sociedade, mas, através do aprendizado dos profissio-

a continuidade dos materiais de piso e forro, justamente nos

nais em ser conveniente, em estabeler a existência da sensação

espaços de transitoriedade dos ambientes internos e externos.

de conforto junto à promoção de espaços amplos e abertos.

Esta proposta de uma nova forma de morar, junto ao

Por uma arquitetura que combinasse o compacto à am-

A Desert House, assim segue as proposições do arquiteto,

dado numérico da compra de 2,4 milhões de novas residên-

posteriormente com outros proprietários. A falta de cuidado

cias em 1948 nos Estados Unidos, finalmente permite a discus-

com a manutenção da residência, sem valer de preocupações

são das mudanças econômicas também como um reflexo de

para a preservação da proposta moderna de habitação, no entan-

mudanças sociais e comportamentais. Como mostra de uma

to, foi contornada com sua compra por outro casal apreciador

construção capaz de abrigar a vida moderna, Neutra destaca

de casas modernas do século XX. Hoje, contando com a colabo101


ração de Julius Shulman, a casa encontra-se restaurada, podendo ser considerada um marco para a história da arquitetura. Um marco não só em função da expressão dos ideais arquitetônicos de Neutra, mas também como símbolo de um conjunto de ideais de domesticidade que então se configuravam nos Estados Unidos do Segundo Pós-Guerra e que terão forte impactos em outras localidades, como o Brasil e mais especialmente São Paulo. As investigações e análises aqui desenvolvidas podem contribuir para a avaliação desses impactos e as reflexões sobre os diálogos de modernidade arquitetônica entre o norte e sul do continente americano.

[44] Fotografias selecionadas da Kaufmann House. Julius Shulman photography archive, 1935-2009, Job 093. © J. Paul Getty Trust. Getty Research Institute, Los Angeles (2004.R.10) 102


103


104


105


106


[45] Fotografia selecionada da Kaufmann House. Julius Shulman photography archive, 1935-2009, Job 443. Š J. Paul Getty Trust. Getty Research Institute, Los Angeles (2004.R.10) 107


[46] Fotografia selecionada da Kaufmann House. Julius Shulman photography archive, 1935-2009, 1998. Š J. Paul Getty Trust. Getty Research Institute, Los Angeles (2004.R.10) 108


109


110


[47] Planta pavimento térreo sem escala da Kaufmann House. Disponivel através do Neutra Institute for Survival Through Design. Richard & Dion Neutra Architects & Associates. © 1998 All rights reserved. 111


[48] Planta de cobertura sem escala da Kaufmann House. Disponivel atravÊs do Neutra Institute for Survival Through Design. Richard & Dion Neutra Architects & Associates. Š 1998 All rights reserved. 112


113


114


[49] Elevação Leste sem escala da Kaufmann House. Disponivel através do Neutra Institute for Survival Through Design. Richard & Dion Neutra Architects & Associates. © 1998 All rights reserved.

115


116


4. Considerações Finais

-, puderam ser identificadas as características desta sociedade, principalmente em razão da leitura minuciosa das

O encerramento deste relatório celebra a contri-

cartas, “questionários” e telegramas originais, documen-

buição à pesquisa O avesso da arquitetura moderna: do-

tos que também comprovam as extensas investigações dos

mesticidade e formas de morar na habitação privada brasilei-

clientes. Neste sentido, a escolha dos projetos residenciais

ra 1930-1960, realizada pela Prof.ª Dr.ª Joana Mello de

para John Nicholas e Anne Brown (1936-38), Edgar e Liliane

Carvalho e Silva. A ela agradeço imensamente pela orienta-

Kaufmann (1946), Stuart Bailey (1948) e Joseph e Sonia Stal-

ção, fundamental ao meu crescimento para fins científicos.

ler (1955), permitiu o aprofundamento investigativo do pro-

Esta pesquisa reconhece que em razão de novas dinâ-

cesso criativo do arquiteto, demonstrando a importância do

micas globais, gradualmente regradas ao ritmo industrial,

seu fundamental hábito para a concepção de cada projeto.

