A arte do cavaleiro filosófico

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PERFIL

Gummer no “momento de liberdade plena”

A arte do cavaleiro filosófico Como é o mundo de um jovem que vive da reflexão e da música

REPORTAGEM FERNANDA PATROCINIO 2ºJOB IMAGENS ARQUIVO PESSOAL E FERNANDA PATROCINIO

“Percorreste o caminho que vai do verme ao homem, mas ainda tendes muito do verme. Foste macaco e ainda é mais macaco que qualquer macaco”. Foi este fragmento de Assim Falava Zaratustra, obra de Friederich Nietzsche, que marcou o início da vida adulta de Gummer. Nascido Gustavo Cardoso Rodrigues, o baterista de 21 anos é de Mogi das Cruzes, no interior paulista, e vive por lá até hoje. O apelido Gummer

foi dado pelo pai, o engenheiro Fábio Rodrigues, de 48 anos, quando o filho começou a estudar bateria aos 11 anos. “Meu pai começou, depois meu tio me via e falava ‘Gummer, the drummer’; aí parentes e amigos adotaram o apelido”, explica o músico. A família sempre o incentivou a estudar música, principalmente a mãe, a funcionária pública Roselene Cardoso Rodrigues, de 45 anos. “Foi minha mãe


Gustavo Cardoso Rodrigues Entre a música, a poesia e a filosofia

quem procurou e me matriculou na (escola de música) Vinicius Drums”, enfatiza o jovem. Gummer mora no apartamento dos pais, dividindo o quarto com a irmã, a estudante de Música Juliana Rodrigues, de 18 anos. O baterista afirma que a família sempre ouviu muita música e de estilos variados. Chico Buarque, Cartola, Milton Nascimento, Coltrane, Miles Davis são alguns dos gostos dos Rodrigues. “Gosto de MPB, de samba, mas de pagode não”, brinca o rapaz, que é, sobretudo, fã de rock n’ roll. Ele também aprecia música clássica, principalmente as sonatas de Beethoven. A admiração pelo compositor alemão lhe rendeu brincadeiras com as semelhanças físicas: a pele clara e os cabelos desgrenhados fizeram com que colegas lhe chamassem de Beethoven, por algum tempo. Humilde, o músico diz que “tenta tocar piano” – instrumento que explorou por três anos, a fim de ampliar conhecimentos sobre teoria musical. Como estuda bateria há 10 anos, hoje ele ensina como tocar o instrumento e apresenta-se profissionalmente com a banda The Four Horsemen – um cover do grupo de heavy metal Metallica. A dedicação dos músicos pode ser notada nos cuidados com a sonoridade das canções e na expressão corporal: os quatro usam as roupas, cortam os cabelos e imitam os trejeitos de forma idêntica a do quarteto americano. “É o jeito que a gente encontrou de homenagear a banda que a gente curte”, comenta o jovem. Nos shows ele adota o sobrenome do baterista do Metallica, sendo chamado de Gummer Ulrich. O Horsemen faz cerca de cinco shows por mês, e já se apresentou de Manaus até Balneário Camburiú.

Para o baterista a apresentação na capital amazônica foi a melhor da sua vida. No dia 05 de dezembro de 2008, 5000 pessoas lotaram o Ginásio Tropical Hotel para assistir ao circuito de bandas que passaram por lá. Os grupos foram recepcionados em um “baita hotel”, segundo Gummer, e o festival “teve estrutura de qualidade”, contando com 3 telões. “Diante de tudo aquilo, percebi o quanto música é importante pra mim; foi a recompensa depois de tanta cabeçada tocando em boteco e pra público nenhum”, desafaba. O músico reconhece ter uma “natureza reflexiva muito forte”. Tal característica o faz pensar profundamente sobre a vida, trazendo-lhe algumas crises existenciais. “Infelizmente a maioria das pessoas não gosta de pensar”, lamenta. Tal força reflexiva o levou a conhecer a “segunda esposa”, como gosta de brincar: a Filosofia – a primeira é a música, obviamente. O baterista concluiu recentemente o curso Filosofia na Faculdade Paulo VI, em Mogi das Cruzes, e pretende dar continuidade aos estudos acadêmicos. “Quero fazer Mestrado, Doutorado, só que mais pra frente; acho que preciso ter mais experiências de vida, primeiro”, afirma Gummer. Entre os ensaios do Horsemen e da nova banda ainda sem nome, ele lê livros relacionados à filosofia. O predileto é Humano Demasiado Humano, de Nietzsche. Seu outro Manaus 2008: memorável show do Horsemen


hobby é compor músicas e poesias. Em 2004, fez uma compilação dos poemas já produzidos e presenteou amigos próximos. “Tem gente que fala que devo ir a sarais, mas vou escrevendo, sem pretensão; costumo postar algumas coisas no blog, o que eu já acho bem legal”, esclarece. Gummer estudou por 11 anos no Colégio Policursos. Os olhos mareiam quando relembra os tempos de escola. Para ele foi lá que conquistou a coisa mais valiosa da sua vida: os amigos. Apesar de ser da turma do fundão, o músico tirava boas notas. “Ele era zueira, mas um amigão; a gente costumava conversar bastante sobre sonhos e espíritos”, relata a colega de sala Mariana Lima. O jovem se considera hoje um místico espiritualista, mas já foi católico, pagão, ateu e, por influência de Nietzsche, niilista. Mariana afirma que todos incentivavam o rapaz no Festival de Talentos da escola, que acontecia anualmente. “Teve um ano que, na última música uma das baquetas voou da mão dele; ele era tão bom que terminou a música com uma mão só”, relata a colega. O baterista costuma usar 5 pares de baquetas, no mínimo, por show e já quebrou todas as baquetas que tinha em uma única apresentação, tamanha intensidade e empolgação. No meio da intensa rotina de shows, Gummer cuida do corpo e do espírito. Apesar de ser

The Four Horsemen Os cavaleiros em ação

corintiano, ele não acompanha os jogos e prefere praticar Kung Fu, no estilo Garra de Águia – categoria que segue há três anos. “Estava me sentindo muito cansado depois dos shows, voltei pro esporte e tento me alimentar bem; mas sou fissurado em hambúrguer”, reconhece. O lado introspectivo o levou a participar da doutrina mística para o autoconhecimento Gnose. O interesse surgiu após ler no cartaz que aprenderia sobre sexo tântrico. “Foi ótimo participar, fiquei admirado quando soube que o tantrismo é muito mais espiritual do que sexual”, revela Gummer, que se diz “muito ligado em energias”. O baterista também se interessa pela filosofia indiana do Kama Sutra. Apesar de ter comprado o livro, o rapaz garante que ainda não leu. Para o futuro, o jovem almeja viver de música. Inquieto, ele batuca as mãos o tempo todo enquanto conversa, sempre marcando um ritmo. “O futuro vai se construir de acordo com o que eu fizer agora”, filosofa Gummer. Ele se define como “uma consciência em construção” e encara sua arte como “o momento de liberdade plena”. O músico gosta das coisas simples: ficar em casa, conversar na Praça do Carmo, sair com a namorada - a estudante do ensino médio Isabelle Carvalho, de 17 anos. E é sorrindo, com otimismo, que este cavaleiro filosófico relata a vida: cheio de reflexões, mas com os pés no chão.


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