Caderno TGI-I - Periferia Viva

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periferia viva



“Na Idade Média, a cidade possuía uma beleza viva, mas estou convencido de que ela está prestes a conceber novo encantos que irão renovar sua seduçaõ.” (Jacques Le Goff)


INSTITUTO DE ARQUITETURA E URBANISMO UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Trabalho de Graduação Integrado I - 2016 Professora responsável: Lúcia Shimbo Monitora PAE: Tássia Vasconcelos


periferia viva tgi-I

Fernanda Borges Salerno SUMÁRIO: Resumo - 06 Urbanismo Contemporâneo - 08 Contexto Brasileiro - 12 A cidade - Goiânia - 15 O local - Loteamento Jardins do Cerrado e Mundo Novo - 20 Projeto - 30



7 RESUMO

O presente trabalho busca trabalhar a questão da vitalidade urbana em regiões segregadas sócio-espacialmente. O próprio título, carregado de preconceito e escolhido justamente por isso, já levanta um questionamento: Periferia é sempre um lugar marginalizado, esquecido, onde moram pessoas esquecidas? Será que é coerente dizer que é um lugar carente de urbanidade, vitalidade, vida? De fato pode-se afirmar que, no atual cenário das cidades brasileiras, há um descaso por parte do poder público em conter a expansão urbana, alimentada principalmente por especulação imobiliária, chegando a assumir tal postura quando se trata de prover habitações de interesse social. E pode-se afirmar também que em consequência deste processo muitas dessas regiões afastadas da grande centralidade de uma cidade sofrem com uma deficiente infra-estrutura urbana. Portanto a proposta deste projeto não é de reurbanização que visa construir relações de sociabilidades, e sim potencializar e fortalecer a vida

já existente através de espaços urbanos de qualidade. Para isso será trabalhado um sistema de espaços livres em uma localidade periférica na cidade de Goiânia. Os loteamentos Jardins do Cerrado e Mundo Novo, localizados a uma distância de aproximadamente 25 km do centro da Cidade, bem encostados na divisa entre Goiânia e Trindade, são o alvo do projeto. Foram aprovados entre 2009 e 2011 já como Zona Especial de Interesse Social e atualmente apresentam menos da metade construída, com aproximadamente 4.150 unidades habitacionais onde moram aproximadamente 20.000 pessoas.


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QUESTÃO

URBANISMO CONTEMPORÂNEO

“O que importa não são números, multidões ou o tamanho da cidade, e sim a sensação de que o espaço da cidade é convidativo e popular, isso cria um espaço com significado.” (GEHL, p.63)

Como seria uma cidade projetada e construída tendo o conforto de seus moradores como principal diretriz projetual? Uma cidade que tenha como meta principal ser convidativa, ser usada e experimentada? Com certeza, caso essa cidade se materializasse, se tornaria icônica no presente cenário do urbanismo contemporâneo, no qual a temática da vitalidade urbana, a urbanidade, aparece muitas vezes como ponto central. O presente trabalho se insere justamente nesta questão do debate atual acerca da produção recente de arquitetura e cidade no qual a dimensão humana aparece com destaque. Acreditase que num momento anterior, mais precisamente a partir da

década de 1920, o ideal de cidades boas e eficientes acabou gerando espaços intra-urbanos pouco atrativos, inseguros, inabitáveis e consequentemente pouco utilizados. Isto porque a divisão funcionalista do espaço da cidade tal como pregava o urbanismo moderno somada à pioridade dada ao transporte automotivo foram responsáveis, em grande parte, pela perda da dimensão humana na cidade. Isso por causa da individualidade dos edifícios, das grandes distâncias e da desvalorização do espaço vivenciado pelos próprios usuários da cidade. Esta situação germinou em uma geração fortemente influenciada pela era da máquina e que, por assim ser, colocava a funcionalidade como grande questão na elaboração de projetos. Neste sentido, o gradual afastamento das reais demandas e necessidades da sociedade em favor de uma verdade que, na época acreditava-se única e universal, mas que de fato era uma proposta falaciosa, acarretou em uma prática imensamente di-


