Mundo Azul

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FERNANDA ALVES DE BRITO SOUSA

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UNESP Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” FAAC Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação Projeto de Conclusão de Curso Design Habilitação em Design Gráfico Bauru – São Paulo | 2017

Fernanda Alves de Brito Sousa RA 121031721 Orientação de Profª Drª Cassia Carrara Mundo Azul Coleção de Livros para Crianças no Espectro Autista

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ÍINDiCE

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6. Resumo | Abstract 8. Introdução 10. Pesquisa 11. Educação Especial e Design Inclusivo 12. TEA (Transtorno do Espectro Autista) 15. Teoria da Mente 17. Comunicação Alternativa 19. Histórias Sociais 20. Referências 23. Projeto 24. Livros 26. Personagens 27. Cores 28. Diagramação 29. Tipografia 30. Introdução para pais e Histórias 31. Festa de Aniversário 35. Escovando os Dentes 39. Eu e Meu Cãozinho 43. Identidade Visual 44. Naming 45. Referências 47. Marca 48. Aplicações 54. Considerações Finais 56. Agradecimentos 58. Anexos 64. Bibliografia

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ResuMO aBsTracT

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Mundo Azul é uma coleção de livros criada para crianças no espectro autista. O projeto conta inicialmente com três livros, criados com base no conceito de histórias sociais. A identidade visual também foi formulada a fim de promover a divulgação do projeto.

Palavras chave: design inclusivo, autismo, crianças.

Mundo Azul is a book collection for children with autism. The project has three books created based on the concept of social stories. The visual identity was also created to promote the project.

Key words: inclusive design, autism, children.

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InTrODucaO ,

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Mundo Azul é, tecnicamente, um projeto que está em “incubação” desde 2012. Desde meu primeiro ano de faculdade, sabia que queria trabalhar com algo direcionado para crianças e, principalmente, envolvendo design inclusivo. Por mais que os conceitos que envolvam Design formem uma discussão um tanto polêmica e até um pouco clichê, sempre acreditei em seu poder transformador. Tratase de uma área de conhecimento extremamente ampla e com uma diversidade única de aplicações e possibilidades. Então por que não usá-la para tornar o mundo em que vivemos um pouco mais confortável para aqueles que não são sempre lembrados? O autismo sempre foi um tópico de interesse. Tenho um irmão mais velho formado em psicologia e que trabalha exclusivamente com crianças no espectro autista. Há muito tempo ouço suas histórias sobre as complexidades encontradas em seu cotidiano de trabalho e, consequentemente, as dificuldades enfrentadas por estas crianças. É angustiante observar como é escassa a produção de conteúdo educacional que promova a integração daqueles que não estão inseridos em um padrão socialmente construído. Estas mesmas crianças que sofrem preconceito por não terem um comportamento considerado adequado em nossas normas sociais não recebem a oportunidade de aprender de forma agradável e construtiva. Mundo Azul foi uma coleção de livros criada a partir de uma extensa e cuidadosa pesquisa composta por leituras, documentários, filmes e entrevistas sobre o Transtorno de Espectro Autista. São histórias sociais que têm como objetivo auxiliar crianças de sete a doze anos a lidarem de forma mais confortável com barreiras sociais que acabam surgindo no decorrer de suas vidas. Por mais que estas histórias sociais tenham sido desenvolvidas especificamente para crianças no espectro autista, seu uso pode ser expandido para qualquer criança, incluindo aquelas com déficit de comunicação. Afinal, é este o objetivo da inclusão: promover a integração entre todos os membros de uma comunidade, sem nenhuma exceção.

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PesQuIsa

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Educacao especial e design inclusivo ,

Todas as crianças são diferentes, sejam em atributos físicos ou em habilidades de aprendizado. No entanto, a maior parte das crianças apresenta diferenças relativamente pequenas, possibilitando que participem de um programa educacional escolar padrão com maior naturalidade. Algumas crianças – as crianças excepcionais – diferem deste “padrão” e, em muitas situações, requerem ferramentas que as auxiliem a se beneficiar totalmente da educação. O termo “crianças excepcionais” inclui indivíduos com atrasos no desenvolvimento, que enfrentam dificuldades de aprendizado, e também crianças cuja performance é “superior”, necessitando de modificações curriculares para alcançar seu total potencial. A educação especial é o ramo da educação que procura atender estas crianças excepcionais, tanto em ambientes específicos como escolas especiais quanto em, preferencialmente, escolas regulares. Sua tarefa mais importante é auxiliar estas crianças a conquistarem autonomia em suas vidas, facilitando a transição entre infância e vida adulta. Em 1994, a Declaração de Salamanca, uma resolução da ONU sobre os princípios, política e práticas em educação especial, declarou que as escolas regulares com orientação inclusiva constituíam os meios mais eficazes de combater discriminação. Também foi proclamado que estudantes com deficiência e superdotação devem ter acesso à escola regular, uma vez que “as escolas deveriam acomodar todas as crianças independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras” (BRASIL, 2006, p.330). A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva adotada pelo MEC (2014) define que “os estudantes com transtornos globais do desenvolvimento são aqueles que apresentam alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e na comunicação, um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Incluem-se nesse grupo estudantes com autismo, síndromes do espectro do autismo e psicose infantil”. Pessoas com atraso no desenvolvimento têm o direito fundamental de viver e participar em sociedade – na

escola, em casa, no trabalho e como comunidade – da mesma forma que todos. É neste preceito que o design inclusivo trabalha. Cruz (2010) define design inclusivo da seguinte maneira: “(…) o design inclusivo passa pela criação de produtos para um público com características limitadoras, que necessita de equipamentos que atenuem limitações e permita maximizar a sua integração nas atividades diárias”. Assim, o design inclusivo tem o objetivo de produzir conteúdo, serviços e ambientes que podem ser usados por todos, independentemente de capacidades físicas, cognitivas, idade ou aptidão. Trata-se de desenvolver um produto que seja utilizado pela maior quantidade de pessoas possível, baseando-se em conceitos de ergonomia e acessibilidade. O design inclusivo se torna uma ferramenta transformadora de enorme potencial, estimulando o desenvolvimento humano da comunidade, que ao mesmo tempo se modela em torno das recorrentes discussões sobre uma sociedade cada vez mais inclusiva. Mundo Azul é um projeto baseado no conceito de inclusão. Pensando nas dificuldades enfrentadas por crianças no espectro autista – que serão descritas posteriormente – e na escassez de conteúdo que leve em conta as demandas deste público, a coleção foi inteiramente modelada em torno de preferências comuns dessas crianças. Trata-se de um produto que procura facilitar o déficit de comunicação existente neste grupo, mas que pode ser consumido por outras crianças também.

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TEA (TransTorno do especTro auTisTa) Leo Kanner, psiquiatra austríaco que trabalhava no Hospital John Hopkins em Baltimore, foi o primeiro a descrever e nomear a condição “autismo” em 1943. Em sua obra “Autistic disturbances of affective contact” (1943), estavam descritos os casos de onze crianças que partilhavam características como uma “dificuldade em se relacionar com outros de maneira típica”, “desejo obsessivo pela preservação da mesmice” e “resistência a contato físico”. O Autismo, ou Transtorno do Espectro Autista (TEA), é um transtorno neurocomportamental, marcado por dificuldades na comunicação social e padrões de comportamento repetitivos e restritos. Trata-se de uma condição permanente: uma pessoa nasce com autismo e se tornará um adulto com autismo. Silva (2012) procura ilustrar o autismo da seguinte forma: “Imagine que o autismo funcione como um espectro de cores, que iria do branco até o preto, passando por todos os tons de cinza. As variações transitam pela tríade de deficiências nas áreas social, de comunicação e de comportamento, mas nem sempre todas essas dificuldades aparecem juntas no mesmo caso. Há pessoas com comprometimentos sociais, mas sem problemas comportamentais; e há casos de disfunções comportamentais sem atraso de linguagem. Em todos eles aparecem, em maior ou menor grau, as dificuldades de interação social”. Assim, as pessoas no espectro autista, embora partilhem muitas características, são afetadas com intensidades distintas, sendo mais sutis ou mais visíveis ao longo do desenvolvimento.

As características comuns do diagnóstico são:

• Relacionamentos sociais debilitados: dificuldade em expressar emoções, compreender o estado emocional de outras pessoas e formar relacionamentos. • Déficits em comunicação e linguagem: muitas crianças no espectro não falam. Algumas podem ter sua linguagem baseada na ecolalia: a repetição verbal do que outros dizem ao seu redor, e frases que podem se encontrar fora do contexto. Outras podem apresentar um vocabulário impressionante, mas não o utilizar em momentos apropriados. Muitas vezes, entendem mais facilmente perguntas com respostas definitivas do que conceitos abstratos, expressões de linguagem ou humor e sarcasmo, que podem ser extremamente confusos. • Funcionamento intelectual: o diagnóstico pode compreender desde uma pessoa com dificuldade de aprendizado (retardo mental) a uma pessoa que é intelectualmente superdotada. Alguns profissionais diferenciam o funcionamento intelectual através dos termos “autismo de baixo funcionamento” (indivíduos que apresentam retardo mental) e “autismo de alto funcionamento” (indivíduos que não apresentam retardo mental). Uma memória excepcional para alguns tópicos também pode ser recorrente: uma criança com autismo pode se lembrar de todas as placas de carro que já viu, mas se esquecer de como usar o banheiro. • Respostas incomuns a estímulos sensoriais: uma pessoa no espectro pode ser ultrarresponsiva (não suportar determinados sons, texturas, gostos ou cheiros) ou sub-responsivas (parecendo não notar certos estímulos, não reagindo da mesma forma que a maior parte das pessoas, como por exemplo ter uma tolerância para dor de nível anormal). • Insistência na “mesmice” e repetições: uma necessidade por rotina e comportamentos repetitivos, e uma grande resistência a alterações, mesmo que de forma mínima.

