Síntese da disciplina de Trabalho de Graduação Integrado 1, desenvolvido no instituto de arquitetura e urbanismo da USP São Carlos sob orientação e acompanhamento de prof. dr. David Moreno Sperling e prof. dr. João Marcos Lopes.
trabalho de graduação integrado I fernanda vitória neves da silva São Carlos | sp | junho, 2018
Este trabalho se propõe a refletir sobre as relações e dinâmicas entre os espaços inteseccionais produzidos histórica e dialeticamente pela lógica rural e urbana. Simultâneamente, e se projeta como investigação de uma produção contemporânea de espaços de resistência em relação às lógicas dominantes tanto no que diz respeito ao rural quanto ao urbano.
Ăndice
investigação teórica:conceituação sobre campo e cidade
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o debate agrário no brasil
14
reforma agrária e ação projetual no campo heterotópico
19
leitura metropolitana
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leitura da cidade
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intervenção na escala metropolitana
44
referências projetuais
48
leitura da subprefeitura de perus
54
leituras da área de interesse
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programa da intervenção
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espacialização do programa de intervenção
70
organização e circulação da área produtiva
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o espaço distributivo
74
diagrama de implantação da área do recorte
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floresta de alimentos
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referências bibliográficas
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investigação teórica: conceituação sobre campo e cidade Via de regra, ao se tratar das relações rural-urbano e campo-cidade, há uma relação de oposição previamente admitida que se faz presente desde a conceituação do que seria o campo e o que seria a cidade. De modo que, usualmente, a definição do campo vem por oposição ou exclusão do que seria a definição de cidade, assim como para a relação urbano-rural, na qual se pressupõe que o urbano é estritamente o que é próprio da cidade e o rural apenas o que pertence ao espaço campo, e que a existência de ambos é fundamentalmente contraditória e imiscível. A gênese dessa concepção baseada na oposição entre campo e cidade é dada da conceituação histórica de que a maior e primeira importante divisão do trabalho material e intelectual é a separação da cidade e do campo. Essa divisão no âmbito espacial atribui ao que se conformava como cidade as atividades políticas, comerciais e posteriormente industriais e o trabalho agrícola e pecuário passou a pertencer ao campo. A divisão estabelece, portanto, uma construção histórica dos conjuntos de relações e atividades que se consolidam como rurais - que normalmente, mas não sempre se materializam sobre o campo - e como urbanas - que costumam se materializar na cidade, sendo a partir dessas conceituações que se marca que essa divisão presume uma relação de oposição e dependência entre esses pares análogos. É importante salientar, que a divisão do trabalho material e intelectual aqui tratada se desenrola em camadas não só espaciais, mas também sociais, de raça e gênero, de forma que essa separação, aliada ao modo de produção capitalista produz a perpétua divisão em que o “prazer e o trabalho, a produção e o consumo caberem a indivíduos diferentes” (ENGELS; MARX, 1984, p. 36) além de pertencerem a espaços diferentes. Desta forma, gradativamente a cidade se conformou como o espaço da moP. 8
dernidade, dos prazeres da farta oferta de serviços, lazer e infraestrutura, dos instrumentos de produção da ausência da natureza e das rápidas transformações sociais e paisagísticas. E dada a premissa da oposição, pertenceria ao campo, tudo que é contrário à cidade e se ausenta tudo o que se faz presente nela. Na contemporaneidade, principalmente quando se propõe a refletir sobre essas relações em via de produzir uma ação prática e teórica sobre o campo e a cidade, é necessário compreender a definição e a conformação desses espaços e seus conjuntos de relações sociais e produtivas de uma maneira menos dicotômica. A caracterização de Sodré; Martins (2016) define primeiramente a cidade e o campo como categorias essencialmente materiais, dotadas de concretude que detém correspondência visual e palpável entre seu conceito e sua assimilação na realidade. Paralelamente a esse conceito, o urbano e o rural são definidos como um conjunto de relações sociais e produtivas construídas que se expandem para a realidade concreta. Deste modo o urbano é projetado sobre a cidade, mas não apenas sobre ela, assim como o rural é projetado sobre o campo, mas não exclusivamente sobre ele, contudo, tanto o rural e o urbano não existem autonomamente recusando uma materialidade, a existência exclusivamente abstrata e conceitual não é suficiente. Essa projeção do rural e do urbano sobre o campo e a cidade ocorreu em diferentes proporções desde que se estabeleceu a essa divisão do trabalho, e suas variações estão vinculadas às mudanças da lógica de produção vigente e de seus métodos organizacionais. A relação entre os pares analógicos cidade-urbano e campo-rural, por conseguinte, é estabelecida de forma dialética e não monocausal. É possível traçar uma linha cronológica que fundamenta a leitura das diferentes relações entre o campo e a cidade desde o princípio do que se P. 9
pode chamar de sociedade urbana. Primeiramente, debruça-se sobre a chamada “cidade política”, cujos correspondentes podem ser encontrador nas cidades greco-romanas, nas quais a cidade concentrava as atividades administrativas, políticas e intelectuais de modo que o espaço produtivo era o campo. Nessa conformação o rural era a lógica organizacional dominante nessa sociedade, de modo que o mesmo extrapolava os limites do campo, imperando perando a lógica urbana também na cidade. Acompanhando o salto histórico de Sodré, Martins (2016), analisa-se a relação produtiva campo e cidade no fim da Idade Média, quando tem-se o aumento do desenvolvimento mercantil e a cidade comercial passa a traçar sinais de um desprendimento com o campo. Contudo ainda é uma cidade submissa à lógica rural, uma vez que a ainda não compreende a produção. É somente com a Revolução Industrial, momento em que a cidade passa a ser o centro produtivo da sociedade (e o capital se estabelece como condição material essencial da subsistência humana), que a lógica de dominância do rural sobre o urbano é paulatinamente invertida e o campo passa a ser subjugado à lógica produtiva urbana e do capital industrial, e posteriormente ao capital financeiro numa dada ordem global. Nesse período de transição e inversão produtiva, é notável a nova relação entre terra e capital: “(...) é entre os séculos XV e XVI que o rural – a terra – passa a sucumbir perante a riqueza móvel – o capital e o dinheiro – como lógica dominante, submetendo-se ao ímpeto urbanizador crescente da sociedade. (...) o dinheiro começa a dar sinais de superação da terra como riqueza, o que se consolidará mais tarde, quando se torna a moeda padrão. A própria terra passa ser valorada por meio do dinheiro, e a cidade se desvencilha do rural, passando a controlá-lo.” (SODRE; MARTINS, 2016, p. 55) P. 10
