Direito e Cinema

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Direito e Cinema: “filmes para discutir conceitos, teorias e métodos.” Organização Verônica Teixeira Marques Ilzver de Matos Oliveira Waldimeiry Correa da Silva

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Sumário 8

A Árvore da Vida Carla Pinheiro

15 A (com)formação da distopia e do pensamento único da sociedade perfeita em 1984 e Matrix: sobre os conceitos, os filmes e as referencias Ronaldo Nunes Linhares

A cultura jurídica popular e o júri nos Estados Unidos e no Brasil: “12 homens e uma sentença” revisitado Luís Cláudio Almeida Santos A paixão segundo Camille Claudel - Direito e cinema na dimensão estética: A tarefa do olhar Míriam Coutinho de Faria Alves Amor por Contrato: uma análise sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor Jéssica Gavazza Bastos; Priscila Amaral Alves; Thaíze Saldanha Souza As Invasões Bárbaras – Na Fronteira do direito à vida Dilson Cavalcanti Batista Neto; Rafael Passos Lima Avatar, lições de amor à natureza e pensamento complexo em Direito Ambiental Márcia Rodrigues Bertoldi; Marcus Vinícius Ferreira Silva Araujo Blade Runner, derechos humanos y derechos más que humanos David Sánchez Rubio “Cidade de Deus” e as teorias de poder e justiça Maria Anáber Melo e Silva Código de Conduta: o filme. O Direito Penal e o Sistema Judiciário Fernanda Gurgel Raposo; Samyle Regina Matos Oliveira; Grasielle Borges Vieira de Carvalho Cromwell: para discutir o poder e a legitimidade do Estado Verônica Marques; Marcelo Lima Da barbárie humana e a violação massiva dos direitos humanos no filme “Anjos do Sol” Waldimeiry Corrêa da Silva Da obra de Alexandre Dumas, “O Conde de Monte Cristo”: o Direito e o Antidireito Carlos Augusto Alcântara Machado Da servidão moderna: subversão, resistência e direitos humanos no sistema totalitário mercantil Paulo Renato Vitória

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Depois da ditadura brasileira (1964-1985): o filme “Batismo de Sangue” como partida para reflexões sobre o direito à memória e verdade Inês Virgínia Prado Soares Destin, sacrifice et liberté dans le cinéma de Clint Eastwood Alessia J. Magliacane El taxista ful — intersecções entre Direito, Filosofia e Política Rosana Aparecida Fernandes; José Menna Oliveira “Erin Brockovich”: Um estudo de caso sobre a efetividade da tutela coletiva de direitos Leslie S. Ferraz Eugenia, biopoder e controle social: Gattaca Renata Braga Klevenhusen Freddom Writers e a Dignidade da Pessoa Humana Marco A. R. Cunha e Cruz Gattaca: ficção científica e considerações foucaultianas sobre política e normatização da vida cotidiana Frederico Leão Pinheiro Gladiador: liberdade, direito e justiça Nildete Santana Oliveira Jardim das Folhas Sagradas: um filme para discutir direitos e garantias fundamentais, direitos sociais, hermenêutica, interpretação e colisão de princípios constitucionais Ilzver de Matos Oliveira La frontière ambigüe entre droit et éthique dans The Constant Gardener Adrien Evangelista Margin Call: direito, política e os mercados financeiros Joana de Souza Machado; Sergio Marcos Carvalho de Ávila Negri Matrix como a essência da técnica segundo Heidegger Márcia Regina Pitta Lopes Aquino; Willis Santiago Guerra Filho Não Matarás: teorias da pena e legitimação da punição Andréa Depieri de Albuquerque Reginato O jurídico e o pedagógico na experiência-cinema “O Contador de Histórias” José Mário Aleluia Oliveira; Karyna Batista Sposato O leitor – relações entre subjetivação e condição humana Gabriela Maia Rebouças O Livro e o filme “Ensaio sobre a Cegueira”: ensaio sobre o ensaio... Alexandre Coutinho Pagliarin; Audry Cassia Correia da Silva