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• Padrões de comportamento ritualísticos ou incomuns: ações repetitivas como por exemplo balançar o corpo em determinada posição, mexer os pulsos de determinada forma, agitar as pernas. • Problemas comportamentais: podem apresentar comportamentos que são tidos como incomuns frente ao padrão apresentado por pessoas neurotípicas, como preferências por comidas muito específicas (alimentos de determinada cor, textura), insônia ou duração de sono incomum, agressividade em interações sociais, entre outros.

Normalmente, qualquer pessoa no espectro tem o que é chamado de interesse específico. No meu caso, são meios de transporte. Sei lá, eu amo aviões e metrô, por exemplo. Sei diversos modelos de aviões, como identificar, ano de fabricação, onde voam, etc. Eu sei todas as linhas de metrô de Nova Iorque, estações, tipos de trens, localização de estações desativadas, motivos, e etc. Mas não é algo que controlo muito. Às vezes só me dá muita vontade de ver algo sobre aviões. E o mais interessante é que todo essa informação não tem a menor importância nas coisas que eu faço ou no meu dia-a-dia, já que eu não trabalho com nenhuma dessas coisas. Me dá vontade de ficar lendo pra sempre e nunca muda. Às vezes eu gosto de uma banda, ou um filme, mas depois de um tempo eu esqueço sobre. Dos casos que eu sei, os interesses são bem singulares, mas factóides costumam prender bastante atenção. Algumas crianças podem gostar de câmeras, ou células, ou tipos de folha. - H. F., entrevistada. 22 anos.

• Interesses específicos: é comum indivíduos com autismo apresentarem um fascínio enorme por um assunto em especial, como transporte, dinossauros, geografia. Este interesse acaba se tornando um assunto sobre o qual a pessoa adora ler, informar-se e falar. Nos últimos anos houve um aumento significativo no número de pessoas diagnosticadas com autismo. Só no Brasil, estima-se que existam 2 milhões de pessoas no espectro, sendo que 300 mil estão no Estado de São Paulo. Porém, acredita-se que não se trata de um aumento de incidência do transtorno, mas sim do diagnóstico que se torna cada vez mais cuidadoso. Com o autismo em discussão, a questão das causas do transtorno ressurgem. A realidade é que até hoje não é possível determinar uma causa como certa para o transtorno. Kanner (1943), acreditava na teoria da “Mãe de Geladeira”: o autismo seria uma resposta à uma relação pouco afetiva, distante e fria da mãe com o filho. Infelizmente, esta explicação foi dada como resposta por anos, trazendo muito sofrimento para famílias e, especialmente, às mães. Atualmente, acredita-se que o autismo é um distúrbio de origem neurobiológica e genética. O Autism Genoma Project (apud SILVA, 2012, p.173) foi um projeto de pesquisa lançado em 2004 que determinou a existência de cerca de 15 genes que potencialmente podem desencadear o autismo, sem contar interações entre genes e mutações genéticas. A partir de exames como o SPECT (tomografia computadorizada por emissão de fóton único), PET (emissão de pósitrons) e RMF (ressonância nuclear

magnética funcional) foi comprovado que as pessoas no espectro autista não possuem uma parte de seu cérebro comprometida, mas sim um problema de comunicação entre neurônios e em seus transmissores. E estes fatores poderiam ter uma procedência genética, o que explicaria o fato de que é comum encontrar um autista com alguém na família com traços de autismo. Contudo, as diferenças de intensidade nas características continuam sem explicação. Até a década de 80, crianças diagnosticadas com autismo eram direcionadas a institutos psicológicos, onde eram isoladas e não tinham qualquer oportunidade de se desenvolverem. Felizmente, o diagnóstico já não é visto de forma tão discriminada atualmente, apesar de com certeza ainda enfrentar seus problemas. Existe um crescimento considerável de pesquisa na área e um bom investimento em terapias especializadas e educação. Em 2007, a ONU criou o Dia Internacional de Conscientização do Autismo, comemorado no dia 2 de Abril. O espectro acaba ganhando maior espaço de discussão em sites e redes sociais, o que certamente facilita a inclusão. O tema está claramente em evidência: o longa metragem Power Rangers (2017) apresenta como um de seus protagonistas um adolescente no espectro: o Ranger Azul (curiosamente, a cor do autismo). A novela Malhação (2017) da Rede Globo também tem a personagem Benê, uma adolescente que descobre seu diagnóstico de autismo. O programa infantil Sésamo, exibido pela TV Cultura em 2017, adicionou a personagem Júlia, que também está no espectro. Toda esta popularidade traz visibilidade e conscientização ao tema. A esperança é de que desta forma, o preconceito seja combatido e o uso pejorativo do termo “autista”, que infelizmente ainda é utilizado no cotidiano, seja reduzido. Embora essas conquistas recentes sejam incríveis e dignas de comemoração, é inegável o caminho a ser percorrido. Existe uma grande carência de produtos direcionados ao público no espectro autista, que busquem estimular o desenvolvimento da fala e interação social, além de auxiliar essas crianças a se inserirem em sociedade da forma mais confortável possível. Também são poucos os materiais que procuram conscientizar crianças neurotípicas sobre como lidar com colegas que apresentem características típicas do

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espectro autista e podem muitas vezes serem vistos de forma incompreensível. É importante reforçar a pesquisa e criação de projetos e produtos que busquem a inclusão da forma mais ampla possível. É também de grande importância aprender a trabalhar efetivamente com os pais e reconhecer que são os primeiros – e de muitas maneiras, os melhores – professores de uma criança. Desta forma, é objetivo do projeto Mundo Azul buscar uma forma confortável de favorecer interações sociais e comunicação de forma estimulante e agradável, visando um desenvolvimento completo e integrado do autista em comunidade.

Leah’s Voice é um livro de 2012, escrito por Lori Demonia, sobre duas irmãs. A história conta a história de aceitação de uma das meninas em relação às necessidades especials de sua irmã, que está no espectro autista. Tratase de um livro para auxiliar crianças neurotípicas a compreenderem as melhor o autismo.

O Ranger Azul, Billy, está no espectro autista. O filme Power Rangers, lançado no início de 2017, se esforçou em trazer a representatividade de minorias para os cinemas. O ator RJ Cyler, em entrevista, diz: “Eu sabia que era meu trabalho mostrar que as pessoas que estão no espectro são apenas pessoas comuns”.

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Teoria da MenTe

Imagine a seguinte situação: Existem duas meninas: Sally e Anne. Sally tem uma bolinha de gude, que coloca dentro de uma cesta. Sally sai do quarto. Anne tira a bolinha de gude da cesta e a coloca numa caixa. Sally volta ao quarto. Sally quer brincar com a bolinha.

Onde Sally irá procurar a bolinha? A resposta pode parecer um pouco óbvia: Sally irá procurar a bolinha na cesta, pois não recebeu o mesmo tipo de informação que nós e não sabe que Anne mudou seu brinquedo de lugar. Este foi um teste psicológico desenvolvido em 1986 por Simon Baron-Cohen, Alan M. Leslie e Uta Frith, com o objetivo de testar a habilidade cognitiva social de uma pessoa, em um estudo sobre a Teoria da Mente no autismo. Esta tese defende que a principal característica do autismo seria a incapacidade de construir elaborações sobre a mente alheia e sua funcionalidade. A Teoria da Mente é a capacidade de compreender que outras pessoas pensam, creem, sentem, desejam, acreditam e duvidam de uma forma independente da que fazemos (Premack & Woodruff, 1978). Trata-se da consciência de que a mente não é diretamente observável e de que ninguém tem acesso direto à mente de outra pessoa. Possuir esta consciência de forma efetiva permite que se possa atribuir pensamentos e intenções a outras pessoas, criando a possibilidade de predizer ou explicar suas ações e reações. Essa compreensão cria a capacidade de cooperar e aprender com o próximo, facilitando a interação social. Por mais que aparente ser uma capacidade inerente ao ser humano, é por volta dos 4 anos de idade é que a criança começa a formar, de forma intuitiva, uma maior compreensão de si mesma e do seu redor. A Teoria da Mente acaba sendo de extrema importância para a vida em sociedade, pois permite que criemos relações saudáveis, já que podemos antever o efeito daquilo que dizemos e fazemos, prevendo o impacto que podemos inferir em outras pessoas. Mesmo que diferentes pessoas possam desenvolver a Teoria da Mente de forma mais ou menos efetiva do que outras, as pessoas no espectro autista parecem, em sua maioria, ter limitações bem maiores nessa capacidade. Consequentemente, elas não entendem muito bem crenças, emoções e atitudes alheias.

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John Helder Robinson, autor do livro Olhe Nos Meus Olhos (2007), conta como foi sua vida sem receber seu diagnóstico de Síndrome de Asperger (um tipo de autismo de alta funcionalidade). Na obra, retrata bem como essa questão da Teoria da Mente funciona para crianças no espectro autista: Um dia, minha mãe conversava com uma amiga e eu estava por perto: - Você ouviu sobre o filho da Eleanor? - perguntou a amiga. - Ele foi atropelado e morto por um trem no último sábado. Estava brincando nos trilhos. Eu sorri ao ouvir isso. A mulher olhou para mim com uma expressão de choque: - Você acha engraçado? - Não, acho que não. Não sabia o que dizer. Apesar de perceber o que elas estavam pensando, não conseguia evitar o sorriso. Eu não estava feliz, nem sabia por que estava sorrindo. Quando saí da sala, ouvi a amiga dizer à minha mãe: - Qual o problema desse rapaz? Fui encaminhado à terapia, e isso só me fez sentir pior. Eles focavam apenas naquilo que consideravam ser pensamentos sociopatas e nenhum deles conseguiu descobrir porque eu sorri, quando ouvi a história do filho de Eleanor ter sido atropelado e morto por um trem. Mas hoje eu sei a razão, e descobri isso sozinho. Eu não conhecia Eleanor, muito menos seu filho. Por isso, não havia nenhuma razão para que eu ficasse triste ou feliz em relação a qualquer coisa que tivesse acontecido com eles. Aqui está o que eu pensava naquela tarde:

Alguém morreu! Dane-se! Ainda bem que não fui eu! Ainda bem que não foi meu irmão, nem meus pais. Acho que meus amigos estão todos bem. Esse cara devia ser um idiota, brincar nos trilhos do trem? Eu nunca seria atropelado desse jeito. Ainda bem que estou legal.