Outro viés de análise sobre a questão rural-urbana, é através da tríade espaço absoluto, abstrato e diferencial de Lefebvre, apud. Sodré ; Martins (2016), na medida que colabora para esse entendimento não-antagônico e uma base de análise que apresenta um horizonte de possibilidade de produção do espaço rural na era contemporânea. Para o autor, o espaço absoluto é aquele ligado a uma ordem dominante “primeira”, presente originalmente nas cidade “políticas” da Antiguidade, nas quais, segundo Limonad (2003), a terra dispunha de uma função imprescindível, uma vez que a dinâmica rural era imperativa à dinâmica urbana e a prática de poder estava relacionada diretamente a propriedade e dominação dessa terra, principal meio de produção dessa sociedade. Gradativamente, o capitalismo exigiu diferentes conformações organizacionais, e a partir dessas imposições, novas estruturas sociais, produtivas e espaciais provocaram o que Lefebvre aponta como o espaço abstrato, que, derivado de uma relação de acumulação não substitui totalmente o absoluto , já que também responde à mesma lógica de dominação. De acordo com Sodré;Martins (2016) o espaço contemporâneo, pode ser majoritariamente categorizado nesse espaço abstrato, essencialmente material, que porém é preenchido por abstrações pronunciadas pelo capital e posteriormente projetadas sobre os modos de vida e reproduzida pelos seres sociais habitantes dos espaços tanto da cidade quanto do campo. O movimento homogeneizante da produção dos espaços abstratos, todavia, não é capaz de atingir uma totalidade e são nos seus hiatos onde resistem e se produzem o que Lefebvre define como espaço diferencial, sendo ele a alternativa ao modelo hegemônico expresso no espaço abstrato. Esse espaço existe no espaço do capital sob o viés da resistência, e aqui podem-se inserir alguns pontos de insubordinação do campo em frente à investida P. 11
da lógica de homogeneização espacial urbana como a permanência de uma sociabilidade camponesa, a agricultura familiar, as ocupações rurais que lutam pelo acesso à terra entre outros. A lógica urbana e os processos de urbanização, regente tanto da cidade como de certa forma do campo, desempenha papel fundamental dentro da manutenção do capitalismo, sendo a mais expressiva dessas ações essenciais para a reprodução do capital a via de mão dupla estabelecida entre a produção capitalista e a urbanização a respeito dos excedentes produtivos. Segundo HARVEY (2014) a urbanização é inegavelmente um fenômeno de classe viabilizado pela gestão e distribuição de um excedente extraído “de algum lugar ou de alguém”, o lugar comum de extração desse excedente - principalmente na era pré-industrial e industrial nos países desenvolvidos e perdurando até recentemente nos países subdesenvolvidos - foi o campo e a atividade agrícola. Assim sendo, fica claro a noção de que a terra hoje habitada é produto do trabalho humano coletivo, em muitos casos, essencialmente o coletivo rural, mas em contrapartida disso, o direito à terra, tanto urbana quanto rural, assim como o direito à cidade e ao campo é negado coletivamente, a concentração desse direito está enraizada socialmente, produtivamente e historicamente e a manutenção dessa concentração, faz parte do processo de contínua apropriação e destruição dos comuns urbanos em função dos interesses privados - e embora não conste na conceituação de HARVEY (2014) a ideia de comuns rurais, é possível constituir um paralelo. “Se a forma capitalista de urbanização está tão completamente inserida e é fundamental na reprodução do capitalismo, consequentemente as formas alternativas de urbanização, devem necessariamente se tornar centrais em qualquer busca de uma alternativa anticapitalista.” (HARVEY, 2014,p. 132 e 133)
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A questão da relação campo-cidade, e sua relação antagônica ou não, para Lefebvre, apud. Sodré; Martins (2016), não é mais protagonista do debate central da atualidade, nem deve ser, não por seu desaparecimento, mas porque o embate fundamental da sociedade contemporânea é a ampliação da expressão da histórica luta de classes que manifesta nas novas relações de trabalho, uma vez que o exploração capitalista não se expressa somente na relação do trabalho com a terra, incorporou-se na sociedade contemporânea novas formas de exploração que devem ser igualmente combatidas. É essa lógica da luta de classes que conforma a produção espacial tanto do campo e quanto da cidade, “uma vez que as classes envolvidas atuam como agentes produtores do espaço e sujeitos por ele condicionados.” (SODRÉ; MARTINS, 2016, p.59). Para esses autores, baseados, por sua vez, nos conceitos de Lefebvre, a única razão pela qual o espaço abstrato ainda não teve sua dominação integral tanto no campo quanto na cidade é a luta de classes e sua constante tentativa de produzir espaços diferenciais. A ruralidade, como um conjunto de relações conformado por uma dinâmica própria, interna e imaculada, como já foi explanado, não existe mais - a não ser em alguns casos de persistência num registro residual do espaço absoluto - a tentativa de resgatar essa dinâmica não é viável tampouco profícua para um panorama de progresso efetivo das relações socioprodutivas. A atenção é voltada, em coro à Sodré, Martins (2018), não para proposição da ruralização da sociedade em oposição à ideia de urbanização - proposição habitual em algumas utopias urbanas que buscam uma reconciliação com o campo numa perspectiva idealizada - mas sim, para constatar valor nos exemplos de resistência produtiva, social e espacial nesse elo campo-cidade que produzem um espaço resiliente dentro da supremacia urbana-capitalista, demonstrando alternativas espaciais e produtivas ao modelo hegemônico. P. 13
o debate agrário no brasil