a casa da mesma forma insere-se nesse contexto, é parte da

materialização das transformações na sociedade. Mais do

lise particular da Desert House (1946), para os clientes Ed-

que apresentar elementos de inovação espacial, técnica e

gar e Liliane Kaufmann, complementa o entendimento das

construtiva, esta é também elemento-chave à compreen-

ideologias de Richard Neutra, seu contexto histórico, as ca-

são do comportamento humano e de sua adaptação aos no-

racterísticas íntimas desta sociedade e os diálogos com a ar-

vos ritmos, aos seus desejos e necessidades da modernidade.

quitetura moderna brasileira. Neste caso, é possível destacar

A partir dos periódicos Habitat, Acrópole e Módu-

ainda a importância da leitura dos diversos tipos de documen-

lo, junto à publicação Architecture of Social Concern in Regions

tos, essencial ao detalhamento da relação arquiteto-cliente.

of Mild Climate (1948) em São Paulo, são comprovados os di-

álogos de Richard Neutra e a relação das propostas norte-

com a possibilidade do maior detalhamento do contato inter-

-americanas de novas formas de morar com o Brasil. Recu-

nacional entre os arquitetos desta época, a saber a predominân-

peram-se reflexos em ambos os sentidos, seja pelo exemplo

cia, ou não, dos reflexos em ambos os sentidos. Outra opção

do arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho e seus contempo-

seria a da comparação dos processos criativos para a produção

râneos, seja pelo artigo Young Brazil, do próprio Neutra.

arquitetônica vigente na época, investigando-se mais precisa-

Além disso, com o acesso à valiosa coleção Richard

mente o quanto a participação do cliente influencia a qualidade

and Dion papers, 1925-1970 - doada por Frank, Raymond,

do projeto, ou então, o quanto sua opinião é de fato garantia da

Dion e Dione Neutra à Universidade da Califórnia (UCLA)

maior acertividade para a qualidade fisiológica dos ambientes.

Seguindo o recorte temporal de 1930 a 1960, a aná-

Permite-se a ampliação e a continuidade desta pesquisa

117


118


5. Bibliografia

York: The Museum of Modern Art, 1984. AZEVEDO, Patrícia Pimenta Azevedo. Teoria e prática: a obra

NEUTRA, Richard Joseph. Richard Neutra. London: Thames

do arquiteto Richard Neutra. São Paulo: Faculdade de Arqui-

and Hudson, 1971.

tetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, 2007.

________. Life and Shape. Nova York: Appleton-Century-

LAVIN, Sylvia. Form follows libido: architecture and Richard

-Crofts, 1962.

Neutra in a psychoanalytic culture. Cambridge: MIT, 2007.

________. Architecture of Social Concern in Regions of

SHULMAN, Julius. Photographing Architecture and Interiors.

Mild Climate. São Paulo: Ggerth Todtmann, 1948.

Nova York: Whitney Library of Design, 1962.

________. Survival Through Design. New York: Oxford Uni-

LOUREIRO, Claudia; AMORIM, Luiz. Por uma arquitetura

versity Press, 1954.

social: a influência de Richard Neutra em prédios escolares

________. Case Study House 6. Arts and Architecture. Ou-

no Brasil. São Paulo, Portal Vitruvius, jan 2002. Disponível

tubro, 1945. Disponível em: <http://www.artsandarchitecture.

em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitex-

com>

tos/02.020/813>

FORTY, Adrian. Objetos de Desejo – Design e Sociedade des-

NEUTRA, Richard Joseph. Channel Heights, Los Angeles, Ca-

de 1750. São Paulo: Cosac Naify, 2008.

lifornia: public housing authority. Acrópole. São Paulo, n.166,

CURTIS, William J. R. Arquitetura Moderna desde 1900. Por-

p.360, fev. 1952.

to Alegre: Bookman, 2008.