Na verdade, eu sorri de alívio porque não tinha sido comigo, nem com alguém que eu conhecesse ou me importasse. Hoje, meus sentimentos seriam exatamente

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os mesmos, numa situação dessas. Só que, agora, tenho melhor controle de minhas expressões faciais. (...) Eu tenho o que poderíamos chamar de “empatia lógica” pelas pessoas que não conheço. Ou seja, eu posso compreender que é triste que essas pessoas tenham morrido. E eu compreendo que têm famílias, e elas estão infelizes. Mas não tenho qualquer reação física à notícia. E não há nenhuma razão para que eu a tenha. Não conheço essas pessoas e as notícias não têm efeito sobre a minha vida. Sim, é triste, mas no mesmo dia milhares de pessoas morreram por homicídios, acidentes, doenças, desastres naturais, e muitas outras causas. Sinto que devo colocar as coisas em perspectiva e guardar minhas aflições para coisas que realmente importam para mim.


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CoMuNicacao alternativa ,

A comunicação alternativa, segundo ASHA (1991) “é uma área de prática clínica de pesquisa e educacional para profissionais da área que visam compensar e facilitar, temporária, ou permanentemente, padrões de prejuízo e inabilidade de pessoas com severas desordens expressivas e/ou descobertas na compreensão de linguagem”. Os métodos de comunicação alternativa podem ser utilizados por pessoas com: • • • • • •

Autismo Surdocegueira Disfasia Paralisia Cerebral Deficiência Intelectual (severa/profunda) Distúrbios Graves de Fala

Os métodos de comunicação alternativa mais utilizados com crianças no espectro autista são: • PECs (Picture Exchange Communication System): um dos métodos mais utilizados para trabalhar com comunicação desde sua criação em 1985, é um caderno plástico com faixas de velcro onde o usuário ordena peças com imagens e forma frases. Por mais que seja uma ferramenta importante e interessante, seu uso não é muito prático, pois procurar pelas imagens a serem utilizadas na frase requer tempo e paciência, sendo que o conceito de linguagem determina que deve ser algo rápido e claro. O PECs muitas vezes acaba sendo um método de alfabetização mais do que de comunicação.

• ARASAAC (Portal Aragonês de Comunicação Aumentativa e Alternativa): um portal online que oferece materiais e recursos gráficos para facilitar a comunicação de pessoas com dificuldades nesta área. O site conta com pictogramas coloridos e preto e branco, fotografias, vídeos, além de ferramentas online. O portal foi reco-

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mendado por pais durante entrevistas realizadas para o projeto e pode ser acessado pelo link: www.arasaac.org.

• BLISS: um sistema dinâmico capaz de representar conceitos abstratos. Cada símbolo do sistema é definido em relação à lógica do método como um todo. São derivados de formas geométricas e de seus segmentos.

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O número de possíveis métodos a serem utilizados é grande. Com isso, é importante lembrar que cada pessoa no espectro autista é completamente diferente de outra. Não existem duas que se igualem em suas características com a mesma intensidade, portanto definir um método de comunicação e ensino deve ser feito de forma cuidadosa e delicada. Não há uma forma correta de aprendizagem ou comunicação. A única certeza é que oferecer auxílio e ferramentas o quanto antes é a forma mais eficiente de auxiliar nas complicações que podem surgir com o desenvolvimento social.


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HisTorias sociais Histórias sociais são ferramentas usadas para capacitar crianças a entenderem situações específicas em que apresentam comportamentos considerados inapropriados ou prepará-las para situações que são incomuns à rotina. Foram definidas pela primeira vez por Carol Gray (1992), que as utilizava desde a década de 80 com seus alunos no espectro autista. Histórias sociais podem ser escritas sobre praticamente qualquer situação que a criança possa vivenciar: de problemas comportamentais como raiva ou morder, a habilidades do cotidiano como escovar os dentes ou usar o banheiro, ou eventos não familiares, como ir a um casamento. Uma boa história social ensina à criança quais são os comportamentos esperados, assim como as respostas Também descreve, em detalhes, o que a situação, evento ou habilidade requer. Assim, são ótimas para crianças com autismo por quebrarem em passos simples e fáceis de seguir situações que podem ser complexas. Além disso, podem estimular a leitura, criar o interesse em repetir a história ou a rotina descrita e utilizam uma linguagem com explicações detalhadas, sendo mais facilmente compreendida por crianças no espectro.

Como escrever uma história social? 1 Identificar o comportamento, habilidade-alvo ou evento no título, tornando-o claro e conciso, como: “Como escovar os meus dentes” 2 Focar em apenas um evento ou atividade por vez, sendo apenas um tópico abordado por história para não sobrecarregar a criança. 3 Usar imagens como apoio de texto: a maior parte das crianças no espectro autista se beneficia deste apoio. As imagens podem ilustrar o que acontecerá em um evento, como por exemplo, uma cadeira de dentista pode mostrar a criança como será o consultório. 4 Manter o formato da história simples, limitando o texto em cada página e utilizando cores e fontes simples. 5 Reduzir o evento ou habilidade em passos simples, pensando em cada fase envolvida no processo. Crianças no espectro autista tendem a ser pensadoras literais e encontram dificuldade com conceitos abstratos. Desta forma,

é aconselhável incluir detalhes que seriam implícitos para neurotípicos. Por exemplo: ao usar a privada, especifique que é necessário abaixar a calça e roupa íntima antes de utilizá-la, e ao terminar seu uso, deve-se levantar a roupa e vesti-la novamente. 6 Descrever sentimentos e reações, como por exemplo: “tudo bem chorar em um velório”. Também é importante incluir perspectivas em que sentimentos, pensamentos e humor de outras pessoas são descritos, como: “meus pais ficarão orgulhosos de mim por aprender a amarrar meus cadarços”. 7 Escrever o comportamento esperado, em frases diretas. É aconselhável escrever de maneira afirmativa, evitando usar negativas, focando naquilo que deveria ser feito e não no que é proibido. Por exemplo, em vez de “quando assisto a um filme no cinema, não devo fazer barulho”, utilizar “quando assisto a um filme no cinema, devo sentar em silêncio em meu assento”. 8 Evitar metáforas, figuras de linguagem ou outro conceitos abstratos. 9 Escrever em primeira pessoa, como se fosse a perspectiva da criança. 10 Escrever a história em tempo presente. 11 É aconselhável incluir de duas a cinco frases descritivas ou perspectivas para cada frase direcional. Ao pesquisar um pouco sobre histórias sociais, é possível notar como são criadas em grande parte por comunidades online de pais, que na falta de ferramentas disponíveis para auxiliar na educação das crianças no espectro autista, criam os próprios materiais de acordo com suas necessidades. Existe um grande repertório de atividades, histórias e jogos em sites, demonstrando que existe uma demanda deste público para a produção de materiais que satisfaçam as exigências destas crianças. E mais uma vez é reforçada a importância de se trabalhar efetivamente em conjunto com os pais, que são educadores fundamentais no processo de desenvolvimento de uma criança.

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RefeRencias Algumas das histórias sociais retiradas do site http://www.andnextcomesl.com/ onde uma comunidade de pais de crianças no espectro autista produz e compartilha conteúdo. É curioso observar como as imagens utilizadas são normalmente fotografias retiradas de banco de imagens. Um dos possíveis problemas que podem ocorrer na escolha das fotos é utilizar alguma que tenham muitos elementos, que podem acabar estimulando demais a criança e fazendo com que a mesma perca o foco sobre a informação passada.

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Esta tabela de emoções também foi elaborada por pais e está disponível gratuitamente online. Contudo, as expressões das ilustrações não estão sendo representadas de forma tão clara, o que pode ser uma dificuldade para as crianças.

Ah, outra coisa importante na elaboração de materiais lúdicos: nós temos dificuldade em identificar expressões. Como quando uma pessoa está triste, ou irritada, etc. Isso é mais um treinamento visual do que qualquer coisa. Acho que demonstrar emoções é legal, mas com personagens expressivos. - H. F., entrevistada. 22 anos.

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Também existe um aplicativo, tanto para iOS quanto Android, para criar e ler histórias sociais: Social Stories Creator and Library. No entanto, sua usabilidade é um tanto difícil e complicada, além de não possibilitar que a criança consulte por conta própria, pois ele só pode ser acessado por pais ou educadores. A maior parte de seu conteúdo também exige pagamento.

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Projeto

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Livros

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Após uma minuciosa pesquisa sobre como as histórias sociais estão sendo utilizadas atualmente, concluí que sua disponibilidade está praticamente limitada à internet, e sua criação é feita de forma pessoal, por pais que as projetam especialmente para seus filhos, de acordo com suas necessidades específicas. Pensando na quantidade de pais e educadores que não têm a disponibilidade de tempo para criar este mesmo tipo de materiais para as crianças, resolvi projetar Mundo Azul como uma coleção de livros de histórias sociais. Estes livros estariam disponíveis em formato físico (livros de dimensão 21 cm x 21 cm) e também em formato online (tamanho A5), disponíveis para download para serem impresso em casa ou visualizados online em tablets ou smartphones. Como ávida leitora, escolhi o formato de livro pois acredito na importância da criação de um hábito de leitura desde cedo. A leitura aprimora as habilidades de comunicação e apura o senso crítico, o que é de extrema importância para o desenvolvimento cognitivo e intelectual de uma criança. Também enriquece o vocabulário e refina a habilidade da escrita e redação, podendo minimizar dificuldades acadêmicas. E, além de todos estes pontos positivos, livros são uma ótima forma de entretenimento.

