Relatório de Gestão | Anexo de Artigos

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RELATÓRIO DE GESTÃO

2020 - 2022 ANEXO COM ARTIGOS

Expediente

DIRETORIA

TITULARES

Presidente

EXECUTIVA

Charles Johnson da Silva Alcantara – Sindifisco/PA

Vice-Presidente Marlúcia Ferreira Paixão – Sindsefaz/BA

Diretor Administrativo e Financeiro Celso Malhani de Souza – Sindifisco/RS

Diretor para Assuntos Parlamentares e Relações Institucionais Ricardo Bertolini – Sindifisco/MT

Diretor de Formação Sindical e Relações Intersindicais Francelino das Chagas Valença Junior – Sindifisco/PE

Diretor de Comunicação Cloves Silva – Sindifisco/MS

Diretor Jurídico e de Defesa Profissional Marco Antonio Couto dos Santos – Sindifisco/MG

Diretor de Aposentados e Pensionistas José Marcio Santa Rosa – Sindifisco/SE

Diretor para Assuntos Técnicos Anatal de Jesus Pires de Oliveira – Sindifisco/AP

Diretor do Departamento de Projetos Especiais Glauco Honório – Sinafresp/SP

Departamento de Políticas Sociais da Fenafisco Ronaldo Oliveira da Silva – Sindaftema/MA SUPLENTES DIRETORIA EXECUTIVA

Roberto da Silva Geraldo – Sindifisco/AM Fernando Carvalho de Freitas – Sindifern/RN Sáris Pinto Machado Júnior – Auditece Sindical/CE Gabriela Vitorino de Sousa – Sindifisco/GO Martin Baria – Sinfrerj/RJ

Jorge Antonio da Silva Couto – Sindare/TO Alexandre José Wanderley de Moraes – Sindifisco/PE

CONSELHO FISCAL TITULARES

José Caetano Mello Junior – Sinaffepi/PI Mauro Roberto da Silva– Sindafisco/RO Paulo Roberto Ferreira Bonfim (in memoriam) –Sindifisco/MS

Leyla Maria Alves da Silva Bichara Viga – Sindifisco/AC

SUPLENTES

Marco Aurélio Cavalheiro Garcia – Sindifiscal/MS Rudimar Braz de Melo – Sindifisco/SE

COORDENAÇÃO:

Cloves Silva – Diretor de Comunicação

JORNALISTA RESPONSÁVEL Wanúbia Lima (MTB 9585 – DF)

DIAGRAMAÇÃO: Adroaldo Castro

Relatório de Gestão 2020-2022

Apresentaçã0

O presente documento tem como propósito difundir os trabalhos realizados ao longo da gestão 2020-2022, a fim de apresentar um balanço das atividades e dos permanentes esforços empreendidos para promover o fortalecimento do serviço público, a modernização da Administração Tributária, além de reafirmar o papel da entidade em prol do desenvolvimento coletivo de nosso país. Durante o referido período buscou-se aprimorar a estrutura de Comunicação da entidade, promover o avanço de projetos de interesse da classe e intensificar a luta em defesa do Estado Democrático de Direito, além de delinear os pilares de uma proposta de renovação do Sistema Tributário Nacional, com foco na progressividade tributária.

Diretoria Executiva FENAFISCO

Relatório de Gestão Fenafisco -

2020 | 2022 3

Sumário

Artigos 2020

“Parasitas” do Brasil, uni-vos!

Cada um dá o que tem

Artigos 2021

Grandes fortunas, pequenos impostos

Inflação alta, salário-mínimo desvalorizado e tributação injusta

Para reconstruir o País, é preciso tributar os superricos

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Fim da estabilidade abre espaço a Guardiões do Crivella

A desigualdade no Brasil é um projeto

A busca infindável pelo fim do serviço público no Brasil

Artigos

Cinco perguntas para defender o serviço público na urna, em 2022

O Brasil precisa dos Correios

As mentiras e as interferências que podem causar guerra com os Estados

A cota-parte do ICMS: injusta, insana, insustentável

Os negacionistas de grife

Portas abertas para o Peculato Um dia de luta

Federalismo sabotado

Combustível para a tragédia da fome

Código de defesa do pagador de impostos ou do sonegador?

Os equívocos da PEC 63/2013

4 Relatório de Gestão Fenafisco - 2020 | 2022
2022 07 19 27 34 28 29 31 32 33 11 09 21 23 24 08 20 22 14

ARTIGOS 2020

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6 Relatório de Gestão Fenafisco - 2020 | 2022

FEVEREIRO

“Parasitas” do Brasil, uni-vos!

O insulto desferido pelo ministro Paulo Guedes contra os servidores públicos, mais que um destempero verbal ou mera demonstração de incivilidade, é a expressão do desprezo (verdadeiro) que nutre o ministro pelo serviço público.

*Charles Alcantara FONTE: Congresso em Foco

Não estava o ministro sob violenta emoção quando proferiu a ofensa. Estava bem à vontade, em lugar seguro e na companhia dos seus iguais.

Guedes considera menores e desprezíveis todos os que dependem do trabalho, sentimento que encontrou terreno fértil no atual governo. Basta lembrar agosto do ano passado, quando o presidente Bolsonaro declarou que a vida dos patrões é tão difícil quanto a dos desempregados.

De um lado, o trabalho, representado pelos servidores públicos; do outro, o capitalismo improdutivo, representado por Paulo Guedes. Por enquanto, ampla vantagem para o segundo.

A vida desse personagem não está associada ao trabalho produtivo. Vida ganha à custa do Estado que tanto maldiz.

Nada há de mais parasitário que a carreira de Paulo Guedes, feito e mantido ministro por obra e graça do mercado, a ponto de não precisar sujeitar-se à autoridade do presidente da República.

Que a sinceridade espargida pelo ministro mais poderoso do governo sirva para retirar um sem-número de servidores públicos desse angustiante estado de alienação, adesismo e entorpecimento.

Que a resposta dos servidores públicos de todo o Brasil não se limite ao justo repúdio,

porque já não bastam a indignação, a queixa, o desabafo.

É preciso ir além.

É preciso unir os “parasitas” que salvam vidas nos hospitais, nos postos de saúde e nas ambulâncias; os que educam, orientam e aconselham nas escolas; os que protegem, socorrem e resgatam nas enchentes, incêndios, acidentes e assaltos; os que combatem a sonegação e o contrabando; os que inspecionam a segurança no trabalho; os que fiscalizam a qualidade dos alimentos; os que garantem assistência aos despossuídos; os que vacinam os nossos filhos.

É preciso ir além do WhatsApp, além das conversas de corredor, além da crítica pelo que deixou de ser feito, além da raiva, além da culpabilização do outro, além da terceirização de responsabilidades, além da assembleia, além do murmúrio, além das diferenças e disputas, que são muitas.

É preciso ir além do ambiente fechado e do espaço virtual.

É preciso parar o Brasil antes que as políticas parasitárias de Guedes acabem com o serviço público.

É preciso ir às ruas, “parasitas”!

*Presidente da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco)

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MARÇO

Cada um dá o que tem

O Brasil possui 206 bilionários que, juntos, acumulam uma fortuna de mais de R$ 1,2 trilhão.Esses 206 bilionários pagam proporcionalmente menos impostos que a classe média e os pobres.

Se o país criasse um imposto de apenas 3% por ano sobre a fortuna de R$ 1,2 trilhão, seria possível arrecadar R$ 36 bilhões anuais, valor superior ao orçamento de 1 ano de todo o programa Bolsa-Família.

A soma de toda a riqueza das famílias brasileiras é de cerca de R$ 16 trilhões de reais, estando a quase metade de toda essa riqueza – ou seja, R$ 8 trilhões – nas mãos de apenas 1 % das famílias.

Se o país taxasse o patrimônio trilionário dessas famílias em apenas 1%, seria possível arrecadar R$ 80 bilhões, o que equivale ao valor de toda a receita estimada em 2020 para o Estado de Minas Gerais, o segundo mais populoso do Brasil, com mais de 20 milhões de habitantes.

Façam as contas: R$ 36 bilhões cobrados sobre a renda dos 206 bilionários (+) R$ 80 bilhões cobrados sobre o patrimônio do 1% das famílias mais ricas (=) R$ 116 bilhões.

Esses R$ 116 bilhões a mais nos cofres públicos sequer representam sacrifício para esse punhado de bilionários, mas equivale a praticamente todo o orçamento federal da saúde.

Se chamados a contribuir um pouquinho mais com o país, garanto que nenhum desses bilionários deixaria de frequentar os melhores restaurantes do mundo, satisfazer todos os seus desejos mais extravagantes ou deslocarse nos seus jatinhos executivos de última geração.

Os donos do jornal O Globo fazem parte dos 206 bilionários e também das famílias brasileiras que detém, juntas, um patrimônio de R$ 8 trilhões.

Em editorial publicado no jornal de sua propriedade, edição desta sexta-feira (20), a bilionária família Marinho defendeu a redução dos salários dos servidores públicos como forma de colaborar com a crise gerada pela pandemia da Covid-19.

A família Marinha não se dispõe a abrir mão de uma parcela insignificante da sua fortuna para ajudar o país, mas se acha no direito de propor que os servidores públicos sejam confiscados em seus salários.

A contribuição em termos monetários que O Globo se dispôs a oferecer ao país num momento tão dramático foi um editorial indigno, desonesto e covarde.

Cada um dá o que tem, não é mesmo?

*Presidente da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco)

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AGOSTO

Para reconstruir o País, é preciso tributar os super-ricos

A pandemia da Covid-19 provocou a crise econômica mais grave em quase um século. Uma realidade triste, que impõem mudanças urgentes. O que pode ser visto como a maior tragédia da história da nossa geração, também pode ser visto como a oportunidade de, finalmente, mudarmos nosso sistema tributário.