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O passaporte maltratado da Noiva Síria - laços de família entre cidadania moderna, Estado-nação e direitos humanos Tâmara de Oliveira; Raquel Camargo “Pão e Rosas”: Da precarização do trabalho à conquista de melhores condições trabalhistas Katia Cristine Oliveira Teles; Fernanda Alves de Oliveira Machado; Jamille Coutinho Costa Persépólis: a terra de mulheres de véu e homens de barba Guadalupe Sátiro; Rosane Bezerra “Povo versus Larry Flint”: um exemplo do lento caminhar dos direitos humanos Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho Que bom te ver viva: a luta pelo direito à memória Danielle Parfentieff de Noronha Sob a Névoa da Guerra: o realismo de Robert McNamara Jayme Benvenuto Lima Junior The Rainmaker: o homem que fazia chover e os institutos do direito civil brasileiro Diogo de Calasans Melo Andrade Uma Verdade Inconveniente Eduardo Lima de Matos “XINGU – baseado em uma história real: três irmãos, dois mundos, uma missão.” Um filme que conduz à reflexão sobre os direitos humanos fundamentais dos povos indígenas, em seu aspecto antropológico, ambiental, constitucional e hermenêutico. José Lucas Santos Carvalho, Kelly Helena Santos Caldas “Zuzu Angel” e os conceitos de direito à verdade, direito à memória e direito ao luto Ricardo Maurício Freire Soares; Claiz Maria Pereira Gunça dos Santos

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Apresentação Há muito tempo o cinema deixou de ter como única proposta a diversão e o entretenimento dos indivíduos. Constituiu-se enquanto arte e ideologia, definiu-se como indústria e estabeleceu-se como um dos negócios mais rentáveis no mercado. Mas, é fato que desde sua primeira expressão, em 1895, em Paris, o cinema nunca perdeu seu conteúdo cultural e educativo na sociedade. Por esse motivo muitos educadores ao longo da história, procuraram inserir recursos audiovisuais na escola, buscando novas motivações para as suas aulas. Independente de serem reais ou a representação de ideias, os filmes permitem tecer relações, que podem ser muito particulares, mas que são cognoscíveis e até comprováveis a depender do argumento, da criatividade. A compreensão de quem assiste depende mais da habilidade em realizar inferências, elaborar e relacionar repertórios, construindo associações e criando significados, além dos objetivos de um diretor ou roteirista. Mas essa tarefa de inserir o cinema na sala de aula está envolta num problema: a escassez de referências que analisem as relações entre cinema e as diversas áreas do conhecimento. Se por um lado, atualmente, o pesquisador de cinema encontra à disposição uma vasta bibliografia a respeito da sétima arte e, da mesma forma, o pesquisador da educação encontra à sua disposição uma quantidade muito grande de material, o mesmo não acontece quando se quer buscar fontes que estabeleçam a relação entre os dois temas, entre cinema e educação, por exemplo. Aí, nesse momento, o material bibliográfico é escasso. Essa carência é ainda mais grave quando saímos do ensino das ciências humanas e outros ramos vanguardistas nas pesquisas sobre o uso dessa ferramenta no processo educativo, e adentramos no universo do Direito, tradicionalmente afeito aos métodos dogmáticos de ensino. É grande o repertório de filmes que poderiam caber nos temas e dilemas do direito, mas, são escassos os materiais que poderiam subsidiar o uso dessa didática em sala de aula. É a partir dessas duas constatações que esse livro foi pensado, numa tentativa de fazer conexões entre conceitos, teorias e métodos de disciplinas das grades curriculares do curso de Direito com o Cinema, de forma que alunos e professores sejam inspirados pela linguagem cinematográfica na discussão e compreensão de assuntos muitas vezes esvaziados e distantes. O direito acompanha o ser humano desde a sua concepção, mesmo que ele não queira, isso é fato, e em todas as situações da vida humana ele pode ser visualizado. O direito tem ainda ampliado a sua preocupação com os animais não humanos e com os seres inanimados. As tensões sociais são a matéria prima do direito e são também material ideal para o florescimento da criatividade artística e para os roteiros cinematográficos. Os autores que escrevem nesse livro abordam relações instigantes entre filmes e conceitos – dos filmes hollywoodianos à poesia de metáforas sensíveis – onde o cinema registra a condição de nossa existência com o poder de imagens, sonhos e ideais, de maneira que uma teoria árida ou o caráter de neutralidade dos métodos científicos se tornem acessíveis a partir do poder de imaginação provocado pelo cinema. Assim, para as mentes cujas expectativas se concentram em códigos, técnicas e conceitos, esse livro pretende possibilitar, também, a sintonia com uma visão sensível, poética e metafórica do mundo e do que somos. Conscientes de que o mundo do passado teve um compromisso exclusivo com a linguagem, com o ler e o escrever, e que nosso século é mais e mais o século do visual e da imagem, nosso objetivo aqui é dar nossa contribuição, enriquecendo o acervo de títulos voltados para os nexos entre o cinema e a educação jurídica contemporânea.