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Personagens Como a proposta do projeto sempre foi trabalhar a inclusão, os personagens criados tentam representar a maior diversidade de crianças o possível. Os três livros iniciais contariam cada um com um protagonista, sendo dois meninos e uma menina, uma vez que o autismo é mais recorrente em garotos. Mesmo apresentando diversidades entre si, os personagens não têm características físicas marcantes, nome ou uma personalidade própria. Desta forma, a criança que está lendo pode se identificar com maior facilidade e não receber muitos estímulos visuais que a distraiam da mensagem sendo passada.

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CORes A paleta de cores utilizada é de tom pastel, pois os tons mais pálidos promovem menor estímulo visual e são preferidos pelas crianças no espectro. As cores vermelho e amarelo em tons fortes podem causar irritação. Já a cor rosa aparece como o tom favorito em muitos estudos.

#EFD9B3 C5 M 13 Y 31 K0

#44403D C 64 M 61 Y 62 K 48

#B5CF90 C 31 M5 Y 54 K0

#EAA25A C6 M 41 Y 73 K0

#A8DEEB C 32 M0 Y6 K0

#302D28 C 67 M 64 Y 65 K 64

#F3A8C9 C0 M 42 Y0 K0

#847B33 C 47 M 40 Y 96 K 16

#40AEC0 C 68 M 11 Y 22 K0

#1B1514 C 68 M 68 Y 67 K 80

#E9E5E5 C7 M8 Y6 K0

#C3AFD5 C 22 M 31 Y0 K0

#EDEBB1 C 13 M0 Y 38 K0

#FDF5CC C1 M1 Y 24 K0

#F27A7D C0 M 65 Y 39 K0

#9DBED8 C 37 M 15 Y6 K0

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DiagraMacao

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As ilustrações não apresentam cenário nem cor ao fundo, novamente visando fornecer o mínimo de estímulo visual possível. Quando trabalhando com crianças no espectro autista, muitas vezes é recomendável que as imagens utilizadas tenham fundo branco. O que pode ser o contrário do livro padrão infantil, que normalmente apresenta muitos elementos na ilustração a fim de criar o maior clima lúdico possível.

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Tipografia

Museo Type 300 15 pt ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ abcdefghijklmnopqrstuvwxyz

Good Dog Plain 18 pt ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ abcdefghijklmnopqrstuvwxyz

A fonte utilizada no texto do livro é Museo Type 300, de tamanho 15. Na pesquisa por fontes comumente utilizadas em livros infantis, conclui-se que tipografias serifadas costumam ser bem recomendadas, já que muitos livros são comprados por pais, avós, adultos em geral, que costumam ter essa preferência por fontes com serifa. Por mais que aparentem ter um tom mais adulto, a fonte Museo é arredondada e curvilínea, o que fornece um design mais agradável e amigável, condizente com o público infantil, além de ter boa legibilidade. Já nos títulos dos livros, a fonte utilizada é a GoodDog, que tem um tom divertido e imita a escrita de uma criança. Além disso, se assemelha à marca.

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iNtroducao para pais No início de cada livro há um pequeno texto introdutório, explicando brevemente aos pais ou guardiães o que são histórias sociais, a finalidade de cada livro e os possíveis benefícios. Há também um breve texto para as crianças

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Historias Na criação destas histórias, foram usadas duas questões como base: 1 Sobre o que será a história? 2 Qual a habilidade ou comportamento que deve ser ensinada à criança? Foram criadas três histórias sociais, que dariam origem a uma coleção inicial de três livros, com os temas: ensinar a interagir com um cachorro de estimação, escovar os dentes e ir a uma festa de aniversário de um colega.

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Festa de , aniversario

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1 Sobre o que será a história? Como se comportar em uma festa de aniversário de outra criança. Festas infantis podem ser uma ótima oportunidade para crianças no espectro autista praticarem e desenvolverem suas habilidades sociais em um ambiente de apoio. Contudo, também podem ser situações difíceis, pois podem incluir jogos, turnos, instruções – e estar com outras pessoas. Todas estas atividades requerem habilidades como organização e interação social que podem ser difíceis para as crianças no espectro. Algumas podem se sentir sobrecarregadas por tantos estímulos ao seu redor, como o barulho de música alta e crianças rindo e gritando. 2 Qual a habilidade ou comportamento que deve ser ensinada à criança? A interação básica com outras crianças: participar de brincadeiras e atividades, compreender regras de jogos e aprender a perder nos mesmos, também respeitar a vez de um colega, praticar conversação.

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Para os pais Festas infantis e reuniões sociais podem ser uma ótima oportunidade para crianças no espectro autista praticarem e desenvolverem suas habilidade sociais em um ambiente de apoio. Contudo, as festas podem ser difíceis para estas crianças, pois podem significar participar de jogos, ouvir instruções e estar com outras pessoas, além de apresentarem situações cuja previsibilidade pode ser difícil. Tudo isso pode ser difícil para crianças no espectro, que muitas vezes apresentam dificuldades com comunicação e interação social. Algumas crianças também podem se sentir sobrecarregadas pelos seus arredores, e podem achar difícil lidar com o barulho das risadas e gritos de outras crianças. Este livro faz parte da coleção Mundo Azul, e tem o objetivo de auxiliar a criança a se preparar para enfrentar o ambiente de uma festa de aniversário infantil, tentando explicar em passos simples e fáceis de seguir situações que podem ser complexas. Trata-se de um material de apoio que pode ser utilizado por pais, guardiões ou professores para guiar a criança em determinada situação. A história contem algumas diretrizes de comportamento que podem ser intuitivas para pessoas neurotípicas, mas que são importantes e devem ser explicadas didaticamente para crianças no espectro autista. Também existem mais medidas que podem ser tomadas para preparar a criança para uma festa infantil: • Explicar com antecedência para a criança o que irá ocorrer, contando os dias até o dia da festa. • Os pais podem estar presentes na festa, explicando ao anfitrião com antecedência a situação e que a presença física de uma figura de confiança pode ser um porto seguro para a criança • Os pais podem ligar para o local do evento ou para os pais do aniversariante para obter um cronograma da festa e ter uma noção do espaço em que ela será realizada e quais atividades acontecerão. • Encontrar um ambiente calmo e sem estímulos que possa ser um refúgio para a criança caso ela se sinta sobrecarregada em algum momento.

Por mais que as festas infantis sejam uma atividade social importante, cabe aos pais e a própria criança decidir se estão preparados e à vontade para participar. É importante enfatizar que o bem estar da família é mais importante que normas sociais. Ninguém é obrigado a estar presente em situações que possam gerar estresse.

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A hisToria Em breve, meu amigo fará aniversário! Isso quer dizer que ele vai completar mais um ano de vida desde o dia em que ele nasceu. E por isso, ele dará uma festa para comemorar com todos os amigos e família! E eu fui convidado para esta festa, porque somos amigos! É muito divertido fazer aniversário! Quando eu chegar na festa, muitas pessoas estarão lá! Eu posso cumprimentá-las com um “Oi” ou um “Olá”. As pessoas ficam contentes quando eu as cumprimento, pois é algo muito educado! Quando eu ver meu amigo que está fazendo aniversário, eu devo dizer a ele “Parabéns!”. Nós damos parabéns para as pessoas que estão fazendo aniversário. Eu devo entregar o presente que eu trouxe para o aniversariante. Este presente é do meu amigo! Ele vai ficar muito feliz quando receber o presente e vai me agradecer por isso. Festas de aniversário são bem divertidas! Por isso, muitas crianças podem estar muito animadas e felizes, gritando e correndo. Pode ser que também tenha música alta tocando, para que as pessoas dancem Todos estarão bem animados e querendo festejar com meu amigo! Mas se eu me sentir cansado com o barulho, tudo bem! Posso ir com calma até meus pais e pedir para descansar em silêncio um pouco. Assim, quando eu estiver me sentindo bem, posso voltar para me divertir mais! Durante uma festa de aniversário, pode ser que usemos chapéus divertidos! Eu posso prendê-los em minha cabeça com um elástico. Também podem ter balões de aniversário pela festa! Se um deles estourar, vai fazer um barulho bem alto! Mas eles não são perigosos, são apenas barulhentos! Mesmo que eu me assuste, eu devo manter minha calma, pois não irei me machucar Festas de aniversário têm muita comida gostosa! Algumas pessoas podem me oferecer docinhos, salgados ou bebida. Eu posso aceitar, agradecer com “Obrigado” e comer alguns. Mas se eu não quiser, posso falar com calma “Não, obrigado”. Podem ter muitas brincadeiras e jogos durante

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a festa! Se eu quiser, eu posso participar. Festas são ótimas para me divertir com meus amigos. E fazer novos amigos também! Se eu não entender as regras de alguma brincadeira, posso perguntar a um amigo ou a um adulto, como meus pais. Se eu sentir vontade de fazer xixi ou cocô, eu devo falar com meus pais ou um adulto! Eles me mostrarão onde fica o banheiro! No fim da festa, todos cantarão uma música para dar parabéns ao meu amigo aniversariante! As luzes serão apagadas e velas serão acesas em cima de um bolo. As pessoas começarão a bater palmas e cantar

“Parabéns pra você, nesta data querida Muitas felicidades, muitos anos de vida Parabéns pra você, nesta data querida Muitas felicidades, muitos anos de vida É Pique, é Pique É hora, é hora, é hora Ra-tim-bum!” Eu posso cantar e bater palmas junto. É bem divertido cantar com os outros! No fim da música, meu amigo aniversariante assoprará as velas do bolo! Como é aniversário dele, só ele assoprará as velinhas. Quando for meu aniversário, eu poderei assoprar as velas do meu bolo também. Depois, acenderão as luzes e um adulto irá cortar o bolo em fatias Eu devo esperar com calma, pois todos receberão um pedaço. Eu também receberei uma fatia de bolo! Quando eu for embora, eu devo agradecer pelo convite dizendo “Obrigado por ter me convidado!” Pode ser que eu receba uma lembrancinha! Eu devo dizer “Obrigado”! Ir em uma festa de aniversário pode ser muito divertido! Meu amigo ficará bem feliz com minha presença! Meus pais ficarão felizes em me ver com novos amigos! Mal posso esperar pelo meu próprio aniversário!


