Entrevista Vox 54 - Laura Muller

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“Sexualidade é tabu”

Com desenvoltura e clareza, a sexóloga Laura Muller esclarece dúvidas sobre sexo “altas horas” da madrugada e abre espaço para o debate do tema na TV aberta Lucas Alvarenga Beleza, desenvoltura e talento, quando reunidos em uma mulher, são letais. Essa é uma das combinações que, inevitavelmente, despertam a curiosidade dos homens. E o que dizer quando a mulher em questão oferece respostas objetivas às dúvidas que permeiam o universo íntimo masculino e feminino? O caminhar e o olhar decididos e a espontaneidade da entrevistada de dezembro da Vox Objetiva talvez expliquem essa capacidade de aclarar assuntos delicados e arrancar sorrisos onde havia interrogações – mesmo que dos amigos. Dos conterrâneos Giovane Gávio, Leda Nagle e Rubem Fonseca, a juiz-forana herdou o talento para o vôlei, o jornalismo e a presença do sexo na sua literatura, mesmo que de forma bem distinta. Quando foi aos 16 anos para São Paulo a fim de jogar pela seleção paulista de vôlei, a entrevistada nem poderia imaginar os caminhos inexatos que a esperavam. Poucos anos depois, começaria uma carreira promissora no jornal Folha da Tarde. Mas foi um convite para trabalhar na revista Cláudia que mudou a sua vida. Hoje, quando você ouve perguntas, como “Meia-entrada conta como uma inteira”?, “Sexo anal pode engravidar?” ou “É normal a mulher chorar na hora do orgasmo?”, é automático pensar nela. Convidada do “Circuito Viver Bem”, ciclo de palestras e atividades promovido pela sétima vez pela Drogaria Araujo, Laura Muller recebeu a redação da Vox Objetiva nos bastidores de um Minascentro lotado e curioso. As conversas ao pé do ouvido e a expectativa pela palestra informal de uma das sexólogas mais badaladas do país consumiam o público naquela tarde de 25 de outubro. Minutos antes do atraente bate-papo sobre o livro “Altos Papos sobre Sexo”, Laura entrou no camarim e se sentou para ter uma prosa com a Vox. A psicóloga contou como migrou do jornalismo para a educação sexual, comentou sobre a própria carreira,

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adiantou novidades sobre a próxima publicação e, claro, falou sobre sexo em todas e para todas as idades. Você saiu das redações jornalísticas para estudar e trabalhar como educadora sexual. Como ocorreu essa transição? Foi a minha condição como editora de ‘Emoções & Sexo’ da revista Cláudia que me levou a estudar a sexualidade. Eu trabalhava como jornalista havia muitos anos. Comecei a minha carreira na editoria de Cidades dos jornais Folha de São Paulo e Folha da Tarde. Em 1997 surgiu uma vaga de editora de ‘Emoções & Sexo’ na revista Cláudia, e eu topei. Cheguei lá e achei aquilo muito difícil. Então resolvi fazer uma pós-graduação em Educação Sexual, em 2001. A ideia era que o curso me ajudasse a ter desenvoltura para tratar o tema que é um tabu na nossa cultura: a sexualidade. Depois da pós-graduação, lancei o meu primeiro livro. Hoje estou na quarta publicação. Comecei a dar palestras Brasil afora como educadora sexual. Faço isso até hoje. O público abrange jovens, adultos e pessoas da terceira idade. Ao final das palestras, as pessoas me pediam que as atendesse em consultório. Mas quem faz isso é somente um médico ou um psicólogo. Então fui estudar psicologia como segunda formação. Hoje atendo no meu consultório, em São Paulo, jovens, casais, adultos e pessoas da terceira idade. Além disso, escrevo colunas, mantenho meu site, participo de redes sociais e continuo o meu trabalho como educadora sexual. Houve preconceito quando você fez essa ponte entre o jornalismo e a sexualidade? Não... Pelo menos, em relação à minha decisão não houve. Mas o assunto é tabu. Sexualidade é algo difícil de ser abordado na sociedade em geral, seja na escola, nas empresas, em casa, seja entre os casais.


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Nesse sentido, nós, educadores sexuais, tivemos que desbravar espaços. Nesse evento mesmo, é a primeira vez que vem uma sexóloga. Cada vez mais, os espaços se abrem para que nós possamos falar desses assuntos de forma franca, objetiva e esclarecedora. Falando em espaço, como é marcar presença e abordar essas questões na TV aberta? É uma delícia. A TV aberta é um espaço bacana para fazer educação sexual. Além do mais, os jovens são muito divertidos! As dúvidas que eles levantam no programa nunca são questões deles. A brincadeira é sempre do amigo (risos). O clima descontraído e o bom humor que cercam o meu quadro no Altas Horas facilitam o esclarecimento de dúvidas e a assimilação do tema e permitem que eu possa abordar de forma natural esses assuntos tão difíceis e delicados. A apresentadora Fernanda Lima também se vale do clima descontraído e do humor para falar do

