16
INTERESSA
O TEMPO Belo Horizonte DOMINGO, 31 DE MAIO DE 2015
UARLEN VALERIO
Comportamento. Nascidos entre 1994 e 2010 são idealistas
Umageraçãoque nasceucomogene dainternetequer mudaromundo Sempreconectados, integrantesdageração Zsofrem,porém,de ummal:aintolerância ¬ LUCAS ALVARENGA ESPECIAL PARA O TEMPO
¬ AnaCatarina Ciziliotem 19 anos,
cursa publicidade e propaganda, mantém um blog sobre cabelos cacheados e é voluntária. Rafael MarcosGarófalo tem21anos,estudaengenharia elétrica e apoia causas ambientais. Lucas Dal Prá tem 20 anos, é estudante de sistemas de informação e foi gamer profissional. Embora diferentes, eles pertencem a um grupo composto por 25,9% da população mundial: a geração Z. Mais pragmáticos, independentes, engajados e determinados que os jovens da geração Y, os nascidos entre 1994 e 2010 começam a alterar as relações pessoais. ‘Nativos digitais’, eles não conheceram o mundo sem a internet. Em contato com a rede, esses jovens tecem amizades, fazem negócios, expõem opiniões e dissociam cada vez menos o real do virtual. “O meu tempo livre
é composto por jogos eletrônicos, músicas em cloud e Facebook. Para ir de carro a qualquer destino, uso o GPS. A tecnologia é uma extensão da minha vida”, avalia Dal Prá. Entender a geração Z não é uma tarefa fácil. Os nativos desse grupo sãofrutodeummundoemcriseeconômica, atormentado pelo terrorismoepelos desastresambientais.Por causa desse contexto, eles crescerammaisrealistas ecríticosqueageração Y, na análise da mestre em antropologia e professora de Cultura Jovem da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), Ana Barbieri. “Os jovens dessa geração sãomuitobeminformadosequestionadores. Eles exigem coerência entre o discurso e as atitudes”. No livro Aprender a Resistir, o psicólogo francês Olivier Houde classifica os jovens da geração Z como mutantes. Diretor do Laboratóriode Psicologia do DesenvolvimentoeEducação InfantildaUniversidadede Sorbonne,naFrança, eleexpli-
ca que nossos ‘futuros chefes’ usam mais o córtex pré-frontal, o que acelera a tomada de decisão e a capacidade de cumprir multitarefas. Porém, Houde alerta: o uso excessivo dessa parte do cérebro pode reforçaraintolerância,tãocomumnasredes sociais. “A internet nos deu a falsa noção de liberdade de expressão. Só que a minha liberdade acaba quando começa a do outro”, lembra Ana Catarina. ENGAJADOS. Nas mídias sociais, ado-
lescentes e jovens da geração Z organizam manifestações descentralizadas e se mostram inconformados com a política e a religião. “Enquanto os políticos aumentam salários e verbas de campanha, nós vivemos uma crise com demissões, inflação alta e déficit orçamentário”, observa Garófalo. Para o estudante de engenharia elétrica, até as religiões perderam o propósito. “A religião deveria ser um caminho que desse sentido à vida”. Fora do mundo virtual, a geração Z alimenta o desejo de ‘salvar o mundo’.Como? Segundoa pesquisa Millennial Branding, divulgada no ano passado, 76% dos jovens norte-americanos querem ser voluntáriose ajudar em causas ambientais.
“A religião deveria ser um caminho que desse sentido à vida” Rafael Marcos Garófalo, 21
Estudante de engenharia elétrica
Nainternet,sódownloadgrátis As gerações estão ficando cada vez mais parecidas quando o assunto é comprar. É o que garante a especialista em cultura jovem Ana Barbieri (foto). “A geração X tinha receio de comprar pela internet, mas com o tempo seus indivíduos passaram a adquirir uma série de produtos virtualmente”. Para Ana, o que mais difere a geração Z é a disposição em pagar por um objeto ou serviço. “Os jovens da geração Z estão acostumados a fazer o download de músicas, filmes e livros. Eles dificilmente pagam por esses produtos como a geração X, a não ser quando o assunto é moda”.