Escovando os dentes

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1 Sobre o que será a história? Como praticar a higiene bucal, habilidade essencial para saúde. Bruna Cristina, estudante de odontologia da FOU-USP explica: “Quando ensinamos para crianças, usamos a metáfora de que existe um ‘bichinho da cárie’, que come as sujeirinhas que você deixa na boca e depois pode comer o seu dente. Esta explicação é um estímulo para a criança compreender porque ela precisa escovar os dentes”. Esta prática, no entanto, pode ser um processo difícil, por exigir coordenação motora, compreensão verbal e organização. Muitas crianças no espectro autista também podem ter uma maior sensibilidade nas gengivas, e a escova de dente pode machucar. 2 Qual a habilidade ou comportamento que deve ser ensinada à criança? Maior autonomia nos rituais de higienização bucal, procurando buscar independência na realização da mesma.

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Para os pais Como dizem por aí, “saúde começa pela boca”. A higienização bucal é algo de extrema importância a ser ensinado e inserido na rotina de uma criança desde cedo. É preciso ensinar como realizar a escovação e demais cuidados com os dentes propriamente, para que a criança, ao conquistar autonomia na higiene bucal, realize-a corretamente. Para crianças no espectro autista, a escovação de dentes costuma ser um processo difícil, principalmente por causa da sensibilidade sensorial e da dificuldade de comunicação e compreensão verbal. Além disso, os gestos que realizamos de forma mecânica podem não apresentar um significado para a criança e, portanto, não apresentam motivação para que ela faça a escovação. Este livro faz parte da coleção Mundo Azul, e tem como objetivo auxiliar a criança no espectro autista a compreender a importância da saúde bucal e conquistar a independência na realização da mesma, explicando em passos simples e fáceis de seguir uma situação que pode se apresentar de forma complexa. Este material pode ser utilizado como apoio por pais e guardiões de uma criança. Também existem mais medidas que podem ser tomadas para complementar o aprendizado da criança: • Escove os dentes com a criança e tente tornar o momento divertido. Crie uma rotina de escovação, para que ela se acostume com a ideia. • Permita que a criança escolha a própria escova de dente (algumas podem ter imagens de seus personagens favoritos), além do sabor de creme dental que mais lhe agrada. • Comece pequeno. Karen Raposa, higienista dental e mãe de uma criança com autismo, sugere “passos de bebê. Se o seu filho não se sente confortável com a escova de dentes, ou a escova de dentes elétrica, de imediato, tudo bem. Comece com um dente, por um segundo. Três ou quatro dias depois, você pode ser capaz de fazer dois segundos. É bom fazer tudo lentamente”. É preciso explicar diretrizes de comportamento que podem ser intuitivas para pessoas neurotípicas, mas que são importantes e devem ser explicadas didaticamente para crianças no espectro autista. A higienização bucal é um processo. Respeitar o tempo da criança é crucial.

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A hisToria Hoje vou aprender a escovar meus dentes sozinho! É muito importante escovar meus dentes para deixá-los bem limpinhos e saudáveis! Quando comemos, pedacinhos de comida continuam na nossa boca, e existem bichinhos muito pequenos, que nem conseguimos enxergar, que vão comer o resto dessa comidinha e podem acabar comendo nossos dentes. Isso pode nos machucar e doer! Quando escovamos os dentes, nossa boca fica com um cheiro bom, e as outras pessoas ficam felizes! Eu devo escovar meus dentes depois de cada refeição! Quando eu terminar de tomar meu café da manhã, depois de almoçar e depois de jantar! E também antes de dormir, para me proteger durante toda a noite! Primeiro, eu preciso usar o fio-dental. Eu devo cortar um pedaço de fio dental e enrolar as pontas nos dedos. Depois, devo passar o fio entre cada dente para tirar os pedacinhos de comida que ficam escondidos entre os dentes. Depois de passar o fio dental entre cada um dente, eu devo jogá-lo fora. Agora é hora de usar minha escova de dentes! Eu devo pegar minha escova de dente, abrir a torneira, molhar a escova e fechar a torneira. Então, eu abro a pasta de dente. Ela é muito importante para limpar meus dentes! Eu coloco apenas um pouquinho de pasta de dente, do tamanho de um grão de arroz, na escova. E então, eu fecho o tubo. Agora, vou escovar meus dentes! Eu devo escovar com calma, de leve, para não machucar minha gengiva! Primeiro, a parte da frente dos meu dentes, que fica encostada na bochecha, eu escovo em movimento circular. Depois, escovo a parte debaixo dos meus dentes, que uso para morder e mastigar a comida, fazendo um vai-e-vem! E por último, escovo a parte de trás dos meus dentes, da gengiva para baixo, como se estivesse varrendo meus dentinhos! Eu posso escovar primeiro os dentes que estão do lado esquerdo da minha boca! Depois, os que estão na frente. E depois, os que estão do lado direito! Eu posso

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contar até 10 enquanto escovo cada lado! Eu devo escovar os dentes de cima e os dentes de baixo! E eu devo escovar todos os dentes da minha boca. Eu também devo escovar também a minha língua! Ela também fica suja! Quando terminar, eu devo cuspir a paste de dente dentro da pia. Eu não devo engolir, porque isso pode me deixar enjoado. Então, eu abro a torneira e faço uma concha com minhas mãos, para pegar água! Eu devo levar a água para dentro da minha boca e balançar ela de um lado para o outro. Isso se chama bochecho! Eu não devo engolir essa água, pois ela tem todas as sujeirinhas de comida que eu acabei de tirar dos meus dentes. Eu devo cuspir a água dentro da pia! Eu também devo limpar minha escova de dente na água da torneira, para que ela fique pronta para usar na próxima vez que eu for escovar os dentes. Depois, eu desligo a torneira e posso guardar minha escova. Agora, posso limpar meu rosto com uma toalha, pois ele pode estar molhado. Como é bom escovar os dentes! Eu gosto de ficar limpo e saudável. Meus pais também vão ficar bem orgulhosos por eu estar limpando meus dentes sozinho! Escovar meus dentes é muito divertido! E também muito importante!


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Eu e meu CaOzinho

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O projeto Mundo Azul inicialmente tinha como objetivo apresentar à banca três livros infantis. Contudo, devido ao prazo, apenas um foi totalmente desenvolvido: escrito, ilustrado, diagramado e impresso. 1 Sobre o que será a história? Preparar a criança que irá receber um cachorro de estimação em casa e os cuidados básicos que o mesmo requer. Tratam-se de novas responsabilidades e também de uma mudança de rotina, uma vez que haverá um novo integrante na moradia da criança. Uma pesquisa da Universidade de Missouri (2014) revelou que conviver com animais de estimação pode ajudar crianças e adolescentes com autismo a melhorarem sua capacidade de relacionamento com pessoas. Gretchen Carlisle, do Centro de Pesquisa sobre Relações Humanas e Animais da universidade, diz: “As crianças com autismo nem sempre conseguem se relacionar com outros indivíduos facilmente, mas ter um animal em casa pode fazer com que, por exemplo, ela se sinta mais à vontade para conversar com outras pessoas sobre seu bicho de estimação”. 2 Qual a habilidade ou comportamento que deve ser ensinada à criança? Ensinar questões de responsabilidade sobre outros seres vivos. Ensinar à criança que animais (no caso um cão) também sentem alegria, dor, desconforto, e precisam de horários para comer e dormir.

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Para os pais Este livro é uma história social. A história social é uma ferramenta simples e efetiva para ensinar crianças a fazerem determinadas coisas, como lidar com problemas comportamentais, dominar habilidades sociais ou navegar em situações não-familiares. As histórias sociais são ótimas para crianças com autismo, por contarem em passos simples e fáceis de seguir situações que podem ser complexas. Este livro é parte da coleção Mundo Azul e tem como objetivo auxiliar a criança a entender como interagir com um animal de estimação, no caso, um cachorro. Trata-se de um material de apoio que pode ser utilizado pelos pais ou guardiões de uma criança, para guiá-la nas mudanças de rotina causadas por um novo animal de estimação em casa. Nele, estão contidas algumas regras de comportamento que podem ser intuitivas para pessoas neurotípicas, mas que são importantes e devem ser explicadas didaticamente para crianças com autismo. Conviver com um animal de estimação em casa ajuda crianças e adolescentes com autismo a melhorarem sua capacidade de relacionamento com pessoas. Por exemplo, podendo ser um assunto com o qual se sentem à vontade para conversar com outros. Algumas pesquisas também apontam que ter um cão em casa pode trazer mudanças fisiológicas positivas, como a redução dos níveis de cortisol, o hormônio do estresse. Além disso, ter um cão em casa pode ser uma grande lição de empatia e responsabilidade para uma criança, além de uma ótima companhia. Um cão pode ser um amigo valioso a ser guardado para a vida toda.