QUESTÃO

fundida e naturalizada de processo projetual: o famoso projeto que sai da prancheta. Até mesmo Harvey, que coloca em cheque a expressão “pósmodernidade” reconhece que há uma reação ao momento anterior: “Hoje em dia, é norma procurar estratégias ‘pluralistas e ‘orgânicas’ para a abordagem do desenvolvimento urbano como uma ‘colagem’ de espaços e misturas altamente diferenciados, em vez de perseguir planos grandiosos baseados no zoneamento funcional de atividades diferentes.” (HARVEY, p.46) Jane Jacobs, jornalista norte-americana, foi pioneira em levantar este debate entorno da qualidade (ou falta dela) das cidades que vinham sendo produzidas até a década de 60. Logo no início de sua escrita em “Morte e Vida de Grandes Cidades” já deixa claro que o livro é um ataque ao planejamento urbano ortodoxo expresso pela Cidade-jardim, de Ebnezer Howard, a Ville Ra-

dieuse, de Le Corbusier e a City Beautiful, de Daniel Burnham. Ao longo do livro faz menção negativa a esses ideais de cidades diversas vezes. Considera que os projetos urbanos e habitacionais que foram feitos baseados nesses ideais acabaram criando espaços pouco atrativos, pouco utilizados e conseqüentemente com diversos problemas de ordem social. De fato, a crítica da autora foi feita baseada em sua vivências de cidades norte-americanas em um momento histórico bastante diferente de hoje. Ainda assim muito do que foi apontado por Jacobs no passado permanece atual, e com serventia para realidades que extravasam a norte americana. A cidade pensada e planejada a partir do “habitar, trabalhar e recrear “, como preconizava a Carta de Atenas proveniente do IV CIAM não foi capaz de arcar com os problemas sociais advindos do acelerado crescimento da população urbana da primeira metade do século XX, e as conseqüências desse desajuste ecoam até hoje.

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QUESTÃO

Matias Ferreira aponta que o problema das cidades se aprofundou com a intensificação da produção industrial. Na cidade oitocentista havia um equilíbrio, ainda que precário, entre “urbano” e “urbanidade” em uma normatividade culturalmente aceita, mesmo que numa base socialmente discriminada. Portanto, não seria de se espantar que a cidade moderna e atualmente a contemporânea remontem a esse passado histórico. Porém, com a lógica do crescimento econômico, o equilíbrio da cidade dos moldes oitocentista não conseguiu suportar tais mudanças. A cidade passa a ser tratada então como mercadoria. “E, nesse processo de conquista, a urbanização agiu efetivamente contra a cidade existente, isto é, contra a urbanidade, o que terá implicado, paradoxalmente, agir contra a qualidade do urbano da própria cidade...” (FERREIRA, p.65) Esta é a segunda questão a ser trabalhada junto à ideia de vitalidade.

A questão da especulação imobiliária se tornou patológica em se tratando de expansão da malha urbana em diversas metrópoles. No contexto da globalização , de alcance econômico, político e ideológico, a flexibilização do mercado contribuiu para um processo de financeirização da terra que influencia imensamente a segregação socio espacial nas cidades. O Estatuto da Cidade de 2001 é um exemplo de resposta positiva dada à preocupação dos efeitos nocivos da política econômica neoliberal. Porém tem surgido novos mecanismos de espoliação urbana relacionados, em última instância, ao empobrecimento e vulnerabilidade social. Hoje, a violência nos bairros populares associadas ao tráfico de drogas e de armas “... cria um clima social e uma cultura que diminuem enormemente a eficácia normativa necessária às práticas e às relações de solidariedade” (RIBEIRO, L., p.53)


QUESTÃO

fig. 01 Espacio Público Colômbia EDU

Neste sentido, os projetos Espaços de Paz, na Venezuela e as intervenções urbanas da Empresas de Desarrollo Urbano (EDU) na Colômbia exemplificam bem intervenções urbanas que propõem uma requalificação do espaço em regiões de alta vulnerabilidade social em prol da valorização de sociabilidades enfraquecidas. Em ambos os casos houve uma aproximação muito grande da equipe responsável pelo projeto com a realidade local. Assim foram elaboradas intervenções pontuais bastante coesas de modo que o espaço construído se tornou capaz de prover melhorias na qualidade de vida das pessoas.

