A relação temporal entre o Ser e o Urbano

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Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.


A RELAÇÃO TEMPORAL ENTRE O SER E O URBANO FELIPE MALVASSORE

ORIENTAÇÃO: ANA LÚCIA MACHADO DE OLIVEIRA FERRAZ TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO ARQUITETURA E URBANISMO CENTRO UNIVERSITÁRIO BARÃO DE MAUÁ



Caminhei sem ver durante certo tempo, pisando muito lentamente e de forma insegura. Para ver o que nĂŁo via, precisei deixar de ver o que via sempre. Precisei trocar de cegueira. Ana Clara Torres Ribeiro.Ana Clara Torres Ribeiro


AGRADE

a querida orientadora Ana Lúcia, pelas orientações e companheirismo, pelas conversas e puxões de orelha por “esconder e sumir” com os desenhos. a Thata (Thais Soares da Cunha), pela amizade e companheirismo durante grande parte da graduação, por “tolerar as piadinhas sem graça”, por planejar o caos antes de todos os semestres, por chorar as pitangas dos estágios, pelos concursos e por todos os momentos que foi apenas Thais sendo Thais . a Camis (Camila Paulucci Peppi Gomes), pela amizade e choradeira companheirismo durante os projetos de extensão e o “período sombrio do tg”, pelos “não fiz nada e você?”, pelo e os rolês no seu caminhão museu. ao Kaique, pela amizade, companheirismo e todo conhecimento e conversas que compartilhamos. aos colegas e amigos que a arquitetura me trouxe no decorrer desses cinco anos, Victor Lopes, Maria Cristina, Euller, Aniele, Giulia, Paola, Felippe, Fernanda, Gabriela Barbosa, Luana Theodoro, Roberta Geraldo e Kamille , pelas lembranças que construímos juntos, em especial à Angela Christmann, pelo companheirismo e risadas; à Victória Cisneiros, pelos papos e altos vídeos de gatinho compartilhados; ao “seu Renê”, pelos altos papos durante as tardes; à Luzia, pelas caminhadas no sol no período de estágio, e por topar todos convites; à Daiele por usar as melhores estampas e conseguir reestabelecer minha calma durante momentos turbulentos do tg; e à Talyssa por altos papos e séries compartilhadas.


a Fer (Nicole Sozza), pelos encontros que somaram os percursos realizados nesse trabalho, pela amizade e companheirismo, da terrinha (Palmeiras) para Ribeirão Preto. aos amigos da república, Gabriela, Gabriel, Walkyria, Maycon, Sacana (Matheus), Veras, Jadão e Brunão, por todos os momentos, noites em claro, discussões políticas, café e cerveja que compartilhamos durante esses anos. a Ribeirão Preto, cidade que me recebeu de braços e fornos abertos. a todos que não abrem mão de uma bela caminhada pelo centro e uma prosa com café. e claro, agradeço a Luciana, por todo “amor de mãe” e por assumir a árdua tarefa de cuidar da Yuki, ao Antônio (pai), meu avô Antônio, ao grande amigo Du, e à memória de minha eterna amiga Cidinha, por todo apoio durante todos esses anos, família.

CIMENTO

aos amigos da Casa da Memória Italiana, Alice, Nilton, Raquel, Piccina, Dirce (e seu famoso café), Edson, José, Daniele, Renan; à todos os alunos que participaram no projeto, aos professores, Elza, Sebastian, Jadiel, pela oportunidade de vivenciar momentos incríveis nesse lugar maravilhoso; em especial ao professor Henrique Vichnewski, mentor de todo esse projeto que fez parte de grande parte da minha graduação, pelo companheirismo, apoio e pela importância de sua presença em minha formação.


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SUM ÁR IO


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BIBLIOGRAFIA

100 110 124

OBSTRUÇÃO CONSRUÇÃO ENSAIOS

128 || 132 || 138 || 144 || 154 ||

098

O CENTRO

LAÇOS E LAPSOS TEMPORAIS 01 “E POR MEIO AO VERMELHO AVISTEI UM PRÉDIO.” 02. “ENTRAR, ME PERDER E PARAR” 03. “DUAS VISTAS DISTINTAS QUE ME FIZERAM REFLETIR” 04.”COBRIRAM O PINGUIM?”

032 || 040 || 048 || 054 || 064 || 072 || 084 ||

028

010 012 014 020 026

ÁREAS DISTINTAS DE UM MESMO CENTRO SOBRE ARTE E PERTENCIMENTO OUTROS CENTROS E O PONTO DE SEMPRE SOBRE PERMANÊNCIA E MEMÓRIA PONTO DE PARTIDA, TEXTURAS LOCAIS PRECISEI ADENTRAR PARA VER O LADO DE FORA UM CENTRO EM [RE]CONSTRUCAO

CENTRO

INÍCIO URBANO ESPAÇO CORPO ESPETÁCULO


INÍCIO

O habito de caminhar, observar o que acontece ao redor, traçar caminhos, estabelecer laços, entendimento das dinâmicas urbanas, história das pequenas texturas. Os laços com o meio urbano me trouxeram ao curso de arquitetura e urbanismo; e para esse ciclo de aprendizagem, meu objeto de estudo não poderia ser outro, que não o outro. A relação entre o Ser e o Urbano. A proposta deste trabalho, é encontrar situações passíveis de ações projetuais, através da prática de exercícios de deambulação, como forma de leitura e aproximação das problemáticas urbanas do centro de Ribeirão Preto. Contrapondo o pensamento do planejador que projeta à distância na escala macro dos mapas geográficos, a proposta de deambulação, errância, aproxima da escala micro, da escala da vivência, abrindo outras possibilidades na construção de estratégias de intervenção, seja através de planos de ações ou ensaios projetuais com o intuito de combater o fenômeno de espetacularização urbana, criando formas de incentivo à cidade praticada.

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URBANO

O conceito de urbano vem do latim urbanus, e sua forma adjetiva caracteriza oposição ao rural, ou seja, um modo de vida “civilizado”, que possui costumes e ideias próprias acordadas em um meio social. Na forma intransitiva do verbo ser, “ser urbano” seria aquele que pertence ao modo de vida urbano, que vive em um meio social ligado a cidade, um cidadão; que na forma predicativa do verbo ser, altera sua posição em relação ao urbano, assim, o pertencimento se torna identidade, e ele se torna urbano de forma intrínseca.