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A Árvore da Vida Carla Pinheiro

Ficha técnica Ano: 2011 Origem: Estados Unidos Gênero: Drama, fantasia Duração: 138 minutos Direção: Terrence Malick Elenco: Brad Pitt, Sean Penn e Jessica Chastain

Apresentação A árvore da vida é um dos filmes indicados para ganhar o prêmio Oscar de 2012. Muito embora a destinação do referido prêmio possa vir a ser, por vezes, duvidosa, pelo caráter comercial que pode assumir, não se deve ignorar a importância do filme no contexto dos valores e dramas que a “sociedade mundial” vivencia na atualidade. Várias são as temáticas que podem ser abordadas a partir do filme e que podem ser exploradas no âmbito das chamadas ciências sociais, dentre elas o Direito, assim como suas disciplinas afins: os dramas vividos pela família, com um pai autoritário e filhos que sofrem maus-tratos - mesmo sendo o filme inicialmente ambientado nos anos 50 - podem servir à abordagem do Direitos da Criança e do Adolescente, assim como da Psicologia Jurídica, no enquadre atual. Também a Antropologia, a Sociologia e a História, no seu viés puro ou jurídico, podem se servir do enredo, das imagens – a fotografia e os efeitos especiais são fantásticos - e da imensa margem de interpretações que o filme proporciona, como instrumento facilitador da fixação dos eventos, valores e contextos históricos vivenciados pelo homem em diferentes momentos dos séculos XX e XXI. O objetivo central do presente artigo, no entanto, é apontar a relação entre arte e ciência, mais precisamente, da sétima arte, através do filme “a árvore da vida” com o Direito Ambiental. Não se pode negar que, no contexto do filme, as cenas que mais causaram perplexidade – deixando alguns encantados e outros entediados, segundo apontado em críticas abaixo referidas – foram as cenas em que a natureza, “o ambiente” – em um sentido amplo, envolvendo o macro e o microcosmo - se manifesta. Foram cenas longas e marcantes, que não deixaram de “fazer pensar” mesmo os que saíram no meio do filme... Abordaremos, primeiramente, o enredo do filme, seguido pela ficha técnica, prêmios, críticas e algumas palavras-chave, tendo em vista possibilitar ao leitor, que não teve acesso direto ao filme, algumas diretrizes que o orientem na leitura do restante do artigo, assim como o instiguem a “experienciar” e interpretar, ele mesmo, esse importante “documento artístico”.