A história nos ensina que em momentos de catástrofe econômica, o papel do Estado deve ser reforçado e a história e a tributação cumpre papel importante nesse processo. Se bem calibrada, ela pode ser usada como instrumento de política pública para conter o aumento da desigualdade provocado pela crise, mas também para reduzi-la, pelo fortalecimento das políticas públicas a cargo do Estado. Para isso, é preciso mexer na ferida, mudar o sistema que pesa sobre o consumo dos mais pobres, desonera a renda dos mais ricos e concentra as riquezas na União, em detrimento de estados e municípios.

Para enfrentar a questão, a Fenafisco (Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital), a Anfip (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil), o Instituto Justiça Fiscal, o Coletivo AFD (Auditores Fiscais pela Democracia), ao lado de acadêmicos e entidades do fisco federal, formularam o documento “Tributar os super-ricos para reconstruir o país”. Com oito propostas de leis que isentam os mais pobres e as pequenas empresas, fortalecem Estados e Municípios e aumentam a arrecadação em cerca de R$ 292 bilhões. As medidas não aumentam impostos para 99,7% da população e apresentam uma distribuição equilibrada do bolo tributário, garantindo R$ 86,2 bilhões adicionais para Estados e R$ 56,3 bilhões para Municípios.

Atualmente, as unidades da federação são extremamente dependentes do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), o que as deixa mais vulneráveis a crises econômicas, incluindo, a advinda da pandemia da Covid-19. É preciso incrementar o federalismo fiscal empregado na partilha das receitas do Imposto de Renda, como também é necessário regulamentar de uma vez por todas o Imposto sobre Grandes

Fortunas, além de aperfeiçoar o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD).

Em meio à triste realidade que vivemos, enquanto milhões de pessoas ficaram desempregadas e sem renda, vimos o patrimônio dos 42 bilionários do Brasil crescer em US$ 34 bilhões desde o início da pandemia, segundo relatório divulgado ontem pela Oxfam. No presente contexto de grave crise sanitária e econômica, nada é mais imperioso e urgente que amparar a população vulnerável e retomar o crescimento econômico. O povo brasileiro não tem condições, literalmente, de pagar mais impostos sobre o consumo, como sugere a proposta de reforma tributária apresentada há dias pelo governo federal.

Assim como demonstram as melhores experiências no mundo e, aliás, também como reza a Carta de 1988, é necessário que o sistema tributário brasileiro, definitivamente, respeite o princípio da igualdade material tributária e a capacidade contributiva e, acima de tudo, que cumpra os objetivos fundamentais do artigo 3º, entre os quais o de construir uma sociedade livre, justa e solidária e o de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais.

A reforma tributária não pode, sob pena de grave omissão, deixar de tributar os super-ricos e de fortalecer estados e municípios, em ambos os casos, para retomar o crescimento e melhorar a oferta de serviços públicos em benefício da população.

No momento em que a reforma tributária volta à cena, é preciso consciência e coragem na ação parlamentar, bem como na ação política da classe trabalhadora, dos movimentos sociais, das entidades de representação profissional e empresarial e ao conjunto da sociedade brasileira que querem um país justo, democrático e minimamente civilizado.

*Presidente da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco)

Relatório
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de Gestão

SETEMBRO

Fim da estabilidade abre espaço a Guardiões do Crivella

Reforma administrativa facilita aparelhamento do serviço público

*Charles

O Brasil conheceu nos últimos dias mais uma leva de personagens caricatos que promovem ofensas a jornalistas e veículos de imprensa. A denúncia relativa aos Guardiões do Crivella mostra uma face nefasta de governantes que querem esconder dos cidadãos as mazelas resultantes da incompetência em sanar problemas recorrentes.

Colocar funcionários comissionados na porta dos hospitais municipais do Rio de Janeiro para ofender jornalistas e entrevistados em reportagens denunciando as condições da estrutura da saúde no município faz acender um alerta sobre a importância do servidor público no Brasil.

Todas as pessoas expostas pelas reportagens têm um ponto em comum: são servidores públicos sem estabilidade, ou seja, ocupam cargos comissionados. Estão submissos aos anseios de políticos no comando da máquina pública e reféns do compadrio e clientelismo. A estabilidade do funcionalismo, tão questionada ultimamente, serve para evitar que episódios como os reportados ocorram, além de resguardar a máquina pública de desejos obscuros e gananciosos dos mandatários.

O escândalo dos Guardiões do Crivella é um caso evidente do risco que corremos em ter servidores melindrados e trabalhando com pouca estrutura. A reforma administrativa proposta pelo governo federal acaba com o Regime Jurídico Único, via flexibilização das formas de contratação e demissão, revigorando o velho apadrinhamento e patrimonialismo que, por muito tempo, predominaram na Administração Pública.

Uma avenida aberta para o aparelhamento político-partidário do serviço público. A reforma administrativa do presidente Jair Bolsonaro presta homenagem ao seu aliado que governa a cidade do Rio de Janeiro, institucionalizando e generalizando os Guardiões do Crivella por todo o país. Sai de cena o servidor público para dar lugar ao “guardião do Bolsonaro”, “guardião do governador A”, “guardião do prefeito B” …

A produtividade brasileira é cronicamente baixa, fenômeno que se observa tanto no serviço público quanto na inciativa privada. Existe um estigma sobre a ineficiência do serviço público, que nem sempre condiz com a realidade. É preciso melhorar o investimento na estrutura da máquina pública, convergindo para a ampliação da cobertura e qualificação dos serviços prestados pelo Estado.

Precisamos de políticas públicas que impulsionem o crescimento econômico, que aumentem a empregabilidade e que reduzam a abissal desigualdade no Brasil. Os servidores públicos não são inimputáveis, assim como os trabalhadores da iniciativa privada, e podem perder o cargo caso cometam crimes contra a Administração Pública, parem de ir ao trabalho, tenham faltas excessivas, vazem informações, utilizem o cargo para obter benefícios pessoais, entre outras condutas.

O serviço público é uma função valorosa, de honra, retorno à pátria e que almeja o bem-estar do brasileiro. Temos na iniciativa privada profissionais que atuam numa determinada empresa porque enxergam nela seus valores; outros, simplesmente porque ela lhes proporciona um bom salário no fim do mês. Portanto, a retirada de direitos não traz qualquer garantia de que teremos funcionários públicos mais engajados ou comprometidos.

Acabar com a estabilidade do funcionalismo não é a solução mágica para a retomada econômica de um país que super tributa pobres e alivia os altos ganhos das elites. O fim da estabilidade no serviço público é um enorme portal para mais escândalos de corrupção, compadrio, coronelismo, clientelismo e ineficiência do serviço público, tão precarizado e sem infraestrutura adequada ao desenvolvimento das atividades. O país não deve apoiar um modelo que pode franquear a conduta de Guardiões de Crivella Brasil afora.

*Presidente da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco)

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OUTUBRO

A desigualdade no Brasil é um projeto

O eterno Darcy Ribeiro nos ensinou: “A crise da educação no Brasil não é uma crise, é um projeto”

Da mesma forma, a manutenção da desigualdade no Brasil não é uma crise, é um projeto desumano engendrado pelas elites. Enquanto a Constituição Federal de 1988 só funcionar para onerar pobres e aliviar as elites, permaneceremos em crise

Desigual, esse é o retrato do Brasil, que há 520 anos cultiva um sistema de penalização das classes mais pobres. A crise causada pela pandemia do novo coronavírus escancarou a realidade que muitos tentam abafar há anos. Os mais necessitados são os que carregam o país nas costas, a custos altíssimos e sem apoio do Estado.

Fomos criados por uma colonização que deixa fortes marcas até hoje, viramos uma república, enfrentamos golpes e uma ditadura militar. Em 1985, o fim de um ciclo de 21 anos de regime autoritário. Em 1988, a nova Carta Constitucional instauradora do Estado democrático de direito (a Constituição Cidadã), que estabeleceu bases, direitos, deveres e garantias para toda a sociedade.

A expectativa de um Estado justo e democrático ainda não se concretizou em pleno 2020. Com cerca de 210 milhões de habitantes, mais de 40 milhões estão desempregados porque não conseguiram trabalho ou porque desistiram de procurar uma vaga. Mais 27,98 milhões gostariam de trabalhar, mas não procuraram emprego e outros 12,23 milhões estão desocupados. Sim, mais de 80 milhões de pessoas estão sem trabalhar num país que se diz democrático. Os dados foram divulgados em agosto de 2020 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). São brasileiros que vivem na informalidade, sem emprego com direitos estabelecidos, sem a certeza de quanto terão de renda ao fim do mês para pagar despesas básicas, sem segurança alimentar.

A pandemia escancara mais uma triste realidade: mais de 67,2 milhões de brasileiros dependem do auxílio emergencial de R$ 600 para conseguir colocar comida dentro de casa e ter o mínimo de dignidade. A desigualdade brasileira se estabeleceu em níveis elevados; o Índice de Gini é de 0,543, valor considerado alto.

À medida que os mais pobres sofrem sem a certeza de que conseguirão pagar as contas básicas e colocar comida na mesa, os superricos aumentam suas contas bancárias. Dados da Oxfam apontam que, apenas nos cinco primeiros meses da pandemia (março a julho de 2020), o patrimônio líquido de 42 bilionários brasileiros cresceu US$ 34 bilhões (cerca de R$ 187 bilhões pela cotação atual do dólar). Esse valor equivale a seis anos do Bolsa-Família.

Enquanto isso, assistimos à população desamparada em filas a perder de vista nas agências bancárias de todo o país em busca do auxílio emergencial para saciar a fome, que, aliás, cresceu drasticamente de acordo com a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE, divulgada em 17 de setembro. A pesquisa mostra que, depois de uma década de recuo contínuo, a fome voltou à cena como uma das protagonistas da tragédia brasileira. Mais de 10 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar grave e mais de 74 milhões em situação de insegurança alimentar leve ou moderada, somando quase 85 milhões de pessoas atingidas ou ameaçadas pela fome no Brasil.

Mas não é só de tragédia que vive o Brasil. Há também muita opulência, fartura. Falei dos 42 bilionários brasileiros que faturaram, em cinco meses, o que o Brasil gasta com 14 milhões de famílias em seis anos.