________. Edificações futuras: transcendental assunto hu-

HINES, Thomas S. Richard Neutra and the search for mo-

mano. Acrópole. São Paulo, n.231, p.101-104, jan, 1958. Confe-

dern architecture. Nova York: Rizzoli, 2005.

rência realizada em Zurique.

LAMPRECHT, Barbara Mac. Richard Neutra, 1892-1970: for-

ORTENBLAD FILHO, Rodolpho. [Resenha da obra: Life and

mas criadoras para uma vida melhor. Köln: Taschen, 2004.

human habitat (Vida e habitat humano), NEUTRA, Richard.

LIRA, José Tavares Correia de. Arquitetos estrangeiros, arqui-

Verlagsanstalt Alexander Koch, Stuttgart, Alemanha, 1956,

tetura no estrangeiro e a história. In: LANNA, Ana Lúcia Du-

318 páginas ilustradas, 32x22cm]. Acrópole. São Paulo, n.228,

arte [et al.]

p.458, out. 1957.

(Orgs.). São Paulo, os estrangeiros e a construção das cidades.

________. A arquitetura de Richard Neutra. Acrópole. São

São Paulo: Alameda, 2011, pp. 353-385.

Paulo, n.230, p.56-57, dez, 1957.

DREXLER, Arthur. Architecture of Richard Neutra. Nova

LEVI, Livio Edmondo. [Resenha da obra: Realismo biológico, 119


NEUTRA, Richard. Editora Nueva Vision, Buenos Aires, 1958,

sobre História da Arquitetura Moderna Brasileira. São Paulo:

182 páginas ilustradas, 20x15cm]. Acrópole. São Paulo, n.249,

Romano Guerra, 2010, p. 131-163.

p.350, jul, 1959.

MARTINS, Carlos A. Ferreira. Construir uma Arquitetura,

A arquitetura de Richard Neutra. Acrópole. São Paulo, n.232,

Construir um País. In: SCHWARTZ, Jorge. Da Antropofagia a

p.152-154, fev. 1958.

Brasília: Brasil 1920-1950. São Paulo: FAAP, 2002, p.373-383.

[Resenha da obra: Richard Neutra - 1950-60. Editions Girs-

BAKER, Ernest Hamlin. New Shells. Time, agosto 1949. Dis-

berger, Zurique e Frederick A. Praeger, Nova York, 1959, 240

ponível em: <http://www.neutrahouse.org/Neutra_Time_

páginas totalmente ilustradas, 23x29cm]. Acrópole. São Paulo,

Aug_15_1949.pdf>

n.255, p.112, jan. 1960.

The case study house program announcement. Arts and Ar-

[Resenha da obra: Welt und wohnung (Mundo e morada),

chitecture, jan. 1945. Disponível em: <http://www.artsandar-

NEUTRA, Richard. Verlagsanstalt Alexander Koch GmbH,

chitecture.com/case.houses/>

Stuttgart, Alemanha, 1962, 160 páginas totalmente ilustradas, 22x30cm]. Acrópole. São Paulo, n.298, p.314, ago. 1963. [Resenha da obra: Richard Neutra. Verlag für Architektur, Zurique, 1966, 286 páginas fartamente ilustradas, 29x23cm]. Acrópole. São Paulo, n.350, p.45, maio, 1968. KULTERMANN, Udo. As escolas de Richard Neutra. Habitat. São Paulo, n.45, p.44-47, nov. - dez, 1957. A vida e o Habitat Humano: A arquitetura residencial de Richard Neutra. Habitat, São Paulo: nº 30, p. 60-61, maio 1956. LOZANO, Eduardo E.. Evocando Richard Neutra. Habitat, São Paulo, nº 60, p. 13-16, jun. 1960. FERRAZ, Geraldo. Richard Neutra permanece renovador aos setenta anos. Habitat, São Paulo: nº 69, p. 5-15, set. 1962. LIERNUR, Jorge Francisco. The South American Way: O Milagre Brasileiro, os Estados Unidos e a Segunda Guerra Mundial – 1939-1943. In: GUERRA, Abílio. Textos Fundamentais 120




Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.