fig. 02 e 03 Espaços de Paz Venezuela PICO Estúdio

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QUESTÃO

CONTEXTO BRASILEIRO

“A história do planejamento urbano no Brasil mostra a existência de um pântano entre sua retórica e sua prática, já que estava imerso na base fundante marcada por contradições: direitos universais, normativa cidadã – no texto e no discurso – versus cooptação, favor, discriminação e desigualdade – na prática da gestão urbana.” (MARICATO, 135)

As cidades brasileiras são marcadas por diversos problemas de ordem socioambiental. O crescimento acelerado da população urbana influenciado também por correntes migratórias provenientes da fuga do campo, de guerras ou simplesmente a procura de empregos ocasionou um inchaço urbano, uma vez que a produção da cidade não foi capaz de acompanhar tal processo. A cultura política patrimonialista de troca de favores que assola o país desde o início de seu desenvolvimento enquanto “Brasil” é a grande responsável pela produção de

espaços urbanos que segrega as classes de baixa renda. Tal situação pode ser relacionada ao entendimento exposto por Villaça sobre o planejamento urbano no Brasil na atualidade: “..somente entendida, enquanto ideologia, é possível compreender a produção e principalmente a reprodução no Brasil, nos últimos 50 anos, do planejamento urbano, cristalizado na figura do plano diretor” (VILLAÇA, 1999). De acordo com o autor, o discurso do planejamento urbano, tal como tem sido elaborado no país, é uma ferramenta encontrada pela classe dominante para exercer sua hegemonia, passando a ideia de que ela tem se empenhado em diagnosticar e resolver os problemas urbanos, camuflando a sua total falta de exeqüibilidade. A falta de políticas públicas urbanas que visam um maior controle da atuação do mercado imobiliário nas cidades em prol do


QUESTÃO

interesse público , e com esta expressão entenda-se o bem maior da coletividade, resulta em um tipo de ocupação na qual a condição financeira é determinante para definir a região a ser destinada. Ou seja, locais bem localizados na malha urbana, com boa infraestrutura e oferta de serviços, equipamentos públicos, áreas de lazer, etc. pela livre atuação do mercado imobiliário, tendem a possuir um terreno valorizado. Nesta situação, quem tem dinheiro, paga. Para quem não tem, resta viver em lugares em processo de degradação, ou então onde a oferta de bens urbanos é precária, ou pior ainda, em terrenos irregulares, muitas vezes considerados de alta fragilidade ambiental e social. O caso se agrava quando esta prática de mercado é assumida e institucionalizada por parte dos governos. É o que tem acontecido no cenário nacional em questão de programas habitacionais desde a época do BNH e das COHAB.

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Atualmente, o Programa Minha Casa Minha Vida deixa isso claro. A ausência de incentivos e regras visando a inserção urbana dos projetos onde já se tem uma estrutura adequada permite que o empreendedor busque terrenos de baixo custo nas franjas das cidades, somando a isso a diminuição dos critérios para aprovação de loteamentos em glebas lindeiras à macrozona construída, obtém-se uma expansão urbana espraiada, o que é extremamente prejudicial para a administrção pública em termos econômicos, e para a sociedade segregada que sofre com a deficiente oferta de serviços, comécio, cultura, lazer, educação, saúde, etc.


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QUESTÃO

fig. 04

As figuras 4 e 5 mostram que apesar de existirem diversas diferenças na base dos programas habitacionais da época do BNH e do atual Minha Casa Minha Vida, o resultado do espaço construído de ambos os programas é extremamente parecido, bem como as consequências para a população residente. Infelizmente para a realidade brasileira é impossível falar sobre habitação de interesse social sem que apareça casos como esses, em que a construção de moradias para pessoas de baixa renda não esteja diretamente relacionada a processos especulativos da terra e consequente espraiamento da malha urbana.

fig. 05


LOCAL

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A CIDADE - GOIÂNIA

Goiânia é uma cidade que aparece com certa frequencia quando se trata de urbanismo no Brasil justamente pela singularidade de ter nascido planejada. O momento de agitação nacional em termos de crescimento econômico dentro do ciclo urbano industrial foi muito bem aproveitado por algumas famílias locais. O fato é que a soma do interesse dessas famílias que detinham poder econômico e almejava o político com o interesse difundido nacionalmente de ocupar a região central do país, expresso pela Marcha para o Oeste de Getúlio Vargas, resultou na proposta de transferência da capital da antiga Vila Boa, atual cidade de Goiás, para o que viria a ser Goiânia. E a singularidade começa ai, pois o plano começou já na escolha do terreno para a implantação da nova capital. Uma Comissão de estudiosos percorreu algumas regiões candidatas ao cargo e a vencedora foi uma nas proximidades do vilarejo de Campinas, hoje um bairro da