O urbano é fruto de um pensamento do ser em um determinado momento, sendo assim, é impossível pensar em espaço urbano de forma isolada as ações do homem, Milton Santos define espaço como algo dinâmico e unitário, onde se reúnem materialidade e ação humana, ou seja, o meio, e concluí que o espaço seria “o conjunto indissolúvel entre sistemas de objetos naturais ou fabricados e de sistemas de ações, deliberadas ou não”¹.

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1. SANTOS, Milton. Técnica, espaço, tempo: globalização e meio técnico-científico informacional. São Paulo: Editora HUCITEC, 1994.

Fotografia: Felipe Malvassore

Ambas as formas de “ser urbano” estão diretamente relacionadas a história, a qual Milton Santos refere-se como o “hoje de cada atualidade, que nos fornece os conceitos, da mesma forma que a natureza, natural ou artificial, nos dá as categorias.”¹, uma vez que o conceito de urbano é fruto das ideias de cada atualidade (momento), que é definida a partir da mudança conjunta entre o tempo, o espaço e o mundo.



ESPAÇO

No espaço urbano, as ações não são apenas temporalizações práticas, mas são ações que se convertem em objetos que criam uma história, e um tempo próprio que se dá pelos homens. A cidade se torna o lugar em que o Mundo se move de forma mais rápida a partir do avanço do objeto técnico, e consequentemente, o tempo dos homens se torna veloz de acordo com a classe social de cada indivíduo.

Milton Santos defende que, diferente das grandes civilizações europeias que empurrou “sua” civilização para o resto do mundo, onde a velocidade era sinônimo de força, nas cidades atuais “a força é dos lentos e não dos que detêm a velocidade”, pois “quem na cidade, tem mobilidade – e pode percorrê-la e esquadrinha-la – acaba por ver pouco da Cidade e do Mundo”. Sua comunhão com as imagens, frequentemente pré-fabricadas, é a sua perdição.”³, enquanto para os homens “lentos” essas imagens se tornam miragens.

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2. RIBEIRO, Ana Clara Torres. Homens Lentos, Opacidades e Rugosidades. Revista Redobra, Salvador, n.9, p.58-71. EDUFBA, 2012. 3. SANTOS, Milton. Técnica, espaço, tempo: globalização e meio técnico-científico informacional. São Paulo: Editora HUCITEC, 1994.

Fotografia: Felipe Malvassore

Os locais onde a modernização se acelera, constituem as chamadas áreas “luminosas”, termologia cunhada por Milton Santos e descrita por Ana Clara Torres Ribeiro como “produtos da razão que amplifica estrategicamente comandos da modernidade. Denotam a força da racionalização emanada do pensamento instrumental, que, ao selecionar o que tem ou não valor, é capaz de seduzir e convencer”², capacidade essa que se justapõem, superpõem e contrapõem ao resto da cidade onde vivem os pobres, os homens lentos, denominadas de zonas “opacas”.



Milton Santos define que os espaços são adaptados às exigências das ações características da globalização, constituindo os espaços luminosos, enquanto outros são áreas não dotadas das virtualidades necessárias ao atual momento, constituindo espaços opacos; assim, não existe espaço global, mas apenas espaços de globalização.⁴ Também podemos entender o espaço urbano como “uma reunião dialética de fixos e fluxos”, os fixos, segundo Rui Campos⁴, podem ser as fábricas, as casas, a loja, a plantação ou o porto, e estes, emitem fluxos que se constituem em movimentos entre fixos. “Os fluxos necessitam dos fixos para se realizarem e são comandados pelas relações sociais. Se os fixos são alterados pelos fluxos, estes também se modificam ao encontro dos fixos”⁴. Os fixos ainda podem possuir natureza econômica, social, religiosa ou cultural, sendo instalados de forma pública, seguindo princípios sociais, ou de forma privada, visando lucro. O que difere uma cidade (espaço urbano) de outra, são “seus fixos e seus fluxos (diversos em volume, duração, intensidade e sentido) e a alteração deles modifica a própria significação da cidade para seus moradores, significação que é diferente conforme as classes sociais.”⁴.

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4. CAMPOS, Rui Ribeiro. A Natureza do espaço para Milton Santos. Geografares, Vitória, n.6, p.155-165, 2008.


‘‘O excesso de luz, produzido pela técnica e pela máquina, também traz cegueira. Este excesso, condutor das ações celebradas pela mídia hegemônica, impede a percepção de possibilidades de ação alternativa e, assim, de racionalidades alternativas. Relato, aqui, uma experiência recente. Há muito tempo, não olhava um céu estrelado. Recentemente, tive a oportunidade de fazê-lo. Para isto, caminhei sem ver durante certo tempo, pisando muito lentamente e de forma insegura. Para ver o que não via, precisei deixar de ver o que via sempre. Precisei trocar de cegueira.’’ RIBEIRO, 2012, p.67


Milton Santos afirma que “na verdade, não há uma só modernidade; existem modernidades em sucessão, que formam e desmancham períodos”⁵, essas moder nidades nos dão, vistas de fora (gerações de cidades, padrões de urbanização) e vistas de dentro (padrões urbanos e formas de organização espacial), trazendo formas próprias variáveis de acordo com cada período, permitindo o reconhecimento de um processo histórico geral, seja onde estivermos, até avançar ao encontro de um novo tempo na cidade, que nos permite falar da “revanche das formas”, descrita por Santos da seguinte maneira: ‘‘Há de um lado as formas criadas e que se tornaram criadoras, aquelas que, após construídas, como que se levantam e se impõem, como aquilo que o passado nos herda e implica uma submissão do presente; um presente submetido ao passado exatamente através das formas, cuja estrutura devemos reconhecer e estudar .’’⁵ Seguindo com a percepção dos espaços urbanos através da relação espaço tempo, chegamos ao conceito de rugosidade, cunhado por Milton Santos e descrito por Ana Clara Torres Ribeiro como “a concepção do espaço como acúmulo de tempo.”, isto é, as rugosidades podem ser vistas como um conjunto de rugas, marcas e memórias da cidade.⁶

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5. SANTOS, Milton. Técnica, espaço, tempo: globalização e meio técnico-científico informacional. São Paulo: Editora HUCITEC, 1994. 6. RIBEIRO, Ana Clara Torres. Homens Lentos, Opacidades e Rugosidades. Revista Redobra, Salvador, n.9, p.58-71. EDUFBA, 2012.