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Há uma essência latifundiária que permanece no agronegócio brasileiro, que exige ser entendida pelo olhar histórico sobre a formação do nosso território, uma vez que nele a terra sempre foi concentrada desde a organização das capitanias hereditárias e sesmarias. Ainda que esses instrumentos tenham se modificado muito nos séculos XVIII e XIX, o latifúndio como conjunto de relações de poder já estava enraizado no país e se concretiza ainda com mais solidez com a Lei n. 601, conhecida como Lei de Terras, associada a posterior abolição da escravidão e ao incentivo da imigração de estrangeiros ao Brasil. A Lei de Terras, promulgada em 1850, legitimava que a única forma de aquisição da terra seria através da sua compra, ou através da posse já existente, cuja única comprovação possível, de acordo com Suzuki (2012) era segundo os registros paroquiais. Desta forma, se consolida a propriedade privada mercantilizada e a privação do acesso à terra à grande maioria da população que nela trabalhava, fortalecendo portanto a estrutura latifundiária brasileira. “A Lei de Terras de 1850 e a legislação subseqüente codificaram os interesses combinados de fazendeiros e comerciantes, instituindo as garantias legais e judiciais de continuidade da exploração da força de trabalho, mesmo que o cativeiro entrasse em colapso.(...) Importava menos a garantia de um monopólio de classe sobre a terra, do que a garantia de uma oferta compulsória de força de trabalho à grande lavoura. De fato, porém, independentemente das intenções envolvidas, a criação de um instrumento legal e jurídico para efetivar esse monopólio, pondo o peso do Estado do lado do grande fazendeiro, dificultava o acesso à terra aos trabalhadores sem recurso. (MARTINS, 1990:59).” (p. 137) Em relação ao trabalho na terra, tem-se que com a abolição da escravidão, os ex-escravos, sem possibilidade de acesso à terra, tinham na cidade suas poucas oportunidade de trabalho, ainda que as poucas cidades brasi-
leiras não tivessem um perfil industrial consolidado, tampouco uma grande rede de serviços que pudesse incorporar essa população. Grande parte do trabalho no campo, com as medidas de incentivo à imigração para o brasil (sobretudo de europeus e japoneses), foi destinado a essa massa trabalhadora, que embora assalariada, também estava sujeita à intensa exploração no trabalho rural. Pontua-se ainda que a terra uma vez privada e mercantilizada se relaciona com a transição do trabalho escravo para o não-escravo, uma vez que as progressivas medidas de abolição requiseram “a montagem do cativeiro da terra, ou seja, a terra deixava de ser livre para ser aprisionada como mercadoria pelo capital a transição da renda capitalizada escravista à renda capitalizada em imóveis.” (SUZUKI, 2012, p. 137) Segundo Carvalho (2007), o Brasil tinha nessa conjuntura, o movimento de seu primeiro êxodo rural ainda muito anteriormente à um desenvolvimento e consolidação de atividades produtivas urbanas, enquanto as atividades agrícolas se expandiam com um primeiro impulso modernizante de sua produção. “Em linhas gerais, muito antes da expansão das atividades econômicas urbanas o Brasil iria conhecer seu primeiro êxodo rural, fenômeno esse não isolado uma vez que a expansão das atividades agrícolas se dá concomitante com a maior tecnificação das atividades agropecuárias e por conseqüência com a menor incorporação de mão-de-obra ao passo que o excedente era paulatinamente atraído pelas oportunidades urbanas ainda em tímido crescimento, ou seja, o Brasil, antes da consolidação das atividades industriais já tinha conhecido um êxodo rural significativo e precoce por natureza.” (CARVALHO, 2007, p. 11) Como observado por Carvalho (2007), no Brasil, é essencialmente nesse momento em que o excedente da produção rural passa, aos poucos a ser atraído e incorporado pelo processo de urbanização. Esboçando a relação, de um campo que pouco a pouco se submete à lógica produtiva urbana. P. 15
É na decada de 1960, segundo Medeiros (1993), que o debate agrário ganha força. Sobretudo pelos movimentos organizados anti-capitalistas do século XIX que pontuavam o rompimento do antagonismo entre cidade e campo a partir da suas relações de exploração e propriedade privada, consistindo em uma das primeiras condições da estruturação de uma sociedade socialista no Brasil, por exemplo. Pairava a noção de que no campo brasileiro do meio do século XIX ainda perseveravam traços de “restos feudais (formas de dominação pessoal, exigência de que os trabalhadores pagassem renda pelo uso da terra etc), que entravavam o livre desenvolvimento das forças produtivas” (MEDEIROS, 1993, p.5). A reforma agrária, para a maioria dos movimentos sociais organizados, pretendia uma eliminação do latifúndio, a reorganização distributiva da terra produtiva e a modernização das relações de produção do campo, sendo assim, um dos pontos iniciais estruturantes de um panorama de desenvolvimento que promoveria a obtenção das premissas materiais e produtivas necessárias para a revolução socialista no Brasil. Destaca-se nesse período o combate ao latifúndio como um termo guarda-chuva que não envolve apenas a ideia de uma grande propriedade, monocultora atrasada tecnologicamente. O latifúndio passa a ser também um sinônimo da exploração no campo, traduz-se como um “conjunto de normas, atitudes e comportamentos atualizados pelo conjunto dos proprietários rurais, respaldados nas instâncias do poder local” (Novaes, 1987:98)4.” (MEDEIROS, 1993, p.7)
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Entretanto, a não concretização desse projeto, fundamenta-se principalmente na conjuntura pós Segunda Guerra Mundial e as políticas de investimento financeiro e ideológico estrangeiro na América Latina, impulsionando principalmente a industrialização. Para tanto, a agricultura, em especial, aquela baseada na monocultura, na grande propriedade voltada para exportação, produzia sob um baixo nível tecnológico e científico, era um atravancamento diante da tentativa de modernização. Tem-se como
resultado uma modernização do campo segundo a pressão de um desenvolvimentismo industriais com apoio da burguesia industrial nacional, cujo foco foi a inserção de tecnologia, insumos químicos, mecanização do campo, expansão da fronteira agrícola, redução significativa da população rural e aumento da produtividade e rentabilidade das atividades rurais, sem em nenhum momento pressupor uma redistribuição fundiária, tampouco uma revisão das condições de trabalho no campo.