Se há 85 milhões de pessoas atingidas ou ameaçadas pela fome, ao menos há 238 pessoas que, juntas, têm uma fortuna de R$ 1,6 trilhão. Esse é o número de bilionários brasileiros que consta da lista da Forbes, versão 2020. Dá para imaginar uma fortuna de R$ 1,6 trilhão nas

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Fenafisco - 2020 | 2022 11
de Gestão

mãos de 238 pessoas, num país com mais de 10 milhões de pessoas passando fome agora, ontem, hoje, amanhã? Dá para entender por que a primeira palavra deste texto é o adjetivo “desigual”?

É urgente e necessário redistribuir renda para minimizar a brutal desigualdade que está aí, visível, gritante, às escâncaras por toda parte, nos rincões e nas grandes cidades, ignorada pela maioria dos governantes. Para os brasileiros forjados nas dificuldades e durezas da vida, é preciso garantir o mínimo previsto num Estado que se proclama democrático e de direitos.

Como fazer 67 milhões de pessoas, que hoje recebem um auxílio emergencial, terem uma renda básica financiada por um país no auge de uma crise econômica, social e sanitária? Há meses governo e parlamentares buscam a resposta; porém, nos lugares errados. Diversas possibilidades que só aumentam o abismo que separa ricos e pobres foram aventadas, como a criação de um novo imposto sobre transações digitais (uma espécie de CPMF, que agrava a regressividade do sistema tributário), a redução do investimento básico nas áreas de saúde e educação, a extinção de programas assistenciais, o congelamento do reajuste anual do salário-mínimo, o congelamento salarial do funcionalismo público.

A nata política brasileira só não pensou na possibilidade mais óbvia: cumprir a Constituição Federal de 1988 e cobrar impostos de forma progressiva. Diz o parágrafo 1º do artigo 145: “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte […]”. Esse é o chamado princípio constitucional da capacidade contributiva, que se pode resumir no mais genuíno e singelo primado de justiça: quem tem mais paga mais.

Um grupo de economistas, especialistas e entidades, sob a coordenação técnica do professor Eduardo Fagnani, olhou para onde muitos se recusam a olhar: a subtributação dos super-ricos brasileiros. Curioso notar que esse pequeno punhado de pessoas se ajusta bem ao prefixo “super” quando se refere à fortuna que acumularam, mas, quando se trata de pagar impostos, o prefixo que lhes cabe é o extremo oposto: “sub”.

O documento “Tributar os Super-Ricos para Reconstruir o País”, lançado no dia 6 de agosto deste ano, propõe oito medidas que têm o potencial de arrecadar cerca de R$ 292 bilhões por ano, tirando o fardo dos mais pobres e transferindo para a elite, que historicamente sempre se recusou a contribuir com a redução da desigualdade no Brasil.

Nas várias vezes em que o mundo atravessou momentos de crise, as elites tiveram de dar sua parte, assim como todos, mas isso nunca se aplicou no Brasil. O país é uma espécie de oásis para milionários. Aqui é possível aumentar

a fortuna e, ao mesmo tempo, pagar menos impostos.

Se observamos a tabela das alíquotas de Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF) é possível notar uma enorme discrepância. Quem recebe R$ 4.770 paga o mesmo percentual de quem recebe R$ 100 mil: 27,5%.

Uma nova tabela do IRPF, com a introdução de quatro novas alíquotas (30%, 35%, 40% e 45%), combinada com a revogação do privilégio tributário concedido às rendas do capital (isenção da distribuição de lucros e dividendos e dedução dos juros sobre capital próprio), é a principal medida proposta no documento, com um potencial de incremento na arrecadação do imposto na ordem de R$ 158 bilhões por ano na arrecadação. O documento propõe ainda a isenção do imposto para quem recebe até R$ 2.862, cerca de 34% dos contribuintes.

Em momentos de crise, é comum os países aumentarem a arrecadação com impostos progressivos, seguindo o princípio da capacidade contributiva. Nos Estados Unidos, as alíquotas máximas de imposto de renda ficaram acima de 75% da metade da década de 1930 até meados dos anos 1970. No Reino Unido, a alíquota máxima ficou acima de 90% entre as décadas de 1940 e 1970. Atualmente, a alíquota máxima nos Estados Unidos é de 37% e, no Reino Unido, de 45%. Ou seja, no pós-guerra, toda a sociedade ajudou na reconstrução econômica dos países.

No Brasil, a renda e o patrimônio são pouco tributados; seguem um caminho inverso da tendência mundial, respondendo por apenas 23% da arrecadação. Nos Estados Unidos, renda e patrimônio representam 60% da arrecadação. A média dos países da OCDE é de 40%. Por outro lado, a tributação sobre o consumo representa quase 50% de tudo o que se arrecada no Brasil. Nos Estados Unidos, esse percentual é de 17%, enquanto a média dos países da OCDE é de 32,4%.

Os milhões de brasileiros que têm dificuldade para colocar comida na mesa precisam lidar com uma altíssima carga tributária para comer e se manter no dia a dia. Os que têm jatinhos, lanchas, iates, mansões, não. Injusto, desigual e estarrecedor.

A instituição do imposto sobre grandes fortunas (IGF), prevista no artigo 153, inciso VII, da Constituição, pode adicionar mais R$ 40 bilhões aos cofres da União. Pela proposta de tributação dos super-ricos, o valor seria obtido de forma gradual, com alíquota inicial de 0,5% sobre patrimônios acima de R$ 10 milhões; 1% sobre patrimônios acima de R$ 40 milhões e até R$ 80 milhões; e 1,5% sobre patrimônios acima de R$ 80 milhões.

Com apenas duas medidas (IRPF e IGF) já teríamos um acréscimo de R$ 200 bilhões na arrecadação do país, mais que suficiente, por exemplo, para ampliar o Programa BolsaFamília, tanto em relação ao número de famílias

12 Relatório de Gestão Fenafisco - 2020 | 2022

atendidas quanto ao valor médio do benefício.

Com o passar do tempo, fica mais claro que as reformas chamadas de “estruturantes”, iniciadas em 2017 com a reforma trabalhista no governo de Michel Temer, seguida pela da Previdência de Jair Bolsonaro em 2019, prestaram-se somente a concentrar mais renda e riqueza no topo e a aprofundar a desigualdade. Para os mais pobres, o que vemos é o aumento do desemprego, do desalento e da fome. É fundamental encarar as mazelas e não deixar, mais uma vez, que os pobres paguem essa conta.

Há medidas simples e emergenciais que podem ser tomadas. O documento que convoca os super-ricos ao pagamento de tributos também prescreve a criação da Contribuição Social sobre as Altas Rendas (CSAR), com uma alíquota de 10% sobre os rendimentos totais que excederem o valor anual de R$ 720 mil, uma medida que alcança cerca de 208 mil contribuintes, o que representa 0,098% da população. O potencial arrecadatório é de R$ 35 bilhões.

Outro flanco que contribui para o aumento da desigualdade são as heranças, que, no Brasil, gozam de alíquotas muito baixas na comparação internacional: alíquota máxima de 8%. Nossos vizinhos Chile e Equador cobram 35%; Estados Unidos, 40%; Alemanha, 50%; Espanha, 64%; Bélgica, 80%. O Estado brasileiro incentiva a manutenção dos super-ricos, da concentração renda e do patrimônio. Uma adequação das alíquotas do imposto sobre heranças, de até 8% para até 30%, percentual abaixo de todos os países citados, possibilita a arrecadação de cerca de R$ 14 bilhões.

O documento de tributação dos super-ricos também olha para setores econômicos que produzem externalidades negativas, como o setor extrativo de recursos minerais, que geram demandas de políticas públicas, principalmente assistenciais, de saúde e ambientais. É justificável que maior parcela das atividades do setor seja onerada por uma elevação da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). O aumento da alíquota para 20%, no caso das pessoas jurídicas que atuem no setor extrativo de recursos minerais, pode gerar acréscimo estimado de R$ 3 bilhões. A alíquota de 10%, no caso das demais pessoas jurídicas, poupando as empresas do Simples Nacional, pode gerar mais R$ 8,5 bilhões.

A situação de urgência econômica também permite a elevação temporária da alíquota da CSLL para o setor financeiro. Pode-se aumentar, entre 2021 e 2024, a alíquota dos bancos para 40%, distribuidoras de valores mobiliários, corretoras de câmbio e de valores mobiliários, sociedades de crédito, financiamento e investimentos, sociedades de crédito imobiliário, administradoras de cartões de crédito e sociedades de arrendamento mercantil.

Há várias possibilidades de aumento da arrecadação que podem promover uma redução

da desigualdade social no Brasil, incrementando as receitas e ajudando o país a sair do rombo fiscal em que se encontra. Os pobres não precisam arcar mais uma vez com o ônus.

Precisamos fortalecer as micro e pequenas empresas, optantes pelo Simples Nacional, com a isenção do Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da CSLL para as empresas com faturamento bruto abaixo de R$ 360 mil anuais. A isenção pode reduzir em quase 60% o peso dos impostos; mais de 900 mil empresas seriam beneficiadas, cerca de 75% das optantes pelo Simples. São quase 12 milhões de trabalhadores empregados pelas micro e pequenas empresas, que podem expandir os negócios e aumentar a quantidade de trabalhadores.

Todos os pontos citados até aqui contribuem para a redução da desigualdade e para a efetivação da progressividade de acordo com a capacidade contributiva.

Com o incremento de receitas também é possível propor um novo modelo de repartição do imposto de renda e do imposto sobre grandes fortunas com estados e municípios. O documento de tributação dos super-ricos propõe que 8% da arrecadação do imposto de renda e 10% da arrecadação do IGF sejam repartidos com os estados e o Distrito Federal, e que 2% do IR e 10% do IGF sejam repartidos com os municípios. Os recursos serão distribuídos de forma direta, 50% proporcionalmente à população e 50% na proporção inversa do PIB per capita.