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O que se chama aqui “restante do texto” é composto pelo enlace que visualizamos entre arte e ciência e entre “a árvore da vida” e alguns importantes temas do Direito Ambiental. Enredo “A árvore da vida” nos mostra as origens, as transformações, assim como o significado da vida, assim como nós a concebemos, atravessado pelo drama de uma família, na década de 1950, nos Estados Unidos, que se prolonga até a atualidade. O filme se inicia com uma pergunta de Deus – retirada do Livro de Jó -: “ Onde estavas tu, quando eu fundava a terra? Quando as estrelas da alva juntas alegremente cantavam, e todos os filhos de Deus jubilavam?” Essas falas são cortadas por uma luz cósmica intensa e oscilante. Aparecem, então, os personagens sra. e sr. O´Brien recebendo, em meio a intensa dor, a notícia da morte do filho de dezenove anos. O sofrimento da família é mostrado através de cenas ambientadas na casa e nos amplos jardins cercados de uma natureza exuberante, onde chama atenção a presença de uma árvore bem alta e iluminada pelo sol. Em seguida ocorre um salto no tempo e aparece Jack O´Brien – o filho mais velho do casal – que é arquiteto, em meio a uma construção moderna na cidade. Em conversa com o seu pai, Jack confessa pensar no irmão falecido todos os dias. Ele vê, então, uma pequena árvore sendo plantada em meio a todas aquelas construções humanas. Ocorre uma ruptura no drama familiar e as cenas que se seguem são da formação do universo. Enquanto essas cenas estão acontecendo – as galáxias se expandem e os planetas se formam -, a voz de Jack aparece fazendo várias perguntas existenciais. Em vários momentos do filme, perguntas e observações semelhantes são formuladas por outros membros da família e pelo mesmo Jack, quando mais jovem. Aparecem então cenas do início da terra, com vulcões em erupção, microorganismos sendo formados e dinossauros que lutam entre si. Surge, então, o nascimento da família O´Brien, em uma casa no Texas. O jovem casal está encantado pelo bebê que nasceu - Jack. Logo em seguida nascem mais dois filhos. O sr. O´Brian é um homem autoritário e severo em sua postura de pai educador. Em contraposição, a mãe é acolhedora e amorosa. O pai tem muitas frustrações, dentre elas a de não haver se tornado músico e a de não conseguir vender as patentes de suas invenções. Viaja por um longo período, na tentativa de vendê-las. Quando viaja os filhos usufruem a afetividade materna ao extremo. Nesse período Jack se permite cometer atos de vandalismo, tortura de animais e até um pequeno furto. Quando o pai volta, a fábrica em que trabalhava fecha e ele fica desempregado. Mais velho, se reconcilia com Jack, pedindo perdão por haver sido tão duro com ele durante sua infância. Ocorre nova ruptura no enredo e o filme mostra o planeta sendo queimado pelo sol, que se transforma em um gigante vermelho, e se torna um lugar sem vida. Então, aparece Jack já adulto, andando por um terreno rochoso e sem vida. Atravessa uma porta erguida em meio ao deserto. Encontra-se, então, como em um sonho, novamente reunido com as pessoas que povoaram sua vida em diferentes épocas, inclusive um amigo, que morreu afogado, em um trágico episódio de sua infância. Sua mãe está radiante por rever o filho morto. O filme termina com a mesma luz intensa e oscilante com a qual iniciou.

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Críticas As primeiras reações ao filme, no Festival de Cannes foram contraditórias, com vaias de um lado e aplausos do outro. A imprensa especializada, no entanto, se firmou em críticas positivas, tanto que o filme venceu a prestigiada Palma de Ouro do Festival. No site Rotten Tomatoes, o filme foi aprovado com um percentual de 85%. O consenso quanto ao filme se estabelece no sentido de afirmar que “o estilo singular deliberado de Terrence Malick pode não ser recompensador para alguns, mas para um espectador paciente. The tree of life é um deleite emocional e visual.” (grifo nosso). Roger Ebert, crítico de cinema, deu ao filme quatro estrelas de quatro e afirmou que “ The Tree of Life é um filme de vasta ambição e de profunda humildade, tentando nada menos do que englobar toda a existência e vê-la através do prisma de algumas vidas infinitésimas.”. (grifo nosso) Todd McCarthy, do The Hollywood Reporter, afirmou que “The Tree of Life é um trabalho singular, um inquérito metafísico impressionista sobre o lugar da humanidade no grande esquema das coisas que enviam ondas de percepções em meio a suas imprecisões narrativas.” Justin Chang afirma que o filme “representa algo extraordinário. É de muitas formas o trabalho mais simples e o mais complicado de Malick, uma odisseia transfixante através do tempo e memórias que mesclam a formação de um garoto dos anos 1950 com uma magistral reflexão sobre as origens da terra.” Peter Travers da Rolling Stone afirma: “filmado com um olho poético, o filme de Malick é pioneiro, uma visão pessoal que se atreve a alcançar as estrelas.” (grifo nosso) Arte e ciência Descartes difundiu a ideia de que, para se chegar à verdade era necessário “separar as coisas”, separar a parte do todo. O caminho entre arte e ciência é, ao nosso ver, exatamente o contrário daquele proposto por Descartes: é preciso “juntar as coisas”, unir a parte ao todo para que se possa chegar a “uma verdade minimamente compartilhada”. Como bem nos lembra François Ost (1995), quando Descartes fala da natureza, a ela se refere como “matéria”, como se ela fosse, na verdade, um instrumento a ser manipulado pelos seres humanos. “Para Descartes, o agrimensor-geómetra, a floresta já não é, como outrora, fonte de sabedoria e reservatório de saber, ela representa o erro e a obscuridade. Descartes procura incessantemente alcançar a claridade da planície, a certeza dos grandes espaços vazios: as longas cadeias de razões servir-lhe-ão aqui de caminho (método significa caminho em grago antigo, como uma linha reta traçada na mais profunda das florestas, como uma ferida aberta na carne da floresta.” Segundo Octavio Ianni, uma das características marcantes do pensamento moderno tem sido a clara demarcação das ciências (naturais e sociais) e das artes, de tal modo que a religião e outras modalidades de vida cultural e intelectual são postas à parte, como se fossem alheias e incompatíveis com a modernidade. Instala-se, então, o chamado “barbarismo da tecnociência”, com o qual se busca subordinar continuamente ensino e pesquisa às exigências das organizações públicas e privadas, de modo a aperfeiçoar as instituições, organizações e estruturas de dominação e apropriação, com as quais se afirma e reafirma a ordem social prevalente.