reforma agrária e a ação projetual no campo heterotópico Dada essa conjuntura conflituosa, é necessário pautar a defesa da manutenção da luta pela reforma agrária como demanda atual da sociedade contemporânea inserida na demanda da luta de classes. É possível mirar um horizonte em que a luta campesina e a reforma agrária na amplitude de seus pontos e possíveis desfechos colaboraria, por exemplo, na geração de empregos, na contenção de migração e inchamento de zonas urbanas, na redução da desigualdade social e de renda, entre outros ganhos sociais. O MST, movimento mais representativo da luta camponesa no Brasil expressa em seu lema “ocupar, resistir e produzir” possibilidades de atuação na luta agrária, como na ocupação e denúncia das terras improdutivas, a resistência política destinando grande parte de seus esforços para viabilização produtiva e econômica de seus assentamentos, organizando o que se pode denominar como um sistema nacional de cooperação agrícola sem deixar de lado o caráter político e social do movimento. a busca por uma coesão política e a viabilidade econômica das ocupações , já que a luta tramada não trata da simples reprodução de unidades produtivas camponesas, “é necessário criar um novo modelo de produção baseado na utilização de tecnologias adequadas e na organização coletiva, que viabilize economicamente e promova o desenvolvimento social, político e ideológico das famílias assentadas.” (MEDEIROS, 1993, p. 47). P. 19
A pauta produtiva nos movimentos pró-reforma agrária é essencial, uma vez que de acordo com Medeiros (1993) os assentamentos, por exemplo, devem desenvolver seus métodos de produção, mecanização e introdução de tecnologia no campo, repensando os moldes da agroindústria para si a fim de enfrentar o modelo hegemônico capitalista do agronegócio. Contudo, há de se fazer ressalvas a respeito de uma reforma agrária estritamente produtivista para Medeiros (1993), a problemática está na restrição de uma lógica baseada apenas no trabalho, sem desmontar uma estrutura de encarceramento do indivíduo em suas atividades produtivas já discutida em Marx; Engel (1984). “(...) questionar uma leitura estritamente produtivista da reforma agrária, afirmando a posse da terra como base de um modo de vida, “baseado na precedência do viver sobre o lucrar”, e do qual faz parte ter escola, ter assistência médica e hospitalar, ter lugar e tempo para descanso, celbração e festa, ter o direito de ser diferente, ter o direito de participar e decidir, ter o direito de assegurar para os filhos um futuro com dignidade” (CPT, 1991:6). Dessas quest~,oes emerge uma outra compreens~,ao do social, que não se confunde com o “assistencial” e que valoriza, inclusive, tanto a dimensão participativa como a cultural, retomando as propostas de “democracia de base” da início dos anos 80.” (MEDEIROS, 1993, p. 48)
Busca-se, portanto, um olhar para a ação projetual como a possibilidade de produção de um espaço diferencial e heterotópico. O anseio por esse espaço surge a partir da reflexão de Harvey (2014) sobre o conceito de heterotopia de Lefebvre (1999), consistindo numa possibilidade de ação perante o contexto urbano-rural dominante. É essencial ressaltar dois pontos a respeito da discussão da heterotopia. Em primeiro lugar que o conceito a ser aqui apropriado é o conceito lefebvriano de heterotopia que difere essencialmente do conceito foucaultiano. Para Lefebvre, nesta elaboração há a definição de três espaços, sendo eles: os espaços isotópicos, os espaços utópicos e os espaços heterotópicos. Os espaços isotópicos são os que correspondem à lógica dominante caP. 20
pitalista e reproduzem seus mecanismos de dominação; os espaços utópicos não são possíveis materialmente no atual modo de produção, porém podem ser tomados como espaços desejados em contraponto aos espaços isotópicos em uma possível superação dos conflitos inerentes ao capital; o espaço heterotópico, por fim, consiste em um espaço possível materialmente na lógica capitalista e que contestam a hegemonia se apresentando como uma tensão ou etapa entre a isotopia e o anseio pelo utópico. Em segundo lugar, a isotopia, a heterotopia e a utopia é claro, embora abordada por Lefebvre segundo a ótica da análise espacial, são conceitos que extrapolam a categoria espacial e envolvem ações, comportamentos, etc e sua relação com a norma.
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leitura metropolitana É necessário se debruçar num olhar sobre a constituição e dinâmicas da Região Metropolitana de São Paulo, na tentativa de compreender o processo de constituição, sobretudo, das bordas e regiões periféricas do município de São Paulo, que são o objeto de recorte deste projeto. Criada em 1973 e reorganizada em 2011, é composta por 39 municípios e divida em cinco subregiões (norte, leste, sudeste, sudoeste, oeste) concentra mais da metade do PIB paulista e da população total do estado de São Paulo. É fronteiriça e estabelece importantes relações produtivas e econômicas com as regiões metropolitanas de Campinas, da Baixada Santista, Sorocaba, Vale do Paraíba e Litoral Norte. Dentro da RMSP, a cidade de São Paulo, sobretudo suas centralidades, é o pólo que que concentra a maior oferta de empregos formais, infraestrutura urbana e social, de modo que suas bordas, periferias e municípios limítrofes em geral apresentem grandes índices de desigualdade e vulnerabilidae sócio-ambiental. É nesse contexto que me interessa analisar as bordas do município de São Paulo, os lugares à margem decorrentes de um modo de produção de cidade e território absurdamente desigual.