assunto. O que você acha da atuação dela no programa Amor & Sexo? A Fernanda e qualquer pessoa que aborde a questão da sexualidade na mídia – seja em um programa de TV, de rádio, seja em uma matéria como essa – fazem algo muito positivo. Afinal, é assim que ampliamos as formas de tratar o tema. A Fernanda, especificamente, trata de sexo de um modo particular e muito divertido. Houve alguma situação ou pergunta que chegou a deixar você sem reação ou sem resposta? Não... Ninguém sabe tudo sobre sexo. Não somos perfeitos. Mas, em geral, as perguntas têm resposta. Até mesmo dizer ‘não sei, vamos pesquisar’. Isso eu recomendo muito para os pais. Eles não precisam saber todas as respostas. Se esses pais abrirem o campo para o diálogo e não souberem esclarecer determinadas dúvidas de seus filhos, eles podem e devem ter a atitude de buscar conhecimento.

Altas Horas/Tv Globo

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Em que pontos você percebe evolução no debate sobre a sexualidade? O primeiro deles é que estamos mais abertos para discutir o assunto. Tanto é assim que começamos a debatê-lo, pela mídia, em determinados espaços. Quando nós olhamos para o sexo de forma mais aberta, isso passa a nos transformar, permitindo que nós possamos viver cada vez mais uma sexualidade saudável, responsável e prazerosa. Mesmo com o maior acesso à informação, a sexualidade ainda sustenta muitos tabus entre os jovens? Sustenta e não só entre os jovens. Entre os adultos e as pessoas da terceira idade, a sexualidade ainda é cercada de mitos. Nós já estamos muito diferentes em relação à época dos nossos avós e bisavós, mas ainda temos um caminho grande a percorrer. Entre a juventude, é comum surgirem dúvidas sobre a iniciação sexual e como evitar e lidar com a gravidez precoce e as doenças sexualmente transmissíveis. Além disso, a virgindade continua sendo um assunto delicado para debater, embora menos que em outras décadas. E entre os adultos, quais são as dúvidas mais frequentes?

ereção no Brasil e no mundo, a terceira idade vem promovendo uma corrida aos consultórios em busca de resgatar o prazer. Isso foi bastante positivo. Ainda há muito preconceito da sociedade com a terceira idade e das pessoas nessa faixa etária em relação a elas mesmas. Mas o idoso pode e deve viver o sexo, o amor e o afeto a vida inteira. Basta ele sentir desejo. Você tem expectativa de lançar mais um livro em breve? A minha publicação mais recente, o “Educação Sexual em 8 Lições – Como Orientar da Infância à Adolescência”, foi lançada em junho passado, em São Paulo. O livro é um guia que fala para professores e pais como fazer uma educação sexual de qualidade das crianças aos adolescentes. Aqui em Minas, o livro escolhido para o bate-papo foi o “Altos Papos sobre Sexo”, até porque a obra abrange uma maior parte da população. O livro é voltado para um público entre 18 e 80 anos. O próximo, que deve sair no ano que vem, é uma reflexão sobre como anda a sexualidade brasileira no mundo adulto.

“Adoro fazer o que eu faço. Eu me sinto realizada como educadora sexual e é nisso que pretendo seguir trabalhando”

O universo adulto tem como principais questões os problemas sexuais, como a diminuição do desejo e as dificuldades para atingir o orgasmo. Os homens dessa faixa etária geralmente se preocupam com a ejaculação precoce e as dificuldades de ereção. As mulheres sofrem com as dores durante a penetração. Talvez em função de séculos de repressão sexual, elas mantenham muitos tabus em torno da masturbação. Por exemplo: um terço das mulheres acha feio ou sujo se masturbar e enfrenta dificuldades para chegar ao orgasmo. Agora, de modo geral, há desinformação no que diz respeito à homossexualidade, que não é doença nem, muito menos, algo de errado. Ainda temos tabus em relação à prática de sexo na terceira idade, ao sexo anal, oral e a outras práticas sexuais. Como é trabalhar a sexualidade na terceira idade? Desde 1998, quando chegaram os medicamentos para

É desejo seu ter um programa próprio na televisão ou no rádio?

Olha: eu adoro fazer o “Altas Horas”! No rádio, às vezes faço umas pílulas e ensaios. Adoro também. Eu estou no “Altas Horas” desde 2007. O programa é um espaço muito bacana. O Serginho [Groisman] se comunica maravilhosamente bem. Os jovens adoram assistir ao programa. Eu estou muito feliz de ter esse quadro por lá. Se for aliada a essa inserção no programa e se eu puder ter outra coisa, estaria aberta para analisar. Mas o “Altas Horas” é um cantinho que eu adoro fazer. Enquanto for possível trabalhar nesse quadro, eu pretendo ficar por lá. Se você não fosse sexóloga, gostaria de atuar em que área? Agora nada me ocorre. Fiz tanta coisa na vida. Fui jogadora profissional de vôlei, trabalhei com jornalismo, agora sou psicóloga e especialista em sexualidade. Adoro fazer o que eu faço. Eu me sinto realizada como educadora sexual e é nisso que pretendo seguir trabalhando. | 11


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