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(fome de fé)
UFRJ/EBA Desenho Industrial Fernanda de Figueiredo Cardoso Barbosa DRE: 120036933 Design básico I e Seminário em Design I Professores: Jeanine Geammal e Pedro Themoteo 2020.1
SUMÁRIO introdução..........................04 patakí...................................09 ifá..........................................14 orishas.................................16 utensílios.............................28 ingredientes........................44 pratos...................................54 inspiração...........................74 processo de pesquisa......82
introdução
Para responder o questionamento “Você tem fome de que?”, explorei um campo que está muito presente na minha vida, mas que nunca tive a motivação certa para começar: a religião. Apesar de não ser uma pessoa religiosa, sempre fui muito curiosa e com isso, o tema “Fome de Fé” surgiu para explorar a fé e devoção dos meus pais. A pesquisa que resultou nesse Objeto-Livro surgiu a partir de uma vivência particular, única e extremamente pessoal. Minha intenção, ao explorar uma religião desconhecida por muitos é mostrar um papel profundo que a comida pode exercer, e desmistificar a concepção errada que alguns podem ter em relação ao uso de alimentos no Ifá, uma religião de matriz africana. É de conhecimento geral que dentro da religião a comida assume uma grande importância. No catolicismo, por exemplo, vemos a representa5
ção de Jesus no vinho e no pão. Em religiões que saem dessa bolha, o mesmo acontece, divindades são representadas e associadas à alimentos específicos. No Ifá, o ato de cozinhar para um orixá começa na escolha dos ingredientes e só termina ao entregar a comida pronta. Por causa dessa última estapa, é comum ver comentários negativos relacionados às cerimônia religiosas do Ifá, Candomblé e até mesmo da Umbanda. A comida pode ser motivo de separações, de trégua ou união, ela sustenta, ela aquece, ela acalma. Em um único alimento existem diversos significados que vão além do simples satisfazer da fome. A comida não tem a função de alimentar apenas o corpo e é isso que esse livro vai explorar. Considerando a minha experiência durante a pesquisa, a comida des6
pertou curiosidade, me proporcionou conhecimento e momentos nos quais eu me senti mais próxima dos meus pais. Ela me trouxe esperança, me divertiu e fez com que eu me sentisse especial. Ela permitiu que eu fosse à praia, ao mercado, que eu explorasse novos ingredientes e que eu me vestisse com roupas que achei que nunca usaria. Tantas exepriências e sentimentos foram porporcionados por causa alimentos que eu nem cheguei a experimentar, mas que foram entregues como uma forma de presente e agradecimento à entidades maiores que eu.
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patakí
Um Patakí é uma história contada dentro do culto do Ifá para passar um ensinamento. Dentro da religião, existe um Patakí sobre Ogun e Oshosi que nos mostra a importância da alimentação para os orishas, e como ela pode significar muito mais do que apenas o saciar da fome. Para aqueles que desconhecem, Ogun é o orisha que significa a força bruta e sua representação está na bigorna, enquanto Oshosi significa a astúcia e sua representação está no arco e flecha. Assim como os humanos, alguns orishas também possuem dificuldades, Oshosi, por exemplo, é muito devagar para realizar algumas tarefas. No momento de caçar, ele consegue ser sempre muito certeiro com seu arco e flecha, porém não é capaz de chegar na sua presa à tempo, outros predadores sempre acabam roubando sua caça. Por outro lado, Ogun é rápido e ágil, porém ao cortar o mato com sua espada, assusta os animais por ser muito barulhento. 10
Vendo essa situação, Orunmila, o orisha do destino, decide que a melhor opção para que os dois inimigos possam oferecer alimento para suas respectivas aldeias é juntá-los. Separadamente, Orunmila combina de ir caçar com cada um e cria uma situação onde Ogun e Oshosi se vêm obrigados a se ajudar para ir atrás de alimento. Nesse evento um cervo surge no caminho dos dois orishas e com uma flechada certeira, Oshosi acerta sua presa. Logo em seguida, abrindo caminho pela mata com sua espada, Ogun conquista a caça dos dois. No fim, o cervo revela ser Orunmila disfarçado para provar seu ponto: um não pode existir sem o outro. A comida nesse caso criou um elo e transformou uma relação. Após esse acontecimento, Ogun e Oshosi passam a viver unidos, e junto de Eshu, os três são chamados de guerreiros de Orunmila.
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A alimentação cria laços, ela ajuda, ela permite a vivência de novas experiências e principalmente ela preenche muito mais do que apenas o corpo. A comida é uma ferramenta usada para a solução de um problema.