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mapa da expansĂŁo da mancha urbana na rmsp fonte: centro de estudos da metropole e embraesp
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Ao observar o mapa da expansão urbana da metrópole, é visível a expansão expressiva que ocorre em direção as bordas do município, entre 1950-1960, e para municípios vizinhos entre 1961-1974, decorrentes do deslocamento e descentralização das indústrias de São Paulo, dadas as alterações no processo produtivo e condição de competitividade e modernização que opera entre a década de 50 e 70. Aliado à este fator, está a questão do preço da terra, impostos e incentivos fiscais das terras periféricas frente às áreas centrais. Assim, ocorre uma visível expansão do processo de ocupação e descentralização do setor produtivo, porém com centralização do capital, com o capitalismo financeiro, o que se reflete espacialmente na questão do lugar geográfico e territorialização da pobreza nas bordas e limites do município. Enquanto este processo ocorre na periferia, a acumulação do capital impera nos setores imobiliário e de serviços no centro (CARLOS, 2004). É claro que nesse movimento de expansão urbana há um avanço sobre fronteiras agrícolas, cinturões verdes e demais áreas não correspondentes à lógica urbana capitalista de produção de cidade. “O crescimento urbano e consequente valorização do preço das terras, especialmente entre 1979 e 1984, fizeram com que a produção de alimentos na RMSP se deslocasse de perímetros 30 a 50 km do centro de São Paulo para perímetros de 80 a 120 km da capital, o que na época gerou o aumento dos preços dos produtos, devido aos custos com o transporte (também impactados pela alta do preço do petróleo) (UENO, 1989)” (RAGGI, 2014, p. 173)
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A expansão da cidade assim como a lógica de preço de terras e especulação imobiliárias nas áreas de centralidades mais dotadas de infraestrutura urbana implica entre outros desdobramentos numa concentração periferica de assentamentos precários nas bordas das cidades inclusive ocupando áreas de proteção ambiental, margem de rios e represas, reservas ambientais , etc. Uma vez não tendo infraestrutura urbana adequada essas regiões apresentam um alto índice de vulnerabilidade ambiental, além dos altos índices de vulnerabilidade social. Os índices de vulnerabilidade social aqui empregados dizem respeito ao IVS, índice composto pelo resultado da média aritmética dos subíndices: IVS Infraestrutura Urbana, IVS Capital Humanzo e IVS Renda e Trabalho. As expulsões centro-periferia geram lugares que parecem não pertencer a cidade por negar nele as condições básicas de sobrevivência e direito à cidade e à moradia digna, envolvendo desde a insegurança habitacional até demais equipamentos de saúde, educação, cultura, lazer, mobilidade e segurança alimentar.
diagrama de abastecimento
diagrama de expulsão
Com a redução da taxa de crescimento populacional da cidade de São Paulo, dado que os custos das moradias nas cidades periféricas são mais acessíveis (BÓGUS & PASTERNAK, 2009), se refletem na cidade de São Paulo e, por extensão, na sua região metropolitana, como uma cidade de anéis. Ainda de acordo com Pasternak (2003), quanto mais periférico for o anel, mais exclusão social e territorial nele se encontra. Contraditoriamente, a partir dos anos 1970 é que surgem nos anéis periféricos os grandes condomínios fechados, principalmente à sudoeste, destinados às classes altas, e em 1990, os condomínios horizontais fechados, se espalhando por toda a região. Assim, o anel periférico foi responsável por 55% do incremento populacional nos anos 1970; 97% do incremento populacional entre 1980 e 1991; e 127% nos anos 1990 (PASTERNAK E BÓGUS, 2003). A ampliação da rede viária e rodoviária se vê motivada basicamente por relações de trabalho, educação, moradia e consumo (BÓGUS & PASTERNAK, 2009), reforçando um modelo de dependência centro-periferia extremamente problemático, alimentando a lógica de migração pendular da região metropolitana. Como as condições de acessibilidade ao mercado de trabalho e ao consumo são profundamente desiguais, a distância casa/trabalho/estudo e o tempo gasto nesse percurso são indicadores relevantes na compreensão dos mecanismos reprodutores das desigualdades socioespaciais (FRANCISCONI, 2004; BÓGUS & PASTERNAK, 2009). O que se observa hoje é uma crise decorrente do modo de reprodução da metrópole, mas com cenários de risco e paisagens contraditoriamente ocupadas com perspectivas de continuidade da reprodução desse processo de apropriação do território, rumo ao colapso ou paralisação do sistema como um todo.
entrada de cargas saĂda de cargas
leitura da cidade
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O interesse nas franjas da cidade de São Paulo como local de intervenção parte da curiosidade de tensionar o caráter metropolitano, urbano e cosmopolita intenso do município em relação a registros de ruralidade e possibilidades de reflexão da produção agrícola periurbana. Há uma dimensão a ser explorada na produção de alimentos dentro e nas bordas de grandes cidades contribuindo para melhorias de condições sociais. Na cidade de São Paulo os espaços destinados a esse tipo de atividade são encontrados nas mais diversas situações, desde pequenas hortas urbanas em escala de vizinhança, telhados verdes, comunas da terra, praças centrais, escolas etc. Nessa proposta, ressalto a importância de pensar em espaços que fortifiquem redes produtivas e de abastecimento, sobretudo as agroecológicas e ligadas a movimentos sociais de resistência. Tem-se como base as Comunas da Terra do MST, por exemplo, se posicionando nas franjas da região metropolitana de modo que facilite tanto a distribuição de alimentos para a população urbana como também a ligação com movimentos sociais e população urbana, reiterando e facilitando uma dimensão pedagógica que esse movimento exige em relação à população urbana, aproximando o agrário da cidade, implicando em redução de custos, melhor qualidade de produção e distribuição e inclusive rompendo barreiras de alienação em relação ao que está na mesa diariamente. No Plano Diretor Estratégico (PDE 2014) de São Paulo, constam ações que visam o fortalecimento desse tipo de atividade no município, sobretudo para a agricultura familiar, responsável inclusive nacionalnamente pela maior parte dos alimentos consumidos pela população.
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O município de São Paulo cuja área totaliza 1523 km² tem 222 km² de área caracterizada como zona rural, ou seja, 14,75% do seu território. O zoneamento rural da cidade de São Paulo engloba além de áreas com atividades rurais, parques e áres de preservação ambiental. A intenção de demarcar a zona rural no município converge na intenção de incentivar modos de desenvolvimento sustentáveis, assim como um dos métodos de contenção de crescimento urbano sobre áreas rural e de preservação ambiental, de mananciais e ecossistemas naturais, principalmente na Zona Sul de São Paulo. Durante a elaboração do PDE 2014 foram levantadas estratégias e programas para fortalecimento de pequenos produtores rurais em São Paulo englobando desde mapeamentos e cartografias, centros de apoio aos produtores, inclusão de alimentos orgânicos nas escolas municipais e propostas de melhorias em infraestrutura urbana (das quais a grande maioria não foi realizada). As áres produtivas se concentram principalmente na Zona Sul, nos distritos de Parelheiros, Capela do Socorro, M’Boi Mirim e Marsilac; na Zona Leste, aparecendo mais representativamente nas subprefeituras de São Mateus, Guaianazes, Itaquera e Cidade Tiradentes; e na Zona Norte, aos pés da Serra da Cantareira tem áreas nas subprefeituras de Perus, Pirituba, Jaçana/Tremembé e Freguesia. É importante ressaltar que a Zona Rural não é composta somente por atividades produtivas como agricultura, Em São Paulo, muitas das áreas demarcardas incorporam áreas de lazer, terras indígenas, ecoturismo, pesqueiros, chácaras de lazer, etc.