‘‘A aceleração contemporânea impôs ritmos ao deslocamento dos corpos e ao transporte das ideias, mas também acrescentou novos itens à história. [...] Mas, sobretudo, causa próxima ou remota de tudo isso, a evolução do conhecimento, maravilha do nosso tempo que ilumina ou ensombrece todas as facetas do acontecer.’’ SANTOS, 1994, p.30


A relação entre o errante e a cidade se compõe de três propriedades: se perder, lentidão e corporeidade; e essa relação implica numa corporeidade própria, advinda da relação entre seu próprio corpo físico e o corpo urbano. Paola Berenstein Jacques⁷, considera essas propriedades como resistências ou críticas ao pensamento contemporâneo do urbanismo que ainda busca uma forma de orientação, rapidez e redução da experiência e presença física (através das novas tecnologias de comunicação e transporte), e acaba por transformar os espaços urbanos em cidades cenográficas.

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7. JACQUES, Paola Berenstein. Elogio aos Errantes: a arte de se perder na cidade. in: JEUDY, Henri Pierre, JACQUES, Paola Berenstein. Corpos e cenários urbanos: territórios urbanos e políticas culturais, Salvador. EDUFBA; PPG-AU/FAUFBA, 2006. P.117-139

Fotografia: Felipe Malvassore

CORPO

Paola Berenstein Jacques, para falar sobre errância, retoma o pensamento de Milton Santos, em que os homens lentos são os que efetivamente praticam a cidade, e desenvolvem uma relação física profunda e visceral com o espaço urbano por obrigatoriamente possuir o hábito da prática urbana, porém ela acrescenta que “da mesma forma que lentidão é um outro tipo de movimento, o homem lento seria sobretudo uma postura, que não poderia ser limitada a uma questão de classe, etnia ou sexo.”⁷. A lentidão se torna postura, pois o errante escolhe errar por vontade própria (diferente daquele que vive nas ruas), mas estão de olho nas formas de apropriação espacial dos mais pobres, que são fonte de inspiração para o urbanista errante. Não se trata apenas do ato de se perder, mas também do ato de observar.


“Quando Milton Santos fala dos homens lentos, ele se refere principalmente aos mais pobres, aqueles que não têm acesso a velocidade, os que ficam à margem da aceleração do mundo contemporâneo. O errante urbano seria sobretudo um homem lento voluntário, intencional, consciente de sua lentidão, e que, assim, se nega a entrar no ritmo mais acelerado (movimento do tipo rápido), de forma crítica.” JACQUES, 2006, p.124


“O simples ato de errar pela cidade pode assim se tornar uma crítica ao urbanismo enquanto disciplina prática de intervenção nas cidades.”⁸, através da prática de errâncias voluntárias, podemos analisar de forma crítica as cidades a partir do cotidiano, assim como Baudelaire retratou a transformação urbana da velha Paris na era Haussmann, Paola Berenstein Jacques⁸ aponta esse tipo de investigação do espaço urbano como ferramenta capaz de viabilizar um “urbanismo poético”, que levaria a uma reinvenção poética e sensorial das cidades. Em seu texto “Cenografias e Corpografias Urbanas¹”, Fabiana Dultra Britto⁹ caracteriza o termo corpografia urbana como um tipo de cartografia realizado pelo e no corpo (cartografia corporal), como uma inscrição corporal da memória urbana, que configura o corpo a partir da sua experiência na cidade. Experiência a qual se instaura no corpo, partido do ponto de vista urbano, como uma forma molecular de resistência ao processo de espetacularização urbana contemporâneo, “uma vez que a cidade vivida (não espetacularizada) sobreviveria a este processo no corpo daqueles que a experimentam.”⁹.

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8. JACQUES, Paola Berenstein. Elogio aos Errantes: a arte de se perder na cidade. in: JEUDY, Henri Pierre, JACQUES, Paola Berenstein. Corpos e cenários urbanos: territórios urbanos e políticas culturais, Salvador. EDUFBA; PPG-AU/FAUFBA, 2006. P.117-139 9. BRITTO, Fabiana Dultra; JACQUES, Paola Berensteins. Cenografias e corpografias urbanas: um diálogo sobre as relações entre corpo e cidade. Cadernos PPG-AU/UFBA, Salvador, v.7. edição especial, 2008. P79-86


“No urbanismo contemporâneo, a distância, ou deslocamento, entre sujeito e objeto, entre prática profissional e vivênciaexperiência da cidade, se mostra desastrosa ao esquecer o que o espaço urbano possui de mais poético, que seria precisamente seu caráter humano, sensorial e corpóreo. O sujeito urbanista, ao se esquecer de se relacionar fisicamente, afetuosamente, com a cidade em si, o seu objeto, se distancia desta e por fim projeta espaços espetacularizados ou desencarnados. A abordagem da cidade pelos urbanistas errantes poderia tentar seguir os passos dos artistas errantes e, assim, ser mais poética, afetuosa e, sobretudo, encarnada.” JACQUES, 2006, p.134-135


Essas cartografias revelam ou denunciam tudo aquilo que o projeto urbano exclui, uma vez que essas inscrições corporais revelam práticas cotidianas e apropriações espaciais que escapam ao projeto tradicional, contrapondo o conceito de cenografias urbanas, fruto do atual processo de espetacularização urbana, estando diretamente relacionadas a diminuição da experiência corporal das cidades enquanto prática cotidiana. A cidade passa a ser concebida como uma simples imagem de marca, se torna um simples cenário, com espaços onde as possibilidades perceptivas do corpo são restritas, e a apropriação se torna cada vez menor. Em “Co-implicações entre corpo e cidade”, Fabiana Dultra Britto¹⁰, acrescenta que “as corpografias formulam-se como resultantes da experiência que o corpo processa, relacionando-se com tudo o que faz parte do seu ambiente de existência: outros corpos, objetos, ideias, lugares, situações”¹⁰, e define que o espaço urbano, a cidade, é um conjunto de condições para ocorrência dessas dinâmicas. Juntamente de Paola Jacques Berenstein, Fabiana Dultra Britto chega a conclusão de que a partir de estudos dos movimentos e gestos do cor po humano (padrões corporais de ação), é possível decifrar corpografias e as próprias experiências urbanas que as resultaram, podendo servir como fundamento para uma reflexão urbanística através do desenvolvimento de outras formas, corporais ou incorporadas, de apreender o espaço urbano e propor outras formas de intervenção nas cidades.