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A hisToria Em breve, ganharei um amiguinho de quatro patas. Vamos ter um cãozinho em casa! Meus pais me ensinarão como cuidar dele. Quando meu cãozinho chegar, eu devo manter a calma, para que ele não se assuste. Eu devo chegar devagar e mostrar a minha mão para que ele possa cheirála. Cheirar é o jeito do meu cãozinho me dar oi! Então, eu posso fazer um carinho em seu pescoço. Cachorros gostam de carinho! Devo fazer carinho sempre devagar e levemente para que ele não se machuque. Eu posso passar os dedos gentilmente pelos pêlos do meu cãozinho. Quando um cachorrinho está feliz, ele abana seu rabinho. Eu não devo puxar as orelhas, nem o rabo, nem o pelo, nem as patas de meu cãozinho. Isso vai machucá-lo e ele ficará muito triste comigo. Ele é meu amigo e não devo machucar meus amigos! Se meu cãozinho ficar triste ou zangado, ele pode mostrar os dentes e rosnar para mim, ou até tentar me morder. Mas ele não é malvado, ele só não sabe falar e está tentando mostrar que está chateado. Se isso acontecer, eu devo me afastar, andar até meus pais e explicar o que aconteceu. Todo dia, devo dar ração para meu cãozinho. A ração é a comida dele. Meu cãozinho não come a mesma comida que eu, por isso ele tem uma comida especial, que só cachorrinhos comem. Ele tem uma tigelinha especial para sua comida. Eu posso pedir ajuda para meus pais toda vez que for dar ração para meu cãozinho. Algumas vezes, posso até dar um biscoitinho para cães! Ele vai ficar muito feliz! Meu cãozinho também tem sede! Ele pode colocar a língua para fora quando estiver com sede. Ele também tem uma tigelinha para beber água. Meu cãozinho gosta de beber apenas água. Toda vez que eu ver sua tigelinha vazia, posso enchê-la, com um copo de água. Eu devo falar com uma voz suave e calma com meu cãozinho. Eu posso elogiá-lo e dizer a ele como ele é bonito e fofo! Ele vai ficar muito feliz! Eu não devo gritar ou falar alto com ele, pois ele pode ficar assustado e triste comigo. E eu não devo gritar

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com meus amigos! Eu posso brincar com meu cãozinho! Eu e meus pais podemos comprar brinquedos para ele! Posso pegar um dos brinquedos e jogar longe, para que ele vá buscálo. Mas não devo jogar nenhum brinquedo nele, para não machucá-lo. Eu e meus pais podemos levar meu cãozinho para passear! Nós compramos uma coleira e uma guia para que ele não corra e se machuque na rua. Eu devo segurar a guia firme, mas não devo puxá-la com força, para que o cãozinho não se machuque. Ele gosta de cheirar tudo que encontra no caminho! Às vezes, meu cãozinho fará xixi ou cocô. Ele não consegue usar a privada como eu, então ele fará no chão! Quando isso acontecer, posso chamar um adulto para me ajudar a limpar! Eu não devo tocar no xixi e cocô do meu cãozinho. Meu cãozinho também precisa descansar! Depois de brincar bastante, ele pode se deitar em sua caminha ou no chão para dormir. Quando ele estiver cansado, eu devo deixá-lo dormir. Assim, ele acorda animado e feliz para nos divertirmos de novo! Meu cãozinho é demais! Com o tempo, seremos cada vez mais amigos! Eu o amo muito. E ele me ama muito também! Como é bom ter um novo amigo!


Identidade visual

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Naming

Como o projeto Mundo Azul foi formulado como uma coleção de livros, surgiu a necessidade de criar uma identidade visual que identificasse os produtos como parte de um mesmo produto. Assim, uma marca foi criada e também uma página no Facebook, para divulgação da coleção e também comunicação direta com os pais e usuários do produto. Também desta forma, o acesso ao material é facilitado.

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O nome “Mundo Azul” foi escolhido pois a cor azul é comumente relacionada à conscientização do autismo. A Autism Speaks, uma organização norte-americana que patrocina pesquisas sobre o autismo, criou o evento Light It Up Blue!, que acontece todo dia 2 de Abril, o dia internacional de conscientização do autismo. O azul acabou se tornando a cor mais recorrente sobre a causa, em campanhas e publicidade. Na comunidade sobre autismo, o azul é extremamente utilizado e facilmente relacionado ao espectro, portanto utilizar a cor no nome foi também uma forma de criar um vínculo com o público específico da coleção. Já “Mundo” é uma palavra que remete a inclusão. Afinal, estamos todos vivendo em um mesmo globo, mas nosso mundo, infelizmente, não é o mesmo para todos. Mundo Azul é o mundo criado especialmente para as crianças no espectro autista, mas também é um lugar acolhedor para qualquer um que queira participar da conscientização de uma causa tão importante.


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Referencias Além da cor azul, outro elemento muito utilizado na identidade visual de organizações sobre autismo é a peça de quebra cabeça. A origem do símbolo data de 1963, criada por Gerald Gasson, membro da National Autistic Society, em Londres. Na época, o conselho acreditava que pessoas com autismo eram uma “incógnita”, e o símbolo do quebra cabeça não era usado por mais nenhuma organização de caridade ou comercial. A imagem de uma criança chorando também era recorrente, para lembrar que as pessoas com a condição sofriam. Felizmente, este símbolo não é mais utilizado. Desde então, a visão que a sociedade tem sobre o autismo mudou muito. Mas utilização da peça de quebra cabeça continua sendo comum. Em 1999, a peça foi adotada como o símbolo da conscientização do autismo. Por mais que a imagem ainda seja marca registrada da Autism Society, sua utilização para organizações não lucrativas é permitida, para demonstrar a união na missão de conscientização da condição. Em janeiro de 2015, a Autism Society of America criou um post em seu Facebook questionando seu público sobre o uso da peça de quebra cabeça como símbolo. As opiniões foram diversas. Muitos foram favoráveis: “Significa que não estou sozinho e que eu sou único, por conta do meu autismo! Eu tenho orgulho do meu autismo!”, “Eu sou parte do grande quebra cabeça que é a vida”. E também existem críticas: “Significa que eu sou uma imensa confusão para as pessoas e que nunca irei me encaixar”, “Eu não gosto do símbolo, ele lembra solidão, tristeza e solidão. Eu sei que não é o seu significado, mas ele não me faz me sentir esperançosa, compreendida, especial, nem como se eu pertencesse a algum lugar. Autismo é muito difícil”.

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A própria National Autistic Society, organização que sugeriu a utilização da peça de quebra cabeça, alterou sua identidade visual.

A organização sem fins lucrativos Hidden Wings, por exemplo, utiliza uma borboleta.

O Autism Rights Movement (ARM) é um movimento social dentro do movimento de conscientização da neurodiversidade focado no autismo. As cores do arco íris são utilizadas para representar a diversidade dentro do espectro autista e o símbolo do infinito carrega uma relação com a matemática, que é um assunto pelo qual algumas pessoas no espectro se interessam.

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Marca Por mais que existam muitas novas sugestões acerca de símbolos e paletas de cores a serem utilizadas em projetos que envolvam autismo, tanto a peça de quebra cabeça quanto a cor azul continuam sendo elementos recorrentes. Levando em conta que o nome do projeto é Mundo Azul, dificilmente outra cor seria utilizada na marca se não o azul. Além disso, é uma forma interessante de manter o vínculo com outras campanhas e projetos e também um fator facilmente identificável pelo público alvo. Contudo, observou-se a necessidade de fugir do símbolo de quebra cabeça, que atualmente pode carregar um significado pejorativo. Desta forma, procurei uma forma de fazer uma referência extremamente sutil a este símbolo mundialmente reconhecido. Já que o nome da marca é Mundo Azul, também gostaria de utilizar imagens redondas ou circulares, e, curiosamente, estas são as formas mais bem recebidas por crianças no espectro autista. Assim, recorri a imagem das “bolas de quebra cabeça”, que eram comuns em minha infância. Eram pequenos encaixes que, quando montados, formavam uma pequena bola. Pensando nisso, criei uma esfera formada por elementos que remetessem a esses brinquedo e a desmontei visualmente, criando pequenos símbolos acessórios que envolvem o logotipo e podem ser usados como complementos visuais. O logotipo é formado por letras desenhadas manualmente, tentando manter um tom lúdico e semelhante a letras infantis. Desta forma, a marca consegue unir alguns elementos que são ligados ao universo do autismo e também uma fonte lúdica, em tom infantil e divertido. As cores complementares, rosa e verde, também são divertidas, mas em tom pastel, recorrente no restante do projeto.

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Aplicacoes ,

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A Marca

Cores

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#26ACE3 C 70 R 38 M 13 G 172 Y0 B 227 K0

#D8E489 C 17 R 216 M 0 G 228 Y 59 B 137 K0

#F7BCD6C C0 R 247 M 33 G 188 Y0 B 214 K0

#F7A9AB C0 R 247 M 41 G 169 Y 21 B 137 K0


Preto, branco e cinza

Tipografia

Texto Maven Pro Regular ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ abcdefghijklmnopqrstuvwxyz

Titulos Good Dog Plain ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ abcdefghijklmnopqrstuvwxyz

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Simbolos acessorios

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A bola quebra cabeça, que foi usada como referência para a criação dos símbolos acessórios.

100% de opacidade

35% de opacidade

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, Pagina do Facebook

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Posts

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Quando a criança tenta obter algo

Resultado de uma sobrecarga sensorial

Ao observar a reação de um adulto, a intensidade da birra pode mudar de acordo

Sem interesse na reação do adulto

A birra para ao atingir seu objetivo

Não tem nenhum objetivo

Curta duração

Leva um tempo para passar


Não corresponder contato visual ou sorrisos

Não responder a sons, vozes ou nomes

Sem desenvolvimento da fala ou comunicação

Sem apontar, gesticular ou balbuciar palavras

Apego incomum a um objeto ou brinquedo em particular

Ausência de atenção compartilhada

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Consideracoes finais ,

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A criação de Mundo Azul foi a realização de um sonho pessoal para mim. Sempre tive um imenso interesse em trabalhar com o público infantil e inclusão. Infelizmente, pude observar mais uma vez como nossa sociedade não abraça verdadeiramente a diversidade como um todo. Neuroatípicos ainda sofrem extremo preconceito e suas dificuldades são ignoradas e mal compreendidas. Sua condição é muitas vezes utilizada como termo pejorativo. Por apresentarem comportamentos que fogem do padrão social esperado, são mal interpretados por neurotípicos que não entendem que certas normas sociais não são intuitivamente assimiladas por todos. Além disso, locais e materiais de apoio são raros. E, quando existentes, muitas vezes estão disponíveis apenas para uma pequena parcela com poder econômico, já que os investimentos em pesquisa e produção para o público com essas demandas são limitados. Mas são inegáveis os avanços dos últimos anos. Se na década de 70 o autismo era visto como uma espécie de psicose incompreensível e as mães culpadas pela condição, hoje o diagnóstico pode ser feito cada vez mais cedo, com crianças de menos de dois anos recebendo direcionamentos e apoio. Realizar o projeto Mundo Azul foi muito gratificante para mim. Poder conversar com famílias e pessoas que passam por situações difíceis por conta de um mundo não inclusivo foi transformador. Compreendi que eu mesma já cometi erros, já fui impaciente, já fui incompreensível. E também entendi que, a partir do momento que reconheço a dificuldade do outro, posso escolher entre ignorar ou ajudar. E enxergar o potencial transformador do design como uma ferramenta de apoio e criação foi algo que me trouxe enorme entusiasmo, muito bem vindo neste momento de conclusão do curso. Foi definitivamente uma ótima maneira de finalizar minha graduação. Espero carregar o projeto Mundo Azul por muito tempo e também continuar meus esforços em tentar tornar este mundo, um mundo realmente mais colorido para todos. E quando digo todos, enfatizo: realmente todos.