ZONA NORTE _ relação com a área de proteção da Serra da Cantareira e áreas de extração mineral. Contém importantes entrocamentos viários (Rodovia dos Bandeirantes, Anhanguera, trecho norte do rodoanel), tem proximidade com as Comunas da Terra do MST; predomínio da agricultura familiar, tem registros de áreas produtivas de remanescência. Apresenta grandes glebas de especulação imobiliária e menor índice de densidade populacional, embora concentre muitos assentamentos precários e favelas.
ZONA LESTE _ áreas menores inseridas no tecido urbano em espaços residuais, caracterizando agricultura urbana relacionada com assentamentos precários e favelas que utilizam a agricultura como geração de renda, inclusão social algumas partindo da ação de ONGs e movimentos de moradores produzindo hortas comunitárias.
ZONA SUL _ caracterizada pelo predomínio de mão de obra familiar e pequenas propriedade, sendo que 60% tem a agricultura como principal fonte de renda. Maioria da produção voltada para hortaliças e plantas ornamentaos, incorpora terras indígenas, áreas de lazer rural, muitos assentamentos precários e relação crítica com as áreas de mananciais e da represa Billings e Guarapiranga.
Foram definidos no PDE 2014 critérios específicos de uso e ocupação, com principal função de regular as atividades também nas áreas de produção agrícola e extração mineral incentivando a prestação de serviços ambientais essenciais para a sustentação da vida urbana. Essas áreas em geral, tem potencial para uma forte produção agrícola periurbana agroecológica voltada para o abastecimento da cidade de São Paulo e Região Metropolitana facilitando escoamento da produção com o sistema viário estrutural já existente (podendo incorporar melhorias, é claro), colaborando com uma mitigação ambiental e do crescimento urbano em direção às áreas de proteção.
MACROÁREA DE ESTRUTURAÇÃO METROPOLITANA Tem papel estratégico na reestruturação de São Paulo, uma vez que compreende os principais eixos que articulam polos e municípios da RMSP, apresenta regiões com grande potencial de transformação que passam por intensos processos de mudança nos padrões de uso e ocupação. Incentiva transformações estruturais para o maior aproveitamento da terra urbana com aumento nas densidades construtiva e demográfica, proprício para implantaçãod e atividades econômicas de abrangência metropolitana; recuperação dos sistemas ambientais sobretudo rios e córregos; regularização e urbanização de assentamentos precários e irregulares; há desequilibro emprego > moradia. MACROÁREA DE URBANIZAÇÃO CONSOLIDADA É caracterizada por um padrão elevado de urbanização, altos níveis de oferta de emprego formal, serviços e infraestrutura, estrutura viária adequada, tem predominancia de bairros residenciais verticalizados com misto de comércio e serviços. Busca controlar a verticalização, manutenção das áreas verdes, estímulo ao adensamento populacional com diversidade social para aproveitar melhor a infraestrutura e equilibrar a relação entre oferta de emprego e moradia. MACROÁREA DE QUALIFICAÇÃO DA URBANIZAÇÃO Combina usos residenciais e não residenciais com razoável oferta de equipamentos, infraestrutura e serviços. Propõe controle do adensamento, melhoria do sistema de mobilidade, incentivo à consolidação de centralidades nos bairros, ampliação de oferta de trabalho e emprego colaborando para uma atração intermediária entre centro e periferia. MACROÁREA DE REDUÇÃO DA VULNERABILIDADE URBANA Alto índice de áreas precárias, irregulares e de risco, baixa oferta de infraestrutura, empregos e serviços, predominância de população de baixa renda. Incentiva fortalecer as capacidades de proteção social através do acesso a políticas públicas, promover urbanização e regularização fundiária dos assentamentos urbanos precários e irregulares equipando com serviços, infraestrutura urbana e garantindo segurança na posse da área; P. 40
construção de HIS, melhorar sistema de mobilidade, minimizar problemáticas das áreas de risco. MACROÁREA DE REDUÇÃO DA VULNERABILIDADE E RECUPERAÇÃO AMBIENTAL Alto índice de vulnerabilidade socioambiental, com presença de assentamentos precários e irregulares, baixos índices de desenvolvimento humano, deficiência de serviços, oferta de empregos e infraestrutura urbana. Necessita de construção da HIS; reassentamento de populações que atualmente residem em áreas de risco e de preservação permanente; fortalecer as capacidades de proteção social através do acesso a políticas públicas; melhoria da estrutura de mobilidade e infraestrutura urbana; universalização do saneamento ambiental. MACROÁREA DE CONTROLE E QUALIFICAÇÃO URBANA E AMBIENTAL Caracterizada pela existencia de vazios intraurbanos com ou sem cobertura vegetal e áreas urbanizadas com diferentes padrões de ocupação, áreas de reflorestamento, exploração mineral e industriais. Propícia para melhoria das condições urbanísticas e ambientais dos bairros existentes com melhoria também na oferta de serviços, equipamentos e infraestrutura; contenção da expansão e do adensamento construtivo; apoio e incentivo à agricultura urbana e periurbana; universalização de saneamento ambiental. MACROÁREA DE CONTENÇÃO URBANA E USO SUSTENTÁVEL Grandes parcelas de vegetação natural intercalada com atividades agrícolas e chácaras, engloba especialmente as Áreas de Proteção e Recuperação de Mananciais. Tem como objetivo contenção da urbanização do território, proteção da paisagem rural, desenvolvimento da zona rural e estímulo à agricultura orgânica; conservação e recuperação das áreas ambientais e de preservação permanente; proteção às terra índigenas MACROÁREA DE PRESERVAÇÃO DOS ECOSSISTEMAS NATURAIS É caracterizada pela existencia de sistemas ambientais que conservam ainda suas características naturais, não incentiva assentamento urbano, e busca a manutenção das condições naturais dos elementos e processos que compões os sistemas ambientais; P. 41
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Operações urbanas previstas (diagonal norte) > visando a estruturação do uso e da ocupação do solo, dos padrões urbanísticos, o adensamento populacional e construtivos, a resolução de problemas estruturais nos aspectos de drenagem, circulação, acessibilidade de pedestres e veículos e habitações subnormais.Destaque para a relação entre operações urbanas previstas e áreas de reservas ambientais, da macroárea de preservação dos ecossistemas naturais.