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10. BRITTO, Fabiana Dultra. Co-implicações entre corpo e cidade: da sala de aula à plataforma de ações. in: JACQUES, Paola Berenstein; BRITTO, Fabiana Dultra. Corpocidade: debates, ações e articulações. Salvador: EDUFBA, 2010. P. 12-23


A cidade, portanto, não só deixa de ser cenário quando é praticada, mas, mais do que isso, ela ganha corpo, e tornando-se “outro” corpo. Dessa relação entre o corpo do cidadão e esse “outro corpo urbano” pode surgir uma outra forma de apreensão urbana, e, consequentemente, de reflexão e de intervenção na cidade contemporânea” BRITTO, 2008, p.81


ESPETÁCULO

Um dos grandes males do urbanismo contemporâneo é o processo de espetacularização urbana, onde os projetos de intervenções visam o mercado imobiliário e ao embelezamento das cidades. Os espaços são planejados de forma desconexa e apartada à participação dos usuários, o que vem a torna-los meros cenários, e o cidadão acaba tomando o papel de figurante. De fato, nas políticas e nos projetos urbanos contemporâneos, principalmente dentro da lógica do planejamento estratégico, existe uma clara intenção de se produzir uma imagem singular de cidade, mas, paradoxalmente, essas imagens de cidades distintas, com culturas distintas, se parecem cada vez mais.

JACQUES, 2005, p.17

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Frente a esse pensamento, quais seriam as melhores estratégias para tor nar a cidade atrativa ao ponto de fazer a população frear e vivênciar o espaço urbano. Visto que a “solução do problema” já é conhecida, mas ainda não possuímos uma forma eficiente para elaboração de projetos urbanos com enfoque na apropriação pública do corpo no espaço. 11. JACQUES, Paola Berensteins. Errâncias Urbanas: a arte de andar pela cidade. ARQTEXTO, Porto Alegre, n.7, p.16-25. PPPG/UFRGS, 2005.

Fotografia: Felipe Malvassore

Segundo Paola Berenstein Jacques¹¹, esse modelo de produção de cidades está diretamente ligado ao processo de gentrificação, causando a expulsão da população original do lugar. Essa população, segundo o pensamento situacionista¹, é fonte de uma das possíveis soluções para o problema da espetacularização que visa a participação popular como ativador da vitalidade urbana. Jacques ainda completa: “quanto mais ativo for o espetáculo – que no limite deixa de ser um espetáculo no sentido debordiano -, mais a cidade se torna um palco e o cidadão, um ator protagonista ao invés de mero espectador.” ¹¹




C EN TRO


O CENTRO

Para debater a questão da espetacularização urbana e buscar formas de equalizar a distância temporal do ser e do espaço urbano, acredito que não teria outro local para análise, que não fora o centro da cidade, por se tratar de um local onde é possível observar com maior facilidade a forma com que as pessoas se relacionam com o espaço público. Durante o período da graduação desenvolvi um certo laço com a área central de Ribeirão Preto que veio se estreitando nos últimos anos, onde, a partir de agosto de 2018 comecei a registrar meus trajetos pelo centro através de imagens, anotações e ilustrações feitas em loco, sempre marcando meu percurso com o auxílio de um “gabarito”. Registros esses utilizados como base para entendimento da área de estudo, buscando uma forma de planejamento que visa a percepção em uma escala mais próxima aos usos, diferente das encontradas através dos meios convencionais de leitura urbana (mapas de morfologia).

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Trajeto 01 e 02 - Ă reas distintas de um mesmo centro 11 e 19 de agosto de 2018

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Fotografias: Felipe Malvassore



Fotografias: Felipe Malvassore



Uma tarde de sábado ensolarado descendo a rua Lafaiete, poucas pessoas e muitos carros cortando o centro. Mas o corte que se destaca mais é na paisagem, causado pela estrutura dos terminais rodoviários na José Bonifácio, engraçado ver um “muro refletivo” sem acesso algum para os usuários. “Poxa, eu queria ir no terminal” – Thais Continuo caminhando e ao chegar próximo do Centro Popular de Compras a vida emerge no centro. Pessoas; música; comércio; bazar e a fumaça da calçada com um cheiro ruim. Um passeio estreito com muita gente, belos edifícios históricos abandonados pelo caminho e muitos estacionamentos com saídas para automóveis em locais inesperados. “Socorro, vou ser atropelada” – Camila

Camões: A praça mais bonita da cidade. Um domingo de manhã cheio de gente na praça, crianças, cachorros e idosos, mas ao voltar no fim da tarde: ninguém. A nove de julho é nossa Paulista? Tomara que continue livre dos edifícios altos, com seu gabarito gentil, mas que se ocupe as ruas: viva ao pavimento original! E no caminho uma grande surpresa: “Vem cá, te faço um desconto! Vai uma bandeirinha?” A avenida está sendo ocupada, é dia da Parada Gay. Quem foi que falou que nossas ruas não são ocupadas? Dá até pra caminhar pela avenida só utilizando o canteiro, é só sinalizar direito no cruzamento.

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Fotografia: Felipe Malvassore

Lojas, sacolas, rua agitada, som, móveis na calçada que dificultam a caminhada. O centro do povo.



Trajeto 03 e 04 - Sobre arte e pertencimento 25 de agosto e 04 de setembro de 2018 16 de fevereiro de 2019

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Fotografias: Daiele Rafaela Cesรกrio dos Santos Nicole Fernanda Sozza



Observei a relação entre os pontos de cultura e os alunos do curso de arquitetura. Adentro o SESC e tem muito aluno do lado de fora da sala de exposições, do lado de dentro, alguns atentos, mas muitos desanimados por conta do calor. O calor separa a turma em dois grupos, acho que é hora de tomar um café. Seguimos em frente, e parte do caminho sobrepõe o trajeto 01, em frente um lote a ser analisado, ninguém anota, ninguém desenha...a não ser o que vale nota :c Enfim chegamos ao MARP, o pessoal se reúne e eu ouço um “eu nunca vim aqui”. Todos se sentam no chão para ouvir o que a Camila tem a dizer enquanto admiram e refletem sobre algumas obras políticas, mas no piso superior me deparo com reações adersas: Repulsa! Que nojo! Babar e lamber não é arte. – As relações humanas, de forma nua e crua assustam as pessoas, chocam. Isso é arte? Não me importa, eu gostei daqui.