Capital. O terreno pouco acidentado, central, de fácil acesso e bem irrigado por córregos e rios contribuiu para a escolha. A construção de Goiânia , segundo Nasr Chaul: “Pode ser encarada como a imaginação utópica da época. Perspectiva de uma nova vida, de um novo tempo, ideologicamente disseminado pela Revolução de 30. Esperança de dias melhores, de ruptura com o passado, de sonho a ser conquistado, enfim, de concretização de um projeto humano resultante das relações humanas” (p.26) Em 1933 Attílio Côrrea Lima foi contratado para executar o projeto da cidade. Em 1935, com o vencimento do contrato e por diversos outros motivos de ordem econômica, familiar e política, Attílio abandona o projeto. Então entra em cena Armando Augusto de Godói, contratado pelo interventor Pedro Ludovico a pedido dos irmãos Coimbra Bueno, cujo nome de família aparece mais de uma vez


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LOCAL


LOCAL

na história goianiense, haja visto a participação política e o grande poder aquisitivo decorrente principalmente da especulação de terra. O Plano foi aprovado em 1938. Até 1947 o parcelamento urbano era prerrogativa exclusiva do poder público. Ou seja, até então era possível manter o plano original. Entretanto a pressão do mercado imobiliário conseguiu em 12 de maio que fosse aprovada lei que permitia loteamentos feitos por particulares, desde que estivessem encarregados da implantação de toda infra-estrutura básica (arruamento, água, esgoto, energia elétrica e calçamento das vias principais) o que desestimulou a especulação. Porém, praticamente um ano depois estes decretos foram derrubados e passou a ser exigido do empreendedor somente a locação e abertura de vias. Neste momento, quem governava o estado era o engenheiro Jerônimo Coimbra Bueno (1947-1951). As décadas de 50 e 60 foram marcadas por uma série de acontecimentos que favorece-

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ram a explosão demográfica da cidade. (RIBEIRO M., p. 40) Isso aconteceu devido a uma composição sociopolítica composta pó agentes sociais proprietários de terras e do capital imobiliário. Essa nova estruturação socioespacial já configurava uma situação de segregação. “Tal segregação deu-se não só pela condição de confinamento dos grupos sociais de baixa renda em loteamentos distantes do centro da cidade - que contavam com um precário serviço de transporte urbano e com dificuldades naturais de acesso pela falta de malha asfáltica - como também pela escassez dos aparelhos públicos e pelo uso social limitado pela diminuição dos traçados (das ruas, dos lotes) contida numa nova expressão do desenho urbanístico.” (OLIVEIRA, p.135) A história oficial conta que o próximo plano foi o de Jorge Wilheim e Arquitetos Associados, assinado pela firma Serete Engenharia S/A, com assessoria técnica do arquiteto e urba-


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LOCAL Goiânia - 1933 - 1939

expansão urbana - 1939 - 1951

nista. Eurico de Godói. Com isso veio uma lei que obrigava o empreendedor a implementar toda a infra-estrutura básica de um loteamento. O resultado foi pior: surgiram diversos loteamentos clandestinos e irregulares, até na divisa com outros municípios menores como Aparecida de Goiânia. O contexto de Wilheim é diferente. No final da década de 60 quase não se aprovava mais loteamentos, mas a cidade crescia vertiginosamente (10% ao ano) e a falta de infra-estrutura tornou-se evidente. Haja visto a grande quantidade de invasões de áreas verdes, principalmente fundos de vale. Nos cinco anos após a conclusão do projeto foram construídos 32 conjuntos habitacionais, no contexto da política habitacional do BNH, em sua maioria de grande porte. Objetivo claro de afastar população pobre da cidade. Perceberam que não adiantava entregar o lote sem a infra-estrutura mínima. Logo retornavam ao centro. Por isso essa política foi um meio de enraizá-las nas periferias. Governo