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ifá
O Ifá, assim como o Candomblé, é uma religião de matriz africana. Dentro de Ifá estão contidos todos os segredos da vida e da morte e de todas as coisas existentes no mundo. É com auxilio da palavra e da sabedoria de Ifá que nos munimos do saber necessário para sairmos vitoriosos dos obstáculos existentes no mundo (infortúnio, tragédias, morte, etc.) e principalmente do destino que a nós foi recomendado. Alcançando assim o êxito na vida. Ifá é um sistema criado por Deus, sendo este seu próprio raciocínio. Em Ifá narra como Olodumaré criou o mundo e para quê. O Ifá veio da África mas se desenvolveu em Cuba, e nele vemos como Olodumaré (Deus) criou o mundo e tudo que está inserido nele.
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orishas
Uma mesma divindade pode receber vários nomes e até mesmo ter diversas grafias, dependendo da religião e da língua usadada nela. Todos os Orishas que serão trabalhados aqui, serão no contexto do Ifá. Materialmente eles podem ser representados por pequenos objetos como bustos, soupeiras, pratos ou até mesmo cores específicas em um fio ou por objetos maiores como baús e vasos. Cada orixá tem suas características próprias como prato favorito, número ideial, e o local onde vive.
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eshu
Eshu é o princípio dinâmico do mundo, em todos os sentidos. É bom para quem é bom para ele e mal para aqueles que não o reverenciam. Na ilustração, temos uma representação simples do busto de eshu que os iniciados no Ifá recebem após a cerimônia. Eshu é uma palavra em Yoruba que tem como significado: esfera. É o orisha do movimento em nossas vidas, tudo começa por ele, pois assim ele se encarrega de assegurar que tudo ocorra bem. É considerado o Orisha mais próximo ao humano, pois enquanto os homens viram as costas para os outros, Eshu estende sua mão. É o Orisha da comunicação, ordem e disciplina.
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oduduwa
Alguns orishas não gostam de ser fotografados ou vistos, como é o caso de Oduduwa. Sua representação física é um báu tranccado e que não pode ser aberto. Oduduwá é a representação do mundo dos espíritos e, portanto, também o dono de todos seus segredos. Ele representa o pai da genética e também é considerado o princípio da ancestralidade. Ele determina o nascimento e a morte de todos os seres humanos já que ele é quem determina o tempo de vida do nosso corpo físico. Por inteferir no destino dos seres humanos, ele está muito ligado ao orisha Orunmilá*. É ele quem dá o sopro da vida no útero materno, acoplando o espírito a primeira formação biológica e por isso representa a maternidade**, pois cumpre um papel materno ao acolher os seres humanos em sua passagem pela Terra * Explicação de Orunmilá na página 7
** Mesmo sendo um orisha masculino
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iansã
P odendo ser chamada também de Oyá, Iansã é a intensidade dos sentimentos lúgubres e o mundo espiritual. Está muito relacionada com Ikú, a divindade da morte. Propicia os temporais, os ventos fortes ou furacões e os relâmpagos. Simboliza o caráter violento e impetuoso. Tem poder sobres os Eguns (espíritos). Na natureza também é simbolizada pelos relâmpagos. Representa a reencarnação dos ancestrais, a falta de memória e o sentimento de pesar na mulher. Ela representa o ar puro e é um dos cinco elementos fundamentais para a vida. A bandeira, as saias e os panos de Oyá levam uma combinação de todas as cores, exceto preto. Seu número é 9.
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yemonja
Podendo ser chamada de diversos nomes como Iemanja, Yemayá ou Yemonja é a divindade das águas salgadas e a guardiã de todas as riquezas. Ela representa a inteligência, a sabedoria e a mudança, assim como o mar. O número de Yemayá é 7, suas cores são diferentes tons de azul, branco ou cristal. Seu nome vem do Yorùba Yemòja que significa mãe do peixe (Yeyé: mãe, Omo: filho, Eyá: peixe). Ela é dona das águas, a fonte de toda a vida e representa o útero em qualquer espécie como fonte de vida, fertilidade e maternidade. É considerada por muitos como a mãe universal, a mãe de todos os Orishas.
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oxum
Orisha do amor, mel e doçura. Na natureza, é simbolizada por rios, pois Yemonja lhe deu a fortuna de seu lar, a água doce. É representada como uma mulher linda, sensual, feliz e sorridente, mas por dentro é severa, sofredora e triste. Foi Oshun quem pediu a intervenção das mulheres no conselho dos Orishas e ela representa o rigor religioso e simboliza o castigo implacável . Em sincretismo ela é comparada com Nossa Senhora Aparecida. Seu número é 5 e seus múltiplos. Sua cor é amarela em todos os seus tons. Algumas de suas ofertas favoritas são girassóis, doces, abóbora, mel, e frutas.