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Agradecimentos

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São tantos agradecimentos! Primeiramente, aos meus pais: Orlando e Júlia. Ambos foram extremamente carinhosos e compreensíveis comigo, em momentos tão delicados e estressantes (como acredito que são os trabalhos de conclusão de curso para todos!). Eu tenho uma imensa sorte de ter comigo uma família tão amiga e incrível. E, mamãe, obrigada por ter dado o nome a esse projeto. Você é mais designer do que eu! Eu amo vocês. Obrigada a toda minha família, vocês não podem mesmo ficar de fora daqui. Vocês representam o melhor de mim. Margarida, Manoel, Regina, Zé Luís, Carmen, Lucas, Ana, Márcia, Clóves, Bruna, Flávia. Eu amo vocês! Obrigada a todos os amigos que me aconselharam, opinaram sobre fontes, cores, relatórios e desenhos, de manhã a madrugada. Monroe, Izabela, Moon, Natália, José Paulo, Nicole, Priscilla, Jéssica. Vocês foram abraço e calma, e eu sempre serei grata por tudo isso. Eu tenho os melhores amigos do mundo. Do fundo do coração. Obrigada a todos que me auxiliaram na entrevista: todos no espectro autista e também aos pais. Obrigada por pacientemente responderem todas minhas dúvidas e por terem sido tão carinhosos comigo! A ajuda de vocês foi imensa e nada teria acontecido sem vocês. Obrigada à minha orientadora incrível, Cássia, que me pegou pela mão desde quando apareci na primeira reunião com quinze ideias diferentes, mas nenhuma concisa. E todos os e-mails de atendimento, fora do horário de trabalho! Você me deixou livre pra fazer esse projeto do jeito que eu queria, mas nunca deixou de me direcionar! E eu sou tão agradecida por isso! Obrigada ao meu namorado Gabriel, que foi quem mais ouviu reclamações, choros, desesperos. Mas também os surtos de entusiasmo. Você nunca deixou de acreditar em mim e, olha só, deu certo! Você me ajudou de tantas formas que não sei nem por onde começar. Eu sempre te admirei como designer e profissional, e sou imensamente feliz por agora poder me orgulhar de te conhecer como pessoa. Eu amo você! Obrigada ao meu irmão, Marcus. Você é uma pessoa espetacular. Nada disso teria acontecido sem você. Pra todo mundo que me perguntou nesses últimos meses “e aí, sobre o que é esse TCC?”, seu nome vinha à tona: “Meu

irmão é psicólogo, trabalha com crianças com autismo...”. E todas às vezes, eu falo com orgulho! O que você faz é incrível. Obrigada por ter respondido cada pergunta minha, mesmo que repetida. Por ter visto esse projeto de cabo a rabo, pacientemente, ajudado em cada mínimo detalhe. Isso tudo é metade seu. Eu nunca teria conseguido sem você! Você sempre foi meu irmão e amigo, por toda minha vida. E, por fim, dedico esse projeto ao meu priminho, João Lucas. E também sua família: Edson, Marielma e Pedrinho. Meu priminho completou recentemente dois anos e foi diagnosticado com autismo. Sei de todas as preocupações e dúvidas que surgiram a partir daí, mas vocês não estão sozinhos. Muita força e luz, estamos sempre todos juntos. Eu amo vocês! Com certeza, existem muitos outros nomes que gostaria de citar, um projeto tão longo com certeza contou com a ajuda de cada pessoa que conheço. Um muito obrigada a todos vocês.

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Anexos

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H. F. 22 anos, com sindrome de Asperger Não acho que a socialização seja crucial para a criança com autismo, mas como todo ser humano, gostamos de nos sentir importantes. Eu não tenho irmãos ou primos próximos. Então, cresci bem sozinha mesmo, mas nunca me importei. Nós temos uma coisa chamada falta de empatia. Para nós, amigos, familiares e etc, são sempre muito distantes. E por mais que soe duro para eles, a gente não se importa muito com companhia.” O que é necessário para alguém com Asperger são estímulos. Isso para qualquer pessoa no espectro autista. Sem estímulos, a gente tenta “se estimular”. No meu caso, se manifesta como mexer a perna repetidamente ou ficar me balançando para os lados. Mas em casos mais severos, a criança pode se machucar repetidamente. Os estímulos podem ser visuais, táteis, qualquer coisa que a gente achar interessante. Normalmente, qualquer pessoa no espectro tem o que é chamado de interesse específico. No meu caso, são eios de transporte. Sei lá, eu amo aviões e metrô, por exemplo. Sei diversos modelos de aviões, como identificar, ano de fabricação, onde voam, etc. Eu sei todas as linhas de metrô de Nova Iorque, estações, tipos de trens, localização de estações desativadas, motivos, e etc. Mas não é algo que controlo muito. Às vezes só me dá muita vontade de ver algo sobre aviões. E o mais interessante é que todo essa informação não tem a menor importância nas coisas que eu faço ou no meu dia-a-dia, já que eu não trabalho com nenhuma dessas coisas. Me dá vontade de ficar lendo pra sempre e nunca muda. Às vezes eu gosto de uma banda, ou um filme, mas depois de um tempo eu esqueço sobre. Dos casos que eu sei, os interesses são bem singulares, mas factoides costumam prender bastante atenção. Algumas crianças podem gostar de câmeras, ou células, ou tipos de folha. Nós também gostamos de detalhes, ou informações detalhadas. Às vezes, nos atemos demais a essas coisas. Porém pode-se estimular pessoas no espectro autista por meio de texturas, ou coisas que elas podem ficar mexendo, etc. Na escola eu sempre fui bem, me destacava em artes. Eu só tenho leve dislexia mesmo, e uma dificuldade abundante com números. Os números são muito abstratos pra mim, outras pessoas no espectro têm facilidade com

números. Eles conseguem ver como coisas, e não só valores, algo que eu não consigo. Acho que na mesma proporção em que nós podemos ter uma facilidade maior que pessoas neurotípicas em certos interesses, nós também temos uma dificuldade maior em outras áreas. Sou só meio distante mesmo, conheço todo mundo, mas raramente vou nos rolês. E na maioria das vezes, eu vou para agradar mesmo, eu não tenho muita vontade de ficar com as pessoas. Novamente, soa duro para quem me conhece, mas eu realmente não me importo com companhia. Nós não nos importamos tanto com socialização, a não ser que ela seja mandatória, como atender ao telefone ou falar com um vendedor de loja”. Eu gostava muito de ler enciclopédias quando criança. Eu não entendia nada, mas gostava das informações e palavras diferentes.

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M. S, mae de J, 2 anos, no espectro autista

1. Como foi descobrir o autismo do seu filho?

Foi muito difícil! Posso dizer com certeza que minha vida a partir do dia 9 de Dezembro de 2016, data em que surgiu a hipótese da condição do autismo em meu filho, é outra. Essa data foi um marco e nunca vou me esquecer, foi um choque pra mim e toda família! Era o nosso João, o mesmo, mas nós o víamos de um modo diferente, até porque não sabíamos quase nada sobre o autismo. A partir daí começamos a compreender algumas atitudes dele, que até então não entendíamos. Nessa data passei a noite em claro, chorando muito, vários sentimentos passaram por minha cabeça e pelo meu coração: revolta, raiva, dor, angústia e muito medo do que viria pela frente. Se iria dar conta, se iria suportar! 2. Vocês já passaram por alguma situação desconfortável socialmente? Sim! Quando ele não tinha o diagnóstico e ainda não tinha tratamento, em aniversários, missas, shopping, reuniões familiares, clubes, hospitais e clínicas, locais públicos que costumamos frequentar. Até no prédio em que moro, ele se desorganizava e não sabíamos como lidar com a situação! E não sabemos ainda, simplesmente saímos do lugar para ele se acalmar. Mas com a intervenção ele está muito bom não se desorganizou mais! Os olhares que as pessoas lançavam eram muito constrangedores e ainda acontecem, só que em menor frequência.

3. Como seu filho lida com a socialização?

É mais difícil com crianças da idade dele! No início ele era mais retraído, até com os adultos próximos, amigos, vizinhos e familiares. Hoje ele está bem melhor; se teve contato uma vez com uma pessoa, na segunda vez ele já se solta, aceita contato físico e olha bem nos olhos. Com crianças da idade do irmão, 10 anos, ele também socializa e quer até brincar!

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4. Como é a vida escolar de seu filho?