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O desafio na busca das relações de convergências e divergências entre ciência e arte, no que se refere às possibilidades de conhecimento, coloca-se, simultaneamente, no desafio de reconhecer que as criações científicas, filosóficas e artísticas podem ser vistas como narrativas do “desencantamento” e “reencantamento” no mundo. As narrativas das artes, sejam literárias ou originadas em outras linguagens, com nas artes cênicas, contribuem com o que se pode chamar de “revelação”, “desvelamento” da realidade e do imaginário, assim como das implicações de uns nos outros, do que é individual no que abrange a esfera do coletivo. As criações artísticas, assim como as científicas e filosóficas expressam, na verdade, o espírito de uma época, aos moldes do que se pode vislumbrar no filme “a árvore da vida”, quando a dimensão dos dramas existenciais se alia à dimensão de uma importantíssima preocupação do homem na atualidade: a natureza, o micro e o macrocosmo. É como se as narrativas tivessem de cumprir o desafio de captar o visível e o invisível, o real e o possível, o ser e o devir, a realidade e a interpretação, o significado e a ilusão. A narrativa da “árvore da vida”, por exemplo, expressa, sintetiza ou sugere algo do que se pode denominar “visão de mundo”, Weltanschauung, da atualidade. Por meio dessa narrativa, é possível compartilhar com o público uma visão do conjunto homem-natureza, assim como da perspectiva do drama familiar em suas muitas possibilidades de metáforas com a natureza. O autor da “árvore da vida” expõe sua intenção por meio de sua obra tão original e polêmica, que inquieta e surpreende o público para “além” e (ou) para “aquém” das intenções dele mesmo. O “autor da arte” não tem o mínimo domínio de sua obra, como acontece com o “autor da técnica”. A reação do público da arte é, na verdade, imprevisível. A árvore da vida surpreendeu sua plateia no que pode vir a ser a leitura de sua época em dimensões aparentemente estanques – drama humano e natureza pura -, mas que se unem em um só “produto”. Concordamos com Arthur I. Miller (2011), quando afirma que “creativity in art can be explored like creativity in Science because artists and cientists use many of the same strategies toward discovering new representations of nature. Just like scientists, artists solve problems… Creativity occurs in a cycle of conscious thought, unconscious thought, illumination (hopefully!) and verification… Einstein, too, believed in “free play with concepts” in the unconscious… While consciousness plays the important role of setting boundaries on our everyday actions, in the unconscious we can activate complexes of information in long-term memory without boundary.” Assim sendo, a arte funciona como um “recurso humano ilimitado” para o entendimento de si mesmo e do seu entorno, enquanto que a tecnologia – leia-se ciência -, por mais valiosa que seja, configura um recurso de desvelamento limitado – objeto e método científicos devem ser claros e precisos, devem “convencer” o cientista e até mesmo o leigo. Dai a necessidade de se aliar o que se chama de “limitado” ao “ilimitado”, em prol mesmo da ampliação de limites... Diante do horizonte ilimitado que a narrativa da “árvore da vida” nos propõe, é como se estivéssemos diante de uma espécie de “esclarecimento”, de uma forma de “encantamento” ou mesmo de uma possibilidade de “espanto”, por meio dos quais é possível exorcizar enigmas da razão e da fantasia, realizando uma verdadeira catarse dos tormentos do mundo moderno (ou, utilizando-se a expressão mais amplamente divulgada na atualidade: do mundo pós-moderno).