expansão urbana - 1951 - 1959

Estadual novamente coordenava o processo de ocupação via Cohab, com clara influência de empreendedores imobiliários. Construía sem nem ter aprovação da prefeitura. Novamente, ocupação irregular das áreas públicas, principalmente fundos de vale. Em 1975, chegou a 25% do total. Portanto a questão do parcelamento do solo goianiense pode ser resumida da seguinte maneira: até a década de 50 a política urbana ainda matinha certo controle com medidas restritivas ao loteamento. A partir de 50, com o “afastamento do Estado na condução do processo de ‘criação’ de novos espaços urbanos” (MOYSÉS, p.29), houve explosão de loteamentos. Na década de 70, com a retomada do planejamento urbano houve uma desaceleração no processo até a década de 90, com as facilidades advindas da Lei Municipal n.7.222/93, e nova explosão de loteamentos. Com isso, espraiamento da cidade.


LOCAL

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fig. 06 - Parque Lago da Rosas

fig. 07 - Encontro das Av. T-63 e Av. 85

fig. 08 - Parque Bosque dos Buritis

fig. 09 - Parque Vaca Brava

fig. 10 - Parque Lago das Rosas


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LOCAL

O LOCAL - RESIDENCIAL JARDINS DO CERRADO E MUNDO NOVO

“Aos olhos humanos, a admiração primária da minicidade alude infinidade, mas ainda está muito longe de alcançar sua dimensão originalmente concebida pelo afoito criador. Cortada ao meio, pela avenida principal, constituída por ruas curvilíneas, milhares de casebres arquitetonicamente padronizados, com faixas verticais, interrompidas pelas janelas frontais, multicoloridas para diferenciarem-se, uma das outras, dividida em etapas para facilitar a localização de endereços e quilometricamente distanciada do gigante metropolitano, principal centro urbano do Estado. Assim é essa área de expansão urbana. Assim é a minicidade, localizada no coração do bioma, mais precisamente no oeste da Capital. Em nada aparenta um oásis, porém é bela, encantadora, desejável, inconfundível, diferente, acolhedora, harmônica, às vezes, apaziguada, às vezes não, paradisíaca, talvez mágica, indescritível… Imaginada e desenvolvida com a melhor das intenções que o ser humano pode ter, entretanto, abrolhada com seus problemas difíceis, mas não impossíveis de serem resolvidos, para posteriores sujeitos públicos dotados de boa vontade e com olhares voltados para o cumprimento de direitos constituintes.” (VASCO,2015)


LOCAL

“Como podemos chamar isso de urbanização, quando o crescimento das nossas cidades se realiza, centralmente, pelo aumento do número de moradias que não atendem aos padrões mínimos de habitabilidade responsáveis pela vida em aglomerados urbanos?” (RIBEIRO L., p.48)

Os loteamentos Jardins do Cerrado e Mundo Novo foram aprovados entre os anos de 2009 e 2011 como parte da política pública municipal para prover a cidade de AEIS (Áreas Especiais de Interesse Social). Está localizado na região oeste da cidade, bem na divisa entre os municípios de Goiânia e Trindade, integrante da região metropolitana. O principal acesso ao local se dá por meio da Avenida Sol Nascente que começa em um dos 12 trechos em que se encontram painéis ilustrativos da Via Sacra na Rodovia dos Romeiros (estrada que liga as duas cidades e que durante os meses de junho e julho recebe

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milhares de fiéis que percorrem aproximadamente 20 km em romaria). Além das áreas destinadas a usos públicos, também foram doados a Prefeitura 3.173 lotes. Com esse montante foram construídas 2.378 unidades habitacionais pelo programa Casa da Gente, em parceria do Governo Federal e Municipal, com recursos da Caixa Econômica Federal. Esta primeira parte do empreendimento começou a receber os primeiros moradores em outubro de 2009. Em 2011 começou a ser construída a segunda parte do empreendimento, dessa vez pelo programa federal Minha Casa Minha Vida. Foram contruídas 1.808 unidades. Hoje o loteamento tem aproximadamente 20.000 moradores.