“As vozes fazem o som das ruas, mal ouço os carros como nos outros lugares. Estou em outra Ribeirão? Aliás, isso é Ribeirão. O calçadão cheio, mas sem microfone e música das lojas como no fim de semana, é lindo. Assim como o bom cheiro de café, aqui no primeiro edifício vertical da cidade. Enfim, vim aqui. Agora “pretano” sou? Turistando continuo.”

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Fotografia: Victória Cisneiros Lopes

Aliás, falando em se identificar, o trajeto 04 é sobre pertencimento:



Trajeto 05 e 06 - Outros centros e o ponto de sempre 04 e 13 de setembro de 2018

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Fotografias: Felipe Malvassore



Fotografias: Felipe Malvassore



Trajeto 07 e 08 - Sobre permanĂŞncia e memĂłria 15 de setembro e 17 de novembro de 2018

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Fotografias: Matheus Scheffer



Quem é você no centro? Essa questão movimentava os levantamentos da disciplina de Urbanismo VIII, e me acompanhou durante os trajetos 7 e 8, e junto a isso, eu, caminhante resolvi pausar e através da minha permanência, vivenciar para melhor ler o espaço. Pela manhã o calçadão estava fervilhando, cheio de pessoas na rua, roda de capoeira e estátuas vivas, mas o que me chamou atenção estava na praça: uma barraca cheia de amostras de lepidópteros; adoro esse tipo de insetos, e me perdi por tanto tempo ali, que quase me esqueci do que, ou melhor, quem eu procurava naquele espaço. O evento se chamava USP na Praça, foi muito bonito ver crianças e adultos em contato com a ciência, das sementes e mudas às abelhas, que a Fer me ensinou ser “primas das vespas”. Aliás, foi um reencontro de duas abelhas que partiram da mesma colmeia, e ao sair de casa acabaram partindo pra outra mesma colmeia, fazia tempo que não a encontrava. Pela primeira vez, me sentei sobre a grama aos pés da epopeia de 32, e voltado a lateral da praça, comecei rabiscar a biblioteca, enquanto proseando colocava a conversa em dia. “Museus de arte por aqui? Onde”, ouvia isso de vários estudantes ao falar do MARP, que tímido atrás de seu gradil se escondia do conhecimento das pessoas. “Uma observadora e interlocutora da ciência” – era Nicole (Fer) no centro. “Um pontinho no meio de uma multidão de pessoas únicas” – era Camila no centro.

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Fotografias: Felipe Malvassore



Na tarde desse mesmo dia parto para o local onde concluo o trajeto 8, um lapso temporal entre a feirinha em setembro e o bate-papo no palacete Jorge Lobato em novembro. Me sento em um banco na praça da catedral de frente a Casa da Memória Italiana, e reflito sobre dois edifícios que dizem muito sobre minha trajetória em Ribeirão Preto: o Palacete, que em cada vez que visitei, me recebeu de uma forma diferente, nunca com um mesmo uso ou configuração espacial. Um ser vivo que vive em transformação e mudança de humor. E a casa, que pela primeira vez vim a rabiscar. O que difere arte e arquitetura? Eu

Não

sei

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Trajeto 09 e 10 - Ponto de partida, texturas locais 20 de dezembro de 2018 e 25 de janeiro de 2019

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Fotografias: Felipe Malvassore



Fotografias: Felipe Malvassore



O último registro de 2018 se volta para o local de chegada e partida, ou nesse caso, a compra do bilhete de partida para o próximo dia. Da outra margem da Gerônimo Gonçalves eu avisto os vendedores à margem, com seus produtos expostos na rua, abordando todos que passam vindo do mercadão central. Me sento próximo a entrada da rodoviária e rabisco o espaço entre o mercadão e o cpc, as pessoas passando, comprando, os edifícios que enquadram a paisagem através de um enquadramento causado pela combinação da topografia junto ao gabarito dos edifícios.

Mas dessa vez minha percepção não foi voltada a textura tátil, mas sim a textura visível. Salve as pátinas. A coloração dos edifícios, a bela textura dos casarões abandonados (triste pelo Jorge Lobato), o tom do edifício Diederichsen, o qual recuei retratar com aquarela, porque não brincar com as texturas do papel?

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Fotografia: Felipe Malvassore

Por falar nos edifícios, volto após as festas de fim de ano explorando as texturas. Junto ao início destes registros, teve um momento onde junto a Camila percorri o centro fazendo decalques com giz de cera sobre papel sulfite em superfícies que nos deparamos no dia-a-dia pelo centro. Essas texturas geraram um experimento onde ao mostrar as imagens, desafiávamos as pessoas a descobrir “de onde é aquela textura”, e descobrimos que poucos tem facilidade em identificar e perceber o espaço dessa forma.



Trajeto 11 - Precisei adentrar para ver o lado de fora 10 de fevereiro e 11 de maio de 2019

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Fotografias: Felipe Malvassore



Esse registro surgiu durante o 24º encontro do grupo Urban Sketchers Ribeirão Preto, que foi realizado no Instituto SEB, local hora fora o Studio Kaiser. Dentro desse espaço me deparei com algo que moveu esse registro e contaminou parte da minha caminhada em maio, ao adentrar um espaço, eu comecei a perceber espaços exteriores que normalmente me fugiam de vista enquanto caminhava pela rua. As novas estruturas do pátio principal do conjunto contribuíram para o “enquadramento” de elementos externos, a caixa d’água em forma de “noz”, um dos únicos resquícios que sobraram da fabrica ao outro lado da rua, a chaminé, Poker / Niger, que remete aos tempos do melhor chopp do Brasil.