Foi muito difícil no início, para ele e acho que mais para nós, que não queríamos deixá-lo, pelo fato dele ainda não falar e não se comunicar! Tínhamos muito medo de como ele se comportaria e de como as professoras e coleguinhas seriam com ele. Ainda hoje, depois de seis meses, a adaptação é muito difícil. Ele chorava muito,mas agora não chora mais, e fica feliz quando o deixo lá! Ainda não consegui colocá-lo em uma escola pública, onde ouço relatos das dificuldades de mães na mesma situação minha! Os olhares e preconceito de pais de crianças típicas, a falta de preparação dos profissionais... Enfim, não é muito diferente na privada, algumas não aceitam o seu filho com essa condição e, quando aceitam, não há preparação! Ele ainda não fala, e se comunica pouquíssimo. Ele não pedia sequer uma água, e já sofreu até desidratação depois da escola. Outrora deixaram ele dormir por quase cinco horas seguidas. Ele também não come praticamente nada na escola! Hoje ele já bebe bastante água, não dorme mais na escola, está aproveitando mais as atividades em que antes ficava de fora... Só que ele ainda bate nos coleguinhas, mas com menos frequência! Apesar dele ser muito inteligente, ele não acompanha intelectualmente os coleguinhas da sala nas atividades e apresentações!

5. Como é o dia a dia da sua família? O dia a dia é muito difícil, comparado com antes. Era uma vida muito tranquila, agora é uma rotina corrida com terapias, consultas, exames... E praticamente sozinha pois, com a descoberta da condição do nosso filho, tivemos que mudar de cidade, deixar tudo para trás: casa, amigos, enfim, uma vida tranquila numa cidade pequena, mas sem recursos, para tratar meu pequeno. Consequentemente, mexeu muito com a vida do filho mais velho, que para nós estava encarando tudo numa boa, mas recentemente teve um quadro depressivo. Graças a Deus ele teve grande melhora com terapia. A família infelizmente se distanciou um pouco, devido ao trabalho. O pai fica a semana longe e só vem fim de semana, e a situação financeira também se complicou bastante, afinal não estávamos preparados para isso! Mas seguimos em frente a cada dia lutando para enfrentar os


obstáculos dessa condição. Infelizmente, tudo é muito caro ou burocrático para conseguir gratuitamente, e além disso, o meu filho fica ansioso, nervoso e tem recaídas.

6. Conte sua experiência positiva com seu filho e como isso pode ajudar outros pais que estão passando por problemas e dificuldades com seus filhos no espectro.

Aprendi a dar mais valor às coisas boas em minha volta, queixava-me de coisas bobas e hoje vejo o quanto eram importantes! Tinha amigas em situações semelhantes à minha atual, mas sinceramente não compartilhava minhas dores e angústias com elas. Acho que era indiferente e nunca imaginava estar nesta situação também! Hoje dou valor a tudo que meu menino consegue evoluir por mais lentamente ou pequeno que seja! Como ele não fala, cada letra ou palavra pronunciada é uma alegria enorme, cada avanço com a independência, com a socialização! Era muito orgulhosa, mas melhorei bastante, pois preciso constantemente da ajuda dos familiares, amigos, vizinhos e até de desconhecidos, em todos os sentidos. É uma luta diária, como falei anteriormente, com seus altos e baixos. Mas você se apega na esperança de que seu filho vai evoluir e ter grandes conquistas! Muitos falam em cura, mas eu não o vejo como um doente para ser curado. Eu o vejo como uma criança que tem suas dificuldades e limitações e que enfrento e enfrentarei tudo para ajudá-lo! Para as pessoas que ¬terão um diagnóstico dessa condição em seu filho, sei que não será fácil no início, mas terão de ser fortes, pois seu filho precisará de vocês. E falo com convicção que tudo ficará mais fácil a cada dia! Encontrarão pessoas na mesma situação que são muito solidárias e que compartilharão experiências e informações para ajudar. Hoje sou muito feliz por ter superado tantas dificuldades e ver o resultado dessa luta, é muito satisfatório.

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Marcus Sousa, psicologo especializado em autismo 1. Na sua opinião, quais as principais dificuldades enfrentadas por uma criança no espectro autista?

A grande dificuldade, ao considerar indivíduos com autismo no geral, é adquirir habilidades o suficiente para desenvolver uma vida autônoma e independente. Isso é bastante amplo. Os indivíduos com autismo têm dificuldades principalmente, eu diria, em habilidades de interação social. Assim, a maior parte das coisas que aprendemos de forma natural: as sutilezas das interações sociais do dia-a-dia, a compreensão de emoções alheias, as regras tão claras e concretas... Essas são as subjetividades da nossa vida social que eles têm dificuldade em compreender e realizar. E isso poderia ser destrinchado em inúmeros detalhes.

2. Nossa sociedade está preparada para acolher crianças com autismo? O que está faltando? Não diria que estamos preparados para atender esta demanda. O Brasil não está preparado. Embora o país não tenha dados muito precisos sobre o autismo, podemos ver que é uma população cada vez mais crescente. E não temos preparo para este tanto. É uma população que, no geral, necessita de uma intervenção intensiva, com muitas horas: estudos demonstram que são necessárias de 20 a 40 horas semanais. Intervenções precoces também são importantes, além de intervenções compreensivas que abracem várias áreas do desenvolvimento, considerando que estamos lidando com atrasos em diversas áreas do ser humano. Portanto, o ideal seria trabalhar com a multidisciplinaridade: uma série de profissionais trabalhando em conjunto. Entretanto, o Brasil não tem um sistema que trabalha com isso de forma eficaz. O sistema público não possui recursos pra esse tipo de trabalho e a cultura brasileira ainda não compreende o que é necessário para trabalhar com autismo. As intervenções são sempre muito sucintas. As pessoas se assustam com a carga horária necessária para a intervenção, o que não ocorre em outros países. Na Europa, nos Estados Unidos, as cargas horarias intensivas já são previstas e o governo preconiza isso através de cartilhas

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e leis federais. Em nosso país a legislação até eciste, mas não temos centros de referências adequados no sistema público. Muitos indivíduos com autismo acabam caindo em centros de atendimento psico-social, CAPES, que não estão muito preparados para a condição. A legislação prevê que estes indivíduos sejam atendidos em centros de atendimento especializados, entretanto não temos muitos no Brasil. Em São Paulo, já são raríssimos e, mesmo entre os existentes, poucos estão realmente preparados. Dentro do sistema privado, o nível de adequação é maior, mas o custo dos profissionais é elevado. Estão faltando centros de referências públicos adequados para atender a população no espectro autista. Precisamos ampliar nosso olhar para todo o sistema público de saúde. Todos os profissionais da área de saúde deveriam ser capacitados em algum instrumento de rastreamento para poder identificar sinais de autismo em crianças, a fim de encaminhá-las para intervenções precoces. Precisamos de centros que trabalhem com tais dinâmicas e sejam devidamente formados. Não é uma demanda fácil de ser trabalhada, que requer muito conhecimento e estudo. Precisamos também de uma fiscalização melhor em relação a indivíduos e centros que se dizem especializados na condição, mas que não estão realmente preparados e não têm nem técnica e nem conhecimento necessário para este trabalho.

3. Como as escolas recebem as crianças no espectro autista? Algumas poucas escolas já estão mais abertas a receber essas crianças. Para isso, muitas têm currículos adaptados ou profissionais que possam estar fazendo um trabalho de inserção, professores adjuntos e programas que estimulam interação social. Porém, essas são raras exceções. Na maioria das escolas existe um despreparo, uma falta de profissionais que saibam fazer uma adaptação curricular ou que saibam lidar com estas crianças em termos mínimos. Nenhuma escola, por lei, pode recusar uma criança com autismo. Entretanto , muitas vezes, escolas alegam que não têm vagas para acolher tais crianças ou alegam que não se sentem preparadas para trabalhar com uma criança no espectro. Mas elas têm que estar preparadas. Elas devem atender essas crianças porque isso está previsto na legislação.


As escolas públicas, muitas vezes, recorrem a cuidadores e isso satisfaz alguns pais. Contudo, na realidade, esses cuidadores podem não estar preparados e acabarem não adaptando material e falhando em realizar um processo de mediação de conteúdo. A criança pode acabar tendo suas necessidades negligenciadas. É preciso reforçar que são crianças que não aprendem nas mesmas condições naturais que outras, apenas a inserção das crianças no espectro autista na sala de aula não basta. Adaptações são necessárias. Inclusão não é meramente colocar uma pessoa na sala de aula. Escolas que estão fazendo somente isso não estão promovendo inclusão. E ainda existem instituições que acabam por excluir totalmente a criança, deixando-a fora da sala de aula, com seu cuidador, e as privando de qualquer aprendizado, seja intelectual ou em interações sociais básicas.

Por exemplo, ir a uma consulta odontológica sem precisar de um processo de anestesia, acessar consultas pediátricas, acessar recursos legais, integrar o sistema educacional em um ambiente de sala de aula saudável... É necessário um maior estudo e compreensão sobre esses indivíduos, por todos os membros da sociedade.

4. O que um profissional da saúde faz para ajudar crianças no espectro autista?

Todos os profissionais da saúde deveriam ter o mesmo intuito: aumentar a autonomia e independência dessas crianças, trabalhando em várias áreas do desenvolvimento diferentes. Um bom profissional deve ser capaz de realizar análises funcionais, compreender o comportamento da criança, avaliar quais habilidades a serem desenvolvidas, traçar um plano de trabalho de acordo com as necessidades de cada criança, individualmente. As áreas são muito amplas: fala, acadêmicas, cognitivas, e por isto cada plano deve ser individual. Um bom profissional também deve trabalhar na mediação e interação com outros meios. Não deve ser um trabalho baseado na estrutura apenas de um consultório, mas trabalhar habilidades em um contexto natural.

5. O que profissionais de outras áreas poderiam fazer para auxilar na inclusão de pessoas do espectro autista em nossa sociedade? Acredito que devem, primeiramente, se informar e acrescentar em seu conhecimento informações básicas sobre o autismo e compreender como lidar com indivíduos no espectro. Não é necessária uma especialização. É preciso permitir que pessoas com autismo tenham acesso a mais serviços sem necessitar da mediação de centros especializados.

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Bibliografia

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Livros

Sites

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