Por esse modelo de repartição do imposto de renda e do imposto sobre grandes fortunas, os estados teriam um reforço estimado em R$ 83 bilhões, e os municípios, em R$ 54 bilhões.

O eterno Darcy Ribeiro nos ensinou: “A crise da educação no Brasil não é uma crise, é um projeto”. Da mesma forma, a manutenção da desigualdade no Brasil não é uma crise, é um projeto desumano engendrado pelas elites. Enquanto a Constituição Federal de 1988 só funcionar para onerar pobres e aliviar as elites, permaneceremos em crise.

O Brasil só se tornará uma nação digna quando garantir assistência, saúde, educação, cultura, trabalho, moradia e comida todos os dias na mesa de 210 milhões de brasileiros e brasileiras.

É pedir demais? É sonhar demais? Não cumpriremos esse dever-ser sem que os superricos sejam justa e devidamente tributados. Poupando 99,7% dos brasileiros e cobrando apenas do 0,3%, os super-ricos, já seremos um país menos desigual.

Eis aí um primeiro grande passo de uma longa caminhada.

*Presidente da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco)

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Relatório de Gestão Fenafisco

DEZEMBRO

A busca infindável pelo fim do serviço público no Brasil

Em períodos de crise, a dependência dos serviços públicos pelos brasileiros aumenta significativamente. Mas as respostas do Governo e de congressistas vão no sentido oposto

Em um ano atípico, o Brasil foi mais uma vez colocado à prova. Para atravessar a crise sanitária que vivemos, foram necessários esforços não vistos até então. À medida em que a pandemia avançava, o Governo intensificou as falas sobre ajuste fiscal e reformas. Junto com o elevado número de casos e vidas perdidas, houve a tentativa de diminuir a efetividade do serviço público com propostas mal formuladas, sem demonstração de benefícios para a população e com a promessa de que as medidas irão proporcionar uma economia de recursos, porém sem apresentação de nenhum dado concreto.

Os governantes concentraram na reforma administrativa e na PEC Emergencial seus discursos de ajuste fiscal e, mais uma vez, ignoraram as reais necessidades da população. Em períodos de crise, a dependência dos serviços públicos pelos brasileiros aumenta significativamente. Mas as respostas do Governo e de congressistas vão no sentido oposto: prepararam a redução da jornada de trabalho dos servidores públicos, além da possibilidade de serem demitidos por critérios subjetivos, o que certamente causará uma diminuição na prestação do atendimento, prejudicando todos que dependem das ações do Estado para serviços básicos e essenciais.

O texto original da PEC Emergencial, defendido pelo Governo, mostra o descaso com todos que necessitam de serviços públicos, seja na esfera federal, estadual ou municipal. A prestação desse atendimento necessita de pessoas capacitadas. A proposta da PEC Emergencial tira isso da população, reduzindo em 25% a jornada de trabalho de servidores, impactando diretamente no atendimento.

Projeções do Movimento a Serviço do Brasil, divulgadas em novembro, indicam que só no setor judiciário 9 milhões de processos podem ficar sem solução em 2021 com a proposta

original da PEC Emergencial. Seriam mais de 130.000 processos de violência contra a mulher sem solução, 130.000 vítimas ainda correndo riscos por parte de seus agressores e o Estado com menos poder de atendimento por decisão do Governo e de deputados. Esse efeito catastrófico seria distribuído por todos estados e municípios do país, com cortes em áreas como educação, saúde, segurança e justiça.

Seria mais uma atrocidade para os brasileiros, avalizada pelo Congresso Nacional, adorada pelo mercado financeiro e sentida na pele pelo povo, que é quem necessita diariamente de consultas e exames em hospitais, atendimento nas UPAs, professores nas escolas públicas, da justiça e segurança funcionando plenamente. O relatório da PEC Emergencial ainda não foi apresentado e ficou para 2021. Até o último instante é preciso acompanhar e pressionar para evitar o corte de 25% na jornada de trabalho do servidor público previsto na proposta.

Ao mesmo passo, outra proposta tramita no Congresso Nacional com um discurso que não condiz com a realidade: a reforma administrativa. O texto altera bases do setor público que impactam diretamente na vida de todos. A reforma administrativa amplia as formas de contratação de pessoal, com aumento das livres nomeações, em detrimento do ingresso através de concurso público, de tal maneira que os contratados sofrerão pressão constante de políticos e risco de demissão caso não sigam ordens. Caso aprovada, as indicações políticas ocorrerão livremente e os cargos poderão ser preenchidos por qualquer pessoa, mesmo que não tenham conhecimento técnico para tal. A medida abre um enorme portal para a corrupção e clientelismo de políticos.

A lei hoje prevê e cobra que os servidores sigam os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Com a reforma, esses pontos serão

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afetados diretamente, prejudicando a forma como a população é atendida e beneficiando interesses dos governos de plantão, sem desenvolver políticas de Estado.

Mais adequado que prosseguir nas mudanças previstas no texto da reforma administrativa e da PEC Emergencial, é promover o fortalecimento do Estado com a desburocratização de todos os setores, com integração, digitalização e segurança, para que o serviço seja desfrutado por toda a população, sem distinção de classe social, de forma mais ágil, eficiente, acessível e integral, implementando uma real governança digital.

Para sair da grave crise fiscal é preciso promover a reforma tributária de forma séria e coerente, protegendo os mais pobres, com a implementação de um sistema progressivo, justo e solidário, seguindo o princípio da capacidade contributiva, prevista na Constituição. A Fenafisco, em conjunto com economistas e outras entidades, elaborou o documento: Tributar os super-ricos para reconstruir o país, que prevê uma reforma tributária no Brasil, focada nos 0,3% mais ricos e com potencial de arrecadar cerca de 3 trilhões de reais em dez anos.

O ano de 2020 exigiu muita mobilização social para sobreviver aos riscos da pandemia e enfrentar medidas seriamente questionáveis do Governo e de parlamentares. Para 2021, a expectativa é de que a mobilização continue em defesa da sociedade, que depende do serviço público em todos os momentos, principalmente nos de crise. Quando algo grave ocorre, o serviço público é que acolhe a população. É essencial que seja protegido e resguardado de mudanças que prejudiquem a todos, ainda mais no momento mais crítico vivido na história recente.

Cloves Silva é diretor da Fenafisco (Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital)

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JANEIRO

Grandes fortunas, pequenos impostos

Editorial da Folha de São Paulo publicado no último domingo, 17, sob o sugestivo título “Justiça tributária”, questiona a relevância do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), previsto na Constituição Federal de 1988

Por Charles Alcantara Fonte: Le Monde Diplomatique

O argumento central da FSP para relegar o imposto a um papel secundário se lastreia na experiência internacional, que, na visão do editorialista, mostra que esse tipo de tributo tem “gestão difícil e arrecadação modesta”.

Permito-me apresentar uma visão diferente que, sem desconsiderar a experiência internacional, coloca em primeiro plano a realidade brasileira. Antes, porém, celebro a posição da FSP em favor de uma reforma tributária que não cuide apenas da simplificação, mas que também enfrente a regressividade do sistema tributário, atribuindose maior peso à tributação sobre a renda e o patrimônio, e menor sobre o consumo.

No tocante ao IGF, em parte a FSP tem razão quanto ao fato de que esse imposto não tem potencial para cumprir papel de ponta num sistema tributário progressivo, não exatamente porque tem baixo potencial arrecadatório no caso brasileiro, mas porque o imposto com maior potencial é, de muito longe, o Imposto de Renda.

Desde a Reforma Tributária Solidária (Fenafisco/ Anfip), lançada em 2018, vimos apontando a regressividade como a principal anomalia do sistema tributário brasileiro, quando todas as vozes com espaço no debate público circunscreviam a reforma tributária à mera simplificação.

Mais recentemente, no documento “Tributar os super-ricos para reconstruir o país” (2020), apresentado por um conjunto de entidades, entre as quais a Fenafisco, defendemos a revogação imediata da isenção do IRPF sobre os lucros e dividendos distribuídos aos sócios e acionistas das empresas e, ainda no âmbito do Imposto de Renda das Pessoas Físicas, a reformulação da tabela de alíquotas. Propomos, por um lado, a isenção da renda mensal de até três salários-mínimos e, por outro, a criação de novas alíquotas de modo a incrementar a carga efetiva do imposto sobre as rendas superiores a cerca de 35 salários-mínimos.

A combinação dessas duas medidas no IR tem potencial de incremento da arrecadação do IRPF na ordem de R$ 158 bilhões anuais.

E quanto ao Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF)?

No citado documento, demonstramos que o IGF tem potencial de arrecadação de R$ 40 bilhões ao ano, atendidos os seguintes parâmetros: alíquota de 0,5% sobre as fortunas acima de R$ 10 milhões e até R$ 40 milhões; alíquota de 1% sobre as fortunas acima de R$ 40 milhões e até R$ 80 milhões; alíquota de 1,5% sobre as fortunas superiores a R$ 80 milhões.

De um lado, um novo IR, efetivamente progressivo, com potencial arrecadatório de R$ 158 bilhões por ano. Do outro, um IGF, também progressivo, com potencial de R$ 40 bilhões anuais, que seria cobrado apenas dos 0,3% mais ricos do país (os super-ricos).

Considerando a realidade brasileira, marcada por uma profunda concentração de renda, a segunda maior do mundo, segundo relatório da ONU. O IGF, mais do que necessário, é exigível e urgente.

Se é verdade que alguns países aboliram essa espécie de imposto, também é verdade que muitos outros ainda o mantém, como a França, que outros tantos operam o seu retorno, e que todos os países mais avançados e menos desiguais que o Brasil tem sistemas tributários assentados na renda e patrimônio.

Em vista disso, é sustentável até mesmo a tese da temporariedade do IGF, na perspectiva de um futuro desejado de redução dos níveis – hoje inaceitáveis – da desigualdade de renda. O que não se sustenta é a tese de que é dispensável ou indesejável um imposto que, sozinho, pode arrecadar mais do que todo o orçamento anual do maior programa de distribuição de renda no país, o Bolsa-Família.