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“A árvore da vida” e o Direito Ambiental. Diante da amplitude de objetos de análise que o filme nos proporciona nos fixaremos em alguns aspectos do “objeto meio ambiente” em sua versão jurídica, ou seja, no Direito Ambiental. As imagens do ambiente são marcantes no filme, podendo-se mesmo afirmar que elas configuram o “diferencial” do filme “a árvore da vida”. Isso porque, retiradas as cenas em que se tem o macro e microcosmo, as imagens da criação, das diversas formas de manifestação da natureza como foco, o filme se transformaria em mais um drama familiar, tantas vezes produzido pela sétima arte. O fato do meio ambiente e suas formas de expressão povoar o filme de forma tão marcante, nos aponta, no mínimo, a importância do tema para a “sociedade mundial atual”. A preocupação da “sociedade mundial” e, consequentemente do Direito, com a preservação do meio ambiente intensificou-se no final dos anos sessenta e vem se consolidadando a partir da década de 1970, com a Convenção de Estocolmo de 1972, o Relatório Brundtland (19831987), a Convenção do Rio de 92 (ECO-92), o Protocolo de Quioto (1997), dentre muitas outras manifestações internacionais. No âmbito interno, essa preocupação assume um caráter jurídico importante, no início da década de 1980, por meio da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, Lei 6.938/81 e, principal e especialmente, através do art.225 da Constituição de 1988, onde são estabelecidas normas tendentes a proporcionar uma efetiva tutela do meio ambiente: meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito de Todos; vinculado à saúde, necessidade de cooperação entre coletividade e Estado e o caráter transgeracional do Direito Ambiental, assim como a ampliação da responsabilização pela lesão ao bem ambientalresponsabilidade civil, administrativa e penal, das pessoas físicas ou jurídicas -, dentre outros. O filme “a árvore da vida”, ao entrelaçar o drama familiar com as imagens de planetas, estrelas, explosões cósmicas, etc., ou seja, a formação da vida de uma perspectiva macroscópica e de uma perspectiva microscópica: do sistemas circulatórios, células, átomos, nos chama atenção para a preocupação com o enlace entre a vida humana e a natureza. Aponta a estrutura cósmica, a estrutura microcósmica, assim como a conexão necessária e o abismo entre ser humano e natureza. E é exatamente por conta desse enlace necessário, assim como do atual abismo que o ser humano vem traçando muito rapidamente entre ele e seu habitat: poluição do ar, da água e do solo, aquecimento global, agressão à fauna e à flora, dentre muitos outros que o Direito Ambiental vem construindo mecanismos internacionais e internos, especialmente por meio dos princípios do Direito Ambiental, tendo em vista a solução dos cada vez mais complexos problemas ambientais que vêm surgindo na atualidade. Por meio da técnica de intercalar imagens da natureza em sua forma “bruta” e cenas do drama cotidiano familiar “construído”, permanece o intuito de estabelecer um elo ou, como muitos pensam, “uma relação absurda” entre os dois universos: um autoconstruído e o outro construído em meio a um contexto especificamente humano. Na verdade, pensamos que a relação, proposta no filme, entre homem e natureza nada tem de absurda, já que o homem, desde os primórdios de sua criação inseria-se na natureza, como uma pequena parte dela. A ideia da natureza como um “objeto” ou como um “bem” é muito recente – data da industrialização e do surgimento das grandes cidades. Até então, não havia que se falar em natureza separada do homem e é por isso, que vemos no filme a tradução de uma certa nostalgia do homem, uma certa tentativa de reatar um elo que existe por si mesmo, só que nós, muitas vezes