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intervenção em escala metropolitana
esquema propositivo de descentralização de entrepostos
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A partir da análise das leituras de entradas e saídas de cargas no ceagesp atualmente desenvolvido pelo Observa SP, é possível propor uma rede de espaços de comercialização nos principais pontos de entradas e saidas de carga, desafogando o trafego na área de ceagesp e melhorando a distribuição da produção agrícola no município e RMSP. Há propostas de remoção do ceagesp da área onde se localiza atualmente, porém nesse projeto propõe-se que essa descentralização já minimizaria os problemas alegados para sua remoção, de modo que seja possível a manutenção do ceagesp e sua importância histórica e de marco urbano e produtivo na cidade, propondo também maior nível tecnológico e diversificação do programa atendendo melhor a demanda atual. Cada um dos novos pontos de comercialização tem uma diretriz, de modo que eles tenham focos diferentes em relação ao seu programa para melhor atendimento da demanda da região onde se localizaç
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Dada essas propostas, levanta-se a hipótese de um ferroanel voltado para o transporte de cargas que possibilita conectar essas áreas e espaços de comercialização, assim como pontos chaves da produção agroecológica periurbana e urbana da RMSP (como as Comunas da Terra, hortas urbanas, regiões de grande produção agrícola). Tem-se como referência os estudos do PIU NESP de Carlos Leite, direcionados para o Novo Entreposto de São Paulo, cujo terreno de localização coincide com o terreno escolhido para desenvolvimento desse projeto. Pretende-se questionar, inclusive, o modelo proposto de um novo entreposto mais alinhado às lógicas neoliberais e privadas e a remoção completa do ceagesp atual. Esse diagrama levanta a possibilidade de maior aproveitamento do transporte ferroviário também imaginando uma ligação via ferrovia com a região do Vale do Paraíba e Litoral Norte, Baixa Santista, e Campinas, facilitando o transporte sobretudo de produtos agrícolas. O terreno escolhido (em destaque) além de se inserir como uma contraproposta no debate do Novo Entreposto de São Paulo, se justifica pela existência de ZEIS 2, a proximidade com a estação Perus da CPTM e rodovia dos Bandeirantes, relação de um grande terreno subutilizado com uma malha urbana na qual grande parte dos ocupantes permanece em condições de vulnerabilidade social e ambiental.
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referĂŞncias projetuais
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moshavs israelenses
kolkhoz soviéticos
MOSHAVS E KIBBUTZ _ os moshavs eram comunidades rurais cooperativas, funcionando como vilas agrícolas muitas vezes familiares onde cada família mantém uma produção agrícola e a comercialização e compra são realizadas em moldes cooperativos, chama a atenção pelo desenho de implantação, setorização funcional; os kibbutz se caracterizavam como comunidades coletivas em que tanto os meios de produção, terra e os lucros eram da propriedade coletiva, tem um desenho de implantação muito semelhante ao dos moshav. P. 49
KOLKHOZ _ eram as unidades de produção coletivas rural da URSS, caracterizavam uma propriedade rural coletiva na qual os trabalhadores do campo formavam uma cooperativa em os meios de produção eram fornecidos pelo Estado o qual também adquiria uma parte fixa da produção. Foram a base do sistema de coletivização da agricultura no socialismo da união soviética e é uma importante referência histórica na luta pela reforma agrária. A EXPERIÊNCIA DA AGRICULTURA URBANA E PERIURBANA EM CUBA _ A agricultura urbana em Cuba passou a ser essencial para a sobrevivência do país após os embargos sofridos nos anos 80 e a crise da URSS. A produção restrita aos perímetros urbanos e peri-urbanos aplica métodos intensivos e tem o maior volume da produção voltado para hortaliças, embora tenha certa diversidade produtiva e auxílio de mão de obra diversificada por estar próximo à cidade. Realiza-se em áreas não muito grandes, mas independente do tamanho da área de produção exige-se o cultivo de pelo menos 10 espécies de plantas (em organopônia e hortas intensivas) para garantir diversidade. A produção também pode se estabelecer em UBPCs (Unidade Básica de Produção Cooperativa) e o sistema de distribuição envolve as “tiendas populares” ou “tiendas del agricultor” presente em pelo menos um ponto de atendimento em todos os municípios, comercializando a produção e também insumos para produção como minhocas, sementes, etc.
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a experiĂŞncia da agricultura urbana e periurbana em cuba fonte: https://craftsmanship.net/cubas-harvest-surprises/ P. 51
Traz-se comunas Alberta projeto
o exemplo da comuna da terra Dom Tomas Balduíno porém todas as da terra implantadas pelo MST na RMSP (Dom Tomás Balduino, Irmã e Dom Pedro Casaldáliga) são de interesse e referências para esse inclusive na escolha de sua implantação.