*Charles Alcantara é presidente da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco)

Relatório de Gestão Fenafisco

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JANEIRO

Inflação alta, salário-mínimo desvalorizado e tributação injusta

Inflação alta, salário-mínimo desvalorizado e tributação injusta

A política de valorização do salário-mínimo, que vigorou de 2011 a 2019, tinha a missão de repassar uma parcela da riqueza nacional aos trabalhadores de baixa renda, e que consequentemente, recebem saláriomínimo. Nesse período, o governo assumiu o compromisso de reajustar o salário-mínimo de acordo com o índice inflacionário oficial, acrescido do percentual de variação positiva do Produto Interno Bruto – PIB, que é a soma de todas as riquezas produzidas pelo país;

Essa promessa de valorização do salário-mínimo foi abandonada pelo governo, no entanto esperava-se a manutenção do compromisso de reajustar o saláriomínimo de acordo com a variação do índice inflacionário oficial;

Dados divulgados pelo IBGE, nos dão conta que a inflação oficial medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), no período de 2020, fechou com alta de 4,52%. Já o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), utilizado para reajustar o SalárioMínimo registrou alta de 5,45%;

No entanto, o governo reajustou o salário-mínimo para R$ 1.100,00, aplicando índice de 5,26%. Em outras palavras, o reajuste do salário-mínimo não cobre nem a inflação oficial;

Segundo dados levantados pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos – DIEESE, com um salário-mínimo é possível comprar cerca de 1,58 cestas básicas, que custam, em média, R$ 696,70, composta por 13 itens alimentícios, base para cálculo do salário-mínimo, necessário para sobrevivência de um trabalhador e de sua família. O valor é considerado o pior Salário-Mínimo dos últimos 15 anos, justamente pelo menor poder de compra de alimentos, que variaram 14,09% contra os 5,26% de reajuste concedido para o mesmo período;

Segundo o DIEESE, o valor do salário-mínimo deveria ser de R$ 5.304,90, para uma família de 4 pessoas, dois adultos e duas crianças. No entanto, nem o governo nem a iniciativa privada se dizem capazes de garantir ou mesmo suportar valores nesses patamares;

Não é demais enfatizar que, para as famílias de baixa renda, os efeitos da inflação são sentidos com mais

intensidade. Vejamos os exemplos das altas do óleo de soja e o arroz, que para o mesmo período, tiveram aumentos de 103% e 76% respectivamente;

Não bastasse as perdas inflacionárias e a redução do salário-mínimo, a tributação injusta também afeta os mais pobres. Veja a tabela do Imposto de Renda Pessoa Física –IRPF, por exemplo: a não correção da tabela de tributação da renda gerou uma cobrança de imposto de renda acima da inflação de 103% dos trabalhadores. Segundo estudos do SINDIFISCO NACIONAL, no período compreendido entre 1996 e 2020, o IPCA acumulou alta de 346,69% e a tabela de Imposto de Renda foi reajustada em 109,63%. Em 24 anos, somente nos anos de 2002, 2005, 2006, 2007 e 2009 a correção da tabela ficou acima da inflação, sendo que a última atualização aconteceu em 2015. Com essa política de não atualização da tabela, salários a partir de R$ 1.903,98 já pagam imposto de renda;

Se a tabela do imposto de renda fosse reajustada conforme a inflação oficial, ganhos até R$ 4.022,89 não pagariam o imposto. Segundo dados da Receita Federal do Brasil – RFB, o número de declarantes isentos seriam mais de 21,5 milhões de pessoas, dobrando o número atual;

E ainda tem a questão da tributação centrada no consumo, o que faz com que as famílias de menor renda, paguem mais impostos proporcionalmente, do que as famílias das classes mais altas e maior potencial econômico;

Cancelamentos de matrículas, migração para ensino público, perdas de planos de saúde, trabalhos informais e aumento de número de desempregados, contribuirá para formação de uma enorme demanda social, pois os brasileiros estão mais pobres, sem empregos dignos e alimentação superonerosa;

Analisando esse cenário, chegamos à conclusão que estamos caminhando para obter o resultado da seguinte equação:

Inflação alta + salário-mínimo desvalorizado + tributação injusta = Aumento da desigualdade social.

Ricardo Bertolini, Fiscal de Tributos Estaduais, diretor da FENAFISCO – Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital e do SINDIFISCO-MT

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FEVEREIRO

As mentiras e as interferências que podem causar guerra com os Estados

Por Charles Alcantara Fonte: O Estado de S. Paulo

Acompanhamos há anos a dificuldade fiscal de estados e municípios e uma concentração exacerbada de poder e arrecadação na União. Agora, o presidente Jair Bolsonaro busca implodir o federalismo brasileiro, interferindo diretamente na autonomia dos estados ao tentar mexer em uma das principais fontes de arrecadação dos entes, o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços).

Usurpar a competência dos estados e tentar interferir na definição das alíquotas do imposto pode ser interpretado como uma declaração de guerra de um presidente perdido e refém do desejo do mercado financeiro e das elites. Os recentes aumentos no preço dos combustíveis têm uma origem e um culpado, a política de reajuste de preços da Petrobras. Entretanto, os estados estão sendo culpados pelo governo federal, mais diretamente pelo presidente Jair Bolsonaro, que almeja interferir diretamente no ICMS.

O tributo é aplicado sobre mercadorias e serviços e é a principal fonte de arrecadação dos estados. Boa parte do montante recolhido pelo ICMS vem dos combustíveis. Pela Constituição, cada ente federativo tem autonomia para definir suas alíquotas e a maioria dos estados não aumenta os impostos há anos, mesmo em crise econômica.

Em uma tentativa sórdida de ocultar sua responsabilidade e se omitir perante os recorrentes aumentos nos preços dos combustíveis praticados pela Petrobras, Jair Bolsonaro tenta culpar o ICMS e os governadores pelo valor da gasolina, diesel e afins.

Com sua retórica, Bolsonaro tenta interferir de maneira direta na autonomia estatal, se omite mais uma vez e deixa de enfrentar o real problema, o que favorece apenas os acionistas da Petrobras e afeta diretamente a população, que sofre com as sucessivas altas nos combustíveis. O vilão não é o ICMS, está

longe de ser, estados e a população ficam à mercê dos factoides presidenciais.

Os estados, mesmo em grave crise fiscal, se esforçam para socorrer a população neste momento de pandemia. Alguns têm atuado para compensar a ausência do Executivo, inclusive com a implementação de programas locais de transferência de renda e de socorro às micro e pequenas empresas.

A reforma tributária tem o potencial de corrigir o sistema tributário e implementar a progressividade no Brasil, mas foi colocada em segundo plano pelo governo por uma reforma administrativa antipovo. A Fenafisco (Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital) elaborou um estudo com medidas emergenciais para enfrentar a crise agravada pela pandemia e corrigir discrepâncias do sistema tributário, tornando-o justo e progressivo.

As medidas elencadas pela Fenafisco, em conjunto com outras entidades do Fisco, são focadas na correção das desigualdades, tem potencial arrecadatório de cerca de R$ 3 trilhões nos próximos 10 anos. As medidas são voltadas para tributação dos super-ricos – aqueles que tem mais de R$ 10 milhões em patrimônio – e ajudam a tornar o sistema progressivo, já que os mais ricos pagam menos impostos que o restante da população atualmente.

Os aumentos da Petrobras não ficam apenas nas bombas de combustível, eles influenciam toda a camada consumidora e faz com que o preço dos produtos suba influenciam toda a camada consumidora e faz com que o preço dos produtos suba ainda mais, principalmente os alimentícios. As camadas mais pobres, que estão sofrendo com o fim do auxílio emergencial e aumento da pobreza e miséria, agora precisam lidar com mais uma desvaneio presidencial.

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Relatório de Gestão
*Charles Alcantara é presidente da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco)

ABRIL

Os negacionistas de grife

Nega-se, sem cerimônia e sem vergonha, a esfericidade da Terra, as mudanças climáticas provocadas pelo desmatamento e emissão de gases poluentes, a eficácia da vacina, a necessidade de distanciamento social e do uso de máscara como medidas de contenção da Covid-19 “Negacionismo é a escolha de negar a realidade como forma de escapar de uma verdade desconfortável. Tratase da recusa em aceitar uma realidade empiricamente verificável, sendo essencialmente uma ação que não possui validação de um evento ou experiência histórica. Na ciência, o negacionismo é definido como a rejeição de conceitos básicos, incontestáveis e apoiados por consenso científico em favor de ideias tanto radicais quanto controversas”.

Wikipedia, “Negacionismo”

Nunca se falou tanto em negacionismo e negacionista, como de 2018 para cá, e mais ainda a partir de março de 2020, quando o novo coronavírus fez a primeira vítima fatal no Brasil.

Nega-se, sem cerimônia e sem vergonha, a esfericidade da Terra, as mudanças climáticas provocadas pelo desmatamento e emissão de gases poluentes, a eficácia de vacinas, a necessidade de distanciamento social e do uso de máscara como medidas de contenção da Covid-19. Nega-se o racismo, a homofobia, a misoginia, e por aí vai.

Mas há uma categoria especial de negacionistas cujo negacionismo doentio, muitas vezes, passa ao largo da nossa percepção. Refiro-me aos super-ricos – os multimilionários e bilionários. São os “negacionistas de grife”, os que promovem regabofes, concedem entrevistas, anunciam nos grandes veículos da imprensa, fazem lobbies, patrocinam eventos, assinam artigos e encabeçam manifestos – como a carta lançada no último dia 21 de março, criticando a negligência do governo Bolsonaro na gestão da pandemia e condenando o que chamam de “falso dilema” entre salvar vidas e a economia.

Os negacionistas de grife negam a desigualdade social, negam direitos trabalhistas, salários e aposentadoria dignos aos trabalhadores, negam-se a tirar as mãos do orçamento público, negam-se a pagar impostos na medida de sua capacidade econômica, negam que elegeram o

governo que aí está e que são, portanto, cúmplices desse genocídio.