EDITORIA DE ARTE / O TEMPO
Maisexigentes Os jovens da geração Z exigem mais de um líder da empresa. “Pessoas em cargos de confiança assumem responsabilidades. Por isso, devem inspirar e motivar”, sugere o estudante de engenharia elétrica da PUC Minas, Rafael Garófalo. Já o estudante de sistemas de informação da PUC Paraná, Lucas Dal Prá, procura certos “requisitos” no local de trabalho. “Só aceito atuar em lugares com uma metodologia de trabalho otimizada, com equipe amigável, que saiba os limites entre o pessoal e o profissional, e tenha uma marca forte e respeitável”, afirma o estudante.
CÉREBRO A MIL Geração z usa mais o córtex pré-frontal O córtex pré-frontal é a parte do cérebro localizada no lobo frontal. Ele seleciona estímulos e informações a serem processados DECIDE ENTRE Rapidez R Ra a X lentidão
Riscos O excesso de tecnologia pode desenvolver resistência cognitiva FONTE: OLIVIER HOUDE
Pensamento automático X pensamento lógico
Intuição X ponderação
Consequências Compromete a capacidade de síntese, lógica e de aplicação da moral. Aumenta a intolerância e a irracionalidade
“Os jovens dessa geração são muito bem informados e questionadores. Eles exigem coerência entre o discurso e as atitudes” Ana Barbieri
Antropóloga e especialista em cultura jovem
O TEMPO Belo Horizonte DOMINGO, 31 DE MAIO DE 2015
VETERANOS
BABY-BOOMER
NASCIDOS ENTRE 1924 e 1940
NASCIDOS ENTRE 1941 e 1960
Nasceram num ambiente de escassez São patriotas e respeitam a hierarquia
Nasceram num ambiente de prosperidade
Buscam fidelidade no trabalho
São otimistas em relação ao mundo
Vivem para a empresa
UAL ENTRE A POPUL CENT AÇÃ PER O
UM FAMOSO
Pelé
Buscam consensos no trabalho Vivem para trabalhar
19% UM FAMOSO
8% GERAÇÃO Z Nasceram num ambiente criativo e multitarefado
Gilberto Gil
ENCONTRO DE GERAÇÕES
15%
Estão determinados a mudar o mundo Buscam engajamento no trabalho
Grupos que dividem espaço no mercado de trabalho
Trabalham por prazer
GERAÇÃO X NASCIDOS ENTRE 1961 e 1979
22%
Nasceram num ambiente de competitividade São céticos e politicamente pragmáticos Buscam competências no trabalho Trabalham para viver
UMA FAMOSA
36%
Mallu Magalhães
UM FAMOSO
Renato Russo
GERAÇÃO Y
NASCIDOS ENTRE 1994 e 2010
Nasceram num ambiente multicultural São otimistas em relação ao futuro Buscam o coletivismo no trabalho Tentam equilibrar o trabalho com o lazer UMA FAMOSA
Gisele Bündchen
NASCIDOS ENTRE 1980 e 1993
FONTES: NUBE (2014), PUC SÃO PAULO, PESQUISA DASEIN E CENSO (2010)
17
Idealistas
Dinheiroésó umdetalhe nabuscapor emprego Confiança é uma característica compartilhada por praticamente todos os jovens da geração Z. De acordo com a pesquisa da consultoria Millennial Branding, divulgada no ano anterior, apenas 6% dos jovens têm medo do que virá. Para a especialista em gestão de pessoas e presidente da Dasein Executive Search, Adriana Prates, a geração Z preza ainda mais por respeito, tolerância e transparência que as gerações anteriores. Esses valores, fundamentais nas relações pessoais, mas, sobretudo, nas profissionais, são mais importantes que a remuneração, segundo a especialista. Conforme a pesquisa da Millennial Branding, 62% dos jovens da geração Y não consideram o dinheiro o fator decisivo para a escolha de um emprego. Na geração Z, o índice chega a 73%. Em contrapartida, o desejo por empreender é mais forte entre os nativos de 1994 a 2010 do que entre os nascidos de 1980 a 1993. Enquanto na primeira há 1% de jovens ávidos por montar o próprio negócio, no segundo e mais velho grupo o índice chega a 11%. “É preciso compreender a nova ordem mundial. A geração Z já lidera milhões de pessoas de forma autônoma, por meio das mídias sociais”. (LA)