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LOCAL

Trindade

Rodovia dos Romeiros

Residenciais Jardins do Cerrado e Mundo Novo

FĂĄbrica da Coca-Cola

Residencial Conjunto Vera Cruz

Goiânia


LOCAL

A imagem à esquerda representa bem a questão debatida anteriormente: a grande quantidade de vazios urbanos mostra o quanto a cidade se expande de maneira espraiada, totalmente contrária a uma perspectiva de cidade sustentável e compacta. Além de todos os prejuízos de ordem ambiental e financeira da administração pública, há também um grave problema social de segregação. A região do loteamento ainda está longe de alcançar uma situação ideal de oferta de serviços, comércio, lazer, educação, cultura e saúde. Sendo assim, presume-se que é necessário estar constatemente percorrendo longas distâncias. Bom seria se houvesse um sistema de mobilidade eficiente, mas não é o caso. Como pode ser observado nas imagens à direita, a minicidade é pouco abastecida por linhas de ônibus.

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LOCAL

As cartografias 1 e 3 a seguir mostram o que foi aprovado e divulgado no Diário Oficial como Loteamento. A cartografia 1 mostra os lotes que foram doados à Prefeitura e a 2 mostra as áreas reservadas para receberem equipamentos públicos. A catografia 2 mostra os arruamentos implantados atualmente, sejam eles asfaltados ou não, e as quadras construídas Hoje a região conta com três Escolas Municipais, duas creches CMEI e duas Unidades Básicas de Saúde (UBS).


LOCAL

LEGENDA

N

escola creche convivência idoso emprego e renda saúde equipamento urbano parque esportivo praça / parque infantil área verde área de preservação permanente

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LOCAL

Escolas e CMEI em verde UBS em vermelho

Lotes construĂ­dos

Relevo Digital


LOCAL

Loteamento

Área total (m²)

Jardins do Cerrado 01 Jardins do Cerrado 02 Jardins do Cerrado 03 Jardins do Cerrado 04 Jardins do Cerrado 05 Jardins do Cerrado 06 Jardins do Cerrado 07 Jardins do Cerrado 08 Jardins do Cerrado 09 Jardins do Cerrado 10 Jardins do Cerrado 11 Mundo Novo 01

299.321,31

Área p/ Uso Público (m²)

APP (m²)

Área mín. dos lotes (m²)

Número de lotes

33.070,71

Área p/ Sistema Viário (m²)

Número de lotes para Prefeitura

População estimada

Densidade Relativa (hab/ha)

Densidade Absoluta (hab/ha)

100.182,21

-

225,00

634

516

2.409

143,677

80,482

278.961,59

25.558,71

80.520,23

38.553,76

225,00

442

392

1.591

118,456

66,188

452.072,90

46.243,74

128.124,67

47.605,86

225,00

810

638

3.078

133,769

78,101

643.970,08

96.658,64

167.499,56

112.086,77

225,00

912

810

3.465

129,423

65,146

526.344,59

68.241,37

143.611,70

54.471,12

360,00

83

-

2.412

92,762

51,115

569.436,11

77.170,10

127.631,12

131.204,31

360,00

66

-

106,567

56,764

846.520,08

111.616,22

243.766,51

36.221,66

324,00

113

-

4.849

106,596

59,845

775.323,14

150.101,52

211.524,12

151.721,05

360,00

36

-

2.585

98,665

41,450

238.562,25

27.999,31

77.895,95

-

321,88

55

-

1.336

100,673

55,985

377.504,00

35.094,01

124.398,66

-

360,00

87

-

2.441

111,957

64,656

125.459,95

20.727,79

53.630,67

-

4.222,07

06

-

540

105,673

43,042

542.124,00

92.218,99

133.518,22

-

270,00

795

-

-

-

-

Mundo Novo 02

515.177,00

56.522,98

165.378,61

-

225,00

1007

341

-

-

-

Mundo Novo 03

509.877,00

86.352,27

196.890,93

-

225,00

646

476

-

-

-

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30

PROJETO

PROJETO alta atratividade/uso não cotidiano ex.: hospital baixa atratividade/uso cotidiano ex.: escola

“... se os contatos interessantes, proveitosos e significativos entre os habitantes das cidades se limitassem à convivência na vida privada, a cidade não teria serventia.” (JACOBS, p.59)

Tendo em vista todo o conteúdo exposto até então, o projeto a seguir buscou trabalhar a região dos loteamentos primeiro com um plano de massas que indica diretrizes de ocupação, como se fosse um plano diretor de bairro. Este plano tem como principal diretriz promover a autosuficiência da região em termos de oferta de emprego, serviços, comércio e lazer, em relação à cidade de Goiânia. Sendo assim foi pensado um sistema, uma rede de polos de atratividades locais que pudesse distribuir os equipamentos ao longo do espaço de intervenção. A intenção é que não se crie centralidades focais, concentrando a movimentação de pessoas em poucos lugares.