Há negacionismo mais deletério que o dos “negacionistas de grife”? Um olhar mais atento a todas as medidas incentivadas e alardeadas como salvadoras da pátria ao longo dos últimos anos nos dá a resposta. A austeridade foi, mais uma vez, a pedra de toque de uma impiedosa agenda de reformas neoliberais.

Prometeram mais empregos, equilíbrio das contas e fim dos privilégios previdenciários. O que entregaram está aí: desemprego recorde, inflação alta, aumento exponencial da fome, centenas de milhares de mortos pela Covid-19 e, como “cereja do bolo”, vinte bilionários a mais no seleto grupo dos negacionistas.

Não satisfeitos, agora acenam com um tiro de misericórdia no serviço público, última trincheira de defesa das populações mais vulneráveis.

A esta altura da pandemia, o “falso dilema” nos conduziu para um terço das mortes por Covid-19 em nosso território – resultado da pressão dos “negacionistas de grife” que usam seu poder para alimentar o caos e potencializar o abandono governamental.

É de pasmar e revoltar que, em 2020, a despeito da tragédia humanitária, o grupo de bilionários brasileiros tenha saltado de 45 para 65 pessoas, com uma fortuna acumulada em R$ 1,2 trilhão, enquanto o número de pessoas em estado de fome absoluta chega à casa dos 19 milhões.

A morte e a fome nunca foram tão lucrativas e vantajosas para esse seleto grupo de negacionistas. Os super-ricos sugam os pobres, enquanto defendem o Estado mínimo e pressionam mais e mais por austeridade, valendo-se de um velho dito popular adaptado para a doutrina neoliberal: “austeridade nos olhos dos outros é refresco”.

Na “dura”, longa e enfadonha carta do dia 21 de março último, os negacionistas criticam, exigem e prescrevem o que deve ser feito, mas se negam – como autênticos negacionistas – a dar qualquer cota de contribuição para ajudar o país a sair do abismo no qual foi jogado, contraditoriamente, por eles mesmos.

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ABRIL

Portas abertas para o Peculato

Por

Há quem chame a PEC 32/2020 (a PEC da reforma administrativa) de “PEC da Rachadinha”, em alusão à prática criminosa de alguns políticos de se apropriarem de parte dos salários de assessores reais e fantasmas.

Acontece que é preciso chamar as coisas pelo nome, no caso, chamar o crime pelo nome que lhe é atribuído (tipificado) no código penal: PECULATO.

Não é rachadinha, portanto, é peculato, que, nos termos do código penal, consiste na apropriação, por parte de funcionário público, de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de quem tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio (artigo 312 do Decreto-Lei nº 2.848/1940.

Assim, prefiro chamar a PEC 32/2020 de Peculato 32, justamente porque , ao fragilizar o concurso público como meio de ingresso e acabar com a estabilidade como regra geral, a PEC em questão transforma os serviço público em cabide de empregos de cabos eleitorais de políticos fisiológicos e escancara as portas dos serviço público para a prática disseminada de peculato (e outros crimes contra a Administração Pública), por meio da contratação de assessores – reais ou fantasmas – como expediente de captura criminosa de recursos financeiros para financiamento eleitoral ou mero enriquecimento ilícito de detentores de mandato eletivo.

Curioso notar que, por ocasião da discussão sobre a independência do Naco Central, aprovada na Câmara dos Deputados em fevereiro deste ano, os defensores da independência do BC usaram e abusaram do argumento que que era necessário afastar a possibilidade de interferência

política na autoridade monetária. O que fizeram, no frigir dos ovos, foi afastar o BC do controle da sociedade, por meio de seus representantes eleitos, para subordinar a autoridade monetária aos interesses exclusivos dos bancos.

Agora se vê, com a PEC 32/2020, que o argumento da não interferência política no Banco Central não passava de expediente retórico para angariar respaldo público, posto que não serve para a reforma administrativa pretendida pelo governo federal, que acena com a entrega da Administração Pública numa bandeja aos representantes da velha política fisiológica e patrimonialista.

No lugar da prova de concurso público, o bilhete do padrinho político. No lugar do processo seletivo impessoal e com regras de acesso ao serviço público com algum nível de igualdade, as crescentes filas de beija-mão dos donatários de porções de empregos públicos. No lugar da estabilidade, corolária dos princípios constitucionais da impessoalidade, moralidade, legalidade e probidade, a submissão à vontade e interesses do padrinho-empregador.

A PEC 32 não passa perto de qualquer resquício de modernização da Administração Pública. Aprovada nos termos em que chegou à Câmara dos Deputados, vai, isto sim, fazer a Administração Pública retroceder aos tempos dos velhos coronéis da política; voltar aos tempos do bilhetinho; voltar aos tempos em que “servidor público” servia ao público nos estreitos limites do que era autorizado ou permitido pelo “coroné”.

Esse entulho, que atende pelo nome oficial de PEC 32, vai facilitar muito a vida dos enquadráveis no artigo 312 do código penal.

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Relatório de Gestão Fenafisco -

OUTUBRO

Um dia de luta

Está difícil celebrar datas comemorativas em meio a tantos percalços vivenciados nesses últimos anos, mas o Dia do Servidor Público merece um destaque. São mais de 12 milhões de homens e mulheres espalhados por todo Brasil, desempenhando as mais variadas funções diuturnamente. São pessoas que muitas vezes passam despercebidas ao exercer suas funções e auxiliar no desenvolvimento e operacionalização de políticas públicas diversas, seja no Executivo, Legislativo ou Judiciário, em estados, municípios e na União.

Nos últimos anos, entretanto, as atividades desempenhadas pelos servidores públicos enfrentam forte oposição, regada a interesses políticos e cobiça do mercado. Poucos e influentes personagens do cenário nacional colocaram de forma indevida os servidores e o serviço público como responsáveis pela crise fiscal, uma mentira que a cada dia fica mais evidente. A forma de atacar uma das principais maneiras de acesso a diferentes serviços foi através da PEC 32, que desestrutura o atendimento e coloca na mão de empresas e políticos toda a máquina pública, sem dar atenção ao povo.

Por outro lado, a população enxerga e valoriza cada vez mais o trabalho realizado, que muitas vezes é prestado com estrutura inadequada, falta de pessoal e de insumos. A pandemia nos mostra o quão essencial e estratégico é ter um setor público eficiente e bem estruturado. A corrupção de 1 dólar por dose de vacina, por exemplo, foi barrada pela denúncia de um servidor público com estabilidade.

O atendimento a famílias em situação de vulnerabilidade, as investigações contra sonegadores, as aulas na rede pública, a vacinação, todos esses pontos contam com atuação em massa dos servidores, mesmo quando os governantes tentam impedir o trabalho correto. Além da Constituição garantir serviços públicos à população, passou a ser um dever lutar para a manutenção de um Estado eficiente, sem interferências indevidas.

São muitas as conquistas da sociedade por meio do serviço público. Não é absurdo afirmar que várias estão ameaçadas pela PEC 32. Mesmo que ainda exista certo nível de influência política, nos afastamos dos desmandos de

décadas atrás, mas o fantasma desses sombrios anos volta com o texto da reforma administrativa.

Devemos lutar para que o setor público siga com a atuação voltada para o interesse coletivo e dos mais vulneráveis. Que não deixemos empresas assumirem o comando do Estado para lucrar em cima do que pertence ao povo.

Precisamos impedir que o setor público vire um grande balcão de negócios para perpetuar o poder de políticos e amedrontar a população.

A luta por um serviço público melhor e mais moderno não passa pela PEC 32, vai justamente na direção oposta. Os brasileiros não querem um desmonte dos órgãos públicos com nome de reforma, querem mais acesso e presença do Estado.

Que este Dia do Servidor Público sirva para reforçar o trabalho prestado por aqueles que atuam em prol da população, independente de governos, falta de insumos ou material humano. Um serviço público mais eficiente se constrói com investimentos e não com cortes.

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ARTIGOS 2022

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JANEIRO

Cinco perguntas para defender o serviço público na urna, em 2022

Em 2022, teremos as eleições mais importantes desde a redemocratização brasileira, senão a mais importante da nossa História.

É preciso mudar radicalmente a composição do Congresso Nacional e das Assembleias Legislativas; é preciso derrotar os políticos e as políticas neoliberais.

Os 12 milhões de servidores públicos brasileiros terão um papel decisivo a cumprir este ano, principalmente depois da grande lição aprendida com a resistência à PEC 32, que evidenciou o verdadeiro caráter das políticas neoliberais de desmonte dos serviços públicos e, além disso, desnudou o quanto a composição do Congresso Nacional é servil aos interesses do mercado e hostil ao mundo do trabalho.

Ocorre que, diferentemente da disputa majoritária para a presidência e governos estaduais, que se costuma travar em torno de programas e ideias, ainda que por vezes abandonados depois das eleições, a disputa a cargos proporcionais se desenvolve predominantemente em torno de arranjos e interesses individuais e corporativos, numa lógica atomizada e descolada da disputa majoritária.

Esse descolamento entre as eleições majoritárias e as proporcionais precisa ser superado em 2022. Reduzir o abismo entre essas duas eleições simultâneas e paralelas é a chave para derrotar a agenda neoliberal e reforçar a luta em defesa do serviço público e do Estado Social.

Não é difícil identificar quem é quem, entre os(as) milhares de candidatos(as) aos legislativos federal e estaduais.

Nas eleições gerais de outubro próximo, defendo que o voto proporcional dos servidores públicos em 2022 seja pragmaticamente

programático, em torno de uma agenda mínima de compromissos por parte dos(as) candidatos(as) aos cargos legislativos à Câmara dos Deputados, ao Senado Federal e às Casas Legislativas dos Estados e do DF.

Nesse sentido, proponho apenas 5 perguntas, objetivas, claras, diretas e inescapáveis:

1ª) Vossa senhoria é a favor ou contra a PEC 32/2020?

2ª) Vossa senhoria é a favor ou contra a estabilidade dos servidores públicos?

3ª) Vossa senhoria apoia a revogação do teto de gastos de 2016?