Fotografias: Felipe Malvassore Kaique de Souza Xavier Thais Soares da Cunha



Aqui é um estacionamento, mas podia ser um mirante! Os quatro cantos do centro podem ser vistos de dentro do estacionamento Vip Center Plaza, ignoramos os carros e subimos rampa a rampa, até, através da superfície telada conseguir admirar a paisagem, ver a feira da Praça das Bandeiras e ali de cima, tentando encontrar edifícios marcantes, e descobrindo novos espaços a serem explorados. Por fim subo no edifício quase vizinho à Casa da Memória Italiana, e ver o que sempre vejo semanalmente a partir de um outro ângulo é indescritível. Adentrar, se elevar, não importa a forma. O importante é observar.

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Fotografia: Felipe Malvassore

Essa busca por “entrar para encontrar” me guiou em uma busca por espaços onde é possível adentrar livremente, e a partir de suas brechas, aberturas e enquadramentos tentar perceber seu entorno ou aquilo que eu sempre vejo através de um novo ângulo. O calçadão, quem diria que em meio a tanta gente e lojas, existe uma pequena porta que te leva pelas escadarias de um edifício em plena General Osório, próximo ao Pinguim. Dalí é possível observar em cada patamar uma certa distância de interações entre os vendedores de rua e os transeuntes. Se essa brecha cheia de pessoas te incomoda a visão, ali pertinho dá pra subir no último piso do antigo Palace Hotel, e imerso aquele espaço maravilhoso em pouco uso, através de pequenas aberturas pode-se ver a Praça XV, e acompanhar as obras da Altino Arantes de uma certa distância.



Trajeto 12 - Um centro em [re]Construção 10 de abril e 11 de maio de 2019

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Fotografias: Felipe Malvassore Kaique de Souza Xavier Nicole Fernanda Sozza



Fotografias: Kaique de Souza Xavier



Fotografias: Felipe Malvassore





O primeiro ato desse trajeto se deu com início na CMI, e chegada na Praça XV próximo à biblioteca Altino Arantes, onde ainda podemos acompanhar a obra, e agora mais de perto: descobri um degrau no edifício ao lado, que permite debruçar-se no tapume, e assistir tudo o que ocorre ali. E após a descoberta, uma surpresa. Já pensando em voltar pra casa me deparo com uma certa movimentação no centro da Praça Carlos Gomes, e finalmente o “barquinho”, vulgo carrinho da exposição do MARP, saiu para conhecer a rua e compartilhar seus livros com as pessoas que por ali passam.

Água Viva! Todos os bancos da praça com vários exemplares do livro da Clarice, viva, porém ao chegar próximo ao enquadramento percebo morte. Dois agora é um, e a centenária árvore vai ter de aprender a viver sem sua parceira, que pena. Será isso parte de um centro em reconstrução? Porque remover árvores centenárias? Um movimento contra a beleza da vida? Porque o tapume da biblioteca tem sua face viva dando as costas para o público? A biblioteca hoje veste um véu, e a praça chora as folhas de uma árvore que já não vive mais ali.

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Fotografia: Felipe Malvassore

Por falar em compartir leitura, eu chego no segundo ato do percurso, que teve início com um outro ato envolvendo o MARP, uma ação onde compartilho histórias a partir da capa de um livro e ela vira bordado... foi uma proza, não sou muito de contar histórias, mas falar sobre “morte das residências” onde dalí, observo o abandonado casarão Camilo de Mattos, e perto da ruína, Albino de Camargo, me vi na obrigação de discutir sobre isso.



O CENTRO

Em uma breve síntese desses doze trajetos compostos por vários momentos, posso dizer que a área central, coração da cidade, não se dá por todo um quadrilátero como vemos nas cartografias, o centro é onde as ações acontecem, onde as pessoas estão. Tentei realizar derivas em busca desse centro cartográfico, mas sempre algo me atraí para os mesmos caminhos, a mesma área. Analisar a área central sendo parte dela, praticando e observando a cidade de diversas formas me abriu os olhos para perceber que vivemos em um espaço em constante transformação, o centro é mutável e se reconstrói, mas assim como a lagarta em sua metamorfose, tem seu casulo constituído de tapumes, escondendo a magia da transformação, o que instiga a curiosidade e inquieta o público uma vez que se obstrui da visão, aquilo que se nota sem observar diariamente. Esse diálogo visual com a cidade pode ser explorado como forma de atração de um público que apenas permeia o espaço, além da obstrução citada anteriormente, o direcionamento da visão para determinados pontos pode trazer ao usuário uma noção de pertencimento, ao descobrir espaços que sempre estiveram a sua disposição, mas que passam despercebidos por conta da correria diária, que poderia ser lentamente freada e transformada em momentos de permanência que possam renovar o humor e os laços com a própria cidade.

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S


OB STRU ÇÃO


Richard Serra iniciou a produção de esculturas monumentais na década de 70, introduzindo o que Wilson Florio (2010) define como “discussão sobre a experiência de formas curvilíneas que fraturam o espaço público da cidade.”, através de obras que rompem a barreira entre obra e espectador, que agora ao invés de contemplar visualmente, adentra, percorre, se envolve e sente a intervenção que o abriga, por conta de suas amplas dimensões. As esculturas de Serra estão ligadas (in) diretamente ao processo contrário a espetacularização urbana, suas obras criam barreiras que desestabilizam o ritmo acelerado das pessoas, alterando seus fluxos e direcionando seus olhares.

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Fotografia: Andy Farmer, The Hedghog and the Fox

ARTE E ESPAÇO PÚBLICO

Em seu artigo intitulado “Richard Serra e Frank Gehry no espaço público da cidade”, Wilson Florio afirma que a partir do século XX a “escultura monumental” foi peça fundamental para a aproximação entre escultura e arquitetura, onde ambos influenciam diretamente a percepção do espaço público com trabalhos que não são construídos apenas como “toque de vaidade” individual, mas através de uma leitura entre entorno e público na concepção da imagem no espaço.



Fotografias: Anne Chauvet David Aschkenas James Ackerman Petra Seibertova Susan Swider



Seguindo a linha de intervenções que criam barreiras que rompem a casualidade, as obras de Jeanne Claude e Christo Javacheff onde equipamentos urbanos ou paisagens naturais são empacotados em ações efêmeras, são exemplos desse movimento em que a arte caminha para espaços extramuros da galeria de arte e se envolve com a arquitetura e espaço público.

Não há nada no mundo tão invisível como os monumentos. Eles sem dúvida são erguidos para serem vistos, na verdade para chamarem a atenção, no entretanto, estão impregnados de invisibilidade.

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CRISTINA FREIRE, 1997.