7
Minientrevista
G AnaCatarina
Cizilio
Estudante de publicidade e propaganda 19 anos
Voluntária na Pastoral da Mulher, blogueira há três anos e aluna do curso de Publicidade e Propaganda do Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH), Ana Catarina Cizilio é um típico exemplo de jovem da geração Z. Ela trocou um estágio financeiramente vantajoso para buscar satisfação pessoal gerenciando mídias sociais da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Na entrevista a seguir, Ana Catarina expõe suas opiniões sobre tecnologia, hierarquia, consumo, religião, política e liberdades individuais. A tecnologia te afasta ou te aproxima das pessoas? A tecnologia me aproxima e me afasta quase na mesma propor-
“Eu me considero de esquerda, mas não me sinto representada pelo PT, Psol, PCdoB. Também não acredito que a política evolua sem partidos”
ção. Através da internet, eu fiz novos amigos de Norte a Sul do país, pessoas que não teria convívio se não fosse a tecnologia. Por outro lado, em vários momentos, fico mais distante das pessoas próximas, aquelas que estão ao meu lado diariamente. É um erro que nos jovens da geração Z estamos cometendo e que devemos corrigir. Você se considera uma pessoa consumista? Quando comecei a cursar publicidade e propaganda, percebi o quanto somos bombardeados por anúncios e passei a refletir mais antes de comprar qualquer um produto. “Será que preciso disso?”. Hoje, opto mais por produtos artesanais em vez de roupas de marca,
e sinto que me transformei em uma pessoa menos consumista. Você tem uma religião? O que pensa sobre elas? Eu não tenho uma religião, embora acredite em um ser superior. Penso que as religiões não conseguem definir a minha crença. Até tenho uma afinidade pelo espiritismo, mas não o sigo. Qual é a sua percepção sobre hierarquia? Ocupar um cargo de liderança não dá o direito de tratar as pessoas com superioridade. Ser chefe não é subordinar alguém. Essa postura afasta o funcionário e atrapalha os negócios. Se os chefes tratas-
sem todos como iguais, as empresas teriam muito mais capacidade de alcançar seus objetivos.
bus, em Belo Horizonte. Se houver um novo aumento, certamente participarei de novo.
Qual é a sua avaliação sobre o governo?
O país discute suficientemente a questão das liberdades individuais?
Eu me considero de esquerda, mas não me sinto representada pelo PT, Psol, PCdoB. Também não acredito que a política evolua sem partidos. Por isso, creio que o país necessita de uma reforma política maior, que obrigue os políticos a ser mais fiéis a uma base ideológica e a não receberem doações de empresas. E aqueles que seguissem as regras destes partidos deveriam ser expulsos. Em 2013, eu participei de duas manifestações descentralizadas contra o aumento das tarifas de ôni-
Creio que não. Somos um país teoricamente laico, mas os segmentos religiosos atrapalham o debate de questões importantes das minorias, como a legalização das drogas e a descriminalização do aborto. Particularmente, eu sou favorável às duas, principalmente à questão do aborto. Há muitas mulheres que procuram clínicas clandestinas para abortar e acabam morrendo e sendo taxadas como culpadas. Isso tem que mudar. (LA)