4ª) Vossa senhoria apoia a revogação da reforma trabalhista de 2017?

5ª) Vossa senhoria apoia a taxação dos super-ricos para financiar programas sociais e reduzir a desigualdade no Brasil?

A resposta a essas 5 perguntas é o critério da verdade das urnas, em 2022.

As entidades (sindicais e associativas) de servidores públicos de todo o país não têm direito à omissão ou neutralidade nesse momento tão crucial da vida nacional.

É dever, sobretudo dos sindicalistas do setor público, assumir posição e orientar as bases a votarem em candidatos(as) que se colocarem expressamente contra a PEC 32, e a favor da estabilidade dos servidores públicos; da revogação do teto de gastos; da reforma trabalhista; e da taxação dos super-ricos.

Somos 12 milhões de servidores públicos. Em 2022, defenda o serviço público na urna!

*Presidente do Sindifisco Pará e da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco)

Relatório de Gestão Fenafisco - 2020 | 2022 27

MARÇO

O Brasil precisa dos Correios

Os Correios também prestam apoio fundamental aos governos na distribuição de vacinas e medicamentos, na prestação de serviços bancários e na entrega das provas do Enem

Em abril de 2021, o governo Bolsonaro incluiu a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) – os Correios – no Programa Nacional de Desestatização.

Os Correios possuem cerca de 100 mil funcionários atuando em todo o território brasileiro, nas cidades, vilas e distritos, somando mais de 6 mil pontos de atendimento. Em 2021, os Correios entregaram cerca de 600 milhões de encomendas.

As atividades dos Correios não se limitam à entrega de correspondências e encomendas, o que por si só justificaria a sua essencialidade à população. Os Correios também prestam apoio fundamental aos governos, por exemplo, na distribuição de vacinas e medicamentos, na prestação de serviços bancários, e até mesmo na entrega das provas do Enem.

Por se tratar de uma empresa pública, os Correios não orientam as suas estratégias de atuação e localização pelo mero interesse no lucro, mas pela missão que lhe incumbe de garantir a todo o povo brasileiro o acesso a direitos fundamentais.

Dos mais de 6 mil pontos de atendimento dos Correios em todo o território nacional, cerca de 30% são lucrativos e financiam os demais. Isso não quer dizer que 70% das unidades da empresa são deficitárias, uma vez que o conceito de déficit não faz justiça à função primordial de garantia de acesso aos serviços postais a toda a população e de integração do território nacional.

Bolsonaro quer privatizar os Correios com crueldade. Primeiro, pretende esquartejar

a empresa, separando a parte rentável das demais. O mercado, então, compra – a preço vil – unicamente a parte lucrativa. O que sobrar, a parte não lucrativa, que era financiada pela parte lucrativa da empresa, fica jogada às traças.

Ato contínuo à batida do martelo da privatização, milhares de localidades e milhões de pessoas, justamente as mais pobres e desassistidas, perdem o acesso aos serviços postais.

Acontece que antes mesmo do tiro de misericórdia da privatização, o governo federal já colocou em curso um conjunto de ataques aos funcionários dos Correios, certamente para quebrar resistências e abrir caminho para o golpe final. Parte do lucro extraordinário de R$ 3,7 bilhões da empresa em 2021 se deve à revogação de cinquenta cláusulas trabalhistas históricas da categoria no ano de 2020 e à retirada de genitores do plano de saúde dos funcionários. Importante frisar que os funcionários dos Correios recebem média salarial incompatível com a essencialidade dos serviços que prestam.

Não há argumento técnica e politicamente honesto capaz de justificar a privatização dos Correios do Brasil. Um governo sério e comprometido com o país deve seguir o caminho oposto: elevar a média salarial dos funcionários ecetistas, investir na modernização dos sistemas e em meios de logística. Destaco um investimento estratégico para os Correios: adquirir frota própria de aeronaves para acabar com a dependência de setores privados que prestam serviço de transporte aéreo e abocanham fatia considerável dos recursos da empresa.

Charles Alcantara é presidente da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco)

28 Relatório de Gestão Fenafisco - 2020 | 2022

ABRIL

A cota-parte do ICMS: injusta, insana, insustentável

Há tempos a anomalia distributiva do ICMS no Pará reclama providências por parte das autoridades. Há pelo menos duas décadas, essa distorção se aprofunda em flagrante prejuízo dos municípios não-mineradores, alguns dos quais com grande densidade populacional, como são os casos de Belém e Ananindeua.

O gatilho da distorção foi acionado com a edição da Lei Complementar n° 87/1996 (Lei Kandir), que desonerou de ICMS a exportação dos produtos primários e semielaborados.

A Lei Complementar n° 63/1990 atribuiu um grande peso ao valor adicionado no cálculo dos índices de cota-parte do ICMS (antes, 75%; atualmente, 65%). Com a desoneração, o valor adicionado gerado pelas grandes mineradoras passou a não guardar correspondência com a receita do imposto estadual gerada nos respectivos municípios mineradores, hipertrofiando a participação relativa desses municípios na cota-parte do imposto.

A anomalia distributiva se caracteriza, portanto, pela exacerbada concentração do ICMS nos dois principais municípios mineradores, Canaã dos Carajás e Parauapebas, porque concentradores do valor adicionado da exploração mineral. Sendo o ICMS um imposto sobre o consumo pago pelo consumidor final, estamos diante de uma gigantesca transferência de renda dos municípios não-mineradores, inclusive os mais populosos e com enorme demanda por investimento público, para apenas dois municípios mineradores.

Numa conta por baixo, o Pará deve arrecadar cerca de R$ 18 bilhões de ICMS em 2022. Desse montante, 25% – ou seja, R$ 4,5 bilhões – pertencem aos 144 municípios paraenses,

cabendo a cada município uma cota-parte do imposto.

Tomo por base os dois extremos da anomalia distributiva do ICMS. De um lado, Ananindeua e Belém, os dois maiores municípios em população; do outro, Canaã dos Carajás e Parauapebas, os dois maiores municípios mineradores.

Juntos, Ananindeua e Belém têm uma população estimada em 2,035 milhões de habitantes, enquanto a população de Canaã dos Carajás e Parauapebas soma 256 mil habitantes. Em 2022, a cota-parte ICMS de Ananindeua é de 2,86%, a de Belém, 11,14%. Por outro lado, as de Canaã e Parauapebas são de 9,65% e 14,85%, respectivamente.

No primeiro trimestre deste ano já foram distribuídos mais de R$ 1,3 bilhão aos municípios paraenses; Ananindeua e Belém, juntos, receberam R$ 191 milhões, o que representa um ICMS per capita de R$ 94,00. Canaã e Parauapebas receberam R$ 335 milhões, atingindo um ICMS per capita de R$ 1.308,00, ou seja, 14 vezes superior ao per capita de Ananindeua e Belém.

Ao final de 2022, dos R$ 4,5 bilhões que serão distribuídos aos 144 municípios, cerca de R$ 1,1 bilhão serão entregues apenas aos dois municípios mineradores. Na outra ponta, os dois maiores municípios em população receberão em torno de R$ 630 milhões.

Numa situação hipotética de distribuição da cota-parte do ICMS na proporção da população de cada município em relação à população do estado, Ananindeua e Belém, com 23% da população total do estado, receberiam cerca

Relatório
Fenafisco - 2020 | 2022 29
de Gestão

de R$ 1 bilhão, em vez de R$ 630 milhões. Por outro lado, Canaã e Parauapebas, com 2,9 % da população, receberiam cerca de R$ 130 milhões, em vez de R$ 1,1 bilhão.

E vai piorar em 2023, quando Ananindeua e Belém, somados, tendem a uma cota-parte inferior a 12%.

Em ofício de junho do ano passado, o Sindicato dos Servidores do Fisco Estadual fisco sugeriu, aos chefes do Executivo e Legislativo, que examinassem a possibilidade de constituição de grupo de trabalho para discutir e propor soluções tendentes a tornar mais justa e equânime a partilha de ICMS entre os municípios paraenses. Alguns dias depois, o Governador do Pará, por meio do decreto nº 1.856, institui um Grupo de Trabalho Especial (GT) para debater e propor critérios para o cálculo da partilha da arrecadação do ICMS. Não se sabe ainda o resultado desse esforço.

O que se sabe é que essa distorção é absolutamente insustentável sob qualquer ponto de vista.

30 Relatório de Gestão Fenafisco - 2020 | 2022
Charles Alcantara é presidente da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco)

JUNHO

Federalismo sabotado

Poucos dias antes de o governo federal operar, via decreto, um corte linear de 25% no IPI, o Brasil foi assaltado por três notícias reveladoras da trágica realidade de um país que integra o rol dos mais desiguais do planeta: o lucro nominal recorde de R$ 81,63 bilhões auferido pelos quatro maiores bancos brasileiros em 2021; o gigantesco lucro líquido de R$ 106 bilhões da Petrobras em 2021; e o lucro recorde de R$ 121,2 bilhões da mineradora Vale, também em 2021.

Dos R$ 106 bilhões de lucros da Petrobras, quase a totalidade (R$ 101 bilhões) foram distribuídos aos acionistas, dos quais R$ 41 bilhões aos acionistas privados estrangeiros, R$ 22,9 bilhões aos acionistas privados nacionais e R$ 37 bilhões ao acionista público, o governo federal.

A Petrobras, embora (ainda) seja uma empresa pública, é escancaradamente gerida como se privada fosse, porque voltada a priorizar ganhos aos acionistas privados em detrimento dos interesses da economia nacional e da sociedade brasileira.

A Vale, sozinha, lucrou o equivalente a quatro orçamentos anuais do estado brasileiro mais explorado pela mineradora, o Pará, que é também um dos mais desiguais do país, com mais de 1 milhão de famintos e metade da população dependente do Auxílio-Brasil.

Os bancos e, por extensão, os rentistas, ganham sempre e cada vez mais, apesar da crise e até mesmo em razão da crise.

O que faz o governo federal, diante dessa realidade?