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esquecemos dele, quando nos atemos somente à nossa memória recentíssima em que somos necessariamente sujeitos do universo que habitamos. Segundo Heidegger, “a arte permite brotar a verdade”. A arte é uma maneira extraordinária de se chegar à verdade e de se fazer história. Ela proporciona ao indivíduo e à sociedade a oportunidade de expressar um tema que a aflige, como acontece na “árvore da vida”: a preocupação com o tema “meio ambiente”. Na “árvore da vida”, dramas individuais e familiares se misturam ao “meio ambiente natural”, assim como àquele construído – “meio ambiente artificial” - e até à modalidade “meio ambiente do trabalho” – Jack é arquiteto e é filmado em seu ambiente de trabalho, uma verdadeira “bolha de vidro”, que permite visualizar a metáfora de uma tênue separação entre o dentro e o fora, entre o meio ambiente do trabalho e o natural -, estando todos reunidos em uma única “expressão artística”. As cenas da árvore da vida nos lembram, o indivíduo rousseauniano, que é concebido como parte de um grande todo e que abandona a totalidade natural, a do “estado de natureza” na qual é governado pela lei natural. Nesse estado, o homem-animal vive só, no imediatismo, existindo por si e para si. Ele se torna um “outro” homem, a partir da necessidade de “conviver com o outro” e de regulamentar essa convivência, torna-se, assim, uma parte de um todo diferente da Natureza, construindo um ambiente para além daquele habitat natural, o que podemos chamar de meio ambiente artificial. A natureza permeia o universo humano também no limite entre inato e construído. Estamos falando do Direito Natural que é, ao mesmo tempo, o culto à ideia de que o homem faz parte do todo cósmico, que todos os seres humanos estão inseridos em um mesmo contexto natural, sendo esta ideia de Direito Natural, ela mesma, uma construção humana, ao lado do Direito Positivo, outra construção. Os fundamentos do Direito Natural encontram-se no culto à natureza, ou na ideia de uma lei que não depende de uma forma de Estado, mesmo que possa ser inserida no corpo normativo desse mesmo Estado. Nesse sentido, o Direito Ambiental funciona como um resgate dos fundamentos do Direito Natural, como a busca inalienável do enlace entre indivíduo e natureza. E mais, o enlace entre indivíduo e meio ambiente construído, ou meio ambiente artificial, assim como o meio ambiente cultural e do trabalho. O filme, em contexto com o nosso tema central: vínculo entre arte e Direito Ambiental nos suscita, também, uma pergunta básica e ao mesmo tempo bastante complexa: qual é o conceito de “homem” na ciência jurídica ambiental? Essa questão, como bem assevera Jose Luiz Serrano Moreno(2010), não vem tanto dos indícios do antropocentrismo - em contraposição ao biocentrismo -, mas sim da sobrecarga ideológica que produz polissemia e acarreta um obstáculo epistemológico. Seria o homem a espécie humana da biologia? Criado após as explosões cósmicas, as transformações que o planeta sofreu, como uma das evoluções dos primeiro microrganismos. Seria o homem o sistema psíquico da psicologia, de onde se originam, por sua vez, os conflitos humanos e a norma jurídica? Seria ele um ser dotado de alma imortal da teologia, que está constantemente perguntando por Deus e a Deus sobre si, sobre sua própria existência? Seria ele o corpo humano da medicina? Ou todas essas dimensões simultaneamente? O homem “plantado” pela “árvore da vida”, assim como o homem da perspectiva da ciência jurídica ambiental, nos remetem aos três grandes “golpes narcísicos” que o ser humano sofreu, apontados por Freud: o primeiro foi o expedido por Copérnico, ao afirmar que o homem não é o centro do universo, o segundo, expedido por Darwin, ao afirmar que o homem é resultado da

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evolução das espécies e o terceiro, expedido pelo próprio Freud, ao afirmar que a racionalidade humana não está no comando de suas ações, mas sim o inconsciente. Pensamos que podemos estar vivenciando, agora, o quarto golpe narcísico, de acordo com o qual percebemos que a tecnologia, capaz de “erguer e destruir coisas belas”, assim como os instrumentos de regulamentação da ação do homem sobre a terra – o Direito - não parecem ser suficientes para frear a força devastadora do seu próprio criador: o homem.

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Referências MORENO, José Luiz Serrano apud PINHEIRO, Carla. Direito Ambiental. São Paulo: Ed. Saraiva, 2010, 3ª Edição, p.8. MILLER, Arthur I. apud apud IANNI, Octavio. A sociologia e o mundo moderno. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 2011, p.168. OST, François. A natureza à margem da lei. Lisboa: Instituto Piaget, 1995.

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