Fotografia: Albert Maysles, Reichstag Embrulhado

Segundo Sylvia Furegatti em seu artigo “os monumentos temporários do artista Christo Javacheff ”, as intervenções de Jeanne Claude e Christo são elaboradas para durarem exatamente quatorze dias, pois a dupla acredita que é o tempo ideal para atrais a atenção do público e instigar a memória coletiva, que é afrouxada pela pressa cotidiana, Furegatti ainda conclui que essas obras agem como uma espécie de entorpecente para os sentidos e apreensões cristalizadas nas pessoas sobre aquele lugar, chegando ao termo da “ideia do Monumento Temporário”.



Fotografias: Acervo Christo Javajeff Wolfgang Volz



C T


CONS TRUÇ ÃO


Importante ressaltar que Permanências e Destruições não é um projeto contra a engenharia civil, mas sim questionamento da supremacia do concreto sobre a grama, da canalização dos recursos hídricos das cidades e da urgência dessas reflexões para a sustentabilidade das cidades. A Kalanchoe com seus 30 e poucos centímetros de altura em média sugere apenas um balanceamento no equilíbrio entre o orgânico e o inorgânico. Trecho retirado do texto : “tentativas de inserção entre a apropriação e o esquecimento” de João Paulo Quintella. in: Permanências e Destruições, 2015. P18.

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Fotografia: Rafael Salim, Cota 10

PERMANÊNCIAS E DESTRUIÇÕES

No espaço vago, sem constância humana, floresce também um certo tipo de natureza. São esses terrenos que indicam a capacidade de permanência e destruição de um projeto arquitetônico e/ou urbano frente às condições que se sobrepõem ao controle e ingerência humana. Nas frestas do concreto existe uma capilaridade extrema. Por ali, zonas de irrigação se desenvolvem. Uma planta em particular se repetiu em mais de um espaço. Kalanchoe Delagoensis (família das Crassulaceae), cujo nome popular é florda-abissínia. É conhecida, além do uso em ornamentação, por seu potencial invasivo. Invasivo soa demasiado estranho para uma planta que simplesmente cresce em solos de construções monumentais erguidas sobre um terreno onde anteriormente havia (surpreendentemente?) plantas.



Como forma de refletir sobre os processos de transformação da cidade, Priscila Fiszman e Kammal João desenvolver uma ação a partir do cenário urbano de construção, desconstrução, demolição e reconstrução com uma obra interativa de tijolos. A ação funcionou como uma espécie de jogo, onde há apenas 3 regras, só se pode pisar sobre os tijolos, durante toda a ação, deve-se manter o silêncio e a duração corresponde ao expediente da fábrica de onde provém os tijolos (entre 7h e 16hrs). Durante essa ação o corpo torna-se dependente do tijolo, que deixa de ser apenas uma peça, como usualmente é nas construções, para se tornar uma estrutura móvel durante o percurso dos participantes.

Fotografia: Priscila Fiszman; Kammal João, Ação com tijolos

AÇÃO COM TIJOLOS 114

“Um projeto modular, avesso ao estático e ao estético de grandes projetos aberto à participação da enorme quantidade de pessoas que cruzava a Praça XV durante sua execução.”



Fotografias: Priscila Fiszman Kammal JoĂŁo



COTA 10

Cota 10 é outra intervenção realizada na Praça XV, simultaneamente à “Ação com tijolos” durante a mostra de ocupação artística “Permanências e destruições”, com o intuito de resgatar uma das mais representativas ações do processo de transformação da cidade do Rio de Janeiro, a derrubada do elevado da perimetral, que durante meio século foi um dos mais importantes dispositivos de conexão viária da cidade.

“Onde antes havia uma pesada infraestrutura agora há o vazio, o vento, a fragilidade de uma estrutura efêmera. O corpo pode demorar-se onde um dia passou veloz.” GRUA ARQUITETOS

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Fotografia: Rafael Salim, Cota 10

A proposta eleva o público até a cota onde se encontrava a bandeja da perimetral, 10 metros do nível do solo, buscando a experimentação do espaço de uma nova maneira sob uma estrutura composta por módulos de andaimes, que permaneceu na praça por uma semana, e depois de desmontada as peças foram separadas e distribuídas pela cidade, na execução de outras construção.



Fotografias: Rafael Salim






EN SAI OS


O espaço de intervenção se constrói a partir da sobreposição dos doze percursos, “a síntese de uma análise do presente que me levou ao início”, o quadrante entre as ruas Álvares Cabral, Barão do Amazonas, General Osório e Duque de Caxias, parte do que um dia fora denominado como “Largo da Matriz”, patrimônio de São Sebastião, onde, em seus arredores iniciou-se a primeira ordenação urbanística para ocupação do entorno, até, em 12 de abril de 1871 de Freguesia de São Sebastião do Ribeirão Preto, tornar-se município.

O recorte se destaca por ser o cerne das relações entre os habitantes e o centro da cidade, rico em possibilidades de vivência. E é a partir das operações de Construção e Obstrução, espelho da mutação observada nos trajetos que se dão os primeiros ensaios.

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Fotografia: Andre_RP, SKYCRAPERCITY

Em 1890 foi inaugurada a Praça XV de Novembro, nó do laço afetivo da população ribeirão-pretana, presente no dia-a-dia de várias gerações, e que por longo desses anos vem se construindo e reconstruindo junto ao núcleo urbano, tendo passado por grandes mudanças em 1900 (com a adição de um coreto e um chafariz), 1909 (construção do bar da Companhia Cervejaria Paulista, demolido em 1928), 1928 (construção do Trianon da Praça XV, demolido em 1938), até atingir sua forma atual no período entre os anos de 193744.