Tributa adequadamente os super ricos e os lucros exorbitantes dos bancos, mineradoras e grandes corporações, de modo a capacitar financeiramente o Estado para enfrentar e sair da crise? Nada disso!

O governo federal promove um drástico corte no IPI, sob o falso pretexto de beneficiar o consumidor final e estimular a atividade econômica, mas que não passa de mais um perverso mecanismo de transferência de renda dos mais pobres para os mais ricos. De um lado, retira-se pelo menos R$ 4,5 bilhões (FPE) de estados e R$ 5,3 bilhões (FPM) dos municípios; do outro, aumentamse as margens de lucros de alguns segmentos empresariais.

A infeliz benesse fiscal é o mais do mesmo de um governo que tem optado sistematicamente por atacar os cofres públicos de estados e municípios e comprometer o financiamento de serviços públicos, em prejuízo da população mais pobre e mais depende do Estado.

Confesso-me incapaz de compreender o que leva o atual presidente a sabotar permanentemente as iniciativas e necessidades de estados e municípios.

Na Constituição, o Brasil é uma república federativa; na cabeça de Bolsonaro, um Estado unitário.

* É presidente da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco).

Relatório de Gestão Fenafisco - 2020 | 2022 31

JUNHO

Combustível para a tragédia da fome

A tragédia da fome voltou a devastar o Brasil. Segundo estudo da Rede Penssan, 125,2 milhões de brasileiros estão em situação de Insegurança Alimentar e mais de 33 milhões em situação de fome, expressa pela “Insegurança Alimentar Grave”. Em apenas um ano (2021/2022), mais 14 milhões de seres humanos no Brasil passaram a padecer de fome.

O Norte e o Nordeste concentram mais da metade de brasileiros nessa situação. Do total de 33,1 milhões de pessoas passando fome no Brasil, 4,8 milhões residem na Região Norte e 12,1 milhões na Região Nordeste. Ainda segundo o estudo, houve um aumento expressivo de Insegurança familiar no meio rural. Em apenas um ano, a fome dobrou em domicílios em extrema pobreza. Mais de 90% dos domicílios cuja renda per capita era inferior a 1/4 SM possuíam algum grau de Insegurança Alimentar.

A condução da economia dos governos Temer e Bolsonaro, somada aos efeitos da pandemia, fizeram com que o PIB de 2020 retornasse para o patamar de 2010, com reflexos negativos sobre o emprego, o desemprego, o desalento e a subutilização da mão de obra. A inflação é uma das mais altas do mundo o que corrói a renda dos pobres. Ainda assim a taxa de juros no Brasil está entre as mais elevadas na comparação internacional. A pobreza voltou a subir, atingindo, em 2019, patamares próximos aos de dez anos atrás. A desigualdade da renda do trabalho, medida pelo Índice de Gini, voltou a crescer de forma expressiva.

A “austeridade” serviu, assim, para suprimir direitos sociais, restringir a capacidade de atuação do Estado e desmontar o tardio Estado de bem-estar social. Para cumprir esse objetivo, destaca-se, dentre outras medidas, a aprovação do “Teto de Gastos” – que criou, por 20 anos, um teto para crescimento das despesas não

financeiras. A asfixia do gasto social foi alcançada comprometendo uma série de direitos em diversas áreas. Na Segurança Alimentar, foram destruídas todas as medidas apontadas pela FAO/ONU como responsáveis por tirar o Brasil do Mapa da Fome. A extinção do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional e o abandono da Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional são outras peças da desestruturação institucional e financeira do setor. Também se destaca a extinção do Programa Bolsa Família, um dos um dos mais premiados e reconhecidos programas sociais do mundo, que atendia cerca de quarenta milhões de pessoas em situação de pobreza e custava cerca de R$ 30 bilhões por ano.

Mas o atual governo não se dá por satisfeito. O desmonte do Estado de bem-estar continua avançando em marcha forçada. A última investida é a proposta de uma agressiva redução de tributos sobre combustíveis. Estima-se que a limitação em 17% da alíquota do ICMS sobre combustíveis, energia e telecomunicações vai tirar em torno de R$ 20 bilhões de recursos da Educação e R$ 11 bilhões do SUS. A proposta de zerar os tributos federais sobre a gasolina e o etanol vai tirar do Orçamento da União R$ 40 bilhões, além de afetar mais uma vez os Estados.

Essas medidas irão reduzir ainda mais os gastos sociais da União, além de fragilizar as receitas de estados e municípios e, por consequência, comprometer os gastos sociais desses entes federativos. Agindo assim, o Governo Bolsonaro joga mais combustível na tragédia social brasileira. Difícil explicar por que o Brasil ainda não “pegou fogo”.

*Auditor Fiscal de Receitas do Estado do Pará e presidente licenciado da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco) e do Sindifisco-Pará

32 Relatório de Gestão Fenafisco - 2020 | 2022

AGOSTO

Código de defesa do pagador de impostos ou do sonegador?

PLP 17/22 é uma norma infraconstitucional a ser utilizada contra a faculdade de tributar

Por Francelino Valença Fonte: Congresso em Foco

Poucos dias antes de o governo federal operar, via decreto, um corte linear de 25% no IPI, o Brasil foi assaltado por três notícias reveladoras da trágica realidade de um país que integra o rol dos mais desiguais do planeta: o lucro nominal recorde de R$ 81,63 bilhões auferido pelos quatro maiores bancos brasileiros em 2021; o gigantesco lucro líquido de R$ 106 bilhões da Petrobras em 2021; e o lucro recorde de R$ 121,2 bilhões da mineradora Vale, também em 2021.

Dos R$ 106 bilhões de lucros da Petrobras, quase a totalidade (R$ 101 bilhões) foram distribuídos aos acionistas, dos quais R$ 41 bilhões aos acionistas privados estrangeiros, R$ 22,9 bilhões aos acionistas privados nacionais e R$ 37 bilhões ao acionista público, o governo federal.

A Petrobras, embora (ainda) seja uma empresa pública, é escancaradamente gerida como se privada fosse, porque voltada a priorizar ganhos aos acionistas privados em detrimento dos interesses da economia nacional e da sociedade brasileira.

A Vale, sozinha, lucrou o equivalente a quatro orçamentos anuais do estado brasileiro mais explorado pela mineradora, o Pará, que é também um dos mais desiguais do país, com mais de 1 milhão de famintos e metade da população dependente do Auxílio-Brasil.

Os bancos e, por extensão, os rentistas, ganham sempre e cada vez mais, apesar da crise e até mesmo em razão da crise.

O que faz o governo federal, diante dessa realidade?

Tributa adequadamente os super ricos e os lucros exorbitantes dos bancos, mineradoras e grandes corporações, de modo a capacitar financeiramente o Estado para enfrentar e sair da crise? Nada disso!

O governo federal promove um drástico corte no IPI, sob o falso pretexto de beneficiar o consumidor final e estimular a atividade econômica, mas que não passa de mais um perverso mecanismo de transferência de renda dos mais pobres para os mais ricos. De um lado, retira-se pelo menos R$ 4,5 bilhões (FPE) de estados e R$ 5,3 bilhões (FPM) dos municípios; do outro, aumentamse as margens de lucros de alguns segmentos empresariais.

A infeliz benesse fiscal é o mais do mesmo de um governo que tem optado sistematicamente por atacar os cofres públicos de estados e municípios e comprometer o financiamento de serviços públicos, em prejuízo da população mais pobre e mais depende do Estado.

Confesso-me incapaz de compreender o que leva o atual presidente a sabotar permanentemente as iniciativas e necessidades de estados e municípios.

Na Constituição, o Brasil é uma república federativa; na cabeça de Bolsonaro, um Estado unitário.

* É presidente da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco).

Fenafisco - 2020 | 2022 33
Relatório de Gestão

DEZEMBRO

Os equívocos da PEC 63/2013

Os corredores e o Salão Azul do Senado Federal foram tomados, no final de novembro, por representantes ilustres de um segmento muito especial de agentes públicos que se distinguem, não apenas pelas capas-pretas que repousam sobre seus ombros, mas pelo extraordinário poder persuasório e dissuasório que acumularam desde a fundação da República.

A razão do desembarque em Brasília da legião de juízes e promotores públicos atende pelo nome de Proposta de Emenda à Constituição 63/2013, que institui parcela indenizatória de valorização por tempo de exercício na Magistratura e no Ministério Público, o quinquênio.

Não há que se questionar a imprescindibilidade da função exercida por juízes e promotores, tampouco a necessidade de que tais agentes públicos sejam remunerados de maneira suficiente a lhes garantir dignidade e autonomia, além de lhes albergar ante o poder atrativo da atividade privada.

Apesar de reconhecer a legitimidade do empreendimento de magistrados em favor da valorização remuneratória de suas carreiras, ao pesarem a mão para a aprovação da PEC 63/2013 nesse momento dramático da vida nacional, marcado pelo flagelo social expresso

no agravamento da fome e da extrema pobreza no país, esses agentes públicos acabam por demonstrar não apenas um completo alheamento da realidade, como também uma inexplicável insensibilidade.

Nem preciso gastar tinta apontando o equívoco de origem contido na proposta de alteração constitucional, que acaba por produzir um benefício pecuniário com feição de privilégio, na medida em que, mesmo tendo rigorosamente a mesma natureza e características dos adicionais por tempo de serviço adotados em vários estados, dispensa um tratamento jurídico de verba indenizatória (que nada tem de caráter indenizatório) e, portanto, extrateto, ao passo que essa mesma parcela percebida por outras carreiras de agentes públicos recebe tratamento jurídico de verba remuneratória (dentro do teto), o que seguramente dará ensejo a demandas judiciais país afora, em caso de aprovação da PEC 63 nos termos originalmente formulados.

Malgrado o vício de origem, que só se justifica por razões antirrepublicanas, que teimam em reservar a juízes e promotores posição equivalente à de casta, a PEC 63/2013 é inoportuna e deslocada da atual realidade brasileira.

34 Relatório de Gestão Fenafisco - 2020 | 2022

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