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utensílios e cuidados
Certas cerimônias pedem por utensílios específicos, além dis-
so, alguns cuidados no preparo dos alimentos devem ser tomados. Deve-se lembrar a todo tempo que aquele orixá, ao receber um presente, pode sinalizar que algo está errado ou insuficiente e por isso o preparo correto é tão importante
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alguidar Essa vasilha circular feita de barro é utilizada para oferendas. Antes de colocar o alimento pronto, o alguidar deve ser lavado com cachaça. Para despachar os alimentos na rua o alguidar pode ser substituído por um prato de papel, ele é essencial apenas para servir o alimento para o orisha na esteira. 30
louça de ágata Esses dois utensíliso são usados por aqueles que participam do Itefá, isso é, a segunda iniciação dentro do Ifá. Esse rito é considerado um renascimento, e por isso, existe uma necessidade em usar louças simples que não machucariam uma criança. 32
cabaça e casca de coco Ambos são usados como recipientes. A cabaça é usada principalmente como talher quando se come na louça de ágata, enquanto que a casca de coco serve como recipiente para água em diversas cerimônias. Ao entregar a comida para o orixá na esteira, usamos a água na reza inicial. 34
esteira Sempre que uma comida é oferecida a um orisha ela deve primeiro ser colocada na esteira de palha para a realização de um jogo. Jogamos o coco para o orisha em busca de respostas para perguntas como “Essa comida está suficiente?” ou então “Falta algo?”. Dependendo da forma como o pedaço de coco cai no chão pode significar sim ou não. A esteira também, serve como local de apoio para as representações físicas desse orixá que vamos presentear. 35
vela Em qualquer preparo de alimento destinado à um orixá, sempre uma vela deve estar acessa próxima à você. Isso é um sinal de respeito. Caso queira, pode colocar ao lado uma taça de água filtrada.
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fios O modo como uma pessoa se veste e se comporta durante a preparação do alimento importa muito. Para aqueles que estão apenas observando basta evitar usar roupas pretas, para aqueles que vão preparar é essencial que usem uma roupa branca, seus fios no pescoço e no caso das mulheres, um lenço na cabeça. 40
colher de pau Em qualquer preparo de alimento destinado à um orixá, se deve usar sempre a colher de pau no lugar de talheres de metal. Também deve-se evitar usar utensílios na cor preta.
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ingredientes
cachaça Além de ser usada para complementar qualquer das comidas, caso necessário, sempre se deve oferecer bebida a Eshu (de preferência, algo que você também beberia). 46
acaça Farinha de milho branco usada no preparo das bolas de acaça, prato oferecido como presente para o orisha Oduduwa. 48
dendê cebola camarão seco Os três ingredientes são usados no preparo do acarajé, oferecido à Iansã. O azeite de dendê é extremamente versátil na cozinha, além de ser usado para complementar qualquer das comidas caso o orisha queira, é nele que fritamos os acarajés oferecidos à Iansã. 50
leite de coco O leite de coco é o ingrediente base usado na preparação do manjar para Iemanjá e no quindim para Oxum.
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pratos
Com os ingredientes mostrados no tópico anterior preparamos cinco pratos diferentes para cinco orisha diferentes. Cada um deles é empratado de um jeito específico considerando como seu despacho vai acontecer, isso é, pensando em como esse alimento será entregue ao orisha. Como essas comidas são colocadas na rua, demos preferência à pratos de papel que causam menos impacto no meio ambiente e que previnem que acidentes ocorram.
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frutas As frutas são oferecidas a Eshu. O alguidar é preparado com cachaça e todas as frutas são cortadas de um jeito específico. Para servir o prato colocamos o alguidar ao lado do busto de Eshu na esteira junto de duas velas. Quando essas duas velas acabam essas frutas precisam seguir seu caminho, ou seja, precisam ser despachadas. 56
bolas de acaça 16 bolas de acaça são oferecidadas a Oduduwa. Essa receita leva apenas a farinha e água.
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acarajé 9 acarajés são oferecidos à Iansã. Diferente da receita original, para um orixá acarajé não tem recheio, é apenas a massa frita no dendê.
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manjar O manjar de coco é um alimento muito conhecido e muito consumido normalmente. Essa versão preparada para Iemanjá não leva a calda doce ou as ameixas, apenas a base de coco
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quindim O quindim é o alimento oferecido à Iansã.
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inspiração
Os grandes responsáveis por esse trabalho ter sido levado pra frente foram meus pais, tanto pela ideia de tema quanto pela ajuda que recebi durante as semanas. Graças a eles eu consegui concluir esse livro, então esse tópico irá mostrar como eles conseguiram me inspirar a continuar pesquisando e fotografando para obter esse arquivo final. Obrigada mãe. Obrigada pai. Sem vocês eu não seria nada (e esse trabalho também não).
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processo de pesquisa
Durante a pesquisa para a elaboração desse Livro-Objeto, muitas fotos foram tiradas e muitas outras foram rejeitadas. A seguir nesse tópico estão algumas fotos tiradas durante a confecção dos alimentos outras relacionadas a algumas experimentações que realizei nesse processo.
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referências
DESCONHECIDO, Autor. Postagens Orishas. 2021. Instagram: ire.ifabasan. Disponível em: https://www.instagram.com/ire.ifabasan/. Acesso em: 03 mar. 2021. DESCONHECIDO, Autor. Textos. Disponível em: https://ifanilorun.com. br/. Acesso em: 02 mar. 2021.
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