LAÇOS E LAPSOS


Sábado de manhã, desembarco na Florêncio e desço a Inhaúma pra buscar o meu jornal, mas ao me aproximar da banca vejo algo fora do normal, estaria a praça em obras como a Catedral? Estranhamento foi o que senti no início, mas resolvi me levar e ver o que esse “labirinto de tapumes” tá escondendo de mim; e foi então que percebi, que sua função não era esconder, mas sim me revelar algo. Segui pela praça Carlos Gomes (01), e por meio ao vermelho avistei um prédio bonito escondido atrás dos ônibus que param no ponto. E foi então que descobri, por trás do gradil está o Museu de Arte da cidade. Após conhecer as instalações e observar as obras do museu, volto para buscar meu jornal e reparo que onde havia um estacionamento (02), tem um agrupamento de andaimes que amontoados me convidam para entrar, me perder e parar, mas como já é quase 11 horas, vou tomar um café. Sigo no calçadão e mais uma vez me vejo obrigado a circular por entre corredores vermelhos, e então em um entroncamento(03) me deparo com duas vistas distintas que me fizeram refletir em como não cuidamos da nossa história, pela direita, um casarão lindo, aos pedaços; à esquerda, um outro casarão, que se não me engano é uma biblioteca, que está sendo reformado, o que será que vai ser ali? E quando finalmente me despeço do vermelho, me deparo com algo assustador. “Cobriram o Pinguim?”, resolvi me aproximar daquele agrupamento de telas e tapumes (04), então percebo que tem uma escada me convidando pra subir. E a cada passo percebo algo que nunca percebi, a cada nível que eu subo, eu me deparo com algo novo, dá pra assistir a aula de ballet do prédio da esquina (Palace), dá pra me ver nos espelhos do Pedro II, aliás, dá pra ver o centro de sempre, mas de um ponto de vista que não vou me esquecer tão cedo.


02

01

IM PLANT AÇÃO


03

04



01.

“E por meio ao vermelho avistei um prédio”

A instalação de tapumes na praça Carlos Gomes é um movimento que segue de encontro ao desconhecimento popular encontrado durante os trajetos 3 e 7, extendendo as grades que que antes intimidadora, não convidava os pedestres a conhecer o Museu de Arte de Ribeirão Preto, e agora, através de um ato forçado de redirecionar paços, guia, e mostra que há arte no fim do túnel.







02.

“Entrar, me perder e parar”

Espaço destinado a pausa, respiro do trajeto agitado em meio a tanto trânsito, prédios e correria. Agrupamento de gente e andaime, obstruí a entrada de veículos em um dos lotes de frente a praça Carlos Gomes, quem teve a ideia de estacionamento em um calçadão?


obstruir para “fazer notar” o MARP

01. “E POR MEIO AO VERMELHO AVISTEI UM PRÉDIO”


CARLOS GOMES

02. “ENTRAR ME PERDER E PARAR”

Tapume convida ao espaço 02

Tapume de transição “entre praças”


04. “COBRIRAM O P

Cortar o fluxo do calçadão para forçar o percurso

Transição “entre praças”


XV DE NOV EMBRO

PINGUIM?” 03. “DUAS VISTAS DISTINTAS QUE ME FIZERAM REFLETIR”


03.

“Duas vistas distintas que me fizeram refletir” E o labirinto vermelho toma a praça XV de Novembro, bloqueando o livre percurso pelo calçadão e criando uma caminhada focada em direcionar os olhos ao despercebido, vez carregado das patinas do tempo em sua lenta deterioração (Camilo de Mattos), ora mutável, reconstruindo-se para continuar vivo. (Altino Arantes)











04.

“Cobriram o Pinguim?” O fenômeno do ocultamento através da obstrução, que recompensa a longa caminhada pelos seus patameres com novas possibilidades de vivenciar essa fachada com cem metros de histórias. A estrutura de andaimes que remetem à (re)construção de uma memória coletiva, foi organizada de forma que, a cada nível se abra uma nova janela de ver o centro de outra forma. O primeiro ato se dá a partir do enclausuramento, ao adentrar a intervenção se perde a nitidez do entorno, anseando pela liberdade visual que é dada a cada patamar que se completa, como uma premiação pela escalada vêse a praça, os carros cada vez mais distantes, as oficinas, o ballet do pallace, até que, após refletir a cerca de seu próprio reflexo no salão dos espelhos do Theatro Pedro II, se abre o terraço livre da esplanada, onde em meio as copas o olhar se perde como um pássaro. E assim se dá o grande espetáculo, “o fantasma da obra”.





ELEVAR-SE O elemento surpresa por trás da obstrução se dá ao adentrá-la através de sua lateral esquerda (sentido praça XV - Quarteirão Paulista), onde se é recebido pelo percurso através da escadaria entre o “véu do esquecimento” em constante movimento através do vento e que instiga curiosidade, uma vez que sua visão do externo é parcialmente obstruída. São cinquenta e seis degraus, espaçados entre patamares até chegar à primeira “janela”, onde é possível avançar em direção ao edifício, debruçarse sob o guardacorpo e ver seu reflexo entre o véu no Salão dos espelhos.


Seguindo o percurso surgem possibilidades, ao descer um lance de escada, a segunda “janela”, esta, voltada as salas do Centro Cultural Palace, que tal assistir uma aula de ballet e ver os corpos em movimentos, tal como o seu, no ballet da cidade através dos percursos? Ao descer, se encontra uma “saída”, que na verdade é um convite de entrada para se visitar o que acabou de ser visto por fora. À direita (sentido praça XV - Quarteirão Paulista), encontrase um acesso através de um elevador, com parada direta ao que se encontraria, se a opção fosse subir após a “primeira janela”, e aqui, se dá o maior “presente” que um obstáculo constrói: “uma nova visão”. O terraço de onde se pode observar “mais de cima e de longe a viralatice dos prédios¹”, os fluxos das pessoas no calçadão, “cada um no seu caminho ligado em teia a todos os caminhos²”.

1. Apanhador Só. Viralatice dos prédios, Osório RS: Meio que tudo é um, 2006 2. Apanhador Só. Teia, Osório RS: Meio que tudo é um, 2006.




O exercício de deriva foi essencial para elaboração dos primeiros ensaios, como peça fundamental para entendimento do local e percepção de possíveis intervenções diretamente relacionadas com os momentos vivenciados. A ideia de construção e reconstrução personifica esse estado de mutação e metamorfose que podemos perceber no centro de Ribeirão Preto. Os espaços porvir, vir ser, e seus vestígios que contém passado e futuro coexistindo em um lote que ainda carrega presença em sua ausência, essa, que assim como o vermelho do tapume, vibra e pulsa atenção, mas dessa vez não pela obstaculariação, mas pela pausa, pelo ar.

162

Fotografia: Felipe Malvassore

Esse exercício pressupõe ao invés de operações de adição, um trabalho de retirada, subtração urbana.




BIBLIOGRAFIA

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