Consistem na implantação de assentamentos de reforma agrária em núcleos econoia camponesa nas bordas das RMSP com lotes de pequeno porte e matriz de produção agroecológica criados com o intuito de massificar a reforma agrária garantindo acesso da população a infraestrutura existente nas cidades. Expressam os conflitos pelo acesso a terra, ao trabalho e a politicas públicas tanto na dimensão urbana e rural. P. 52
comuna urbana dom tomรกs balduino (mst e usina ctah) fonte: http://www.usina-ctah.org.br/domtomas.html
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leitura da subprefeitura de perus
perus
A subprefeitura Perus se localiza no extremo noroeste do município de são paulo, e é limitrofe com os municípios de Caieiras, Santana de Parnaíba e Cajamar. Apresenta grande constraste das questões ambientais e de preservação com o elevado crescimento populacional na última década formando territórios de grande vulnerabilidade social. É um dos principais eixos econômicos do país atravessado pelas rodovias Anhanguera, Bandeirante e o Rodoanel, conectando a área com as regiões de Campinas, Ribeirão Preto e Triângulo Mineiro. Essa região ainda é atravessada pela linha 7 Rubi da CPTM que conecta com demais municípios da RMSP (Francisco m=Morato, Franco da Rocha, Caieiras) e centralidades da cidade de São Paulo (Luz, Lapa, Palmeiras-Barra Funda). Os eixos estruturais de mobilidade e essa caracterização dos vetores de expansão embora facilitem a acessibilidade na região “reforçam fragmentação dos tecidos urbanos descontínuos que fazem parte da subprefeitura, pois atuam como barreira física, aliados a grandes
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áreas vazias ou subutilizadas, com ou sem cobertura vegetal.” (PDE, 2014). Ainda de acordo com o Plano Diretor Estratégico de São Paulo esse vazios intraurbanos tem grande potencial para qualificação ambiental e urbanísticaem conjunto com a implantação de melhorias habitacionais, e atividades geradoras de empregos.
população total e densidade demográfica, 1980 a 2010
Ainda que apresente elevado crescimento populacional, a subprefeitura Perus é uma das menos populosas de São Paulo com densidade demográfica baixa (34,2 hab/ha). Além disso, o IDH dessa subprefeitura é um dos menores do município (0,73) e grande parte da população residente se encontra nos grupo 5 e 6 de maior vulnerabilidade social de acordo com o IPVS.
empregos formais por habitante
exclui adm pública; população em idade ativa, acima de 10 anos
perus sub pr anhanguera norte 2 msp
fonte: qa perus, prefeitura de são paulo
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mapa de macroĂĄreas da macroregiĂŁo norte 2
fonte: plano regional pr da macrorregiĂŁo norte 2 P. 56
mapa de tempo de deslocamento e sistema de transporte (existente e previsto) na subprefeitura de perus
mapa de infrestrutura e mobilidade da macrorregião norte
fonte: qa perus, prefeitura de são paulo fonte: qa perus, prefeitura de são paulo
A região, de topografia acidentada, tem 29,1% dos domicílios em favelas, a ocupação é caracterísca das concentrações populacionais carentes, típica de bairros dormitórios e periféricos das grandes cidades. O tempo gasto no deslocamento diário casa-trabalho nessa subprefeitura, de intensa migração pendular, é superior a uma hora para 26% dos trabalhadores. É necessário desenvolver mecanismos que ajudem a promover empregos na região incentivar usos não habitacionais nos vazios intraurbanos na macroárea de controle e qualificação urbana e ambiental visando a ampliação da oferta de emprego e redução do deslocamento entre moradia e trabalho.
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destaque da área de intervenção dentro da subprefeitura de perus
mapa de leitura de centralidades e vetores de expansão urbana
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mapa de leitura de possív
Mapas de leitura da área de interesse de projeto. Buscou-se entender as relaçoes estabelecidas da área com o a malha urbana e suas centralidades, pela análise de uso e ocupação do solo nota-se que é uma área com diversidade de usos e a centralidade proxima ao eixo que centraliza na estação Perus da CPTM. Foi de interesse também estudar as possíveis redes de abastecimento que a área de produção poderia atender sobretudo estabelecendo uma rede com escolas e mercados, restaurantes locais, de modo que a produção tenha uma rede de clientes fixa que permitiria maior segurança econômica do espaço produtivo. Também foi necessário uma análise do declive do terreno, cuja topografia é muito acidentada e mapear as áreas de maior e menor declividade para implan- mapa de análise do decliv malha urbana tação do programa.
veis redes de abastecimento
ve e relação com zeis e
mapa de leitura de possíveis redes de abastecimento
mapa de análise das áreas de maior declividade (laranja) e menor declividade (rosa)
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programa da intervenรงao
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o
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espacialização do programa de intervenção
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0: habitação vertical com uso misto 0: habitação horizontal 1: espaço distributivo, armazenamento, beneficiamento 1: horta, pequenos animais 2: pomar, grãos, viveiro de mudas, aquicultura 3: floresta de alimentos próximo às matas ciliares, apicultura 3: animais de médio e grande porte 4: zona semi manejada 5: área sem interferência (predominantemente maP. 71 tas ciliares)
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o espaço distributivo Dentro da proposta tem-se um espaço distributivo de comercialização da produção da cooperativa e de demais alimentos, como um entreposto em menor escala, incorporando em seu programa outras atividades que visam ampliar a dimensão pedagógica, tecnologia e conexão com o publico com o espaço produtivo como um todo, incluindo restaurante, espaços lúdicos e pedagógicos com salas de aula e anfiteatros, banco de alimentos e espaço de fornecimento de insumos agrícolas para outros produtores com banco de sementes, adubos, e demais ferramentas necessárias para fortalecimento de uma rede de produção agroecológica. O programa do espaço de comercialização tem base em entrepostos como o ceagesp, ceasas e grandes mercados, adaptados para uma lógica regional sobretudo para a macrorregião Norte 2 do município de Sâo Paulo, atendendo também os municípios vizinhos.
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croqui do espaço de distribuição
floresta de alimentos
A área do recorte engloba um tipo produtivo que consiste na floresta de alimentos, um modo produtivo que mistura diferentes portes e espécies alimentícias ou não numa mesma área e simula um modo de produção da natureza. Nesse caso os principais desafios são a topografia e acessibilidade da área. O diagrama em corte representa uma possibilidade de organização espacial onde há um nivelamento das curvas de nível com gabião para contenção das curvas. A circulação do espaço em cada curva se localiza no centro da curva enquanto as espécies estariam “em ordem crescente”, facilitando para quando todas as espécias de grande porte estiverem crescidas, ainda seja eficiente a entrada de luz solar.
diagrama em corte da floresta de alimentos
e s a e m a m e
perspectiva da รกrea de floresta de alimentos
beterraba diagrama de implantação da floresta de alimentos
croquis de algumas espĂŠcies da floresta de alimentos
jaboticabeira
cereja do mato
abacateiro
bananeira
milho
mandioca
feijĂŁo
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