alta atratividade baixa atratividade espaço livre

comércio local comércio diversificado

N


PROJETO

saúde

O projeto parte da ideia de que é preciso ter diversidade de usos pulverizadas no espaço para que as pessoas sejam atraídas para diferentes locais em diversas horas do dia. Após este estudo preliminar de locação dos equipamentos a partir de suas qualidades de atração foi realizado um estudo de raios para verificar se a distância entre os equipamentos de mesmo tipo estavam adequadas. Os equipamentos testados foram de saúde, educação e comércio local. Uma vez decidida a localização dos polos de atratividades o próximo passo foi conectá-los através de uma rede de vias de circulação que se dividem em: Avenidas principais, ruas secundárias, ruas terciárias e ruas para pedestres. Esta rede será o eixo estruturador do sistema de espaços livres a ser elaborado na segunda parte deste trabalho. Será o convite para usar e experimentar a cidade.

comércio local

educação

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32

PROJETO

ADENSAMENTO baixa densidade

alta densidade

mĂŠdia densidade

N


PROJETO

QUADRAS DE USO MISTO: HABITAÇÃO E COMÉRCIO

comércio diversificado

comércio local

N

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34

PROJETO

POLOS DE ATRATIVIDADE

LEGENDA

N

espaço livre emprego e renda UBS centro comunitário lazer centro esportivo assistência social equipamento educacional


PROJETO

VIAS DE CIRCULAÇÃO

LEGENDA

N

ruas secundárias ruas para pedestres avenidas principais linha de ônibus

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36

PROJETO

centro comunitรกrio

avenida principal

rua secundรกria

rua para pedestre

espaรงo livre - praรงa

N


PROJETO

CORTE _ avenidas principais: automóveis, transporte público, ciclovia e pedestre

PLANTA_ avenidas principais: automóveis, transporte público, ciclovia e pedestre

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PROJETO

CORTE _ ruas secundรกrias: automรณveis, ciclovia, pedestre

PLANTA _ ruas secundรกrias: automรณveis, ciclovia, pedestre


PROJETO

CORTE _ ruas secundรกrias: automรณveis, ciclovia, pedestre

PLANTA_ ruas para pedestres

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PROJETO

CORTE _ ruas terciรกrias: automรณveis e pedestres

PLANTA _ ruas terciรกrias: automรณveis e pedestres



42 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FERREIRA, Vítor Matias. A Condição pública e Patrimonial da Cidade: a Reinvenção da Urbanidade? In: MOYSÉS, Aristides (Cor.). Cidade, Segregação Urbana e Planejamento. Goiânia: Editora da UCG, 2005, p.63-85.

MOYSÉS, Aristides. Metrópoles, Desigualdades socio-espaciais e Governança urbana”: A Inserção da Região Metropolitana de Goiânia. In: MOYSÉS, Aristides (Cor.). Cidade, Segregação Urbana e Planejamento. Goiânia: Editora da UCG, 2005, p.13-43

FREITAS, César Augustus L. Labre de. Grupos Locais, Autonomia e Democracia: A Formação de Novos Grupos na Disputa Espacial das Metrópoles. In: MOYSÉS, Aristides (Cor.). Cidade, Segregação Urbana e Planejamento. Goiânia: Editora da UCG, 2005, p.157-172.

OLIVEIRA, Adão Francisco de. A reprodução do espaço urbano de Goiânia: uma cidade para o capital.In: MOYSÉS, Aristides (Cor.). Cidade, Segregação Urbana e Planejamento. Goiânia: Editora da UCG, 2005, p. 127-155.

GEHL, Jan. Cidade para pessoas. São Paulo: Perspectiva, 2015. HARVEY, David. A condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1992.

RIBEIRO, Luiz Cesar de Queiroz. Cidade e Cidadania: Inclusão Urbana e Justiça Social. In: MOYSÉS, Aristides (Cor.). Cidade, Segregação Urbana e Planejamento. Goiânia: Editora da UCG, 2005, p.45-61

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